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Mensagem

, Fernando
Pessoa
Mar Português
profundo.
I. O Infante
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a Terra fosse toda uma, desfez. Senhor, falta cumprir-se
Que o mar unisse, já não separasse. Portugal!
Sagrou-te, e foste desvendando a
espuma,

E a orla branca foi de ilha em


continente, Clareou, correndo, até ao fim ✓ O Infante enquanto herói, um
do mundo, E viu-se a terra inteira, de dos eleitos por Deus,
repente, Surgir, redonda, do azul protagonista de uma vontade
divina. Linha severa da longínqua costa —
✓ A grandiosidade da descoberta Quando a nau se aproxima ergue-se a
encosta Em árvores onde o Longe
da terra através da posse do mar ✓ nada tinha; Mais perto, abre-se a terra
O desfecho desventurado da saga em sons e cores: E, no desembarcar,
há aves, flores,
marítima dos portugueses ✓ O tom
Onde era só, de longe a abstrata
desencantado, no qual se
linha.
pressente a certeza de que é
possível recuperar a grandeza
perdida e construir um Portugal O sonho é ver as formas invisíveis Da
novo. distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esperança e da
II. Horizonte vontade, Buscar na linha fria do
horizonte
Ó mar anterior a nós, teus medos A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte
Tinham coral e praias e arvoredos. — Os beijos merecidos da Verdade.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação. ✓ A vontade de um povo em ir cada vez
mais longe, de céus Que, da obra ousada, é minha a
atingir o infinito. parte feita: O por fazer é só com Deus.
✓ A descoberta do “Longe”, do E ao imenso e possível oceano
desconhecido. Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
✓ A visão edénica de um mundo novo. Que o mar com fim será grego ou
romano: O mar sem fim é português.
✓ A valorização do sonho, arriscar na
E a Cruz ao alto diz que o que me há
procura e na na alma E faz a febre em mim de
descoberta da “Verdade”, superando navegar
todos os medos e recebendo os Só encontrará de Deus na eterna
merecidos prémios. calma O porto sempre por achar.
III. PADRÃO
- Discurso de 1.ª pessoa
O esforço é grande e o homem é
pequeno. Eu, Diogo Cão, navegador, - Consciente da sua
deixei pequenez enquanto
Este padrão ao pé do areal moreno E homem, o navegador
para diante naveguei. reconhece ser protagonista de uma “obra
ousada” – a conquista do mar
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos - Soube interpretar a vontade divina e
ousou ir sempre além

- Para diante navegou, mas em cada «De quem são as velas onde me
“areal moreno” deixou um padrão roço? De quem as quilhas que
vejo e ouço?» Disse o mostrengo,
- A febre da descoberta permanente “O e rodou três vezes, Três vezes
porto rodou imundo e grosso,
sempre por achar” «Quem vem poder o que só eu
IV - O MOSTRENGO posso, Que moro onde nunca
ninguém me visse E escorro os
O mostrengo que está no fim medos do mar sem fundo?» E o
do mar Na noite de breu homem do leme tremeu, e disse:
ergueu-se a voar; À roda da nau «El-Rei D. João Segundo!»
voou três vezes, Três vezes do leme as mãos
Voou três vezes a chiar, ergueu, Três vezes ao leme as
E disse: «Quem é que ousou entrar reprendeu,
Nas minhas cavernas que não E disse no fim de tremer três vezes:
desvendo, Meus tectos negros do «Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou
fim do mundo?» E o homem do um Povo que quer o mar que é teu; E
leme disse, tremendo: «El-Rei D. mais que o mostrengo, que me a alma
João Segundo!» teme E roda nas trevas do fim do
mundo; Manda a vontade, que me ata
ao leme, De El-Rei D. João Segundo!»
IV- O Mostrengo

✓Narração do primeiro encontro, aquando da primeira passagem do


Cabo da Tormentas em 1488, entre a figura horrenda do Mostrengo e
o homem do leme (representante de todos os protagonistas da
aventura marítima).
✓Poema que pretende simbolizar a interminável e difícil tarefa da
conquista do mar.
✓Numa relação de clara inferioridade física, o homem do leme não se
deixa intimidar e lança ao monstro o seu desafio, dar cumprimento à
vontade inflexível de D. João II.
✓Ao dominar o Mostrengo, o homem do leme protagoniza a vitória
dos navegadores sobre todos os obstáculos que o mar oferecia: os
medos e inúmeros perigos.
V. EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS
Jaz aqui, na pequena praia Outros haverão de ter
O que houvermos de perder.
extrema, O Capitão do Fim. Outros poderão achar

Dobrado o Assombro, O mar é o Oachado,


que, no nosso encontrar, Foi
ou não achado, Segundo
mesmo: já ninguém o tema! Atlas, o destino dado.
mostra alto o mundo no seu Mas o que a eles não toca
ombro. É a Magia que evoca
O Longe e faz dele história. E por
isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma luz emprestada.

✓ Enaltecimento da coragem deste


✓ Os portugueses como fonte de
navegador, porque dominou o mar e o medo.
inspiração e modelo aos
✓ Relembra a grandiosa tarefa que restantes navegadores.
transformou o mundo até então
✓ Colombo é apenas o pálido reflexo
conhecido.
da grandeza maior dos
VI. OS COLOMBOS
portugueses.
✓ Poema que alude à descoberta do
VII. OCIDENTE
Brasil.
Com duas mãos — o Ato e o Destino — VIII. FERNÃO DE MAGALHÃES
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
No vale clareia uma fogueira.
Uma ergue o facho trémulo e divino E a Uma dança sacode a terra inteira.
outra afasta o véu. E sombras disformes e descompostas
Em clarões negros do vale vão
Subitamente pelas encostas,
Fosse a hora que haver ou a que havia A Indo perder-se na escuridão.
mão que ao Ocidente o véu rasgou, Foi
alma a Ciência e corpo a Ousadia Da mão De quem é a dança que a noite aterra?
São os Titãs, os filhos da Terra,
que desvendou.
Que dançam da morte do marinheiro
Que quis cingir o materno vulto —
Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal A Cingi-lo, dos homens, o primeiro —,
Na praia ao longe por fim sepulto.
mão que ergueu o facho que luziu, Foi
Deus a alma e o corpo Portugal Da mão Dançam, nem sabem que a alma ousada
que o conduziu. Do morto ainda comanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar
As naus no resto do fim do espaço:

✓ Associa as descobertas marítimas à A terra inteira com seu abraço.


Que até ausente soube cercar

conjugação da vontade de Deus com


Violou a Terra. Mas eles não
a ação do homem. O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Os Deuses da tormenta e os gigantes da
Galgam do vale pelas encostas terra Suspendem de repente o ódio da sua
Dos mudos montes
guerra E pasmam. Pelo vale onde se
ascende aos céus Surge um silêncio, e vai,
da névoa ondeando os véus, Primeiro um
✓ Evocação deste navegador português movimento e depois um assombro.
que iniciou a viagem de Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a
circum-navegação ao serviço do rei ombro, E ao longe o rastro ruge em nuvens
de Espanha. e clarões.
✓ Assassinado por nativos no
arquipélago das Filipinas. Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a
✓ Persistência do seu espírito flauta Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil
aventureiro – o seu propósito de trovões, O céu abrir o abismo à alma do
provar que a terra era redonda Argonauta.
perdura para além dele,
vencendo a própria morte
IX. ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA
✓ Vasco da Gama como o eleito que, uma
vez cumprida a sua missão na terra, ascende que ultrapassa a
aos céus. dimensão terrena , comungando na
transcendência.
✓ Afirmação da dimensão do herói, aquele

X – Mar Português

✓O poeta dirige-se ao mar, um mar responsável pelo sofrimento e pela


dor de todos os envolvidos na sua conquista.

✓A importância da vontade da alma humana.

✓O mar associado à conquista do absoluto. O mar encerra perigos,


mas oferece recompensas, ao permitir o acesso a um prémio
superior, seja ele a Verdade, a heroicidade, a imortalidade, a
glória…
XI. A ÚLTIMA NAU
Levando a bordo El-Rei D. Sebastião, Não voltou mais. A que ilha indescoberta Aportou? Voltará da sorte
E erguendo, como um nome, alto o pendão Do Império, incerta
Foi-se a última nau, ao sol aziago Que teve?
Erma, e entre choros de ânsia e de pressago Mistério. Deus guarda o corpo e a forma do futuro, Mas Sua luz projecta-o, sonho
escuro
✓ As duas últimas estrofes referem o regresso de
E breve.
D.Sebastião, que o poeta diz ser certo embora não saiba
Ah, quanto mais ao povo a alma falta, quando. E ao regressar vem ainda com a determinação
Mais a minha alma atlântica se exalta
de construir um império universal, não material, mas do
E entorna,
espírito.
E em mim, num mar que não tem tempo ou ´spaço. Vejo entre a cerração ✓ A nau com a sua bandeira içada nunca mais voltou e
teu vulto baço o embarque de D.Sebastião torna-se místico pelo seu
Que torna. desaparecimento material
✓ Com o desaparecimento de D.Sebastião morre,
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora Mistério. aparentemente, o sonho de um império universal.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda: A mesma, e trazes o pendão ainda ✓ A Última Nau volta e traz um vulto (O Desejado) que
Do Império. Pessoa assemelha a D. Sebastião, que vem retomar a
✓É-nos descrito um dia infeliz, de mau agouro; a nau caminhada para o império universal,- já não material,
que navegava desamparada e só, mas espiritual,- que será o Quinto Império.

enfrentando sozinha um destino adverso. ✓ Um mau ✓ Fernando Pessoa não sabe quando será a hora, mas
tem a certeza que o regresso tão desejado vai acontecer,
pressentimento estava presente ✓ Só Deus sabe o
mesmo que demore.
futuro mas, como o Destino está
traçado por vezes permite aos homens entrevê- lo em
XII. Prece
breves lampejos indefinidos e escuros, apenas no
mistério.
✓ "falta a alma" pois os portugueses não têm alento,
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
ânimo. Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil, mas com a
O mar universal e a saudade. certeza de que é possível recuperar a
grandeza
perdida, ou conquistar outra grandeza.
Mas a chama, que a vida em nós criou, Se
✓ A esperança sobrevive, a chama não está
ainda há vida ainda não é finda.
extinta
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda. ✓ Apelo à ação, numa
antevisão de um novo
império – o Quinto Império – um império
Dá o sopro, a aragem – ou desgraça ou não mais
ânsia –, Com que a chama do esforço se material, porque eterno.
remoça, E outra vez conquistemos a
Distância – Do mar ou outra, mas que
seja nossa!

✓ Prenúncio da linha temática


estruturadora da última parte de
Mensagem.
✓ Sentimento de desencanto e de disforia,

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