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É um mito brilhante e mudo —

MENSAGEM O corpo morto de Deus,


BRASÃO Vivo e desnudo.

Bellum Sine Bello Este, que aqui aportou,


Foi por não ser existindo.
I. Os Campos Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
Primeiro / O dos Castelos E nos criou.

A Europa jaz, posta nos cotovelos: Assim a lenda se escorre


De Oriente a Ocidente jaz, fitando, A entrar na realidade,
E toldam-lhe românticos cabelos E a fecundá-la decorre.
Olhos gregos, lembrando. Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto. Segundo / Viriato
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado, Se a alma que sente e faz conhece
Só porque lembra o que esqueceu,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto. Vivemos, raça, porque houvesse
Fita, com olhar ’sfíngico e fatal, Memória em nós do instinto teu.
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal. Nação porque reincarnaste,
Povo porque ressuscitou
Segundo / O das Quinas Ou tu, ou o de que eras a haste —
Assim se Portugal formou.
Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça. Teu ser é como aquela fria
Ai dos felizes, porque são Luz que precede a madrugada,
Só o que passa! E é já o ir a haver o dia
Na antemanhã, confuso nada.
Baste a quem baste o que lhe basta
O bastante de lhe bastar! Terceiro / O Conde D. Henrique
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar. Todo começo é involuntário.
Deus é o agente.
Foi com desgraça e com vileza O herói a si assiste, vário
Que Deus ao Cristo definiu: E inconsciente.
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu. À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
II. Os Castelos «Que farei eu com esta espada?»
Ergueste-a, e fez-se.
Primeiro / Ulisses
Quarto / D. Tareja
O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus As nações todas são mistérios.
Cada uma é todo o mundo a sós. Quando Deus faz e a história é feita.
Ó mãe de reis e avó de impérios, O mais é carne, cujo pó
Vela por nós! A terra espreita.

Teu seio augusto amamentou Mestre, sem o saber, do Templo


Com bruta e natural certeza Que Portugal foi feito ser,
O que, imprevisto, Deus fadou. Que houveste a glória e deste o exemplo
Por ele reza! De o defender.

Dê tua prece outro destino Teu nome, eleito em sua fama,


A quem fadou o instinto teu! É, na ara da nossa alma interna,
O homem que foi o teu menino A que repele, eterna chama,
Envelheceu. A sombra eterna.

Mas todo vivo é eterno infante Sétimo (II) D. Filipa de Lencastre


Onde estás e não há o dia.
No antigo seio, vigilante, Que enigma havia em teu seio
De novo o cria! Que só génios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio
Quinto / D. Afonso Henriques Velar, maternos, um dia?

Pai, foste cavaleiro. Volve a nós teu rosto sério,


Hoje a vigília é nossa. Princesa do Santo Graal,
Dá-nos o exemplo inteiro Humano ventre do Império,
E a tua inteira força! Madrinha de Portugal!

Dá, contra a hora em que, errada, III. As Quinas


Novos infiéis vençam,
A bênção como espada, Primeira / D. Duarte, Rei de Portugal
A espada como bênção!
Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
Sexto / D. Dinis A regra de ser Rei almou meu ser,
Em dia e letra escrupuloso e fundo.
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver, Firme em minha tristeza, tal vivi.
E ouve um silêncio múrmuro consigo: Cumpri contra o Destino o meu dever.
É o rumor dos pinhais que, como um trigo Inutilmente? Não, porque o cumpri.
De Império, ondulam sem se poder ver.
Segunda / D. Fernando, Infante de
Arroio, esse cantar, jovem e puro, Portugal
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro, Deu-me Deus o seu gládio, por que eu faça
É o som presente desse mar futuro, A sua santa guerra.
É a voz da terra ansiando pelo mar. Sagrou-me seu em honra e em desgraça,
Às horas em que um frio vento passa
Sétimo (I) D. João, o Primeiro Por sobre a fria terra.

O homem e a hora são um só Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-


me Ficou meu ser que houve, não o que há.
A fronte com o olhar;
E esta febre de Além, que me consome, Minha loucura, outros que me a tomem
E este querer grandeza são Seu nome Com o que nela ia.
Dentro em mim a vibrar. Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
E eu vou, e a luz do gládio erguido dá Cadáver adiado que procria?
Em minha face calma.
Cheio de Deus, não temo o que virá, IV. A Coroa
Pois, venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma. Nun’Álvares Pereira

Terceira / D. Pedro, Regente de Portugal Que auréola te cerca?


É a espada que, volteando,
Claro em pensar, e claro no sentir, Faz que o ar alto perca
É claro no querer; Seu azul negro e brando.
Indiferente ao que há em conseguir
Que seja só obter; Mas que espada é que, erguida,
Dúplice dono, sem me dividir, Faz esse halo no céu?
De dever e de ser — É Excalibur, a ungida,
Que o Rei Artur te deu.
Não me podia a Sorte dar guarida
Por eu não ser dos seus. ’Sperança consumada,
Assim vivi, assim morri, a vida, S. Portugal em ser,
Calmo sob mudos céus, Ergue a luz da tua espada
Fiel à palavra dada e à ideia tida. Para a estrada se ver!
Tudo mais é com Deus!
V. O Timbre
Quarta / D. João, Infante de Portugal
A cabeça do grifo / O infante D. Henrique
Não fui alguém. Minha alma estava estreita
Em seu trono entre o brilho das esferas,
Entre tão grandes almas minhas pares, Com seu manto de noite e solidão,
Inutilmente eleita, Tem aos pés o mar novo e as mortas eras
Virgemente parada; —
O único imperador que tem, deveras,
Porque é do português, pai de amplos O globo mundo em sua mão.
mares,
Querer, poder só isto: Uma asa do grifo / D. João, O Segundo
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita —
O todo, ou o seu nada. Braços cruzados, fita além do mar.
Parece em promontório uma alta serra —
Quinta / D. Sebastião, Rei de Portugal O limite da terra a dominar
O mar que possa haver além da terra.
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá. Seu formidável vulto solitário
Não coube em mim minha certeza; Enche de estar presente o mar e o céu
Por isso onde o areal está E parece temer o mundo vário
Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu. Mais perto, abre-se a terra em sons e
cores:
A outra asa do grifo / Afonso de E, no desembarcar, há aves, flores,
Albuquerque Onde era só, de longe a abstracta linha.

De pé, sobre os países conquistados O sonho é ver as formas invisíveis


Desce os olhos cansados Da distância imprecisa, e, com sensíveis
De ver o mundo e a injustiça e a sorte. Movimentos da esp’rança e da vontade,
Não pensa em vida ou morte, Buscar na linha fria do horizonte
Tão poderoso que não quer o quanto A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —
Pode, que o querer tanto Os beijos merecidos da Verdade.
Calcara mais do que o submisso mundo
Sob o seu passo fundo.
Três impérios do chão lhe a Sorte apanha.
III. Padrão
Criou-os como quem desdenha. II Parte
Mar Português
O esforço é grande e o homem é pequeno
Possessio Maris Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
I. O Infante E para diante naveguei.

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. A alma é divina e a obra é imperfeita.
Deus quis que a terra fosse toda uma, Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que o mar unisse, já não separasse. Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
O por-fazer é só com Deus.
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E ao imenso e possível oceano
E viu-se a terra inteira, de repente, Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Surgir, redonda, do azul profundo. Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal. E a Cruz ao alto diz que o que me há na
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. alma
Senhor, falta cumprir-se Portugal! E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
II. Horizonte O porto sempre por achar.

Ó mar anterior a nós, teus medos IV. O mostrengo


Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração, O mostrengo que está no fim do mar
As tormentas passadas e o mistério, Na noite de breu ergueu-se a voar;
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério À roda da nau voou três vezes,
’Splendia sobre as naus da iniciação. Voou três vezes a chiar,
E disse, “Quem é que ousou entrar
Linha severa da longínqua costa — Nas minhas cavernas que não desvendo,
Quando a nau se aproxima ergue-se a Meus tectos negros do fim do mundo?”
encosta E o homem do leme disse, tremendo:
Em árvores onde o Longe nada tinha; «El-Rei D. João Segundo!»
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
“De quem são as velas onde me roço? Uma ergue o fecho trémulo e divino
De quem as quilhas que vejo e ouço?” E a outra afasta o véu.
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso. Fosse a hora que haver ou a que havia
«Quem vem poder o que só eu posso, A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Que moro onde nunca ninguém me visse Foi a alma a Ciência e corpo a Ousadia
E escorro os medos do mar sem fundo?» Da mão que desvendou.
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!» Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Três vezes do leme as mãos ergueu, Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Três vezes ao leme as reprendeu, Da mão que o conduziu.
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu: VIII. Fernão de Magalhães
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma No vale clareia uma fogueira.
teme Uma dança sacode a terra inteira.
E roda nas trevas do fim do mundo, E sombras disformes e descompostas
Manda a vontade, que me ata ao leme, Em clarões negros do vale vão
De El-Rei D. João Segundo!» Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.
V. Epitáfio de Bartolomeu Dias
De quem é a dança que a noite aterra?
Jaz aqui, na pequena praia extrema, São os Titãs, os filhos da Terra,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro, Que dançam da morte do marinheiro
O mar é o mesmo: já ninguém o tema! Que quis cingir o materno vulto —
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro. Cingi-lo, dos homens, o primeiro —,
Na praia ao longe por fim sepulto.
VI. Os Colombos
Dançam, nem sabem que a alma ousada
Outros haverão de ter Do morto ainda comanda a armada,
O que houvermos de perder. Pulso sem corpo ao leme a guiar
Outros poderão achar As naus no resto do fim do espaço:
O que, no nosso encontrar, Que até ausente soube cercar
Foi achado, ou não achado, A terra inteira com seu abraço.
Segundo o destino dado.
Violou a Terra. Mas eles não
Mas o que a eles não toca O sabem, e dançam na solidão;
É a Magia que evoca E sombras disformes e descompostas,
O Longe e faz dele história. Indo perder-se nos horizontes,
E por isso a sua glória Galgam do vale pelas encostas
É justa auréola dada Dos mudos montes.
Por uma luz emprestada.
IX. Ascensão de Vasco da Gama
VII. Ocidente
Os Deuses da tormenta e os gigantes da
Com duas mãos — o Acto e o Destino — terra
Suspendem de repente o ódio da sua Que teve?
guerra Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
céus E breve.
Surge um silêncio, e vai, da névoa
ondeando os véus, Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Primeiro um movimento e depois um Mais a minha alma atlântica se exalta
assombro. E entorna,
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a E em mim, num mar que não tem tempo
ombro, ou ’spaço,
E ao longe o rastro ruge em nuvens e
clarões.
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna.
Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a
flauta
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
trovões,
Mistério.
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
X. Mar Português
Do Império.
Ó mar salgado, quanto do teu sal
XII. Prece
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Quantos filhos em vão rezaram!
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Quantas noivas ficaram por casar
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
Para que fosses nosso, ó mar!
O mar universal e a saudade.
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se a alma não é pequena.
Se ainda há vida ainda não é finda.
Quem quer passar além do Bojador
O frio morto em cinzas a ocultou:
Tem que passar além da dor.
A mão do vento pode erguê-la ainda.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou
ânsia —
XI. A Última Nau
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância —
Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
E erguendo, como um nome, alto o pendão
O ENCOBERTO
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago Pax In Excelsis
Erma, e entre choros de ânsia e de
pressago I. Os Símbolos
Mistério.
Primeiro / D. Sebastião
Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta ’Sperai! Caí no areal e na hora adversa
Que Deus concede aos seus Para teu novo fado!
Para o intervalo em que esteja a alma
imersa Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,
Em sonhos que são Deus. Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
Que importa o areal e a morte e a À Eucaristia Nova.
desventura
Se com Deus me guardei? Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido,
É O que eu me sonhei que eterno dura, Excalibur do Fim, em jeito tal
É Esse que regressarei. Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Graal!
Segundo / O Quinto Império
Quarto / As Ilhas Afortunadas
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar, Que voz vem no som das ondas
Sem que um sonho, no erguer de asa, Que não é a voz do mar?
Faça até mais rubra a brasa É a voz de alguém que nos fala,
Da lareira a abandonar! Mas que, se escutarmos, cala,
Por ter havido escutar.
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura. E só se, meio dormindo,
Nada na alma lhe diz Sem saber de ouvir ouvimos
Mais que a lição da raiz — Que ela nos diz a esperança
Ter por vida a sepultura. A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem. São ilhas afortunadas
Ser descontente é ser homem. São terras sem ter lugar,
Que as forças cegas se domem Onde o Rei mora esperando.
Pela visão que a alma tem! Mas, se vamos despertando
Cala a voz, e há só o mar.
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou, Quinto / O Encoberto
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro Que símbolo fecundo
Da erma noite começou. Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz morta do Mundo
Grécia, Roma, Cristandade, A Vida, que é a Rosa.
Europa — os quatro se vão
Para onde vai toda idade. Que símbolo divino
Quem vem viver a verdade Traz o dia já visto?
Que morreu D. Sebastião? Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Cristo.
Terceiro / O Desejado
Que símbolo final
Onde quer que, entre sombras e dizeres, Mostra o sol já desperto?
Jazas, remoto, sente-te sonhado, Na Cruz morta e fatal
E ergue-te do fundo de não-seres A Rosa do Encoberto.
A Nova Terra e os Novos Céus?
II. Os Avisos
Quando virás, ó Encoberto,
Primeiro / O Bandarra Sonho das eras português,
Tornar-me mais que o sopro incerto
Sonhava, anónimo e disperso, De um grande anseio que Deus fez?
O Império por Deus mesmo visto,
Confuso como o Universo Ah, quando quererás, voltando,
E plebeu como Jesus Cristo. Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Não foi nem santo nem herói, Quando, meu Sonho e meu Senhor?
Mas Deus sagrou com Seu sinal
Este, cujo coração foi III. Os Tempos
Não português mas Portugal.
Primeiro / Noite
Segundo / António Vieira
A nau de um deles tinha-se perdido
O céu ’strela o azul e tem grandeza. No mar indefinido.
Este, que teve a fama e à glória tem, O segundo pediu licença ao Rei
Imperador da língua portuguesa, De, na fé e na lei
Foi-nos um céu também. Da descoberta, ir em procura
Do irmão no mar sem fim e a névoa escura.
No imenso espaço seu de meditar,
Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncio claro do luar, Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
El-Rei D. Sebastião. Volveu do fim profundo
Do mar ignoto à pátria por quem dera
Mas não, não é luar: é luz do etéreo. O enigma que fizera.
É um dia; e, no céu amplo de desejo, Então o terceiro a El-Rei rogou
A madrugada irreal do Quinto Império Licença de os buscar, e El-Rei negou.
Doira as margens do Tejo.
’Screvo meu livro à beira-mágoa. Como a um cativo, o ouvem a passar
Os servos do solar.
Terceiro E, quando o vêem, vêem a figura
Da febre e da amargura,
’Screvo meu livro à beira-mágoa. Com fixos olhos rasos de ânsia
Meu coração não tem que ter. Fitando a proibida azul distância.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver. Senhor, os dois irmãos do nosso Nome —
O Poder e o Renome —
Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura. Ambos se foram pelo mar da idade
Mas quando quererás voltar? À tua eternidade;
Quando é o Rei? Quando é a Hora? E com eles de nós se foi
O que faz a alma poder ser de herói.
Quando virás a ser o Cristo Queremos ir buscá-los, desta vil
De a quem morreu o falso Deus, Nossa prisão servil:
E a despertar do mal que existo É a busca de quem somos, na distância
De nós; e, em febre de ânsia, Veio das trevas a procurar
A Deus as mãos alçamos. A madrugada do novo dia,
Mas Deus não dá licença que partamos. Do novo dia sem acabar;
E disse: “Quem é que dorme a lembrar
Segundo / Tormenta Que desvendou o Segundo Mundo,
Nem o Terceiro quer desvendar?”
Que jaz no abismo sob o mar que se ergue?
E o som na treva de ele a rodar
Nós, Portugal, o poder ser. Faz mau o sono, triste o sonhar.
Que inquietação do fundo nos soergue? Rodou e foi-se o mostrengo servo
O desejar poder querer. Que seu senhor veio aqui buscar.
Que veio aqui seu senhor chamar —
Isto, e o mistério de que a noite é o Chamar Aquele que está dormindo
fausto... E foi outrora Senhor do Mar.
Mas súbito, onde o vento ruge,
O relâmpago, farol de Deus, um hausto Quinto / Nevoeiro
Brilha e o mar ’scuro ’struge.
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Terceiro / Calma Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que costa é que as ondas contam Que é Portugal a entristecer —
E se não pode encontrar Brilho sem luz e sem arder,
Por mais naus que haja no mar? Como o que o fogo-fátuo encerra.
O que é que as ondas encontram
E nunca se vê surgindo? Ninguém sabe que coisa quer.
Este som de o mar praiar Ninguém conhece que alma tem,
Onde é que está existindo? Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Ilha próxima e remota, Tudo é incerto e derradeiro.
Que nos ouvidos persiste, Tudo é disperso, nada é inteiro.
Para a vista não existe. Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
Que nau, que armada, que frota
Pode encontrar o caminho É a Hora!
À praia onde o mar insiste,
Se à vista o mar é sozinho? Valete, Fratres.

Haverá rasgões no espaço


Que dêem para outro lado,
E que, um deles encontrado,
Aqui, onde há só sargaço,
Surja uma ilha velada,
O país afortunado
Que guarda o Rei desterrado
Em sua vida encantada?

Quarto / Antemanhã

O mostrengo que está no fim do mar

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