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, Fernando
Pessoa
Mar Português
profundo.
I. O Infante
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a Terra fosse toda uma, desfez. Senhor, falta cumprir-se
Que o mar unisse, já não separasse. Portugal!
Sagrou-te, e foste desvendando a
espuma,
- Para diante navegou, mas em cada «De quem são as velas onde me
“areal moreno” deixou um padrão roço? De quem as quilhas que
vejo e ouço?» Disse o mostrengo,
- A febre da descoberta permanente “O e rodou três vezes, Três vezes
porto rodou imundo e grosso,
sempre por achar” «Quem vem poder o que só eu
IV - O MOSTRENGO posso, Que moro onde nunca
ninguém me visse E escorro os
O mostrengo que está no fim medos do mar sem fundo?» E o
do mar Na noite de breu homem do leme tremeu, e disse:
ergueu-se a voar; À roda da nau «El-Rei D. João Segundo!»
voou três vezes, Três vezes do leme as mãos
Voou três vezes a chiar, ergueu, Três vezes ao leme as
E disse: «Quem é que ousou entrar reprendeu,
Nas minhas cavernas que não E disse no fim de tremer três vezes:
desvendo, Meus tectos negros do «Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou
fim do mundo?» E o homem do um Povo que quer o mar que é teu; E
leme disse, tremendo: «El-Rei D. mais que o mostrengo, que me a alma
João Segundo!» teme E roda nas trevas do fim do
mundo; Manda a vontade, que me ata
ao leme, De El-Rei D. João Segundo!»
IV- O Mostrengo
X – Mar Português
enfrentando sozinha um destino adverso. ✓ Um mau ✓ Fernando Pessoa não sabe quando será a hora, mas
tem a certeza que o regresso tão desejado vai acontecer,
pressentimento estava presente ✓ Só Deus sabe o
mesmo que demore.
futuro mas, como o Destino está
traçado por vezes permite aos homens entrevê- lo em
XII. Prece
breves lampejos indefinidos e escuros, apenas no
mistério.
✓ "falta a alma" pois os portugueses não têm alento,
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
ânimo. Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil, mas com a
O mar universal e a saudade. certeza de que é possível recuperar a
grandeza
perdida, ou conquistar outra grandeza.
Mas a chama, que a vida em nós criou, Se
✓ A esperança sobrevive, a chama não está
ainda há vida ainda não é finda.
extinta
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda. ✓ Apelo à ação, numa
antevisão de um novo
império – o Quinto Império – um império
Dá o sopro, a aragem – ou desgraça ou não mais
ânsia –, Com que a chama do esforço se material, porque eterno.
remoça, E outra vez conquistemos a
Distância – Do mar ou outra, mas que
seja nossa!