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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

PRÓ-REITORIA DE ENSINO E GRADUAÇÃO


CURSO DE HISTÓRIA MEDIADO POR TECNOLOGIA

HISTÓRIA DA BRASIL II

PARTE I:
UNIDADE I
CONSTRUÇÃO E MANUTENÇÃO DO ESTADO NACIONAL

Imagem: Cortejo da rainha negra na Festa de Reis. Obra de Carlos Julião.

Fevereiro de 2023
Manaus
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

UNIDADE I - CONSTRUÇÃO E MANUTENÇÃO DO ESTADO NACIONAL

O processo de Independência: contexto histórico, social e político……………..07

Primeiro Reinado e Regência:


o desenvolvimento de um país independente……………………………..18

Revoltas do período Regencial:


Cabanagem, Balaiada, Levante dos Malês e Guerra dos Farrapos……….27
APRESENTAÇÃO

A disciplina de História do Brasil II busca refletir sobre os principais temas da

História do Brasil Império tais como: a crise do Antigo Sistema Colonial; as Revoltas

coloniais. A emancipação política, a construção do império brasileiro e o período regencial.

O Segundo Reinado e as transformações econômicas, sociais e políticas. A escravidão e o

processo de abolição.

Nesse sentido, estudaremos o processo político de formação do Estado imperial, o

conflito entre centralizadores e descentralizadores. Além de analisarmos a estrutura

sócio-econômica e política do Brasil durante o Império. E, traçar um panorama da crise

política do Império e da transição para a República. Logo, o nosso curso está dividido em

quatro unidades:

● UNIDADE I - CONSTRUÇÃO E MANUTENÇÃO DO ESTADO NACIONAL

● UNIDADE II. SEGUNDO REINADO: CONSOLIDAÇÃO DA MONARQUIA NOS


TRÓPICOS

● UNIDADE III. AUGE E CRISE DO ESTADO IMPERIAL

● UNIDADE IV. DEBATES SOBRE ABOLIÇÃO E O FIM DO IMPÉRIO

O percurso em torno dos debates historiográficos acerca do sistema colonial e do

império português no século XIX nos levam a refletir sobre processos históricos mais

abrangentes. A transição do século XVIII e XIX foi marcada por um profundo quadro de

transformações, tais como, o desmoronamento do Antigo Regime na península Ibérica. E

com o advento da modernidade em monarquias do Antigo Regime, verificam-se profundas

transformações nos cenários americanos.


A vinda da Corte para o Brasil e a opção de fundar um novo Império nos trópicos
já significaram por si uma ruptura interna nos setores políticos do velho reino. Os
conflitos advindos das cisões e do partidarismo interno do reino desde a Revolução
Francesa iriam se acentuando com o patentear das divergências entre portugueses
do reino e portugueses da nova Corte. (DIAS, Maria. 2005, p.12)

Logo, ao refletirmos sobre a crise do Antigo sistema colonial deve-se examinando as

peculiaridades do processo brasileiro em um processo muito específico, caracterizado pela

interiorização da metrópole e, posteriormente, de um acelerado processo de emancipação

política.

Logo, o translado da corte imperial portuguesa para o Rio de Janeiro é um momento

chave para a compreensão da formação de uma consciência nacional A historiografia recente

busca entender o processo de emancipação do Brasil, a constituição do Estado e da unidade

nacional tendo como marco o ano de 1808. Contudo, esse processo foi marcado por

continuidades da experiência colonial, além de rupturas e ressignificações (papel das elites).

Maria Odila Dias tece críticas ao vínculo estreito dos estudos que apontam a pressão

internacional como justificativa central da emancipação política:

contribuiu decisivamente para o apego à imagem da colônia em luta


contra a metrópole, deixando em esquecimento o processo interno de
ajustamento às mesmas pressões, que é o de enraizamento de
interesses portugueses e sobretudo o processo de interiorização da
metrópole no centro-sul da colônia. (DIAS, Maria. 2005, p.12)

Sobre os principais argumentos em torno da emancipação política, destacam-se:

● continuidade do processo de transição da colônia para o Império.

● a "independência", ou seja, o processo da separação política da metrópole (1822), não


ter coincidido com o da consolidação da unidade nacional (1840- 1850);
● a "independência" nao foi marcada por um movimento propriamente nacionalista ou
revolucionário;

Desse modo, é importante compreendermos a emancipação política dentro do jogo de


pressões da época e não confundi-la como uma luta brasileira nativista da colônia. Vejamos,

O fato é que a consumação formal da separação política foi


provocada pelas dissidências internas de Portugal, expressas no
programa dos revolucionários liberais do Porto e não afetaria o
processo brasileiro já desencadeado com a vinda da Corte em 1808.
(DIAS, Maria. 2005, p.12)

No contexto externo, o processo de reconstrução e modernização de Portugal acirrou


as divergências de interesses com os portugueses no Brasil. Nas palavras de Dias,

A nova Corte, dedicada à consolidação de um Império no Brasil, que deveria servir


de baluarte do absolutismo, não conseguiria levar a bom termo as reformas moderadas de
liberalização e reconstrução que se propôs executar no Reino, aumentando as tensões que
vão culminar na Revolução do Porto. (...) As condições, enfim, que oferecia a sociedade
colonial não eram aptas a fomentar movimentos de liberação de cunho propriamente
nacionalista no sentido burguês do século XIX. Desde a vinda de D. João VI, portugueses,
europeus e nativos europeizados combinavam forças de mútuo apoio, armavam-se,
despendiam grandes somas com aparelhamento policial e militar, sob o pretexto do perigo da
infiltração de ideias jacobinas pela América espanhola ou pelos refugiados europeus. (...)
A sociedade que se formava no correr de três séculos de colonização não tinha
alternativa ao findar o século XVIII senão transformar-se em metrópole, a fim de manter a
continuidade e sua estrutura política, administrativa, econômica e social. Foi o que os
acontecimentos europeus, a pressão inglesa e a vinda da Corte tornaram possível. (...)
A vinda da Corte com o enraizamento do Estado Portugues no Centro-Sul daria
início a transformação da colônia em metrópole interiorizada. Seria essa a única solução
aceitável para as classes dominantes em meio a insegurança que lhes inspiraram as
contradições da sociedade colonial, agravadas pelas agitações do constitucionalismo
portugues e pela formação mais generalizada no mundo inteiro na época, que a Santa
Aliança e a ideologia da contra-revolução na Europa não chegariam a dominar . (DIAS,
Maria. 2005, p.17-19)

Desse modo, segundo Dias (2005), o processo de enraizamento da metrópole na

colônia pode ser compreendido através do estudo dos seguintes tópicos:

● organização do comércio de abastecimento;


● inter relações de interesses comerciais e agrários; casamentos;

● processo de burocracia, etc.

No entanto, segundo Lilia SCHWARCZ, alguns fatores são essenciais para

compreendermos melhor o contexto que resultou no movimento da independência política

(SCHWARCZ, Lilia Moritz. 2011, p.14)

● enraizamento da monarquia portuguesa em terras tropicais

● o prolongamento da permanência da corte no Brasil

● o papel assumido pelo novo reino Unido

De acordo com Dias (2005), as perspectivas que poderia oferecer a colônia para se

transformar em nação causavam temos entre parte da população em decorrência do cenário

social e político que se desenhava no alvorecer do século XIX: o sentimento generalizado de

insegurança social e de pavor da população escrava ou mestiça

Em relação à população e sociedade colonial e pós colonial, Alberto da Costa e Silva,

ao analisar as marcas do período colonial, discutindo o processo de autonomia política

argumenta que apesar de país ter experimentado grandes mudanças na transição do século

XVIII ao século XIX, tais como novos valores estéticos, difusão do estilo neoclássico, as

ideias europeias que circulavam (ilustração), manteve-se o sistema escravista.

Nas palavras do autor, a permanência das grandes propriedades rurais movida pelo

trabalho escravo e voltada à exportação teve impactos profundos no tecido social brasileiro:

E, pelas ruas do Rio de Janeiro, do Recife ou de Salvador,


continuaram a passar negros com grilhoes ao pescoço e mascaras e
flanders. E a ser açoitados no pelourinho. Muito mudará para
alguns, e nada ou pouco para a maioria. A base econômica continuou
sendo a mesma, ainda que, com o fim da ordem colonial, tivesse
cessado a proibição de indústrias". (SCHWARCZ, L. 2011, p. 32)
O país era ao mesmo tempo multicultural mestiço. Mas estava
dividido em duas metades inimigas, atadas pela violência: os homens
livres e os escravos. Mesmo quando as relações do dia a dia não se
mostravam conflituosas, não se calavam no espírito de uns e de
outros a hostilidade e o medo. (SCHWARCZ, L. 2011, p. 57)

Costa e Silva argumenta que, sem libertar os escravos e conceder-lhes a cidadania, a

nação brasileira ficará incompleta. E, desde o processo de transformações políticas e sociais

com a chegada da Corte ao Brasil, esboçava-se uma sociedade contraditória nos trópicos

caracterizada pela rígida hierarquização social e acirramento dos conflitos sociais .

Trilhando tais percursos historiográficos e cenários históricos, buscamos refletir sobre

os principais fatores, que são essenciais para compreendermos melhor o dinâmico e

complexo processo de interiorização da metrópole e a permanência cruel do sistema

escravista no Brasil Independente. Além dos processos históricos que possibilitaram a

consolidação e construção do Estado Imperial e, por fim, a sua crise.

Keith Valéria de Oliveira Barbosa


Wellington Bernardelli Silva Filho
Professores responsáveis pela disciplina

Bibliografia:

DIAS, M. O. L. S. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda,


2005.
COSTA E SILVA, A. População e sociedade. Parte 1. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; SILVA,
Alberto da Costa. História do Brasil Nação (1808-2010). Crise colonial e independência
(1808-1830). 2011.
RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção. Identidade nacional e conflitos
antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: FAPERJ/Relume Dumará, 2002.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. introdução à coleção. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz; SILVA,
Alberto da Costa. História do Brasil Nação (1808-2010). Crise colonial e independência
(1808-1830). 2011.
UNIDADE I - CONSTRUÇÃO E MANUTENÇÃO DO ESTADO NACIONAL

O processo de Independência: contexto histórico, social e político

O século XIX começou, no Brasil, em 1808, com a vinda da corte portuguesa de


Lisboa para o Rio de Janeiro. Embora ainda se passassem quatorze anos até que fosse
proclamada a independência do país – e pelo menos mais duas décadas até que ela fosse
consolidada-, a presença da corte em terras americanas é um daqueles acontecimentos
históricos que, como poucos, marcam uma ruptura indiscutível: dali em diante, tudo seria
diferente. E foi.
Na aula que se segue reproduziremos, de maneira editada, e tendo como base o estudo
feito pelo historiador Jurandir Malerba em “O Brasil Imperial” (1999), o contexto histórico,
social e político da Independência do Brasil.

Contexto Histórico
A vinda da corte foi um fator inusitado veio acelerar o distanciamento entre
“brasileiros” e portugueses. Resistindo ao avanço das tropas napoleônicas e sob proteção
inglesa, D. João, regente de Portugal, foi forçado a transferir-se com a família real e sua corte
para sua colônia americana, onde chegou em janeiro de 1808. Esse acontecimento marca o
início da emancipação política do Brasil. Subitamente, o Rio de Janeiro tornou-se a sede de
todo o vasto Império lusitano. D. João chegou acompanhado de umas quinze mil pessoas,
entre burocratas, áulicos, diplomatas e uma “chusma de parasitas” que compunham sua corte.
(MALERBA, 1999, p. 7-8)
De imediato, o regente viu-se forçado a franquear os portos brasileiros às “nações
amigas”, através de dois contratos de comércio (1808/1810), que iriam beneficiar
especialmente a Inglaterra. A abertura dos portos libertou o Brasil do isolamento imposto
pela condição de colônia ao extinguir o exclusivismo português e liberar o comércio
brasileiro ao trânsito mundial. Em outras palavras, caía o pacto colonial, que subordinou por
três séculos o comércio de exportação e importação brasileiro à intermediação lusa.
(MALERBA, 1999, p. 8)
Nenhuma região brasileira sentiu mais a chegada da Corte do que o Rio de Janeiro,
sede do vice-reino desde 1763, escolhida para ser a capital provisória do Império
luso-brasileiro. Para se ter uma ideia, a população cresceu de sessenta mil habitantes em 1808
para cento e doze mil em 1821. Suas funções comerciais ampliaram-se, já que o porto do Rio
de Janeiro era o principal escoadouro da produção da região centro-sul do Brasil, desde o
auge da exploração aurífera no século XVIII. As novas funções administrativas de que se
investiu a cidade já foram sentidas desde o desembarque. Nessa ocasião, dezenas de imóveis
foram desapropriados pela Coroa para alojar os milhares de cortesãos e burocratas
recém-chegados.
A chegada da corte também produziu uma grande transformação nos hábitos dos
brasileiros devido ao contato com os adventícios. A vida cultural intensificou-se. Instalou-se
a Real Biblioteca e a Imprensa Régia (1810). Começam a circular os primeiros jornais, como
a Gazeta do Rio de Janeiro, em 1808, e O Patriota, em 1813. Nesse mesmo ano,
inaugurava-se o Real Teatro de São João, com acomodação para mil e vinte pessoas na
platéia e mais cento e doze camarotes. árias festividades alteraram pomposamente a rotina da
cidade-capital, como a coroação de D. João VI, a 6 de fevereiro de 1818. Dentre os
empreendimentos mais notáveis desse período encontram-se as políticas para implantação da
máquina de governo na sede do até então vice-reino, como a criação do primeiro Banco do
Brasil.
Naturalistas e artistas europeus puderam, finalmente, por causa da abertura, partir para
a exploração do até então desconhecido território brasileiro. Somente entre 1808 e 1831,
passaram pelo Brasil nomes como os ingleses Henry Koster, John Luccok, os exploradores
alemães Sellow e Freyreiss, os autríacos (com o apoio da princesa D. Leopoldina) Von Spix e
Von Martius, Emmanuel Pohl, Langsdorff e os pintores Debret, Rugendas, Taunay e Tomas
Ender. (MALERBA, 1999, p. 10)
Em suma, o processo de emancipação política foi catalisado por esse fator mais ou
menos inusitado da transferência da corte de D. João para o Brasil. A experiência de criação
de uma estrutura de desenvolvimento institucional, social e econômica de um Estado, como
ocorreu com a chegada da corte, refletiu também como desejo de emancipação entre um
número expressivo de habitantes da antiga colônia. O credo liberal foi aqui devidamente
destilado pelos potentados locais - para quem liberdade e igualdade tornaram-se sinônimos de
autonomia política.
Mas a realidade brasileira destoava - e muito - da europeia. No Brasil, a grande massa
de população responsável pela totalidade do trabalho produtivo era escrava e excluída da
participação política. Aqueles com cabedal e voz monopolizavam as atividades mercantis
(externas e internas), o sistema de crédito, o tráfico negreiro e as grandes unidades de
produção agrícola. Não hesitaram os corcundas - como aqui eram chamados os portugueses
da antiga cepa - em formar nas fileiras conservadoras - e depois recolonizadoras - em defesa
de seus privilégios e monopólios. Coube ao elemento nativo - os residentes no Brasil havia
duas ou mais gerações - tomar as rédeas do movimento emancipador, adequando o
vocabulário liberal aos seus desejos de extinguir os exclusivismos metropolitanos - ou para
deles ser o único beneficiário.
Mais que a distorção do sentido das “ideias francesas”, dando novos referentes aos
signos revolucionários, a “revolução” da Independência caracterizou-se pela inexistência de
uma camada social livre e intermediária entre senhores e escravos, capaz de, superando o
vínculo colonial, impor um sistema representativo de bases democráticas. Por detrás da
exacerbação nativista, ocultavam-se os interesses de uma elite local, obrigando a que entre
nós, no dizer de Sérgio Buarque de Holanda “... a democracia só haveria de ser por força
aparência vã”.
A elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves, em 1815, era sintoma de
que a perda pelos portugueses de sua ex-colônia era irreversível e a volta do Rei cada vez
mais difícil. Em ambos os lados do Atlântico proliferaram panfletos a favor do
restabelecimento do pacto colonial. Outros publicados no Brasil defendiam o contrário: que o
pacto era desastroso e o livre comércio a garantia da emancipação do Brasil frente à
metrópole. A política contraditória de D. João, anulando antigos monopólios e privilégios,
enquanto criava outros que beneficiavam os súditos portugueses, conseguia desagradar a
ambas as partes. O surto criado pela abertura da economia e a concentração dos principais
cargos administrativos em mãos dos lusos criavam ressentimentos cada vez maiores nos
brasileiros. (MALERBA, 1999, p. 15)

Movimentos Políticos
Embalado pela revolução liberal na vizinha Espanha, eclodiu na cidade do Porto, a 20
de agosto de 1820, um movimento revolucionário. As Cortes foram convocadas exigindo
uma Constituição e o regresso de D. João a Portugal. Seus ecos foram imediatamente ouvidos
no Brasil e grupos com interesses completamente antagônicos acabaram aderindo à revolução
constitucionalista. As contradições logo emergiram e a Revolução, que defendia os ideais do
liberalismo - em favor da Constituição e contra o absolutismo - não tardou em mostrar seu
viés recolonizador.
As pressões não diminuíram. D. João, resistente em acatar as exigências lusas, é
pressionado por militares e manifestações de rua a aceitar a Constituição que as Cortes ainda
estavam elaborando em Portugal. A situação tornou-se incontrolável e o monarca foi
obrigado a retornar ao Reino, a 25 de abril de 1821. Em seu lugar, como regente, ficou seu
filho D. Pedro.
As medidas tomadas pelas Cortes revelaram suas verdadeiras intenções: reduzir a
autonomia administrativa e comercial brasileira e restabelecer o pacto colonial. Antes mesmo
da chegada dos deputados brasileiros a Lisboa, já se haviam reconduzido os principais órgãos
governamentais aos portugueses e decretada a volta do Regente. Para isso, nomearam-se um
governador de armas para cada província brasileira, com funções executivas, independentes
do Rio de Janeiro e das juntas governativas recém-criadas, enquanto novas tropas rumavam
para o Rio e Pernambuco.
Diante dessas medidas, os brasileiros ficaram em pé de guerra, ainda mais que sua
representação não teria condições de defender seus interesses. A ideia da Independência
ganhava corpo na avalanche de panfletos de protestos que conclamavam a população e o
príncipe à resistência.
Podemos dividir em três os segmentos políticos em atuação durante o contexto
histórico da Independência. Um, que se poderia chamar de “partido português”, era
representado por comerciantes lusos que desejavam o restabelecimento dos velhos privilégios
coloniais, ao qual se somavam militares e funcionários da Coroa. Um segundo, formado pelas
elites dominantes locais (altos funcionários, fazendeiros, comerciantes ligados aos ingleses)
desejava a autonomia, ainda que fossem simpáticos à monarquia dual. Diante da
impossibilidade dessa hipótese, acabaram aceitando a ruptura e aderindo ao separatismo ao
lado do Príncipe. O terceiro “partido”, de tendências republicanas, era composto por
elementos mais radicais e democratas, ligados principalmente às atividades urbanas: médicos,
farmacêuticos, professores, pequenos comerciantes, padres. (MALERBA, 1999, p. 19)
Na virada para o ano de 1822 chegaram de Lisboa decretos ordenando a retirada do
príncipe e a extinção dos tribunais superiores do Rio, recebidos com grande reação popular.
Sob a efígie liberal congregaram-se as mais distintas facções, que tinham em comum apenas
a rejeição ao retorno do Brasil à condição colonial. Todos tinham a convicção acertada de que
a adesão do príncipe era fundamental para a resistência contra Portugal, cuja presença
ostensiva se fazia representar nas tropas da Divisão Auxiliadora, em prontidão no Rio de
Janeiro.
Talvez seduzido pelas campanhas populares que pediam sua permanência, verificadas
no Rio, em São Paulo e Minas Gerais, D. Pedro decide permanecer no Brasil, a 9 de janeiro
de 1822. A marcha dos acontecimentos superou sua vontade pessoal. Embora faltasse a
adesão das províncias do Norte, D. Pedro comprometia-se com a causa brasileira. Talvez nem
desejasse mesmo a separação, mas abraçou a causa da Independência, que fez em nome das
instituições e da tradição monárquica, assegurando a unidade do país. Assim distinguia-se o
processo emancipatório na América portuguesa do da América espanhola, fragmentada em
inúmeros países independentes que adotaram o regime republicano. (MALERBA, 1999, p.
17)
Com o apoio das elites brasileiras D. Pedro começou a agir. Usou habilmente de sua
condição de herdeiro da Coroa portuguesa, do apoio popular e da adesão das tropas
brasileiras para expulsar a Divisão Auxiliadora e impedir o desembarque de outra que
aportava no Rio. Promoveu a transferência de praças que quisessem aderir às tropas imperiais
brasileiras, tendo tomado uma fragata para a futura marinha nacional. Em nome da
Constituição e do liberalismo, aliciando simpatizantes e neutralizando opositores, D. Pedro
dirigiu-se a Minas Gerais, e depois a São Paulo – palco do grito “Independência ou Morte”
que consolidou simbolicamente a Independência do Brasil, ainda que nunca tenha de fato
ocorrido. (MALERBA, 1999, p. 18)

Conclusões
E assim se completava o ato da emancipação. Uma emancipação singular no elenco
das independências americanas, que tinham gestado repúblicas e não monarquias. O fato é
que a emancipação chegava sem mudanças radicais. A emancipação também colocava no
centro do poder não um presidente, mas um rei: um monarca português e da Casa dos
Bragança. Talvez por isso mesmo se tenha criado uma espécie de “lenda da Independência”,
que reconta a epopeia a partir de uma série de fatos perfilados e encadeados: a chegada da
corte, a abertura dos portos, a elevação a Reino Unido, o “Fico” e finalmente a declaração de
Independência, em 1822 — uma sequência que mais parece apontar para um final
previamente conhecido e que deságua inevitavelmente no Império brasileiro. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015)
O Sete de Setembro representa um momento simbólico destacado de um longo
processo de ruptura iniciado até antes da vinda da corte, e que levou, ao fim e ao cabo, a uma
solução monárquica, implantada bem no meio das Américas. Cercado de repúblicas por todos
os lados, o Brasil colocaria no centro do poder um rei, ou melhor, um imperador, para espanto
e desconfiança dos vizinhos latino-americanos. Por certo, a emancipação não foi obra
exclusiva de nosso quixotesco D. Pedro. O evento é expressão visível de uma série de tensões
e arranjos que se colavam à crise do sistema colonial e do absolutismo, tão característicos do
fim do período moderno. Era todo o Antigo Regime que se desintegrava, e com ele as bases
do colonialismo mercantilista. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Por isso, nossa emancipação não deixou de ser particular e trivial. Se o movimento foi
liberal, porque rompeu com a dominação colonial, mostrou-se conservador ao manter a
monarquia, o sistema escravocrata e o domínio senhorial. Se uma nova unidade política foi
implantada, prevaleceu uma noção estreita de cidadania, que alijou do exercício da política
uma vasta parte da população e ainda mais o extenso contingente de escravizados. Com isso,
noções bastante frouxas de representatividade das instituições políticas se impuseram,
mostrando como a Independência criou um Estado, mas não uma Nação. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015)

A participação popular nas lutas políticas: o caso baiano


A alta política da independência e a rica cultura política da esfera pública emergente
no Rio de Janeiro são os temas principais de boa parte dos estudos historiográficos sobre essa
época. Ainda se sabe muito pouco sobre a participação popular no processo da independência
e como esta foi compreendida pelas classes populares. Ademais, a história da independência
nas províncias do então Norte, notadamente a Bahia, mas também Pernambuco — onde a
participação popular na política daqueles anos era mais visível —, ainda permanece
mal-incorporada às histórias da independência nacional. (KRAAY, 2006, p. 307)
Relativamente poucos historiadores abordaram a questão da participação popular na
independência brasileira. Na medida em que a independência é vista como resultado do grito
do Ipiranga, como no quadro famoso de Pedro Américo, o povo brasileiro não passa de um
espectador atônito. Interpretar a independência como o resultado de uma crise estrutural do
antigo sistema colonial deixa pouca margem para a atuação de pessoas. (KRAAY, 2006, p.
307)
A independência tal como foi alcançada em 1825 — quando do reconhecimento das
monarquias europeias — não pode ser vista como uma conquista popular. O império de d.
Pedro fortaleceu-se derrotando, e em muitos casos reprimindo brutalmente, projetos políticos
regionais que buscavam maior autonomia para as províncias e movimentos populares cujos
partidários concebiam uma sociedade mais aberta. Sua derrota, todavia, não deve nos levar a
ignorá-los.
Por exemplo, como sustentou o historiador João José Reis, os movimentos populares
de escravizados ex-escravizados podem ser chamados como de “um partido negro”. Embora
Reis reconheça que o movimento não era homogêneo, falar de um “partido negro” esconde
diferenças importantes de condição legal e étnica entre escravos, libertos e livres pardos e
negros. De fato, todos tiveram papéis ativos nesses anos, mas nunca atuaram coletivamente.
Os rebeldes muçulmanos e africanos do Levante dos Malês em 1835 rejeitavam totalmente a
sociedade brasileira vigente, e tal resistência escrava se distinguia dos movimentos políticos
dos livres. Sua lógica derivava não da “Era das Revoluções” do mundo ocidental, mas de
fontes africanas. Os brasileiros livres, fossem quais fossem suas divergências, sempre
colaboraram uns com os outros durante as revoltas africanas e escravas desses anos, e apenas
retomaram suas lutas quando controlada a ameaça escrava.
Uma análise mais ampla da política popular na década pós-independência encontra-se
no livro “A liberdade em construção” (2022) de Gladys Sabina Ribeiro sobre os conflitos
anti-portugueses no Rio de Janeiro do Primeiro Reinado. Ela assevera que os escravos e os
pobres livres da capital não eram instrumento de ninguém: “tinham uma ideologia própria,
elaborada a partir das suas vivências e dos conflitos existentes naquelas sociedades”. A
concorrência cotidiana entre imigrantes portugueses e negros fornecia a base das lutas
plebeias pela liberdade da opressão e pelo controle de suas vidas. Ela sustenta que “grupos
‘de cor’ aparecem sempre unidos” nas suas lutas, ao contrário do que se passava na Bahia,
onde distinções entre africanos e crioulos (e entre escravos e livres) dividiam as classes
populares. (KRAAY, 2006, p. 309)
A Bahia se acomoda mal na história mais ampla da independência brasileira. A
província não seguiu nem o Rio de Janeiro, a capital, nem Pernambuco, o centro da
resistência contra as tendências centralizadoras da corte entre 1817 e 1824. Uma guerra
contra as tropas portuguesas sitiadas em Salvador, que durou um ano (1822/23), dominou os
anos da independência na Bahia. A guerra criou novas identidades e proporcionou aos grupos
populares uma nova consciência de sua importância para o Estado, em especial entre os
“homens de cor” que lutaram e saíram vencedores da contenda contra as tropas lusas.
Desde o início do século XIX a guarnição do exército em Salvador era quase
exclusivamente baiana, no sentido de que seus oficiais e soldados eram, em sua grande
maioria, naturais da capitania. O serviço como soldado do Exército estava restrito aos
homens brancos; com muita relutância, as autoridades alistavam pardos. O tempo de serviço
era longo, mas o serviço não era muito desgastante. Muitos soldados viviam fora dos fortes e
dos quartéis. Muitos complementavam seus soldos baixos e etapas parcas com o que
ganhavam como artesãos ou trabalhadores manuais; enfim, estavam bem integrados à classe
baixa urbana.
Todavia, o aumento das tensões relativas ao momento imediatamente anterior à
Independência forçou o Exército a recrutar negros e pardos dentro de um regime de milícia.
A expansão da milícia manteve o padrão setecentista de batalhões segregados racialmente. Os
oficiais brancos variavam dos ricos comerciantes do 1º Regimento aos artesãos
bem-sucedidos do 2º, muitos deles portugueses. Os oficiais pretos do 3º Regimento,
conhecidos como os Henriques, formaram uma elite artesã, que preenchia o fosso entre o
Estado colonial e as classes baixas africanas ou de ascendência africana. Os oficiais do 4º
Regimento, de homens pardos, formaram um grupo menos coeso racialmente e socialmente.
(KRAAY, 2006, p. 311)
Em agosto de 1821, chegava de Lisboa um contingente substancial de tropas
portuguesas, a Legião Constitucional. Convocados para defender os interesses portugueses
contra a reação cada vez mais crescente de Independência do Rio de Janeiro, esses reforços
chegaram a ser percebidos como um Exército de ocupação por alguns baianos, o que
fomentava um espírito anti-lusitano entre a população. (KRAAY, 2006, p. 313)
A lealdade dos baianos às cortes foi duramente testada por medidas que subordinavam
as guarnições brasileiras às autoridades militares de Lisboa e pela chegada, em 11 de
fevereiro de 1822, de ordens para substituir o brigadeiro Freitas Guimarães pelo coronel
Inácio Luiz Madeira de Melo, comandante português do 12º Batalhão que inicialmente se
opusera ao regime lusitano. A Câmara Municipal recusou-se a cumprir a formalidade de
registrar a patente de Madeira de Melo; a tentativa da junta de conciliar a disputa fracassou e
o combate irrompeu em Salvador em 19 de fevereiro. As tropas portuguesas venceram. No
dia 21, capturaram Freitas Guimarães (depois mandado para Lisboa como prisioneiro),
esmagaram os regimentos brasileiros e tomaram Salvador. Muitos oficiais e soldados baianos
fugiram para o Recôncavo, acompanhados dos civis que preferiam emigrar a permanecer
numa cidade sob ditadura militar.
Pouco se sabe dos meses entre fevereiro e junho de 1822. Madeira de Melo, cauteloso,
permaneceu em Salvador, talvez considerando-se vitorioso. Manifestações anti-portuguesas
continuaram na cidade. Em março, “uma multidão de negros” apedrejou a procissão de São
José, da qual participavam muitos portugueses. A esposa de um dos deputados baianos — ela
também senhora de engenho —, Maria Bárbara Garcês Pinto de Madureira, registrou em
carta que temia que a Bahia seguisse o caminho de Pernambuco, “onde pretos e pardos (corja
do diabo!) apedrejam e dão cacetada em todo lojista”. (KRAAY, 2006, p. 316)
No Rio de Janeiro, D. Pedro I desafiou as cortes permanecendo no Brasil e, pouco a
pouco, consolidou um governo alternativo ao regime de Lisboa. Mais tarde, as câmaras do
Recôncavo reconheceram d. Pedro como regente, estabelecendo em setembro um Conselho
Interino de Governo dominado pelos senhores de engenho para coordenar os esforços
militares contra os portugueses em Salvador. Com o apoio do governo do Rio de Janeiro, que
enviou tropas, o Conselho Interino organizou o que se chamou de Exército Pacificador. Uma
mistura de milícias do Recôncavo, corpos provisórios e regimentos do Exército e da Milícia
reconstituídos de Salvador, em grande parte financiados e sustentados por senhores de
engenho baianos, o Exército Pacificador cercou Salvador e subjugou pela fome as tropas
portuguesas da cidade. Na manhã de 2 de julho de 1823, elas embarcaram para Portugal,
deixando os vitoriosos brasileiros entrar sem oposição na capital baiana naquela mesma tarde.
(p. 316-317)
O que significou essa luta para os muitos indivíduos humildes que arriscaram suas
vidas durante o cerco? Em especial, entre as camadas negras escravas, por que engrossaram
as tropas do Exército Pacificador? O que percebemos é que existia crença implícita entre os
escravos de que seriam libertados em decorrência do regime constitucional ou da
proclamação da independência. Estar entre a tropa vitoriosa contra os portugueses poderia
representar a liberdade em um Brasil independente.
Todavia, a presença maciça de escravizados entre as fileiras do Exército preocupou
enormemente setores senhoriais. Francisco de Sierra y Mariscal achava que, em breve, “a
raça branca acabar[ia] às mãos das outras castas, e a província da Bahia desaparecer[ia] para
o mundo civilizado”. Um observador anônimo francês temia que o Brasil se tornasse um
“deplorável pendant da brilhante colônia de Santo Domingo”. Em 3 de outubro de 1822, o
Semanário Cívico aconselhou os “desvairados do Recôncavo” a refletirem sobre o fato de
que o regresso das tropas portuguesas provocaria a emigração dos demais europeus, o que
deixaria um número insuficiente de “brancos” para “conter no dever, e respeito, as raças de
cor”. Em palavras mais comedidas, o vice-cônsul britânico concluiu, em meados de 1824,
que os acontecimentos dos anos antecedentes haviam feito com que “os mulatos e os negros,
de que se compõe a grande maioria da população (...), [adquirissem] confiança e força”.
(KRAAY, 2006, p. 318-319)
Depois da guerra que expulsou os portugueses, os senhores de engenho baianos
vitoriosos enfrentaram a difícil tarefa de restaurar sua autoridade sobre uma população de
escravos que havia ouvido e presenciado muitas novidades sobre um Exército cujos soldados
incluíam um número importante de escravos (cujo status estava ainda por resolver) e sobre as
“classes de cor”, cuja importância havia adquirido novo sentido como resultado dos serviços
prestados à independência. Os soldados-escravos eram um problema sério. O vice-cônsul
britânico explicou que, nove dias depois da evacuação portuguesa, “ainda não houve aquela
restauração de confiança que se esperava (...) [o que é] atribuível ao grande número de negros
armados que têm entrado na cidade, pois, contrário à sã política, se oferecera admissão ao
exército a escravos foragidos”. No mês seguinte, ele reiterou suas preocupações sobre “o
emprego, amplo demais, de negros como soldados”.
A inquietante indistinção entre escravo e soldado prenunciou uma perturbação mais
geral da ordem. A desordem provocada pela guerra contribuiu para o aumento da mobilidade
entre as classes inferiores baianas; a fuga dos escravos e o banditismo se associaram à
deserção para pressagiar uma quebra na disciplina social. Ordens emitidas às autoridades
locais para que devolvessem escravos soldados aos seus donos refletem as preocupações do
governo. O cônsul dos Estados Unidos comentou, em setembro de 1823, que os escravos e os
soldados uniformizados estavam pilhando propriedades dos portugueses em Salvador,
enquanto seu colega francês chamou a atenção para o banditismo rural endêmico, contra o
qual o governo não ousava enviar soldados por medo de que os homens desertassem.
Ademais, a vitória trouxe à tona as divisões existentes no Exército Pacificador. No
início de setembro, vários soldados do Batalhão do Imperador (do Rio de Janeiro) foram
mortos por soldados baianos, fruto da rivalidade entre baianos e fluminenses e seus diferentes
interesses. O relatório do cônsul francês afirmava que “os soldados negros e os batalhões de
mulatos percorriam as ruas, roubando e maltratando os portugueses e alguns estrangeiros,
insultando o governo do Rio de Janeiro e gritando morte ao imperador.” Como resultado, o
governo provincial tomou providências enérgicas, decretando toques de recolher e prisões
sumárias para o porte de armas (escravos seriam castigados com o açoite). Uma companhia
do Batalhão do Imperador embarcou pouco depois e, antes do final do mês, as autoridades
enviaram sumariamente uns 360 “soldados negros (escravos)” para o Rio de Janeiro, uma
medida repetida com mais 500 soldados em dezembro. (KRAAY, 2006, p. 324)
Muito provavelmente, o perfil social dos soldados alistados modificou-se rapidamente
à medida que o Exército Pacificador ia sendo desmobilizado e que o governo criava um
Exército para tempos de paz. Os soldados rasos que tinham outro emprego ou meio de
subsistência provavelmente pediram baixa o mais depressa possível, deixando uma guarnição
composta de uma proporção maior de homens pobres e marginais, presumivelmente
não-brancos, do que a existente no Exército; além disso, os ex-escravos que haviam
conseguido não ser deportados em setembro e dezembro não tinham incentivo para pedir
baixa enquanto o seu status continuasse incerto. (KRAAY, 2006, p. 325)
Os ânimos estouraram, por fim, quando na madrugada de 25 de outubro de 1824,
alguns oficiais e soldados do Batalhão dos Periquitos, agrupamento militar formado em
grande parte por negros e pardos, matou o Coronel Felisberto Gomes Caldeira, comandante
do exército local, e iniciaram uma revolta. Como resultado, o Governo Imperial passou a
reprimir fortemente os envolvidos, executando seus principais líderes. A repressão assumiu
conotações raciais com a remoção de Salvador dos soldados negros e ex-escravos que ainda
permaneciam na cidade. A partida dos Periquitos da província, com a subsequente dispersão
de seus soldados por outras unidades do Sul do Brasil, baniu os que eram então considerados
os homens mais turbulentos. Na suposição de que os soldados negros seriam menos perigosos
no mar do que na terra, a Marinha tornou-se o destino final de muitos. (KRAAY, 2006, p.
329)

Conclusões
Assim, a Guerra da Independência na Bahia mudou o significado do serviço militar,
ao possibilitar o serviço de homens negros no Exército e a liberdade para (alguns) escravos.
Em muitos aspectos, a guerra na Bahia foi apenas parte de uma luta maior e multifacetada
para criar um império vasto sob o controle do Rio de Janeiro. A mobilização deslocou
homens pelos quatro cantos do país, enquanto o serviço patriótico minou padrões tradicionais
de deferência, ocasionando temores sobre a estabilidade da ordem social. Os escravos
lutavam pela liberdade; os livres pobres viam a expulsão dos portugueses como um primeiro
passo para conseguirem algum controle sobre suas vidas. Outros, como os oficiais milicianos
negros, esperavam que seu serviço em prol da independência lhes proporcionasse um status
maior no aparelho do Estado. E os patriotas baianos definiam a independência como uma
vitória popular. (KRAAY, 2006, p. 336)

Bibliografia
KRAAY, Hendrik. Muralhas da Independência e liberdade do Brasil: a participação
popular nas lutas políticas (Bahia, 1820-1825). In: Jurandir Malerba. (Org.). A
Independência brasileira: novas dimensões. 1ed.Rio de Janeiro: Editora da Fundação
Getúlio Vargas, 2006.
MALERBA, Jurandir. O Brasil Imperial (1808-1889): Panorama da história do
Brasil no século XIX. Maringá: EDUEM, 1999.
SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São
Paulo: Companhia das Letras, 2015.
Primeiro Reinado e Regência: o desenvolvimento de um país independente

A independência brasileira tornava-se, aos poucos, uma realidade sem direito a


retorno; isso apesar da estranheza que continuava pairando com relação à saída imperial. A
solução monárquica mais parecia uma contradição em seus próprios termos, dado que na
conjuntura era difícil imaginar um processo de emancipação nas Américas sem prever, como
decorrência, a instalação de um regime republicano. Contradições à parte, a decisão de
realizar a independência com a forma de uma monarquia constitucional representativa
significou uma opção política entre outras disponíveis, nessa agenda dos possíveis. Ela
visava, em primeiro lugar, evitar o desmembramento da ex-colônia, a exemplo do que
ocorrera na América espanhola, quando quatro vice-reinados se converteram em catorze
países distintos. Além do mais, a opção por colocar o rei no poder referendava o perfil das
elites políticas brasileiras, majoritariamente educadas em Coimbra e nos moldes da realeza.
(SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Na visão das elites locais, apenas a figura de um rei uniria esse país gigantesco,
marcado por profundas diferenças internas. Mas o novo monarca continuava a ser português
de origem, e os símbolos da pátria, igualmente. Basta lembrar as cores e o escudo da realeza
que permaneceram na bandeira nacional, ou a serpe bem disposta no cetro — antigo símbolo
dos Bragança, ela representava uma espécie de dragão alado e simbolizava a força da
dinastia. Enfim, com tantos motivos para desconfianças, internas e externas, logo após a
independência política de 1822, investiu-se muito no cerimonial da nova realeza brasileira: D.
Pedro foi aclamado imperador em 12 de outubro do mesmo ano - data que a princípio os
brasileiros consideraram mais importante que o próprio Sete de Setembro.
No plano internacional, as nações também se dividiam. Os vizinhos
latino-americanos, num primeiro momento, recusaram-se a aceitar a nova situação, e
colocaram sob suspeição esse país que, negando a voga das emancipações, optava por manter
a monarquia e, ademais, por um imperador português como chefe do novo Estado. Os
Estados Unidos, que já começavam a atuar como uma força hegemônica no continente
americano, reconheceram em maio de 1824 a emancipação brasileira. Portugal, a pátria-mãe,
demorou a aceitar a Independência, e só o fez em 1825 depois de uma avultosa soma paga
pelo Brasil como indenização.
Internamente o ambiente político era marcado pela divisão. Não havia, por exemplo,
acordo acerca das estruturas básicas sobre as quais o Estado iria se organizar. E não por
acaso, nos dois primeiros anos de país independente — entre 1822 e 1824 —, os debates
centraram-se na primeira Constituição brasileira. Durante a Assembleia Constituinte quatro
grupos com perspectivas muito distintas se digladiaram.
Os primeiros, que podemos chamar de “liberais moderados”, circunscreviam as
reformas ao alargamento de certas liberdades políticas e civis: consolidar os feitos da
emancipação, mas sem comprometer a ordem social ou o status quo vigente. A base desse
grupo compunha-se de proprietários rurais e comerciantes vindos do interior de Minas Gerais
ligados ao abastecimento da corte, associados a políticos da média burguesia e militares. Os
“liberais moderados” pleiteavam apenas reformas político-institucionais, visando,
principalmente, restringir o poder do imperador. Defendiam a monarquia constitucional,
sujeita à divisão de poderes e que conferisse maiores prerrogativas à Câmara de Deputados e
autonomia ao Judiciário. Nada de projetos democráticos e populares na condução do país.
(SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Os segundos, chamados “liberais exaltados”, lutavam por transformações mais
amplas, advogando mudanças não só sociais como políticas. Havia divisões no grupo, mas,
de uma maneira geral, seus integrantes defendiam o sistema federalista, a separação da Igreja
do Estado, o incentivo à indústria nacional, o sufrágio universal, a emancipação gradual de
escravos e, em alguns casos, a implantação de uma República democrática. Eram
responsáveis, pois, por propor projetos políticos alternativos, assim como se mostravam mais
atentos à extensão da cidadania e à redução das desigualdades sociais.
Os dois grupos acima, entretanto, uniam-se frente ao “partido português”, que
reivindicava poderes absolutos para d. Pedro I e reunia não só os lusitanos, mas também
alguns nacionais que advogavam a existência de uma monarquia absoluta. Juntos, moderados
e exaltados compunham o “partido brasileiro”, pois ambos desejavam a submissão do
monarca ao Parlamento.
Por fim, o quarto grupo, os “bonifácios”, facção liderada por José Bonifácio que
defendia uma monarquia forte mas constitucional e centralizada, assim como pretendia abolir
o tráfico e gradualmente a escravidão.
Foi nesse ambiente, claramente dividido, que se abriram os trabalhos da Constituinte
de 1823. O projeto levou o nome de Mandioca, por conta do critério censitário estabelecido
para o direito de voto. Só poderiam ser eleitores ou candidatos a deputado aqueles que
tivessem renda anual equivalente a 150 alqueires de farinha de mandioca. Tal critério
mostrava a influência da elite agrária brasileira. O esboço do texto ficou nas mãos de Antônio
Carlos de Andrada, que por sua vez se pautou na Carta francesa e na norueguesa. Na
sequência o texto foi remetido à Constituinte, para debate e aprovação. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015)
Os constituintes do partido brasileiro tomaram a direção dos trabalhos e previram a
organização de três poderes, seguindo a clássica divisão de Montesquieu e tendo o imperador
e seus ministros do Estado no Executivo. A grande controvérsia do projeto da Constituição
era o estabelecimento do predomínio do Poder Legislativo sobre o Executivo, medida que
claramente contrariou a Pedro I e ao partido português, que defendia abertamente o
absolutismo. Ainda mais contrariados ficaram os portugueses quando viram que, em outro
item do projeto, proibia-se aos estrangeiros o direito de participar na política brasileira, seja
como deputados, seja como senadores.
O conjunto das propostas soava como clara provocação, e em 12 de novembro de
1823 o imperador cercou e dissolveu a Assembleia Constituinte, mostrando que não aceitava
ter seus poderes limitados e se transformar num mero símbolo. Apesar da pressão do
Exército, que se manteve leal ao imperador, os deputados reunidos permaneceram em sessão
durante a madrugada e declararam D. Pedro I um “fora da lei”. Foi então que o monarca
assinou decreto fechando a Constituinte. O episódio ficou conhecido como Noite da Agonia,
por conta da resistência dos políticos, que se recusaram a deixar o recinto. A despeito de
muitos deputados terem declarado que somente sairiam do local “pelas baionetas imperiais”,
a maioria voltou tranquilamente para casa.
É irônico pensar que não só o modelo de independência brasileira preconizou uma
monarquia em lugar de uma república, como nosso primeiro projeto constitucional foi vetado,
e nem chegou a vingar. Aliás, em 1824 d. Pedro apresentaria, ou melhor, imporia um novo
texto constitucional à nação. A alcunha pegou, e até hoje a primeira Constituição brasileira é
conhecida como a Outorgada.

A constituição de 1824
Para evitar equívocos, dessa vez o imperador reuniu a portas fechadas dez pessoas de
sua inteira confiança: todos brasileiros natos e juristas, membros do Conselho de Estado,
criado em 1823, e formados em Coimbra. O texto constitucional foi elaborado em apenas
quinze dias, e tinha como base o projeto da Mandioca. O texto foi então enviado às diferentes
Câmaras, as quais, segundo versão oficial, quase não elaboraram observações à Constituição,
que foi rapidamente jurada na Catedral do Império já em 25 de março de 1824.
(SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Na Constituição de 1824 a forma de governo era monárquica, hereditária,
constitucional e representativa, dividindo-se o país em províncias. A novidade ficava pela
introdução do quarto poder: o Poder Moderador.
De uso privativo do imperador, o Poder Moderador estava acima dos demais poderes
e a eles se sobrepunha, cabendo a seu detentor força coativa e a atribuição de nomear e
demitir livremente ministros de Estado, membros vitalícios do Conselho de Estado,
presidentes de província, autoridades eclesiásticas, o Senado vitalício, magistrados do Poder
Judiciário, bem como nomear e destituir ministros do Poder Executivo. O imperador era
ainda inimputável e não respondia judicialmente por seus atos.
Para os padrões da época, a Constituição de 1824, a despeito de ter sido “outorgada”,
foi até avançada: podiam votar todos os homens a partir de 25 anos com renda mínima anual
de 100 mil-réis. Os libertos votavam e o critério de renda acabava por não excluir do direito
de voto a maior parte da população pobre, uma vez que a maioria dos trabalhadores ganhava
mais de 100 mil-réis por ano. Por fim, analfabetos também tinham direito a voto. Com toda a
sua pretensão liberal a Constituição de 1824 garantiu, porém, um alto grau de centralização
de poderes nas mãos do imperador, manteve um traço absolutista através do Poder
Moderador e ignorou a escravidão.
Essa Constituição continuou a vigorar até o fim da monarquia, e os dados apontam
para um cenário interessante: antes de 1881, 50% da população masculina adulta votava, o
que equivalia a 13% da população total. Para dar uma ideia, em torno de 1870 a população
votante na Inglaterra ficava em torno de 7%; na Itália, 2%; em Portugal, 9%; na Holanda,
2,5%; nos EUA, 18%. Sufrágio universal masculino existia apenas na França e na Suíça.
(SCHWARCZ; STARLING, 2015)

1831: uma outra Independência


Para os políticos locais, o imperador parecia apenas interessado na vida privada e na
política portuguesa. Sem perder de vista as vicissitudes de Lisboa, D. Pedro tentava interferir
nos dois lados e continuava a assinar despachos relativos a Portugal como D. Pedro IV.
Também começava a misturar finanças locais com as da ex-metrópole, assim como não
desviava os olhos da sucessão real portuguesa. A morte do jornalista Libero Badaró, crítico
feroz de D. Pedro I, acirrou ainda mais os ânimos no Império.
Foi nesse contexto que d. Pedro viajou para Minas Gerais, buscando conter agitações
federalistas locais. Nova onda de boatos espalhou a notícia de que ele preparava um golpe
absolutista, planejando dissolver o Congresso. Por isso, quando o imperador voltou ao Rio, as
recepções foram díspares. Comerciantes portugueses, partidários de d. Pedro, prepararam
uma grande festa para celebrar o retorno, no dia 11 de março, com fogueiras, iluminações,
girândolas e lençóis com as cores nacionais. Já os liberais brasileiros entenderam os festejos
como uma ofensa à dignidade nacional. E assim se iniciava o conflito conhecido como Noite
das Garrafadas — por conta dos objetos atirados —, que prosseguiu até o dia 16 do mesmo
mês. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)
No dia 25 de março, aniversário da Constituição, novos conflitos estouraram nas ruas
da corte. No momento em que assistia a uma parada militar no Campo da Aclamação, D..
Pedro foi afrontado por indivíduos críticos ao imperador. A cada dia, novas manifestações e
tumultos ocorriam. Mas a gota d’água caiu quando em 5 de abril, sem conseguir controlar as
agitações, o ministério dos brasileiros foi demitido e d. Pedro nomeou outro, integrado apenas
por elementos de seu círculo íntimo de relações. Manifestações contrárias agitavam o Rio de
Janeiro continuamente, assim como políticos das esferas mais importantes do Império não se
furtavam em criticar publicamente o monarca.
A pressão subiu a tal nível que o imperador resolveu jogar a última cartada: abdicou
em favor de seu filho. Essa era mesmo a única maneira de sustar o processo, garantindo a
continuidade da realeza no Brasil. No dia 7 de Abril de 1831, por volta das três da manhã, a
carta de abdicação era entregue para ser lida publicamente. D. Pedro abdicou melhor do que
reinou. Altivo, afirmou que a decisão estava tomada e encerrou o episódio: “Entre mim e o
Brasil tudo está acabado e para sempre”. Voltava ele então para Portugal, ao lado da esposa,
onde reassumiu seu antigo título português. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Pelos brasileiros a notícia foi recebida com grande entusiasmo, versos patrióticos,
hinos cívicos e vivas a “Pedro II, imperador e constitucional do Brasil”. A euforia tomou
conta do ambiente, e de tal modo, que a abdicação foi entendida como um marco inaugural e
fundador. Muitos a consideraram uma revolução exemplar, pois fora pacífica e não levara a
derramamento de sangue. Outros a chamaram “regeneração brasileira”, tal seu caráter
popular. Toa uma memória foi criada em torno do evento, como se ele representasse um
tempo novo: a verdadeira independência. No entanto, e mais uma vez, a calmaria seria breve.
Como o futuro monarca era ainda menino, tinha seis anos incompletos, abriu-se o período das
Regências: seria preciso que outros governassem o país em nome de d. Pedro II, até que ele
chegasse à maioridade. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)

Regência
Em 1831, durante o início do período regencial, a corte desconhecia as especificidades
de suas diferentes regiões, que vistas de longe pareciam quietas, serenas, e davam a
impressão de que assim continuariam para sempre. A emancipação política de 1822
consolidou-se em torno da corte, isto é, do Rio de Janeiro, privilegiando a instituição
monárquica e a unidade nacional. O sentimento autonomista era, porém, forte nas províncias:
desfeita a unidade do Império luso-brasileiro como consequência da ruptura com Lisboa, o
debate girava ao redor de dois programas políticos decididamente antagônicos: o centralismo
da corte, de um lado, e o autogoverno provincial, de outro.
A adesão das províncias não foi pacífica, Pernambuco e Bahia estavam em condições
de articular de forma consistente o autogoverno provincial. É certo que vingou o projeto
unitário construído em torno da figura simbólica do rei e da crença na vocação do país para a
unidade nacional — aquilo que José Bonifácio dizia ser o Brasil, “esta peça majestosa e
inteiriça de arquitetura social desde o Prata até o Amazonas”. Mas é certo também que a
inspiração federalista que iria sacudir o Brasil ao longo do período regencial e consequências
desse debate apareceriam durante o processo de independência.
Para piorar a instabilidade geral, na época da abdicação de Pedro I, seu filho, o
príncipe Pedro, tinha apenas cinco anos e quatro meses, cuidadosamente contabilizados, e a
saída foi deixá-lo isolado no Paço de São Cristóvão. Era preciso proteger o herdeiro das
esperanças nacionais, pois por força da lei o príncipe regente não podia assumir o governo do
Estado até completar a maioridade, aos dezoito anos. Abriu-se, então, um vácuo político que
liberou a imaginação popular, com graves e importantes resultados. A questão sucessória
incendiou as demais províncias, que agora, sem um rei no poder, passaram a contestar a
legitimidade dos novos governantes, os quais estariam excessivamente voltados para a lógica
da corte carioca. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Prevista na Constituição Política do Império do Brasil para o caso de vacância no
poder, a Regência representava a saída mais legítima para dar normalidade política à situação
criada com a partida abrupta do imperador. Assim, mal o Senado recebeu oficialmente a
notícia da renúncia de D. Pedro I, o Senado elegeu a toque de caixa uma Regência Provisória
composta de três senadores: Francisco de Lima e Silva, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro
e José Joaquim Carneiro de Campos (o marquês de Caravelas). Os regentes tinham posturas
opostas, tanto em relação aos grupos que apoiavam como nas atitudes políticas que
adotavam: o primeiro era considerado um liberal, isto é, favorável ao federalismo; os outros
dois eram conservadores, e o senador Vergueiro costumava ser encarado como um centralista
empedernido.
Nesse meio-tempo, apostando firme na força simbólica do imperador menino, já em 9
de abril (dois dias após a abdicação) o sucessor do trono foi aclamado, pelo Legislativo,
Imperador do Brasil. O artista francês Jean-Baptiste Debret ficou responsável por tornar
“eterno” o momento, que era apenas resultado da política ligeira dos homens. De tão
pequeno, o menino que foi apresentado ao povo na varanda do Paço da Cidade teve de
montar numa cadeira para que pudesse ser visto ao acenar a todos com seu lenço. Essa era a
forma como a elite política se organizava: procurando tornar visível o futuro próximo, que se
encarnava na figura de um monarca ainda garoto.
O momento era dramático, e d. Pedro sabia que deixava os filhos sem data para
revê-los. A fim de não expô-los demais, e garantir que ficassem apartados da turbulência
política que ia se espalhando pelo país, os três únicos membros da família real a restar no
Brasil foram transladados para o Palácio de São Cristóvão ou da Boa Vista, mais afastado do
centro agitado da capital. Lá, passariam a cumprir um tedioso cotidiano, com horários
rígidos, poucas visitas, e muitas lições e tarefas. Era preciso formar o futuro imperador e
mantê-lo tranquilo, enquanto o Brasil, lá fora, literalmente fervia.
Fora do ambiente tranquilo do Paço, os políticos da Regência Provisória se viram
pressionados a agir rápido. Na Bahia, em Pernambuco e em Minas Gerais, portugueses
começavam a ser atacados, mostrando uma nova face xenófoba dos ativistas. Era preciso
acelerar ainda mais o processo político, e outra eleição foi marcada na Assembleia com o
objetivo de transformar o provisório em permanente. No dia 17 de junho era eleita a Regência
Trina Permanente, composta dos deputados José da Costa Carvalho (o marquês de Monte
Alegre, deputado pela província da Bahia); João Bráulio Muniz (natural do Maranhão), e do
senador Francisco de Lima e Silva (barão da Barra Grande). (SCHWARCZ; STARLING,
2015)
Entre os feitos dessa Regência Trina constam a reforma do Legislativo, que limitou o
exercício do Poder Moderador partilhado pelos regentes e aumentou a preeminência dos
deputados e senadores sobre o Executivo; a criação da Guarda Nacional, um instrumento
repressivo destinado a garantir a ordem nas províncias. Porém as atitudes não foram
suficientes para acalmar os ânimos no império. Críticas de toda sorte eram publicadas nos
jornais do país, mostrando o descontentamento das províncias com relação as políticas da
Corte. Como agravante, em 1832 estourava a Cabanada em Pernambuco, revolta que se
estendeu até 1835 e deixou um saldo incerto de mortos, porém seguramente na casa dos
milhares.
Dado o clima geral de animosidade e descontentamento, não havia outra saída senão
buscar mudanças profundas no jogo político. O Ato Adicional de 1834 significou a tentativa
de reler a Constituição de 1824, tirando dela seu caráter por demais centralizador instituindo,
dentre outras questões, a Regência Una. Contraditório em seus termos e fruto de muitos
acordos e negociações, o Ato centralizava, na figura de um só regente, cujo mandato seria de
quatro anos, e descentralizava, por meio das Assembleias provinciais. A medida também
aumentava os poderes do presidente de província, que passava a ser a principal autoridade
local. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Foi nesse clima que ocorreu a primeira eleição para regente único no país. Saiu
vitorioso o padre Diogo Antônio Feijó, paulista, do Partido Moderado. Sua regência se
iniciou em 12 de outubro de 1835, e o padre ficaria no cargo até 19 de setembro de 1837: um
tempo até longo, se lembrarmos a fragilidade da situação política. Mas Feijó não teria vida
fácil: contou com muitos adversários políticos, e teve como antagonista a própria Igreja, em
razão da defesa que fazia do fim do celibato clerical. A instabilidade parecia ter se convertido
em sistema de governo, com o regente movendo de uma pasta para outra um reduzido grupo
de homens. Entretanto, o que marcou de fato a primeira Regência Una foi a eclosão de dois
graves conflitos em pontos extremos, quase nas fronteiras, do país: a Cabanagem no Pará e a
Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul.
Para além das revoltas que estouravam nas províncias, na corte as coisas não se
encaminhavam muito bem. Regente Feijó, nos idos de 1837, encontrava-se cada vez mais
isolado. Sua sustentação política era tão precária que o religioso não teve outro remédio
senão declarar-se gravemente enfermo e oferecer sua renúncia em 19 de setembro. Passou a
regência a seu adversário político, Pedro de Araújo Lima, o marquês de Olinda, que era seu
ministro. As eleições realizaram-se em abril do ano seguinte, confirmando o ponderado
Araújo — de caráter em tudo diverso do caráter do explosivo Feijó — como regente.
(SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Ao longo do seu governo Araújo Lima fundara o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro,
que iria se converter num futuro próximo no modelo educacional brasileiro; também criou o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (em 1838), outro futuro pilar da política imperial
de Pedro II, e a Escola Militar (em 1839), todos entendidos como meros paliativos nesse
contexto de humores exaltados. Sua medida mais significativa seria o ato que acabava com as
políticas liberais que marcaram as Regências anteriores, reformando-se o Código do Processo
Criminal (que dava autonomia de julgamento às diferentes províncias). O objetivo era claro:
pôr fim ao processo de autonomia provincial e municipal, e manter o controle da política e do
Judiciário bem nas mãos dos regentes. Visava controlar de vez não só as agitações locais
como os movimentos que continuavam a estourar nas diversas partes do país.
De fato, desde antes da regência de Araújo Lima, e em moto contínuo, estouraram
rebeliões em várias províncias brasileiras, que a despeito de suas demandas particulares
guardavam, no conjunto, novas reivindicações por autonomia. Afastadas das instâncias
decisórias, e insatisfeitas com os rumos tomados no Império, essas novas lideranças
passavam a introduzir tópicos até então pouco conhecidos na agenda do país. Revoltas como
a Cabanagem, no Pará; a Balaiada, no Maranhão; a Sabinada, na Bahia, e a Guerra dos
Farrapos, no Rio Grande do Sul, indicavam como o barulho ainda difuso das províncias —
feito de descontentamentos isolados e tensões latentes — tinha potencialidade para se
transformar num grande coral, composto de vozes que cantavam em solo mas resultavam
num conjunto nada harmonioso. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)

Fim da Regência: D. Pedro II sobe ao poder


A ideia de antecipar a subida de d. Pedro ao trono, originalmente prevista pela
Constituição para 1843, quando o monarca completaria dezoito anos, não era segredo de
ninguém. Afinal, já em 1835 se comentava abertamente a necessária coroação do imperador.
Mas foi em 1840, com a criação do Clube da Maioridade, que o projeto tomou forma: os
deputados liberais, contrários à Regência de Araújo Lima, vão ao Senado e exigem a posse
antecipada de Pedro de Alcântara. Inusitado pensar que, diante das várias rebeliões
regenciais, dos projetos republicanos e da radicalização da situação, reforçou-se uma saída
simbólica, sustentada num sistema de governo monárquico e liderado pela Região Centro-Sul
do país: só o monarca poderia garantir um poder centralizado e de representação nacional.
(SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Já o pequeno príncipe, mantido no Paço e apartado da situação, parecia pouco
entender as contingências mais urgentes do mundo da política. Em relato datado de março de
1840, Pedro Araújo Lima conta como foi sua conversa com o monarca. Segundo o regente,
quando perguntado sobre a possibilidade da maioridade, D. Pedro II teria dito apenas: “De
fato, não tenho pensado nisso”.
A versão da mesma propagada na corte durante o período história é bem diferente.
Conta que, consultado em 1840, o jovem de catorze anos teria dito: “Quero já!”, revelando
uma maturidade emocional em que é difícil acreditar. Começava a se forjar, então, uma
imagem que acompanharia o imperador até sua morte: o homem de porte impassível, cautela
nas palavras e decidido politicamente. A representação de um rei que, pretensamente
posicionado acima da política, viria redimir a nação. De acordo com os relatos, d. Pedro II
parecia representar a encarnação de um monarca europeu. Com o tipo dos Habsburgo —
queixo longo, olhos muito azuis, pele clara, cabelo liso e aloirado —, o príncipe destacava-se
em meio à população de seu reino, em sua boa parte composta de negros, mestiços e mulatos.
Jornais e panfletos distribuídos na corte não cansavam de enaltecer as qualidades
prodigiosas do jovem Pedro: sua educação, inteligência, cultura, domínio de línguas mortas e
vivas, além da destreza na equitação e na esgrima. O segundo rei que o Brasil conheceu — o
mais duradouro e popular — iniciava, assim, sua vida cívica envolto por um suntuoso teatro;
o teatro da sua precoce maturidade. As roupas de adulto, a fama de filósofo e poliglota, e o
temperamento equilibrado, tudo contribuía para fazer do monarca um grande personagem
projetivo: um espelho invertido de seu pai. E estava pronto o cenário necessário para o ritual
de sagração e coroação de d. Pedro II.
O ritual da Sagração e Coroação de pequeno infante, em 18 de julho de 1841, deu-se
com muita pompa e grandiosidade. Apenas o cortejo era formado por mais de cinquenta
integrantes, entre soldados e guardas de honra; banda de música; um arauto; porteiros; o
corregedor da corte; o confessor; e vários coches conduzindo nobres e a família imperial. Na
Capela imperial, por sua vez, achava-se reunida parte selecionada da corte, que esperava pelo
beija-mão. Conta-se que, como os cabeleireiros franceses eram raros, não deram vazão à
demanda, e senhoras penteadas na véspera dormiram vestidas e recostadas em travesseiros.
Tudo foi feito, enfim, para que o evento lembrasse uma versão autêntica da mais tradicional
das sagrações europeias. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Conta-se que, quando d. Pedro II apareceu para a multidão, repicaram os sinos,
soaram as salvas, e a multidão saudou o novo imperador. Com a pesada coroa na cabeça,
arrastando o longo manto e com a murça de plumagem dando-lhe o aspecto exótico de
Imperador do Divino, subiu d. Pedro os degraus do trono e olhou para a turba a seus pés.
Assim pequeno, ele mais parecia uma figura alegórica. Mas o que valia era a lógica do
espetáculo proporcionado pelo Estado. Esqueça-se a idade do monarca, a pressa na realização
do ritual e o caráter um pouco artificial de toda a encenação. A intenção era que as
dificuldades políticas experimentadas durante as Regências desaparecessem em meio a
sagração ritual. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)

Bibliografia
SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São
Paulo: Companhia das Letras, 2015.
Revoltas do período Regencial: Cabanagem, Balaiada, Levante dos Malês e Guerra dos
Farrapos

Fase mais conturbada da história do Brasil, o período regencial é tradicionalmente


visto sob perspectiva negativa, que o caracteriza como época anárquica e anômala, como
empecilho à formação e à preservação da nação brasileira. Na presente aula, alicerçada nas
obras de Lilia Schwarcz, Heloisa Starling, Marco Morel e Augustin Wernet, estudaremos as
motivações, desenrolar e desdobramentos dos principais levantes ocorridos durante o período
regencial.
A construção inicial da imagem negativa que marcou esse período está presente em
autores que posteriormente marcaram a historiografia tradicional sobre a Regência. Esta
historiografia se esforçou em enfatizar os problemas imputados ao "espírito democrático", ao
“excesso de liberdade”, à fraqueza do governo, à insuficiência das leis, à instabilidade das
instituições, à descentralização política, ao radicalismo dos grupos de oposição, à
insubordinação das tropas, à participação da populaça, às sucessivas revoltas, à desordem
generalizada, que ameaçariam a integridade nacional; quadro, enfim, que ia frontalmente de
encontro à imagem de estabilidade, unidade e ordem que faziam do império e que foi
amplamente legada à posteridade.
As rebeliões são momentos nos quais determinadas práticas, propostas e agentes
históricos ganham maior visibilidade, marcam os rumos dos acontecimentos e imprimem
presença nos registros históricos, ainda que de forma fugaz ou explosiva. Estudar as rebeliões
do período regencial se, por um lado, abre portas para o conhecimento de realidades fora do
eixo central de poder do país, por outro corre o risco de resvalar para um prisma regionalista,
com suas manipulações e “escolhas” ligadas à elaboração de memorias regionais. O estudo
desses movimentos contestatórios (embora ainda por se fazer a contento, e repleto de
possibilidades) pode deixar de lado o cotidiano e o ritmo mais denso das relações humanas,
que compõem as vidas daquela e de todas as épocas. Todavia, não se pode conhecer as
Regências sem levar em conta suas rebeliões, que nos colocam no âmago de situações-limite
da sociedade. (MOREL, 2003, p. 52)
Não nos ficaram imagens da maioria dos rebeldes do período, regencial, não só os
anônimos ou pouco conhecidos, mas até mesmo os líderes. Não sabemos como eram os
rostos do escravo Cosme Bento das Chagas ou do vaqueiro Raimundo Gomes, que se
destacaram na Balaiada (Maranhão e Piauí) à frente de milhares de homens em armas; dos
irmãos Francisco e Antonio Vinagre, da Cabanagem (Pará), que controlaram largas faixas
territoriais e destituíram governos locais; das dezenas de chefes de bandos armados que
integraram esses dois movimentos e tantos outros como a Cabanada (Pernambuco e Alagoas)
e a Farroupilha (Rio Grande do Sul e Santa Catarina); do médico Francisco Sabino Vieira, da
Sabinada; de Pacífico Licutan, Manoel Calafate e Elesbão do Carmo, do levante dos Malês;
do escravo, tropeiro e considerado “rei africano” Ventura da Mina, da Revolta das Carrancas
(Minas Gerais), entre muitos outros. (MOREL, 2003, p. 52-53)
Sem dúvida não há como analisar o período das Regências sem lembrar o conjunto
das revoltas que eclodiram no país. Por muito tempo conhecidas como “nativistas” — pois
consideradas apenas motins políticos localizados e sem maiores questionamentos —, elas têm
hoje sido entendidas de outra perspectiva, como uma expressão mais radical do embate
político travado entre dois grupos que defendiam ora a unidade nacional ora o federalismo.
Elas também deram prosseguimento às manifestações de descontentamento com a política de
centralização, iniciadas já no Primeiro Reinado e responsáveis pela abdicação de Pedro I.
(SCHWARCZ; STARLING, 2015)

Cabanagem
Foram muitas as manifestações de curta duração, mas algumas marcaram o cenário
nacional e trouxeram sensação de pânico às elites regenciais aquarteladas na corte. A
primeira a estourar foi a Cabanagem, na província do Grão-Pará, uma das que mais
demoraram a “aderir” ao Brasil independente, só o fazendo em 15 de agosto de 1823, e por
“imposição”. Toda a história do Grão-Pará fora construída de maneira autônoma e
independente do restante do país. A ocupação da região iniciou-se no século XVI, com a
incursão na Amazônia de holandeses e ingleses interessados em especiarias; particularmente
em sementes de urucum, guaraná e pimenta. Os portugueses chegariam somente em 1616,
com a fundação do Forte do Presépio, ponto de partida para a construção da cidade de Belém,
na época conhecida como Santa Maria do Belém do Grão- Pará. Apenas em 1621 — por
causa da oposição aos grupos europeus instalados e do difícil enfrentamento com as
populações locais — foi criado o Estado do Grão-Pará e Maranhão (com capital em São Luís
do Maranhão), com jurisdição autônoma em relação ao Estado do Brasil, cuja capital era
Salvador, na Bahia. A fundação desse Estado objetivava aprimorar a relação da região com a
metrópole, incentivando a coleta das “drogas do sertão”, o cultivo de cana, algodão e cacau.
(SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Tanto no âmbito social como no econômico, durante o período da Independência a
região contava uma conjuntura muito diferente daquela do resto do Brasil, e não se
identificava com o novo regime político. Na verdade, se estabelecia uma rede familiar, de
negócios e de gêneros. Além do mais, essa era uma sociedade onde conviviam muitos
imigrantes nacionais e estrangeiros, vindos de Portugal, unindo povos, línguas e culturas. Por
fim, a relação comercial se fazia diretamente com a metrópole, e não havia por que
demonstrar lealdades a um governo que lhe era, até então, desconhecido. Não por
coincidência, na época da emancipação política havia no Grão-Pará muito ressentimento em
virtude da falta de participação política nas decisões do governo brasileiro. Este taxava
pesado a exploração das drogas do sertão. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)
A Cabanagem no Grão-Pará reuniu grupos sociais distintos, com reivindicações
próprias. O termo Cabanagem está relacionado às cabanas paupérrimas que serviam de
moradia para a população de índios, mestiços e negros. Nesse caso, esses grupos passaram a
enfrentar diretamente as elites locais. Foi nesse contexto que a Cabanagem começou. Em 7 de
janeiro de 1835, dia de são Tomé, liderados por Antônio Vinagre, os rebeldes (tapuios,
cabanos, negros e índios) tomaram o quartel e o palácio do governo de Belém, assassinando o
presidente Lobo e Sousa e apoderando-se de grande material bélico. Ao mesmo tempo,
nomearam um novo presidente do Grão-Pará: Félix Antônio Clemente Malcher, que se
encontrava até então preso por conta de sua atuação considerada contrária ao regime. O
governo, pressionado pela crescente radicalização do movimento, não duraria muito:
Malcher, latifundiário e dono de engenhos de açúcar, acabou por trair seu próprio grupo
aliado — conclamou que depusessem armas, voltassem ao trabalho, além de jurar obediência
à Regência —, sendo deposto em 19 de fevereiro do mesmo ano. O movimento recuou, e os
cabanos deixaram Belém no mês de julho seguinte. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Nova explosão ocorreria, porém, em agosto, tendo como estopim a morte de Mariana
de Almeida, uma senhora de setenta anos, viúva de um negociante português. Contava-se na
época que seu corpo teria sido arrastado e exposto à execração pública por causa da lealdade
que dedicava a Pedro I. Não por menos, a revolta ficou conhecida pelos periódicos do
período como uma das mais violentas e seus líderes definidos como “malvados”,
“anárquicos” e “sediciosos”. De fato, os cabanos praticaram todo tipo de violência: escravos
amarraram seus antigos senhores no tronco e aplicaram-lhes chicotadas; indígenas recrutados
à força mataram comandantes e oficiais e assumiram suas fardas e patentes, assim como
destruíram o bairro de Nazaré. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Mas o fato é que, quanto mais o movimento se radicalizava, maior era a autonomia
lograda por negros e indígenas, bem como crescia o papel dos líderes africanos. Os
escravizados fizeram a diferença na Cabanagem. Daí veio essa associação dos cabanos com o
“mal” e o recorrente medo de que uma revolução nos moldes do Haiti pudesse estourar por
aqui. Portanto, nada há de “natural” na assim chamada “maldade dos cabanos”. Habitantes de
“cabanas”, lutavam contra o que diziam ser a falta de religião dos usurpadores portugueses de
Belém, os quais, segundo eles, seguiam apenas as ordens da corte carioca. Também
criticavam o presidente de província, considerado estrangeiro e maçom. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015)
O movimento espalhou-se como rastilho de pólvora e alcançou o que hoje se conhece
como os estados do Pará e do Amazonas. Tamanha “audácia” pedia reação e, em fevereiro de
1836, quatro navios de guerra se aproximaram de Belém com o objetivo de tomar a cidade.
Em 13 de maio a região foi reconquistada pelas tropas imperiais; marco que não extinguiu o
movimento. Entre 1836 e 1840 os rebeldes se dirigiram para o interior da província e
radicalizaram ainda mais, com os cabanos defendendo o fim da escravidão e o direito à
autonomia local — além de expressarem antigos e consolidados ódios aos portugueses e
estrangeiros. A partir daí o movimento continuou entre idas e vindas, e durante dez meses a
elite local permaneceu atemorizada com a perspectiva de um domínio dos cabanos, os quais,
internados nas selvas, lutaram até 1840, quando foram totalmente exterminados. O saldo no
número de mortes é dos mais cruéis: estima-se que de 30% a 40% de uma população de 100
mil habitantes. Milhares também foram os prisioneiros, mantidos nas corvetas imperiais —
em especial a Defensora —, transformadas em navios-prisões. (SCHWARCZ; STARLING,
2015)

Balaiada
A revolta que eclodiu no Maranhão trazia elementos novos graças à sua composição
social: eminentemente popular, o movimento era contrário aos grandes proprietários locais. A
província atravessava um período de crise, uma vez que o algodão, principal produto
exportado na época, sofria forte concorrência no mercado internacional, perdendo valor de
maneira crescente. Os impostos continuavam, porém, altos, e as condições de miséria e
opressão cada vez mais insustentáveis. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)
Os grupos que mais sofriam com tal situação eram os trabalhadores livres,
camponeses, vaqueiros e escravos — e foram esses grupos que se mobilizaram desde o início
contra as injustiças que grassavam na região. Mas eles não eram os únicos setores
insatisfeitos na população: os profissionais liberais maranhenses, também descontentes,
passaram a reivindicar mudanças nas regras das eleições locais e fundaram um jornal de
nome O Bem-te-vi com o objetivo de difundir os princípios republicanos e federativos aos
quais haviam aderido. Para aumentar a pressão, esses mesmos setores médios urbanos se
aproximaram das camadas mais pobres da população, compartilhando reivindicações
comuns. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)
A revolta se iniciou em 1838, sem grande mobilização ou clareza de metas, e ganhou
o apelido de seu líder: Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, por alcunha o Balaio. Balaio era
fabricante de cestos — balaios —, e tinha sido vítima da polícia local, que violentara duas de
suas filhas e não recebera punição. Ele formou, então, um bando privado e passou à vingança.
Francisco dos Anjos literalmente aterrorizou o interior maranhense. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015)
Mas o estopim da revolta foi a detenção de José Egito, um político local, ligado aos
cabanos do Pará. Seu irmão, Raimundo Gomes, no dia 13 de dezembro de 1838 invadiu um
edifício da Vila de Manga, a cadeia pública, e soltou o irmão. Raimundo imediatamente pediu
— e conseguiu — apoio do Balaio, e foi nesse contexto que os revoltosos passaram a destruir
e saquear fazendas, assim como tomaram a cidade de Caxias em 1839. Organizou-se, então,
um governo provisório, e foram adotadas algumas medidas emergenciais: decretou-se o fim
da Guarda Nacional — que representava, segundo eles, o poder militar dos proprietários
agrários — e a expulsão dos portugueses residentes na cidade. Mas o movimento rapidamente
se radicalizou. Foi nessa época que se destacaram novos líderes, como o negro Cosme Bento,
chefe de um quilombo local que chegou a reunir mais de 3 mil africanos. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015)
Para combater o movimento, a Regência enviou ao Maranhão o coronel Luís Alves de
Lima e Silva, com experiência militar na Guerra da Independência na Bahia, em 1823, e na
Guerra da Cisplatina que ocorreu de 1825 a 1828. Os setores médios que até então apoiavam
o movimento, preocupados com os caminhos que ele tomava, acabaram por apoiar as forças
militares imperiais. A insurreição foi contida em 1841, deixando um saldo de 12 mil
sertanejos e escravos mortos nos combates. Os revoltosos presos foram anistiados por Pedro
II, e a vitória levou o coronel Luís Alves de Lima e Silva a ser condecorado com o título de
“barão de Caxias”. (SCHWARCZ; STARLING, 2015)
À Balaiada, rebelião das massas, de elementos muito heterogêneos, vindos das mais
ínfimas camadas sociais, pessoas anônimas dos campos e das cidades, das vilas e das senzalas
dos canaviais e dos currais, assustou profundamente a classe dominante e contribuiu para o
aceleramento do processo político do “regresso conservador”, já em plena formação, eclodida
com a coroação de d. Pedro II. (WERNET, 1997, p. 74)
Levante dos Malês
Na madrugada de 25 de janeiro de 1835, um domingo, aconteceu em Salvador uma
revolta de escravos africanos. O movimento de 1835 é conhecido como Revolta dos Malês,
por serem assim chamados os negros muçulmanos que o organizaram. A expressão malê vem
de imalê, que na língua iorubá significa muçulmano. Portanto os malês eram especificamente
os muçulmanos de língua iorubá, conhecidos como nagôs na Bahia. Outros grupos, até mais
islamizados como os haussás, também participaram, porém contribuindo com muito menor
número de rebeldes. Tendo como base o estudo “A Revolta dos Malês em 1835” do
Historiador João Jose Reis, discutiremos as principais características dessa revolta, bem como
seus reflexos na sociedade imperial brasileira.
A revolta, que envolveu cerca de 600 homens, tinha sido planejada para acontecer nas
primeiras horas da manhã do dia 25, entretendo foram denunciados antes de deflagrada. Uma
patrulha chegou a uma casa na ladeira da Praça onde estava reunido um grupo de rebeldes.
Ao tentar forçar a porta para entrarem, os soldados foram surpreendidos com a repentina
saída de cerca de sessenta guerreiros africanos. Uma pequena batalha aconteceu na ladeira da
Praça, e em seguida os rebeldes se dirigiram à Câmara Municipal, que funcionava no mesmo
local onde funciona ainda hoje. (REIS, p. 1)
A Câmara foi atacada porque em seu subsolo existia uma prisão onde se encontrava
preso um dos líderes malês mais estimados, o idoso Pacifico Licutan, cujo nome muçulmano
era Bilal. Este escravo não estava preso por rebeldia, mas porque seu senhor tinha dívidas
vencidas e seus bens, inclusive Licutan, foram confiscados para irem a leilão em benefício
dos credores. O ataque à prisão não foi bem sucedido. O grupo foi surpreendido no fogo
cruzado entre os carcereiros e a guarda do palácio do governo, localizado na mesma praça.
(REIS, p. 1)
Daí este primeiro grupo de rebeldes saiu pelas ruas da cidade aos gritos, tentando
acordar os escravos da cidade para se unirem a eles. Dirigiram-se a um bairro onde havia um
outro grupo numeroso de malês que eram escravos dos negociantes estrangeiros ali
residentes. Após se unirem a outros grupos de escravizados, sob fogo cerrado dos soldados,
retornaram para o centro da cidade. Ali atacaram um posto policial, mas a falta de armas de
fogo representou uma forte desvantagem. Em seguida desceram o Pelourinho, seguiram pela
Ladeira do Taboão e foram Por fim, após intensas batalhas pelas cidade, os malês acabaram
por massacrados. Alguns que tentaram fugir a nado terminaram se afogando. (REIS, p. 1)
A revolta deixou a cidade em polvorosa durante algumas horas, tendo sido vencida
com a morte de mais de 70 rebeldes e 10 soldados. Mas o medo de que um novo levante
pudesse acontecer se instalou durante muitos anos entre os seus habitantes. livres. Um medo
que, aliás, se difundiu pelas demais províncias do Império do Brasil. Em quase todas elas,
principalmente na capital do país, o Rio de Janeiro, os jornais publicaram notícias sobre o
acontecido na Bahia e as autoridades submeteram a população africana a uma vigilância
cuidadosa e muitas vezes a uma repressão abusiva. (REIS, p. 2)
Salvador tinha na época da revolta em torno de 65.500 habitantes, dos quais cerca de
40% eram escravos. Entre a população não-escrava a maioria era também formada por
africanos e seus descentes, chamados na época de crioulos quando eram negros nascidos no
Brasil, além dos mestiços de branco e negro, chamados de pardos, mulatos e cabras. Juntando
os negros e mestiços escravos e livres, os afro-descendentes representavam 78% da
população. Entre os escravos, a grande maioria (63 %) era nascida na África. (REIS, p. 2)
Esses escravos eram trazidos de diversos portos da costa africana. Um grande número
vinha de Luanda, Benguela, Cabinda, mas na época da revolta de 1835 a grande maioria era
embarcada nos portos do golfo do Benim (portos de Ajudá, Porto Novo, Badagri, Lagos).
Foram alguns desses últimos grupos os mais diretamente ligados à revolta. Eles podiam ser
de diversas origens, segundo a língua que falavam: iorubá, haussá, fon, mahi, nupes, bornus
etc. Na Bahia a maioria desses escravos era conhecida por nomes diferentes daqueles que
tinham na África: os de língua iorubá chamavam-se nagôs, os fon e mahi eram conhecidos
como jejes, os nupes como tapas. Em 1835 a grande maioria dos escravos da Bahia nascidos
na África era realmente de língua iorubá, cerca de 30 por cento. Eram como nagôs. Muitos
deles professavam a religião muçulmana, embora a maioria dos nagôs fosse de fato adepta do
candomblé dos orixás. (REIS, p. 3)
Os escravizados eram utilizados na cidade de Salvador nas mais diversas ocupações:
trabalho doméstico, nos diversos ofícios (pedreiro, sapateiro, ferreiro), nas atividades do mar
(marinheiro, remador, canoeiro, pescador). Eles lavravam a terra em pequenas plantações
existentes na periferia da cidade, trabalhavam em variados tipos de construção pública e
privada, vendiam uma grande variedade de pequenas mercadorias, principalmente comida
pronta, verduras, peixe, carne. E eram empregados no transporte de volumes grandes e
pequenos, como caixas de açúcar, barris de cachaça, mercadorias importadas, água de gasto e
potável, dejetos humanos, balaios de compras e até cartas eram levadas ao correio por
escravos. (REIS, p. 4)
As ocupações dos presos por suspeita de participação na revolta de 1835 refletem a
variedade de atividades desempenhadas pelos escravos urbanos. Havia entre eles lavradores,
remadores, domésticos, pedreiros, sapateiros, alfaiates, ferreiros, armeiros, barbeiros,
vendedores ambulantes, carregadores de cadeira, entre outras atividades. A grande maioria
dos rebeldes se empregava em ocupações tipicamente urbanas. Foram pouquíssimos os
ocupados na lavoura, por exemplo. (REIS, p. 4)
Na escravidão urbana os cativos gozavam de maior independência do que na
escravidão rural, e isso facilitou muito a organização do movimento de 1835. Em geral, os
escravos percorriam por toda a cidade trabalhando para seus próprios senhores ou,
principalmente, contratados por terceiros para serviços eventuais. Muitos escravos sequer
moravam na casa senhorial. Chamados negros ou negras de ganho, e também de ganhadores
ou ganhadeiras, esses homens e mulheres escravizados contratavam com seus senhores
entregar certa quantia diária ou semanal de dinheiro, e tudo que ultrapassasse esta quantia
podiam embolsar. O escravo que trabalhasse muito e poupasse muito podia após cerca de
nove longos anos comprar sua liberdade. (REIS, p. 5)
Apesar de apoiados por africanos não-muçulmanos, que também entraram na luta, os
malês foram os responsáveis por planejar e mobilizar os rebeldes. Suas reuniões — feitas nas
casas de libertos, nas senzalas urbanas, nos cantos de trabalho — misturavam conspiração,
rezas e aulas em que se exercitavam a recitação, a memorização e a escrita de passagens do
Corão, o livro sagrado do islamismo. O próprio levante foi marcado para acontecer no final
do mês sagrado do Ramadã, o mês do jejum dos muçulmanos. Os malês foram para as ruas
guerrear usando um abadá branco, espécie de camisolão tipicamente muçulmano, além de
também carregar em volta do pescoço e nos bolsos amuletos protetores, que eram cópias em
papel de rezas e passagens do Corão dobradas e enfiadas em bolsinhas de couro ou pano.
Esses amuletos eram confeccionados por mestres muçulmanos, muitos deles líderes da
revolta, que teriam dado a seus seguidores suas bênçãos e a certeza da vitória. (REIS, p. 6)
Pelos interrogatórios feitos com os prisioneiros do levante, podemos saber um pouco
mais sobre suas características éticas, motivações e aspirações. Por exemplo, O carregador de
cadeira Joaquim de Mattos, por exemplo, respondeu ser de “nação Nagô Gexá”, quer dizer de
origem Ijexá, um grupo étnico do leste do território iorubá. Joaquim havia se alforriado há
pelo menos sete anos e portanto deveria estar na Bahia há cerca de nove anos no mínimo. A
liberta Edum disse ser de “nação nagô-bá” e um outro africano interrogado disse ser ela
apenas “Bá”, significando ser oriunda de Egba ou Yagba. O liberto Lobão Machado foi bem
claro: era de nação “Nagô-Ebá”, ou seja, de Egba. Francisco, cerca de 25 anos de idade,
escravo doméstico e comprador, que vivia em Salvador há cerca de 6 anos, era Yaba, ou,
segundo suas próprias palavras, “Nagô-Abá”. (REIS, p. 8)
Ao deporem sobre o grau de envolvimento com o islamismo, muitos interrogados se
reportaram a suas experiências africanas. Alguns disseram abertamente que haviam recebido
instrução islâmica na África, possivelmente em escolas corânicas ou madrasas. O nagô
Pedro, ao ser perguntado sobre um livro e vários manuscritos em árabe encontrados em seu
poder, respondeu: “o livro continha rezas de sua terra e os papéis várias doutrinas cuja
linguagem e sua ciência ele sabia antes de vir de sua terra”. Pompeo da Silva, nagô forro,
com cerca de 30 anos de idade, “perguntado se ele sabia ou entendia das letras arábicas que
usavam os Nagôs, disse, que tendo aprendido em sua terra pequenino que agora quase nada
se lembrava”. Antônio, escravo Haussá, pescador, disse que sabia escrever em árabe, mas só
escrevia “orações segundo o cisma de sua terra”. Ou seja, não escrevia coisas subversivas,
políticas, só orações. Acrescentou que “quando pequeno em sua terra andava na escola”.
(REIS, p. 9)
Tais informações têm o valor de explicitar, através da fala dos interrogados, tradições
aprendidas na África e mantidas na Bahia. Estes depoimentos mostram com muita nitidez
uma projeção da história africana na história brasileira. É preciso esclarecer que nem todos os
africanos muçulmanos existentes na Bahia em 1835 participaram da revolta. As autoridades,
porém, usaram a posse de papéis malês como prova de rebeldia e por isso muitos inocentes
foram presos e condenados. (REIS, p. 10)

Farrapos
A Revolução Farroupilha, também conhecida como Guerra dos Farrapos, que eclodiu
no extremo do pais — no Rio Grande do Sul — agravou muito a situação política do Regente
Padre Diogo Antônio Feijó. O levante foi a expressão do descontentamento riograndense com
determinadas medidas econômicas do Império. Os produtos pecuários do Rio Grande do Sul,
em competição direta com Uruguai e Argentina, eram vítimas de uma legislação
desvantajosa. Além disso, os caudilhos da fronteira sentiram a necessidade de se expandir
pelas terras do Uruguai, onde a pastagem era melhor, e queriam garantir a liberdade de
movimento de entrada e saída do gado nessa área. A independência uruguaia em 1828 e o
desinteresse do Rio de Janeiro pela situação econômica dos caudilhos gaúchos, foram fatores
que reduziram o fluxo bovino, e, portanto, diminuíram os lucros, retardando a expansão da
indústria pecuária e impedindo-os de fazer face à demanda do mercado. (WERNET, 1997, p.
57)
Os chefes dos farrapos, saídos da classe de estancieiros da fronteira, queriam reforçar
as instituições da tradicional sociedade riograndense. Seu “republicanismo” não pode ser
confundido com um “liberalismo radical”. Os farrapos ou farroupilhas, expressão
originalmente depreciativa, adotada depois pelos rebeldes e usada no sentido de camarada,
não eram revolucionários sociais empenhados em reestruturar a sociedade. Estavam
familiarizados com o sistema republicano e federativo por causa da proximidade e do contato
com países vizinhos. (WERNET, 1997, p. 57-58)
Em 1834, quando da eleição da Assembleia Legislativa Provincial, a maioria dos
deputados escolhidos era exaltada ou farroupilha. Promoveram uma política de oposição
contra os altos tributos e as determinações baixadas pelo governo central do Império.
Acusavam o Presidente da Provincia, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, abertamente de
hostilizar os estancieiros. Perante a inutilidade-das reivindicações da simples oposição
política passou-se, a 20 de setembro de 1835, à revolta armada. Na ponte do Azenha, nas
proximidades de Porto Alegre, os rebeldes conseguiram expressiva vitória sobre as tropas do
governo. Bento Gonçalves da Silva, líder dos farroupilhas, entrou na capital, afastando do
poder o Presidente e o Comandante das Armas da Província. (WERNET, 1997, p. 58)
Assembleia Legislativa, considerando vago o governo, empossou o Vice-Presidente
Marciano Pereira Ribeiro, muito mais simpático aos farroupilhas, escolhendo-se para
Comandante das Armas o coronel Bento Manuel Ribeiro. A maior parte da população
riograndense olhou com simpatia para os novos chefes. Os farrapos que controlavam as
posições estratégicas da Guarda Nacional empenharam-se imediatamente em construir uma
base popular para a rebelião, que os levaria a uma segunda sedição em dias posteriores,
sedição esta que visava mais a separação e o republicanismo do que a simples substituição
dos representantes do governo central. (WERNET, 1997, p. 58)
Feijó, acreditando que a simples troca de governo pudesse solucionar o impasse,
nomeou José de Araújo Ribeiro para Presidente da Província. Os revolucionários
desentenderam-se entre si quanto à aceitação do novo Presidente nomeado. Uns, mais
moderados como Bento Manoel, admitiram-no, e, para estes, aí terminava a revolução;
outros, desejavam ir mais longe, queriam a República. (WERNET, 1997, p. 58)
Em fins de 1836, intensificaram-se os combates entre os farroupilhas, liderados por
Bento Gonçalves. Apesar de diversas vitórias, numa tentativa de tomar a cidade de Porto
Alegre e unir forças com outras tropas farroupilhas, Bento Gonçalves foi preso junto com
outros líderes, sendo remetidos ao Rio de Janeiro e, posteriormente, no caso de Bento
Gonçalves, para Salvador. No dia 11 de setembro de 1836, os farrapos obtiveram uma
impressionante vitória, a de Seival. Ainda em campo, o general farrapo Antonio de Souza
Neto proclamou a República. Várias municipalidades aderiram. A 5 e 6 de novembro desse
mesmo ano, reunidos nas salas do Conselho de Piratini, os rebeldes elegeram o prisioneiro
Bento Gonçalves Presidente da República e organizaram um gabinete composto de seis
ministérios. (WERNET, 1997, p. 60)
Para assegurar a liberdade de alguns líderes importantes, acionou-se a Maçonaria no
Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e na Bahia. Enviaram dinheiro a fim de ajudar a manter
os farrapos aprisionados e de subornar os juízes e guardas. Às vezes, ricos simpatizantes os
ajudavam como o riograndense Irineu Evangelista de Souza, futuro Visconde de Mauá. O
plano funcionou e muitos líderes farrapos conseguiram fugir do cárcere. Bento Gonçalves,
por exemplo, conseguiu no dia 10 de Setembro de 1837 escapar de seu cárcere em Salvador
através de um barco de pesca, retornando assim para o Rio Grande do Sul para assumir a
presidência da República de Piratini. (WERNET, 1997, p. 61)
Juntando-se às forças rebeldes em Viamão, os farrapos ampliaram a região por eles
controlada. Fora do litoral e parte da serra, todo o Rio Grande do Sul estava sob seu controle.
O revolucionário italiano José Garibaldi juntou-se também a eles e atuando com muita
habilidade, acarretou grandes baixas as tropas legalistas. Ao longo de 1838 e 1839 os
farrapos, sob comando de Garibaldi, rumaram sentido norte, avançando por terras
catarinenses. (WERNET, 1997, p. 61)
No Rio de Janeiro, entretanto, o governo começava a avaliar o golpe ousado que os
farrapos estavam dando no Império. E, antes que estes tomassem a ilha estratégica de Santa
Catarina, passaram a agir rápida e rigorosamente, enviando grandes contingentes militares
para combater os farrapos, que gradualmente foram sendo empurrados para o sul em
sucessivas derrotas. Daí em diante os farroupilhas se postaram na defensiva até o final da
guerra. Embora sobrepujados em número, resistiram por mais cinco anos. (WERNET, 1997,
p. 61)
Com a maioridade de D. Pedro Il, foi decretada a anistia geral a todos os revoltosos.
Mas os farroupilhas não depuseram as armas. A República riograndense, apesar de precisar
transferir sua sede para diferentes cidades, convocou em 1842 uma Assembleia Constituinte
que aprovou no ano seguinte uma Constituição, inspirada no modelo norte-americano.
Todavia sua força militar já não era como antes. Em novembro de 1842, Caxias assumiu o
cargo de Presidente e Comandante das Armas do Rio Grande do Sul, com a incumbência de
pacificar a região, o que conseguiu em seis meses. Por fim, a 1 de março de 1845, assinou-se
a paz: o Tratado de Poncho Verde ou Paz do Poncho Verde, após quase dez anos de guerra
que teriam causado quase 50 mil mortes. (WERNET, 1997, p. 61)
Bibliografia
MOREL, Marco. O período das Regências (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003.
REIS, João José. A Revolta dos Malês em 1835. Disponível em <
http://smec.salvador.ba.gov.br/documentos/a-revolta-dos-males.pdf>. Acessado em jan. de
2023.
SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São
Paulo: Companhia das Letras, 2015.
WERNET, Augustin. O Período Regencial (1831-1840). São Paulo: Global, 1997.

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