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FORMAÇÃO

SOCIAL,
ECONÔMICA E
POLÍTICA DO
BRASIL
Brasil urbano e
Brasil rural
Thiago Cavalcante dos Santos

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar os elementos que levaram à acelerada urbanização do Brasil no


século XX.
>> Avaliar os efeitos das políticas de urbanização e seus impactos na área rural.
>> Reconhecer os diferentes tipos de influência de Getúlio Vargas no processo
de industrialização do Brasil.

Introdução
A Proclamação da República consolidou um projeto iniciado pelos cafeicultores
paulistas e pelo positivismo do exército brasileiro. A instauração do liberalismo
oligárquico foi decorrente de um desdobramento no cenário internacional. A
posição do Brasil na economia e na geopolítica internacional era de periferia na
divisão de abastecimento aos grandes centros, sobretudo os Estados Unidos, com
seu pan-americanismo, algo que pouco divergia da posição colonial brasileira. Do
mesmo modo, a questão do povo brasileiro inquietava intelectuais e o Estado, visto
que o branqueamento populacional era um projeto em um país majoritariamente
composto por pessoas escravizadas e descendentes livres.
Os impactos territoriais se faziam sentir em um país calcado em sua posição
agrária, com uma oligarquia que era responsável pelo surgimento e desenvol-
vimento das cidades e das vias de ligação no país, sobretudo com os barões
do café paulista. Estes, embora oligárquicos, davam conotações diferentes das
elites históricas do país, como a canavieira e a aurífera, já que eram os principais
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incentivadores dos espaços urbanos, ainda que de forma atrelada aos interesses
agroexportadores e monopolizadores do Estado.
Neste capítulo, você vai compreender como o processo de formação da Repú-
blica e de um novo ideal político se deu mediante o enfretamento e a permanência
de mentalidades aristocráticas que se confrontavam com o novo. Para tanto,
você vai estudar inicialmente a dinâmica do campo e os conflitos agrários. Em
seguida, você vai aprender sobre a dinâmica do espaço urbano, da embrionária
indústria e do operariado brasileiro, a partir das questões de caráter econômico,
político e social. Por fim, você vai estudar a ascensão de Getúlio Vargas, a partir
de 1930, e vai verificar as principais alterações nos quadros econômico, urbano
e operário brasileiros.

O espaço rural brasileiro e a República


Estruturado a partir do campo, o ambiente rural se manteve forte e decisivo no
começo da República. Os conflitos no interior, de natureza política e/ou social,
foram uma realidade no começo do período republicano, opondo ora grupos
hegemônicos e grupos marginalizados, ora ricos fazendeiros ou miseráveis e
o Estado. Com relação a esses processos, destacam-se os seguintes eventos:
a Revolução Federalista, a Guerra de Canudos e a Guerra do Contestado.

Revolução Federalista (1893-1895)


Desde o fim da Guerra dos Farrapos, em 1845, o Rio Grande Sul assumiu uma
posição necessária e nevrálgica para a União e a economia brasileira. Sua
condição geográfica, fronteiriça aos territórios do Prata, dava a esse estado
uma posição importante, pois fortalecia a oligarquia dos estancieiros locais,
figuras que guiavam os rumos da política e da economia do Estado. No co-
meço da República, o primeiro grande conflito no campo se deu em terras
gaúchas e opôs federalistas e legalistas na chamada Revolução Federalista.
Júlio de Castilhos, presidente do Rio Grande do Sul, comandava a oposição
aos liberais que fundaram o Partido Federalista, em 1892, sob a liderança
de Silveira Martins, conhecido nos quadros do Partido Liberal no Império.
O grupo dos federalistas, favoráveis a maiores autonomias locais (algo que
certamente os favoreceria), era formado por estancieiros que, ao cruzarem
a fronteira com o Uruguai, receberam o nome de maragatos. Esse grupo era
historicamente enraizado na política tradicional do estado desde o Império.
Já o grupo dos republicanos era composto por migrantes que se fixavam no
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litoral e na serra. Eram uma elite mais nova que disputava o poder com os
monopolistas. Eram também chamados de chimangos, pica-paus ou legalistas.
O conflito entre federalistas e legalistas, entre 1893-1895, envolveu outros
estados como Paraná e São Paulo e foi tão decisivo que, embora o Governo
Federal tenha saído vitorioso, foi capaz de dar fim à República da Espada
(presidida apenas por militares como Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto)
e dar início à República Civil Oligárquica.

Guerra de Canudos (1893-1897)


O fim do Ciclo da Cana no Nordeste, no século XVII, não apenas modificou
a posição da colônia frente à metrópole, como também provocou uma mu-
dança paulatina no corpo social e territorial. Gradativamente, o Nordeste foi
abandonado pela metrópole e depois, no período imperial, pelo Estado bra-
sileiro. Ainda que o Nordeste tenha sido ambiente de sublevações e sedições
emancipacionistas, como a Revolução Pernambucana (1817), a Confederação
do Equador (1824) e a Revolução Praieira (1848), isso pouco alterou o desprezo
que a Capital Federal tinha com a região. Foi nessa condição de abandono e
carestia que, em 1893, iniciava a Guerra de Canudos.
Localizado no interior da Bahia, o município de Canudos era formado por
miseráveis que mesclaram suas insatisfações sociais com a religiosidade. Viam
a ideia de República como antibíblica e adotavam um sentimento monarquista
de caráter messiânico, milenarista e sebastianista. Seu líder e mentor, Antônio
Conselheiro, era visto como alguém que cumpriria um papel semelhante ao
do profeta João Batista e a Dom Sebastião, rei português morto na Batalha
de Alcácer Quibir, em 1579.
O conflito em questão era uma amostra de uma população que compunha
o Brasil. A República, formada com baixa participação social, observava os
gritos de uma camada social que se disseminava no campo e no espaço
urbano desejosa de ser notada, reivindicando direitos. Faz-se necessário
compreender que ativismo e corpo político também se constituem no si-
lêncio. O surgimento das favelas e dos cortiços nas cidades consiste em um
movimento que, embora periférico, representa uma autonomia do povo que
escapa aos olhos burocráticos e organizacionais do Estado.
Sucessivas batalhas foram travadas entre os amotinados de Canudos e
o exército brasileiro. O grupo dos Canudos era formado por velhos, crianças
e mulheres que utilizavam armas, pedras e tudo o que o terreno pudesse
oferecer. O fim da Guerra de Canudos, depois de contínuas perdas para o
exército brasileiro, deu-se em 1897, com a dizimação, conforme leciona Moniz
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(2001), de 25 mil pessoas. A condição de resistência do homem nordestino ao


difícil terreno e ao próprio Estado fez com que Cunha (1995, p. 129), republicano
e positivista, reconhecesse que “[...] o sertanejo é antes de tudo um forte”.

Espaços sertanejos: entre o Coronelismo e o


Contestado
A República Civil Oligárquica (1894-1930) foi costurada na chamada Política
dos Governadores. Iniciada na gestão Campos Sales (1898), essa Política se
caracterizava como um pacto entre os governos federal e estaduais, em uma
relação de apoio político para minar adversários políticos e garantir estabi-
lidade. Em um país eminentemente agrário, era necessário fazer o Estado se
fazer presente nos rincões da Federação. Mas, como se fazer presente em um
território de início de integração e com tantos problemas de infraestrutura e
logística? Apoiando-se em fortes e ricas figuras locais do interior: os coronéis.
Ricos latifundiários que possuíam forças paramilitares próprias — jagunços
—, os coronéis governaram (in)diretamente cidades do interior, sendo eles
mesmos que geriam as prefeituras e os processos eleitorais, em geral fraudu-
lentos, já que o voto não era secreto. Quando não exerciam cargos políticos,
interferiam nos processos eleitorais apoiando e/ou colocando políticos de
sua influência no comando das prefeituras. Desse modo, os coronéis eram
a extensão de governadores e presidentes em lugares isolados dos grandes
centros e/ou capitais.
A força dos coronéis era fruto de uma história fundiária no interior do país
desde sua fase colonial e ampliada em 1832, durante o Período Regencial,
com a criação da Guarda Nacional pelo Ministro da Justiça Padre Diogo Feijó.
A manutenção dessa estrutura na República ia na contramão da garantia
constitucional da liberdade e do ideário liberal de progresso. Foi em meio
a isso que surgia a figura de lideranças que combatiam a autoridade dos
coronéis locais, como é o caso do banditismo interiorano, também conhecido
como cangaço. Figuras como o casal Lampião e Maria Bonita fizeram parte do
imaginário social do campo brasileiro ao confrontarem as autoridades dos
coronéis no interior, assumindo uma postura de salvacionistas dos miseráveis.

A matéria “Padre Cícero: de maldito a santo”, do site Aventuras na


História, aborda a controversa figura de Padre Cícero, clérigo que
atuou no Nordeste brasileiro no cenário de conflitos entre coronéis e cangaceiros.
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Guerra do Contestado (1912-1916)


A região do Contestado era um território disputado por Paraná e Santa Cata-
rina. A região foi “atravessada” pela construção de uma ferrovia pela empresa
americana Brazil Railway Company, que ligaria São Paulo ao Rio Grande do
Sul. A empresa criou uma guarda especial para limpar a região da presença
dos caboclos. Abandonados, surgiu um sentimento antirrepublicano entre
os caboclos. Ao mesmo tempo, a paralização da construção deixou uma leva
de trabalhadores desempregados.
Foi nesse cenário que surgiram os monges João Maria d’Agostini (São João
Maria), Anastás Marcaf (João Maria de Jesus) e Miguel Lucena (José Maria de
Agostinho, que dizia ser irmão do primeiro João Maria). Em Contestado, esses
monges guiavam um sentido que, tal como em Canudos, era caracterizado
pelo antirrepublicanismo, messianismo, milenarismo e sebastianismo. Com o
fim da Guerra do Contestado, o Paraná ficou com 20 mil km2, e Santa Catarina,
com 28 mil km2.
O episódio de Contestado ilustra uma questão importante: as ferrovias.
Era necessário cruzar o país para levar o progresso e integrar a nação em
sua totalidade. O surgimento de ferrovias que ligavam estados e regiões
produtoras e regiões portuárias, como o oeste cafeeiro paulista e o Porto
de Santos, foi uma tônica da República, sendo também decisivo no destino
de imigrantes europeus a seus lugares de destino.
Conforme visto nos parágrafos anteriores, os primeiros passos da Repú-
blica não foram capazes de aglutinar as diversas forças e os atores sociais do
território nacional, especialmente os sertanejos. A história brasileira fundada
no latifúndio e no autoritarismo continuou a ser uma sina nas primeiras
décadas da República, o que dificultou um espírito republicano em território
nacional, sentimento esse tão desejado por liberais, classe média, exército
e positivistas. Assim, a dualidade campo e cidade se manteve na República,
ainda que lentamente o espaço urbano e o mundo citadino tenham ocupado
uma posição predominante ao longo do século XX. O homem do campo, no
entanto, enfrentou e tentou resistir às dificuldades que o abandono estatal
e a desigualdade fundiária causaram. Ser sertanejo é ser forte.
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O processo de expansão e integração do território brasileiro em


direção ao interior se deu mediante o incentivo de capital estrangeiro,
especialmente de empresas ferroviárias inglesas, como a já abordada Brazil
Railway Company. Algumas cidades do interior brasileiro receberam nomes em
homenagem a cidades inglesas, como Londrina, cidade paranaense que teve
seu núcleo populacional formado a partir da empresa britânica Companhia de
Terras Norte do Paraná.

A dinâmica urbana
No Brasil, a República não aconteceu em 1889 — ela precisou acontecer
aos poucos. No interior, a aceitação da República não ocorreu de imediato,
conforme observa-se nas revoltas de Canudos e Contestado. Embora a elite
cafeeira tenha conduzido, junto com o exército, o golpe republicano e mantido
a estrutura socioeconômica, foi no incipiente espaço urbano que o valor
republicano foi realmente apregoado e idealizado.
Do latim coisa (res) de todos (publica), o conflito com vistas ao aperfei-
çoamento das leis e do comportamento tangenciou o caráter republicano.
Maquiavel (2009, p. 432) já dizia que “Não se pode com alguma razão chamar
esta república de desordenada quando nela existem tantos exemplos de virtù,
porque os bons exemplos nascem da boa educação, a boa educação das boas
leis e as boas leis daqueles tumultos que muitos condenam inadvertidamente”.

Assista a uma entrevista com o historiador José Murilo de Carvalho


no vídeo “José Murilo de Carvalho: o pecado original da República”,
do canal Entreconexões no YouTube, e saiba mais sobre a formação da República.

O processo urbanístico brasileiro dava sinais interessantes na segunda


metade do século XIX e trilhava em uma condição exponencial nas primeiras
décadas do século XX, ainda que a estrutura agrária fosse maioria no país.
Segundo Carvalho (1987, p. 42):

Vimos também que o período foi marcado, especialmente no Rio de Janeiro, pelo
rápido avanço de valores burgueses. Velhos monarquistas, como Taunay, expres-
savam, seu escândalo frente à febre de enriquecimento ao domínio absoluto de
valores materiais, à ânsia de acumular riquezas a qualquer preço, que tinham
dominado a capital da República.
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A mudança de mentalidade que se percebia no país era decorrente dos


precedentes liberais que levaram à Proclamação da República. Logo, a mu-
dança de sistema político brasileiro não era apenas algo a ser visto no campo
da política, mas também no campo simbólico, na condição de inserir o país
na dinâmica capitalista. O espírito republicano do conflito ganhou estímulo
com a chegada dos imigrantes europeus na virada do século XIX para o XX.
Segundo Fausto (2018), entre 1887 e 1914, chegaram ao país em torno de 2,74
milhões de imigrantes.
Cidades portuárias, como Santos e a capital Rio de Janeiro, passaram
a receber um contingente de portugueses, que formavam comunidades,
auxiliavam seus pares e estabeleciam vínculos entre si. Já São Paulo, com
a chegada de italianos, assistia ao surgimento de movimentos sindicais
que questionavam a condição da classe trabalhadora, bem como a própria
concepção de república. De orientação anarquista, os trabalhadores italia-
nos foram responsáveis por despertar uma consciência intelectual entre a
classe trabalhadora paulistana, realizando greves e criando sindicatos. A Lei
Adolfo Gordo, de 1907, visava a expulsar do país trabalhadores envolvidos
em atividades subversivas.
Não foi apenas na condição de trabalhadores que os imigrantes se estabe-
leciam no país, mas como industriais. Conforme leciona Fausto (2018, p. 162):

O caminho dos imigrantes para a condição de industrial variou. Alguns partiram


quase do nada, beneficiando-se das oportunidades abertas pelo capitalismo em
formação em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Outros, vislumbraram oportuni-
dades na indústria por serem, a princípio, importadores. Essa posição facilitava
contatos para importar maquinaria e era uma fonte de conhecimento sobre onde
encontravam as possibilidades de investimento mais lucrativo no país. Os dois
maiores industriais italianos de São Paulo começaram como importadores.

Os fatos vivenciados pelos trabalhadores brasileiros coadunavam com


os vivenciados por operários em outros países da América Latina. Conforme
explica Hall e Spalding (2015, p. 284):

Os ferroviários de quase todos os países foram os primeiros a se organizar e o


fizeram com muito mais eficiência, embora seu forte poder de barganha os tenha
separado, em alguns casos, do grosso da classe trabalhadora e tenha levado
seus sindicatos ao reformismo. Os estivadores do porto de Santos, a “Barcelona
brasileira” como o chamavam seus militantes admiradores, figuravam entre os
membros mais combativos e coesos do movimento trabalhista brasileiro durante
grande parte do século XX; por outro lado, os trabalhadores do porto do Rio de
Janeiro tornaram-se um bastião do reformismo.
8 Brasil urbano e Brasil rural

Ao mesmo tempo, os quadros do exército de patentes baixa e média


também demonstravam sua insatisfação com os rumos iniciais da República.
Foi nesse cenário que surgiu o Movimento Tenentista. Conforme leciona
Fausto (2018, p. 175):

[...] os “tenentes” provinham em uma maioria de famílias militares ou de ramos


empobrecidos de famílias de elite do nordeste do país. Poucos foram os recrutados
entre a população urbana do Rio ou de São Paulo. Acima de tudo, devemos lembrar
que os “tenentes” eram tenentes, ou seja, integrantes do Exército. Sua visão de
mundo formou-se sobretudo por sua socialização no interior das Forças Armadas.
Essa visão era específica deles, assim como eram específicas as queixas contra
a instituição que faziam parte.

A formatação da Constituição de 1891 apresentava a manutenção


dos traços oligárquicos, ao restringir o acesso político a mulheres e
analfabetos. Ainda que essa Constituição tivesse o viés do sufrágio, na prática,
era censitária, visto que o direito de voto e a participação política se destinava
a homens acima dos 21 anos, que não ocupassem cargos de baixa patente
nem fossem analfabetos ou moradores de rua. Em um país recém-saído da
escravidão, o contingente dos analfabetos era formado majoritariamente por
negros, e os anos iniciais da República davam poucos sinais de mudança nos
quadros sociais do país.

A capital federal também tinha suas inspirações progressistas. Imitar


Paris era um projeto aventado por Pereira Passos, prefeito do então Distrito
Federal entre 1902 e 1906. Praças construídas, ruas ampliadas e sanitarismo
nas favelas e nos cortiços davam novo aspecto à cidade, além dos cafés e
das confeitarias que surgiam no centro, junto de construções como o Teatro
Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes e a Biblioteca Nacional.
No extremo do país, Manaus também se assemelhava às capitais euro-
peias como Londres e Paris. O ciclo da Borracha, estimulado pela Primeira
Guerra Mundial, fez com que o Norte do Brasil experimentasse um prodígio
efêmero. Entre 1898 e 1910, a borracha só perdia protagonismo para o café
brasileiro, correspondendo a 26% das exportações brasileiras no período. Tal
desempenho colaborou para o crescimento demográfico de trabalhadores
oriundos de diversas regiões do Brasil em direção à Amazônia, fator que
contribuiu para o crescimento urbano em cidades como Belém e Manaus.
O Teatro Amazonas, construído em 1896, foi e é um dos cartões postais da
cidade manauara, representando o período de glamour da cidade.
Brasil urbano e Brasil rural 9

Já São Paulo despontava como centro econômico do país. A dependência


da economia brasileira do café dava ao estado uma condição proeminente,
capaz de monopolizar a política nacional juntamente com Minas Gerais, na
conhecida política do café com leite. Era também no estado que surgiam
empresas ferroviárias que ligavam o país. Esses elementos foram ingredientes
que fizeram a capital do estado ser um berço de bancos e indústrias no país.
Em contrapartida, o surgimento do espaço urbano trouxe o problema da
favelização das grandes capitais e dos bairros operários. Era nesses bairros
operários que uma vida cultural aquecia as vivências operárias com festejos e
comércio local. Desses símbolos, nada mais significativo no experimento social
que o surgimento dos clubes de futebol. Franco Junior (2007, p. 70) afirma que:

Ao longo da década de 1920, e de outra perspectiva, críticas frequentes foram defe-


ridas por muitas das lideranças do movimento operário. Classificado como esporte
burguês a serviço da dominação de classe e da desarticulação do proletariado, o
futebol seria mais um produto da sociedade capitalista a ser combatido. Apesar
dessa dura avaliação, sindicatos ligados a anarquistas, socialistas e comunistas
chegaram a promover partidas e a organizar times exclusivamente de operários,
como forma de inserção cotidiana capaz de aglutinar e mobilizar os trabalhadores.

Se comparado com nossos vizinhos argentinos e uruguaios, o espaço


urbano brasileiro caminhava a passos lentos. Entretanto, em um país de
dimensões continentais e fundado em raízes agroexportadoras, a urbanidade
brasileira deu um salto substancial a partir da década de 1920 e se consolidaria
a partir do governo Vargas, especialmente durante o Estado Novo, entre 1937 e
1945. É nesse contexto que o interior brasileiro também teve transformações.
A necessidade de proteger as fronteiras e federalizar territórios, ante
possíveis ocupações de nossos vizinhos, estimulou uma marcha para Oeste.
Tal investida se caracterizou pela ocupação de vazios demográficos, de terras
indígenas e de terras que estavam em mãos de posseiros simples, que perde-
ram seu território por meio de conflitos, intimidações de jagunços ou por não
terem documentos que comprovassem o direito de propriedade. Alguns, sem
terem para onde ir, se sujeitavam a trabalhar nas terras dos novos ocupantes,
muitos procuravam abrir outras frentes colonizadoras no interior, enquanto
uma parte significativa rumava para as cidades no processo de êxodo rural.
10 Brasil urbano e Brasil rural

Para saber mais sobre esse período, leia a matéria intitulada “Inte-
resses políticos e descaso social alimentaram Revolta da Vacina em
1904”, disponível no site do jornal El País, que apresenta o processo de higieni-
zação na sociedade brasileira, sobretudo na capital, no começo do século XX.

O nacional-desenvolvimentismo de Vargas
(1930-1945)
A Crise de 1929 trouxe sérias consequências para a sociedade brasileira que
ultrapassaram as questões de caráter econômico. A política foi sacudida
pela instabilidade da relação entre Minas Gerais e São Paulo. Isso porque
Washington Luís decidiu apoiar a candidatura de Júlio Prestes, indicado pelos
paulistas, traindo os mineiros, que esperavam retornar ao poder depois de
revezarem com seus aliados cafeicultores.
Diante desse cenário, Minas Gerais se uniu a setores da sociedade brasileira
insatisfeitos com a República Civil Oligárquica e que visavam à adoção de
valores liberais na economia e na sociedade. Surgia, assim, a Aliança Liberal.
Encabeçada pelo gaúcho Getúlio Vargas, a Aliança Liberal conseguiu angariar
o apoio dos tenentes, bem como da classe média urbana dos grandes centros.
As tensões eleitorais e os fatos que se sucederam após o pleito, com a vitória
de Júlio Prestes e o assassinato de João Pessoa, vice de Vargas, geraram um
clima de instabilidade e insegurança política. Assim, o resultado das eleições
não foi validado, devido a suspeitas de fraudes, e acabou sendo dada vitória
a Getúlio Vargas, o que iniciou a fase conhecida como Governo Provisório
(1930-1934).
O início da Era Vargas foi marcado pela centralidade do poder político,
que caracterizou os 15 primeiros anos do conhecido “pai dos pobres” no
governo. O Código dos Interventores, em 1931, dava a Vargas controle sobre
as unidades federativas. Ao mesmo tempo, Vargas adotou medidas para
atender demandas de seus apoiadores, como o ensino público e gratuito,
atendendo algo que tramitava entre movimentos sociais e urbanos dos anos
1920, como o dos tenentes.
No plano econômico, a Era Vargas se iniciou com desenvolvimentismo
econômico, sendo caracterizada pelo intento em desenvolver o pátio industrial
e a infraestrutura com ampla interferência do Estado. Para tanto, destacou-
-se a construção das conhecidas indústrias de base, sendo a Companhia
Brasil urbano e Brasil rural 11

Siderúrgica Nacional a principal criação, em 1941. A política econômica e


centralista varguista, voltada para o desenvolvimento da matriz econômica
em vigor, conciliava a defesa da soberania nacional. Para tanto, em 1943, o
governo federalizou territórios, com o intuito de fazer o Estado mais presente
em regiões fronteiriças e frear o avanço de vizinhos americanos sobre regiões
como Guaporé, Rio Branco, Amapá, Iguaçu e Ponta Porã.
Apoiado pelas classes médio urbanas, Vargas empreendeu uma política
trabalhista que lhe deu a alcunha de “pai dos pobres”. Ao criar o Ministério
do Trabalho, em 1931, passou a controlar os trabalhadores, dando direitos
trabalhistas apenas para quem estivesse vinculado a sindicato reconhecido
pelo Ministério. A respeito disso, Fausto (2018, p. 187) afirma que:

O enquadramento dos sindicatos foi estabelecido por um decreto de março de 1931.


Ele dispunha sobre a sindicalização das classes operárias e patronais, mas era as
primeiras o foco de interesse. [...] O governo se atribuiu um papel de controle da
vida sindical, determinando que funcionários do ministério assistiriam às assem-
bleias dos sindicatos. A legalidade de um sindicato dependia do reconhecimento
ministerial e este poderia ser cassado quando se verificasse o não cumprimento
de uma série de normas.

O crescimento do número de trabalhadores sindicalizados implicou tam-


bém o crescimento urbano industrial do país, que, sem abandonar o café por
completo, trilhava um caminho em busca de adentrar no capitalismo com
um pátio industrial considerável. Conforme aponta Roxborough (2015), em
1935, mais de 130 mil trabalhadores estavam filiados em 328 sindicatos. Em
1940, houve um salto para um contingente de 1,6 milhões de trabalhadores
urbanos no Brasil.
Deve-se ressaltar que a configuração da política trabalhista era imbuída
de valores morais que marginalizavam comportamentos e estereotipavam os
desviantes. O Departamento de Imprensa e Propaganda e o Departamento
de Ordem Política e Social atuavam em conjunto na repressão de corpos
malandros, como eram chamados cidadãos marginalizados e que tinham
atividades culturais como práxis sociais. Sambistas foram presos acusados
de exaltarem sensualidade em suas composições e cultuarem uma moral
contrária ao trabalho.
Ataúlfo Alves e Wilson Batista ironizavam o trabalho e tiveram parte de
uma canção alterada por intervenção do governo. O trecho dizia “[...] o bonde
São Januário leva mais um otário: sou eu que vou trabalhar”. São Januário era
um bairro operário, e o estádio do bairro, pertencente ao Vasco da Gama,
era o lugar onde Vargas costumava frequentar para dar o chute inicial em
12 Brasil urbano e Brasil rural

algumas partidas, além de realizar encontros trabalhistas no primeiro de


maio. O trecho “otário” foi substituído por “operário”.
O Estado Novo, em 1937, apropriou-se do samba de caráter patriótico e
trabalhista para enaltecer o governo. A nacionalização do samba pelo governo
foi utilizada na campanha eleitoral de 1950, com a marcha de carnaval de
Haroldo Lobo que dizia “[...] bota o retrato do velho, bota no mesmo lugar, o
sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”.

Indústria e autoritarismo: o espelho europeu


Os anos 1930 foram marcados pelas tensões entre comunistas e nazifascistas
na Europa. A polarização política europeia refletiu em solos brasileiros, onde,
em 1937, Vargas deu um golpe e iniciou o período mais autoritário de sua
era — surgia o Estado Novo. Apoiando-se em integralistas da Ação Integra-
lista Brasileira, Vargas fechou o Congresso e perseguiu pessoas do campo
da esquerda, como Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora.
Sua admiração pelo governo de Mussolini, um autocrata, foi tanta que a
Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 foi inspirada na Carta del Lavoro,
publicada no país italiano em 1937.
Conforme leciona Fausto (2018, p. 201), “[...] sob o aspecto socioeconô-
mico, o Estado Novo representou uma aliança da burocracia civil e militar e
da burguesia industrial, cujo objetivo comum imediato era o de promover
a industrialização do país sem grandes abalos sociais”. Assim, em 1938, foi
criado o Conselho Nacional do Petróleo, gênese do lema do governo “O Pe-
tróleo é nosso”. Tal situação se deu no contexto do interesse de petrolíferas
estadunidenses em criar refinarias no Brasil.
Foi nesse cenário que o Brasil experimentou um salto populacional e
urbano intenso. Fruto do enfraquecimento, mas não abandono, do café, da
chegada de imigrantes e da gênese urbano-industrial, a população brasileira
saltou de 30,6 milhões de habitantes, em 1920, para 41,1 milhões em 1940. Desse
número, 1,6 milhões trabalhavam nas indústrias. A migração interna também
era uma realidade e se deu em duas frentes: os miseráveis do campo, que
empreendiam o êxodo rural, e os aventureiros que partiam para conquistar
grandes vazios no interior do país, com destaque para a porção oeste.
O impacto da urbanização transformou a perspectiva do ensino no país. O
número de analfabetos, embora ainda fosse expressivo, caiu entre 1920 e 1940
de 69,9% para 56,2%. No mesmo período, o saldo de estudantes de 5 a 19 anos
saltou de 9% para 21%, enquanto o ensino superior teve um aumento de 60%.
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Referências
CARVALHO, J. M. de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São
Paulo: Companhia das Letras, 1987.
CUNHA, E. da. Os sertões. 37. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.
FAUSTO, B. História concisa do Brasil. 3 ed. São Paulo: Edusp, 2018.
FRANCO JUNIOR, H. A dança dos deuses. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
HALL, M.; SPALDING, H. A. Classe trabalhadora urbana e os primeiros movimentos
trabalhistas na América Latina, 1880-1930. In: BETHEL, L. (org.). História da América
Latina: a América Latina após 1930: estado e política. São Paulo: Edusp, 2015. p. 283–330.
MAQUIAVEL, N. Discursos sobre a 1ª década de Tito Lívio. In: MARÇAL, J. Antologia de
textos filosóficos. Curitiba: Seed-PR, 2009. p. 426–451.
MONIZ, E. Canudos: a luta pela terra. São Paulo: Global, 2001.
ROXBOROUGH, I. A classe trabalhadora urbana e o movimenta trabalhista na América
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após 1930: estado e política. São Paulo: Edusp, 2015. p. 275–354.

Leituras recomendadas
CHALHOUB, S. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1996.
SEVCENKO, N. Orfeu extático na metrópole: São Paulo nos frementes anos 20. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992.

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos


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