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Índice

Sociedade e Cultura Inglesas I 3

I – Do Pré-Moderno à Modernidade 3

1 - Do Império Romano ao Feudalismo 4

1.1 A desintegração do império romano 4

1.1.1 Fatores genéricos de caracterização do império 6

1.2 A Inglaterra anglo-saxónica 6

1.2.1. Aspetos da organização social 7

1.2.2. Composição étnica 9

1.2.3. A língua e a religião 9

1.2.4. A cultura cristã 11

1.2.5. As invasões viking e as reformas do rei Alfredo 13

1.2.6. A reforma Beneditina 14

2 - A Inglaterra Medieval: séculos XI a XIII 16

2.1. Contexto político 16

2.2. Os laços sociais 19

2.3. Enquadramento socioeconómico 20

3 - A cultura medieval 22

3.1. As artes e os costumes 22

3.2. A cultura popular 24

3.3. A religião e as disciplinas do saber 26

3.3.1. A religião como enquadramento da vida 26

3.3.2. A organização dos saberes e o legado clássico 28

4 – A Inglaterra Medieval – séculos XIV e XV 30

4.1. O contexto político-social 30

4.2. A Guerra das Rosas 32

4.3. As relações sociais e a religião 34

4.4 Indícios da formação da nacionalidade 35

5 – Do Pré-Moderno ao Moderno – Sistematização e teorização 37


1
II – A formação da modernidade – O período Early Modern 39

1 – A identidade nacional 39

2 – Os Tudors, o Humanismo e a Reforma 39

2.1. O mito Tudor 40

2.2. Humanismo e fundamentos da reforma 41

2.2.1. O Humanismo 42

2.3. Thomas More e a Utopia: ilustração da situação da Inglaterra e crítica ao humanismo 44

2.3.1. Alguns aspetos da vida de Thomas More 45

2.4. O significado e o impacto da Utopia 46

2.4.1. A literatura utópica em Inglaterra 49

2.5. A Reforma henriquina 49

2.6. Resultados sociais da Reforma 51

2.7. Oposição à Reforma 52

2.8. A divulgação da Reforma 53

2.9. A continuação da Reforma 53

2.10. O compromisso isabelino 55

3 - Enquadramento ideológico e organização social no período early modern 56

3.1. A atividade agrícola 56

3.2. A atividade comercial 57

3.3. A composição social da Inglaterra early modern 58

4 – Os Stuart e o pensamento político no século XVII 60

4.1. Enquadramento político e religioso 60

4.2. O pensamento político e social do século XVII: Hobbes e Locke 66

4.3. Thomas Hobbes 67

4.4. John Locke 68

5 – A Revolução Científica 70

5.1. Uma nova epistemologia 70

5.2. Francis Bacon e o método indutivo 72

5.3. Hermetismo e magia 73

2
5.4. Newton e a ciência positiva 74

5.5. Isaac Newton 75

5.6. A difusão do pensamento newtoniano 76

6 - A cultura popular 77

6.1. Problematização 77

6.2. Festas e rituais 77

6.3. Efeitos da Reforma e do Puritanismo sobre a cultura popular 79

7 – A cultura erudita 80

7.1. A educação 80

7.2. O ensino superior: as Universidades 81

7.2.1. O ensino superior: os Inns of Court 83

7.3. O ensino não superior: as Grammar Schools e outras instituições 84

7.4. A corte e a cultura das elites 85

8 – Do pré-industrial à industrialização – sistematização e teorização 87

3
Sociedade e Cultura Inglesas I

Sociedade e Cultura Inglesas I traça a contextualização económica, social, política e cultural de Inglaterra, desde
a ocupação romana até à era pré-industrial, abordando, em simultâneo, os acontecimentos-chave que marcaram
os diversos períodos e que foram responsáveis por alterações de fundo na vida e na sociedade, em geral, e na
cosmovisão, em particular.

A unidade curricular debruça-se sobre dois períodos latos: o primeiro estende-se da Pré-Modernidade à
Modernidade, abarcando o período romano e a época medieval; o segundo detém-se na formação da
Modernidade, com especial destaque para as principais ocorrências do século XVI inglês — Renascimento,
Humanismo, Reforma — e para o dealbar da Revolução Científica.

I – Do Pré-Moderno à Modernidade
A formação da nação inglesa foi um processo longo para o qual contribuíram diversas
circunstâncias:

1. A fixação nas Ilhas Britânicas de diferentes tribos e formações sociais no


período romano e que posteriormente, deram origem aos reinos feudais.

2. A constituição de um sistema de coesão social baseado na hierarquia e no


kinship.

3. A difusão do cristianismo

4. A formação de uma língua comum tanto para a comunicação quotidiana como


para a expressão poética e literária

1 - Do Império Romano ao Feudalismo

Característi cas políti cas do Império Romano


 A ocupação das Ilhas Britânicas pelos exércitos romanos
 A importância da família e do reconhecimento público na organização social do
Império

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A Inglaterra Anglo-Saxónica: estruturas sociais em mudança
 A organização social: fatores de coesão e estrutura social
 Composição étnica: as diferentes tribos que povoaram o território
 Línguas e religião: o uso do latim e das línguas vernáculas, a introdução do
cristianismo
 A cultura cristã: o uso do latim, a construção de igrejas, a escrita e a produção de
livros, o ensino e os seus conteúdos.
 As invasões viking e as reformas do rei Alfredo; produção e divulgação de textos,
a literatura anglo-saxónica.
 A reforma beneditina.

1.1 A desintegração do império romano


 No princípio do século V d.C., o império romano estendia-se desde a
Península Ibérica à Pérsia e desde a Escócia ao Norte de África

 As ilhas Britânicas foram alvo de duas invasões chefiadas por Júlio César em 55
e 54 a.C., mas que não resultaram na conquista do território

 Em 43 a.C., o imperador Cláudio empreendeu a conquista das ilhas e no final do


século I a totalidade da Inglaterra e Gales estavam incorporadas no império,
mantendo-se nos 300 anos seguintes.

 Era uma característica do Império Romano conquistar, mas não governar. A


influência direta dos imperadores é limitada a um espaço geográfico e social
mais reduzido do que a extensão de todo o território do império, por falta de
meios capazes de exercer, com regularidade, as funções administrativas
necessárias à coesão dos territórios. A continuação do império romano dependia
essencialmente da organização dos seus exércitos e da capacidade bélica para a
sua manutenção já que a grande maioria do território não era governado

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diretamente por Roma

 Nas ilhas Britânicas e noutros pontos do Império, a prática romana era a de


delegar o provimento e as despesas da administração quotidiana às populações
locais.

 Em Inglaterra a dominação romana assumiu duas formas principais:

 Concelhos locais regulares chefiados por notáveis locais

 Governantes britânicos sob supervisão romana – reinos


clientes ou estados-satélite nativos

 Um dos resultados desta política diversificada foi uma ampla divergência entre
os vários territórios nomeadamente na adoção de costumes romanos

 Após a conquista, Cláudio investiu em obras arquitetónicas que


demonstrassem a superioridade romana, como aconteceu em Colchester

 Para a pacificação do território foi ainda necessário conquistar as tribos


bretãs nomeadamente a rainha Boudicca e os Trinovantes

 Os reinos clientes foram-se desmembrando e no século II a sociedade


britânica foi-se desenvolvendo e seguindo os modelos romanos

 Este foi um período de paz no qual a principal atividade era a agricultura,


articulando-se a vida nas zonas rurais com a vida nas cidades

 A presença do imperador Adriano na região em 122 levou a um novo surto de


construções visíveis, por exemplo, na célebre muralha que defendia as regiões
do Norte

 Nos finais do século começaram a surgir surtos de revoltas nas zonas


fronteiriças, nomeadamente durante o reinado de Septímio Severo (193-211)
que se instalou em Londres para seguir as campanhas de preservação das
fronteiras
6
 No final do século III dá-se uma revitalização do império com os imperadores
Diocleciano e mais tarde Constantino, que com o édito de Milão de 313 acaba
com a perseguição aos cristãos e, alguns anos mais tarde, proclama o
cristianismo a religião oficial do império

 No princípio do século IV o Sul de Inglaterra é palco de uma grande


prosperidade de que são testemunho grandes casas de campo e propriedades
rurais onde se verifica, no entanto, uma recuperação dos cultos religiosos
tradicionais

 A prosperidade terminou em 353 devido a conflitos políticos relacionados com


a sucessão do imperador e ao enfraquecimento da proteção às ilhas
britânicas, fornecida pelos exércitos romanos, tornando estas vulneráveis às
incursões bárbaras

 Nos primeiros dez anos do século V as Ilhas Britânicas estavam já


praticamente isoladas do resto do império, sem exército nem funcionários
oficiais romanos.

 Os acontecimentos da primeira metade do século V são pouco conhecidos, mas


dois fenómenos levaram a uma mudança profunda nas Ilhas Britânicas na sua
relação com o império:

 A divulgação do cristianismo e a sua aceitação pela aristocracia

 Reforço do poder das forças bárbaras mercenárias contratadas por Roma

 Uma das formas mais devastadoras de heresia neste século deveu-se a um


britânico, Pelágio, que teria até levado à intervenção de bispos gauleses
como Germanus de Auxerre e Lúpus de Troyes

 A principal fonte deste período é a Ecclesiastical History of the English People


de Beda de cerca de 731 embora não seja muito claro o processo de
desagregação do império romano nas Ilhas britânicas
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1.1.1 Fatores genéricos de caracterização do império
 O império não tem semelhanças com o moderno estado nação. O estado-nação
assenta predominantemente na capacidade das estruturas administrativas,
podendo conduzir ao predomínio da burocracia. O Império assenta sobretudo
nas estruturas militares e na capacidade de fazer guerra.

 O Império romano assentava nas estruturas militares e na capacidade de fazer


a guerra, coexistindo formas de organização social muito diversas

 Dos elementos que caracterizam a sociedade durante o império romano,


destacam-se dois:

 A importância da família abrangia todos os dependentes e


pessoal doméstico e não apenas os laços de sangue; incluía
ainda o sistema de Clientela, que assegurava formas de
proteção e de responsabilidade entre grupos menos e mais
poderosos, com os quais eram estabelecidas relações de
proteção, com uns, e prestígio.

 O reconhecimento público do mérito individual –


materializada em obras de escultura e arquitetónicas
destinadas a celebrar vitórias e que se mantiveram durante
séculos como forma de celebração da excelência

 Para além destes fatores, outros se apontam como tendo sido fundamentais
para a unidade cultural da Europa: a utilização de uma língua comum, o latim,
e a prática de uma única religião, o cristianismo.

1.2 A Inglaterra anglo-saxónica


 Trevelyan refere que a presença romana deixou 3 coisas de valor em
Inglaterra: o cristianismo galês, as estradas romanas e a importância
8
tradicional de algumas cidades como Londres

 O período anglo-saxónico baliza-se entre os meados do século V e a morte


em 1087 de Guilherme o Conquistador

 Neste período surgiram alguns padrões de organização social que perduraram


durante muitos séculos:

 Os county shires ou unidades territoriais de poder local

 A rede de dioceses e paróquias

 As aldeias e cidades inglesas que adotaram neste período


nomes que ainda perduram

 O surgimento de uma forma ancestral do inglês moderno

 O ritmo das mudanças neste longo período foi lento, mas produziram
alterações nas organizações do poder, na economia, no desenvolvimento
populacional e nas artes e mecenato

 Existiram, no entanto, aspetos da sociedade anglo-saxónica que


apresentaram continuidade:

 As mulheres parecem ter tido grande importância surgindo como


fundadoras de casas monásticas, proprietárias e gestoras de bens
próprios

 A organização das famílias

 Os laços que ligam os senhores e os seus dependentes

1.2.1. Aspetos da organização social


 A lealdade é a forma mais importante de relação entre um senhor e os seus
companheiros – comités ou gesithas

 Esta relação não era tribal, mas sim pessoal tal como a descreveu Tácito no
século I: um chefe de reconhecido valor atraía a si membros de várias tribos
9
que lhe dedicavam total lealdade, que seria recompensada por armas,
cavalos, terras e um lugar de destaque na comemoração das vitórias

 A estabilidade do período anglo-saxónico deveu muito às relações de família,


o kinship e ao comitatus

 A relação entre o senhor e o seu companheiro envolvia o dever da vingança ou


a exigência de uma compensação em caso de um deles ser morto

 A compensação era chamada wergild e era um preço estabelecido que


variava com a importância da pessoa assassinada – estes valores permitem-
nos hoje em dia ter uma noção da hierarquia

 Existiam três tipos de homens livres, três tipos de semilivres e ainda três tipos
de escravos, embora a terminologia seja variada consoante as regiões

 Em Kent, os nobres eram chamados earl enquanto noutras regiões o termo não
é usado

 A palavra geshitas é mais tarde substituída por thane, que passou a designar os
servidores do rei e que com as suas famílias formam a nobreza

 O homem livre comum é chamado churl, sendo que podia ser um proprietário
substancial de terras

 Abaixo do churl ainda se distinguiam os laet e os camponeses

 Por fim na hierarquia vinham os escravos que embora tivessem um preço,


não era designado por wergild e eram considerados simplesmente com um
produto; podiam ter origens diferenciadas:

 Descendentes da população bretã (o termo briton significava


escravo)

 Prisioneiros de guerra

 Condenados por determinados delitos ou pelo não pagamento de


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dívidas

1.2.2. Composição étnica


 Beda refere que no período entre os séculos V e XI existiam nas Ilhas
Britânicas 4 povos que falavam 5 línguas: os Ingleses, os Bretões, os
Irlandeses e os Pictos que falavam os seus dialetos próprios e tinham uma
língua comum, o latim.

 Os bretões foram os primeiros habitantes que povoaram o Sul de Inglaterra


vindos do Norte de França.

 Os Pictos vieram da Escandinávia para as costas do norte da Irlanda, onde


encontraram os Irlandeses que os aconselharam a fixar-se na Escócia, para
onde os Irlandeses teriam imigrado também mais tarde

 Entre 449 e 456 os Anglos ou Saxões teriam vindo para a Bretanha a convite
do rei Vortingern para protegerem as terras das incursões dos povos do
Norte, mas no fim das lutas chamaram mais conterrâneos seus e dominaram
a região – estes povos germânicos seriam representantes das raças dos
Saxões, Anglos e dos Jutas

 A pesquisa arqueológica não confirma totalmente a versão de Beda mas


leva antes a pensar que a fixação dos povos germânicos foi um processo
longo, continuando até às primeiras décadas do século VI

 O estabelecimento dos povos germânicos nas Ilhas Britânicas levou a uma


descontinuidade com o período romano, especialmente em duas áreas, a
língua e a religião.

1.2.3. A língua e a religião

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 Na língua, regista-se uma rutura com o latim e com o celta e a consequente
imposição da sua própria língua

 Nas restantes regiões europeias tinha-se registado o oposto, continuando o


latim a dominar

 A toponímia (estudo dos nomes próprios de lugares, da sua origem e


evolução) de Inglaterra é uma das evidências desta supremacia da língua
anglo-saxónica, sendo raros os nomes que preservaram a sua raiz latina.

 O cristianismo romano era muito importante no século V em especial entre os


proprietários romano-bretões

 Em meados do século V, S. Patrício que era de origem romano-britânica


cristianizou a Irlanda, o oeste da Escócia e a região de Northumbria.

 O isolamento da Irlanda face a Roma levou a que se desenvolvesse uma igreja


e uma civilização própria de raiz celta e que ao expandir-se em Inglaterra
entraria em conflito com o cristianismo romano

 No século VI, para reforçar o cristianismo entre os anglo-saxões, o Papa


Gregório, o Grande, enviou Santo Agostinho numa missão de cristianização.

 O paganismo nas ilhas continuava, no entanto, a existir, e os conflitos entre


casas reais mais ou menos favoráveis ao cristianismo levou a flutuações na
estabilidade dos cristãos

 Em meados do século VII é evidente a diversidade de práticas litúrgicas e da


organização da igreja

 Em 644 a igreja de Northumbria convoca o sínodo de Whitby que se decide


pela conformidade com as práticas litúrgicas de Roma

 Esta decisão levou a um incremento das relações com as regiões


mediterrânicas nomeadamente através das viagens de monges e eruditos

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como Benedict Biscop ou Wilfrid

 A ocupação de cargos eclesiásticos em Inglaterra por homens com as mais


diversas origens era por isso uma prática comum nos primeiros tempos da
igreja católica

1.2.4. A cultura cristã


 A conversão ao cristianismo trouxe importantes mudanças,

 A nível da atitude face à transcendência, à visão do mundo e ao


relacionamento do homem com os seus semelhantes

 A construção de igrejas introduziu novos materiais e técnicas como o


uso da pedra e de novos elementos decorativos

 O latim voltou a ser utilizado nos rituais religiosos e na escrita

 Desenvolveu-se ainda a música e o canto praticados nas liturgias

 A preservação das relíquias dos santos gerou ainda novas


necessidades de bordados, ourivesaria, trabalho dos metais e pintura

 A instrução e a técnica de fazer livros também se expandiram e


embora raramente saíssem dos limites dos mosteiros,
desenvolveram-se.

 Algumas das obras e autores mais lidos deste período foram:

 Santo Agostinho de Hipona

 Santo Ambrósio

 São Gregório

 Isidoro de Sevilha

 Poetas cristãos como Arator, Sedúlio, Juvenco, Fortunato,


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Próspero, Lactâncio e Prudêncio

 Historiadores Eusébio, Orósio, Josephus, Cassiodoro e Gregório de


Tours

 Autores clássicos como Plínio, Ovídio e Virgílio

 Lindisfarne Gospels escritos e iluminados pelo bispo Eadfrith

 Book of Durrow

 Durham Gospels

 Echternach Gospels

 Lichfield Gospels

 Book of Kells

 A criação de mosteiros envolvia a concessão de propriedades à igreja que,


muitas vezes, se tornavam negócios familiares sendo passadas de geração em
geração sempre dentro da mesma família

 A posse das terras era fundamental para a execução de tarefas religiosas


como a produção de manuscritos que exigiam abundantes recursos

 Ambas as linhas de divulgação do cristianismo garantiam a sua continuidade


através do ensino de matérias necessárias ao sacerdócio: o latim, as Escrituras,
o computo das estações do ano e a música.

 Os mosteiros irlandeses no século VII continuavam a ensinar gramática e


retórica

 A partir do século VII há uma mudança no estudo da filosofia que é substituída


pelo cristianismo como modelo de pensamento e de vida

 No século V Santo Agostinho com a sua beata vita e Boécio com A


Consolação da Filosofia ainda defendiam um sistema filosófico como base
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da vida, no século VIII já nenhum estudioso defendia essa noção

 Existia, no entanto, uma visão prática do cristianismo sendo a atividade dos


mosteiros orientada para a produção de textos úteis ou edificantes

1.2.5. As invasões viking e as reformas do rei Alfredo


 A partir de finais do século VIII a costa leste de Inglaterra passou a ser alvo de
raids de vikings que provocaram a destruição de mosteiros e a conquista de
centros urbanos importantes como York, Lincoln, Nottingham, Derby,
Leicester e Stanford

 A invasão só foi travada no último quartel do século IX pelo rei anglo-


saxónico Alfredo (871-899) que conseguiu consolidar a sua área de
influência no Sul

 A presença viking só desapareceu já no século X, mas deixou marcas duradouras

 No Norte foi visível o declínio dos mosteiros e da cultura monástica

 O rei Alfredo respondeu a este declínio com uma reforma educativa que
pretendia aumentar a competência de leitura e escrita em vernáculo e o
fornecimento de livros em inglês

 Algumas das obras mais importantes deste período recomendados pelo rei
Alfredo:

 The Pastoral Care, de Gregório o Grande

 Dialogues de Gregório o Grande

 Universal History Against the Pagans de Orósio

 Ecclesiastical History of the English Nation de Beda

 On the Consolation of Philosophy de Boécio

 Solilóquios de Santo Agostinho

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 Alfredo foi o grande impulsionador do Old English na sua forma escrita

 Na poesia vernácula destacam-se duas composições: Caedmon’s Hymn e


Bede’s death Song

 Podem distinguir-se 3 fases na literatura anglo-saxónica:

 O período de Beda, anglo-latino no qual aparecem os primeiros


versos em Old English

 O período de Alfredo no qual surge a prosa vernácula

 O período da reforma beneditina em que o Old English se


desenvolve e aplica a várias finalidades civis e religiosas

 A poesia vernácula do período de Beda pertence ainda a uma cultura oral e os


poemas são anónimos, compostos ao longo de várias gerações antes de
serem colocados por escrito:

 Dream of the Rood – poema de temática religiosa

 Beowulf – poema épico que se desenrola no sul da Escandinávia no


século VI

 Brunanburgh e Maldon

 O rei Alfredo entendia que a sabedoria era indispensável aos cristãos e que
seria adquirida através da aprendizagem

 O seu reinado viu ainda nascer a Crónica Anglo-Saxónica que continuou a ser
compilada até ao século XII

1.2.6. A reforma Beneditina


 No século X assiste-se a um movimento de reforma da vida monástica
inspirado por movimentos análogos na Europa nomeadamente em Cluny e

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Fleury em França e em Ghent e St.Omer na Flandres

 O rei Edgar garantiu a doação e conservação das terras que asseguravam o


pagamento dos tithes fundamentais à sobrevivência das casas monásticas

 Em Inglaterra, a reforma beneditina tinha 2 aspetos importantes:

 A reforma da vida monástica em termos da liturgia e do celibato

 A uniformização das práticas das diferentes casas monásticas


promovido pelo rei e expresso no documento Regularis Concórdia

 Apesar destes esforços, a reforma beneditina não atingiu toda a Inglaterra, mas
apenas as regiões do Sul onde a influência do monarca era maior – no Norte as
perturbações provocadas pelas invasões vikings ainda se faziam sentir.

 As principais inovações introduzidas por esta reforma foram:

 Alterações na arquitetura das igrejas para permitir procissões,


coros e canto em antifonia

 Iluminação e ornamentação ganharam novo relevo

 Adornos litúrgicos com materiais cada vez mais ricos e com desenhos
mais elaborados

 A arte deste período ficou conhecida como Winchester Art devido à


preponderância dessa catedral no processo de reforma – nela reuniu o
conclave que redigiu a Regularis Concórdia e nela se desenvolveu a forma
mais conhecida de Old English usada como norma durante mais de um
século

 Existiam três variantes orais do Old English: Canterbury no Sul, Worcester a


ocidente e York a norte

 Uma segunda vaga de invasões viking começou em princípios do século X e


inícios do século XI e que obrigou ao pagamento de pesados tributos
17
 Surgiu mesmo uma dinastia dinamarquesa de curta duração com o rei Canuto,
que chegou a construir mosteiros e a proteger as artes, prova de que o
cristianismo não esmoreceu em Inglaterra

 Eduardo, o Confessor (1042-1066) foi o último rei anglo-saxão e foi ele que
começou o processo de adoção de influências normandas, já que antes de subir
ao trono inglês tinha estado exilado na Normandia

 Um dos exemplos mais marcantes da influência trazida por Eduardo é a catedral


de Westminster começada em 1050

 Guilherme, o Conquistador, que sucedeu a Eduardo promoveu uma sangria


de bens e riquezas para a Europa mas também a construção de castelos e
igrejas que fizeram desaparecer a herança anglo-saxónica

2 - A Inglaterra Medieval: séculos XI a XIII

2.1. Contexto políti co


 No ano de 1066 começou a última das invasões nas Ilhas Britânicas que
completou o padrão étnico e cultural da sociedade medieval inglesa

 Guilherme encontrou uma sociedade rica e culta com tradições e um complexo


sistema jurídico, enquanto ele provinha de uma região com fronteiras mal
definidas, povoada por vikings e dinamarqueses cujo espírito de conquista
estava bem vivo

 Foi uma conquista aristocrática e não uma invasão nacional já que Guilherme
depois da vitória distribuiu as terras dos aristocratas anglo-saxões pelos seus
seguidores
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 No período entre a batalha de Hastings em 1066 e a morte de Eduardo I em
1307, várias foram as transformações da sociedade:

 Formação dos organismos de consulta e decisão no âmbito do


poder real

 Formação embrionária do parlamento

 A casa real no tempo de Guilherme I governava ainda diretamente o país e


contava com: o Exchequer, a Capela, o Hall e a Câmara (Chamber)

 O Exchequer era o organismo central que reunia duas vezes por ano com a
presença de todos os ministros do rei e cujos procedimentos ficavam
registados por escrito nos chamados Pipe rolls dos quais o mais antigo
sobrevivente data de 1130 do reinado de Henrique I

 A direção da Capela cabia ao Chancellor , cuja função era de guardar o selo


real e superintender as tarefas da administração do reino

 O Hall era mais complexo, envolvendo a administração das comidas e


bebidas e organizada numa hierarquia perfeitamente delineada

 A Câmara real era responsável pelo bem-estar do rei mas também pelo
Tesouro, sendo os seus funcionários mais importantes o Master Chamberlaine
e o Tesoureiro.

 Outros funcionários da casa real eram:

 Constable, com a função de zelar pela segurança dos membros da


casa real e controlar as forças reais em tempo de guerra

 Marshal que zelava pela pessoa do rei, pela sua vida diária e rotinas

 No século XII os membros do Exchequer ainda faziam parte da casa real assim
como o Tesoureiro e o Chancellor, mas no princípio do século XIII o
Exchequer era um departamento do estado que reunia em Westminster e o
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tesouro era um departamento subordinado estando ambos separados da
casa real

 O Justiciar substituía o rei nas suas ausências e juntamente com o Chancellor e


com o Treasurer constituíam o conselho alargado que participava nas decisões
reais

 Nos 35 anos do reinado de Henrique II foram consolidadas práticas de


governo e administração da justiça que dotaram o reino de uma maior
segurança e de um conjunto de homens aptos a governar

 O reinado de João foi marcado pela assinatura da Magna Carta em Runnymede


em Junho de 1215 – o rei fez concessões a todos os homens livres
reconfirmadas pelos seus sucessores até Henrique VII

 Tem sido considerado o documento fundador da democracia parlamentar


britânica e embora possa ser um exagero de interpretação, abre uma nova
época em que o poder real foi controlado, não pelo receio das revoltas, mas
sim pela aceitação das contingências da lei

 De destacar ainda a atuação de Simon de Monfort, que em 1265, quando se


revoltou contra Henrique III, convocou os representantes dos Shires e
Boroughs para uma assembleia

 No final do século XIII, Eduardo I passou a convocar assembleias de cavaleiros,


habitantes dos burgos e membros do clero para debater os seus projetos e
para aprovar o levantamento de mais impostos

 O Great Council, formado pelos grandes barões, reunia com pouca frequência
e era geralmente substituído por uma reunião dos conselheiros mais próximos
do rei

 As reuniões do Grande Conselho passaram a ser chamadas Parlamento, que


vinha da palavra francesa parlement ou debate
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 O supremo corpo governante do país no século XIII era o The King in Council in
Parliament que desempenhava as seguintes funções

 Supremo tribunal

 Lugar onde o rei testava a opinião pública sobre as suas medidas

 Lugar onde requeria o apoio financeiro para as suas medidas

 Local de promulgação de legislação

 Revisão dos usos e das práticas da administração

2.2. Os laços sociais


 Os servidores do rei na casa real eram recompensados, não apenas em
dinheiro, géneros ou roupas, mas também em terras.

 Com o avançar do século XII, as terras disponíveis para doação foram-se


reduzindo e as doações reais passaram a ser feitas através de uma renda anual
extraída da quinta de um Shire e paga pelo Sheriff ou pelo Exchequer.

 No século XI todos os nobres foram chamados a prestar um juramento de


fidelidade a Guilherme I chamado Salisbury Oath (1086)

 Guilherme I também promoveu o levantamento de todas as propriedades do


reino em terras e animais de todos os arcebispos, bispos, abades, condes e
outros.

 Esse levantamento teve alguma resistência por parte dos proprietários, tendo
que ser repetido e tendo alguns dos proprietários sido condenados por
perjúrio

 O resultado desse levantamento completado apenas no século XII foi Doomsday


Book

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 A partir desse documento podemos ter uma ideia dos barões e cavaleiros do
reino, sendo que os primeiros não chegavam a 200 e os segundos seriam
cerca de 4 mil

 As recompensas na distribuição de terras por Guilherme I parecem ter seguido 2


critérios:

 A segurança de pontos-chave das fronteiras com a Escócia e o País


de Gales

 A dispersão de terras a diferentes senhores para garantir que


nenhum teria recursos concentrados que colocassem em perigo
a supremacia real

 Os laços entre os senhores e o rei funcionavam por gradações sucessivas que se


foram estruturando à medida que o princípio da hereditariedade garantia a
transmissão da propriedade de geração em geração

 Os senhores feudais podiam doar terras criando um laço de Liege Homage que
vinculava o cavaleiro ao seu senhor

 Quando um cavaleiro recebia terras de mais do que um senhor, devia


allegiance àquele que lhe tinha doado a residência principal, executando
vários deveres: nunca julgar o senhor, segui-lo na guerra, guardar o seu
castelo e escoltá-lo, a ele e à sua família

 Os cavaleiros podiam comutar os serviços em dinheiro – uma prática chamada


Scutage e que já era comum no século XII

 A evolução na sociedade era possível, quer pela ruína de alguns proprietários


sujeitos a rendas e taxas elevadas, quer pela recompensa da lealdade e bravura

 O poder não estava centralizado mas sim disperso em partes autónomas – não
existia também uma escala hierárquica linear composta por senhores, vassalos e

22
camponeses

2.3. Enquadramento socioeconómico


 A população de Inglaterra vivia essencialmente da agricultura

 Uma grande parte do território estava coberto por florestas protegidas por
legislação que as reservava para coutadas reais

 As terras aráveis eram cultivadas em campos abertos que se podiam estender


por dezenas ou centenas de hectares

 Este sistema de cultivo era conhecido como common field system, tendo levado
alguns historiadores a interpretar a comunidade medieval como um modelo de
sociedade comunitária e igualitária, porém a posse da terra não era dos
camponeses

 O sistema de cultivo em open field manteve-se inalterado até à revolução


agrária do século XVIII mas nem todas as regiões o adotaram já que é
impraticável em regiões montanhosas ou de maior densidade florestal

 A aldeia medieval dispunha ainda de prados para alimentar o gado e em


algumas regiões as ovelhas e carneiros dominavam os interesses económicos
em algumas regiões

 Das ovelhas e carneiros aproveitava-se os excrementos para adubo, o leite, as


peles mas especialmente as lãs

 A maioria dos habitantes da Inglaterra medieval não eram livres e muitos eram
ainda classificados no Doomesday Book como escravos, sabendo-se muito
pouco sobre eles, e que terão desaparecido com o aumento do poder do rei e
da lei

 Vilão é uma designação que abrange a maioria dos camponeses da Idade

23
Média, que viviam na dependência do seu senhor

 A maior parte dos homens livres habitava nas cidades (Boroughs) onde se
realizavam os mercados, onde se cunhava moeda e servia de refúgio durante a
guerra

 Comércio e defesa eram os principais critérios de formação das cidades

 Entre 1086 e 1286 a economia britânica não sofreu alterações significativas


embora se registe um importante aumento populacional

 O comércio externo estava nas mãos de estrangeiros, gascões, flamengos e


italianos

 A produção de tecidos, a construção, a atividade mineira e o tratamento dos


metais continuam a ser atividades seguidas em processos tradicionais

 Na agricultura a única inovação foi a introdução da utilização dos terrenos em


três folhas em vez de apenas duas

 As atitudes começaram, no entanto, a mudar: o aumento dos preços no


século XIII obrigou os senhores que viviam das rendas a administrar
diretamente as suas terras

 Surgiram tratados sobre administração e gestão de propriedades, dos quais o


mais famoso é o Husbandry de Walter of Henley

3 - A cultura medieval
3.1. As artes e os costumes
 A figura do rei polarizava todos os assuntos do país incluindo o patronato das
artes

 As artes que eram desenvolvidas nos mosteiros como a iluminura e as


tapeçarias não sofreram alterações com a conquista normanda

24
 Noutros aspetos, como na língua, a conquista normanda influenciou a cultura –
a nobreza falava o franco-normando, mais tarde chamado anglo-normando,
enquanto o povo falava o inglês comum

 A nova aristocracia devolveu a preponderância ao latim tendo até ao século


XIV o inglês um papel meramente subalterno embora tenham sobrevivido
alguns poemas do período como: “Dispute of the Owl and the Nightingale”
de 1190

 A literatura anglo-normanda reflete os costumes e as instituições da corte e


demonstra as relações estreitas entre a Inglaterra e a França

 Os eruditos, os poetas, os artistas, os guerreiros e senhores feudais viajavam


frequentemente para a Europa e até para a Terra Santa

 A influência do Oriente e de Bizâncio é notória em alguns manuscritos e


nas pinturas murais de Cantuária

 Da literatura deste período é de destacar um conjunto de romances que


sugerem a intenção de glorificação da monarquia e dos seus valores sociais e
surgiram muitas vezes com o apoio dos reis e outros nobres

 Os romances com conteúdo histórico associavam uma tradição britânica com


o passado celta e bretão e com os mitos arturianos

 Historiae Regum Britanniae – Geoffrey Monmouth – referência à heráldica


que se começava a estabelecer em Inglaterra e aos torneios e outros ritos de
cavalaria como a cerimónia para armar cavaleiros

 Os rituais de cavalaria materializavam um ideal de monarquia e vida social que


se fundamentava no século VI e no reino de Camelot – Henrique II adotou
claramente o mito arturiano como símbolo do seu reino

 O patronato real de Henrique II e de Eleanor da Aquitânia promoveu obras

25
como:

 Roman de Rou de Geoffrey de Monmouth

 Dialogus Scaccarii ou Dialogue on the Exchequer de Ranulph


Glanville

 Tristan do poeta Thomas

 Lais escrito por Marie de France, irmã de Henrique II

 Histórias do Graal escritas por Chrétien de Troyes e Robert de


Borron

 História Brutonum ou Brut de Layamon – paralelismo entre a


história de Artur e a invasão normanda, mas o romance
arturiano era diferente da chanson de geste francesa que
procurava glorificar o passado heroico das famílias dos grandes
magnates

 Os torneios no século XIII eram chamados Távolas Redondas em honra desta


associação com o mito arturiano.

3.2. A cultura popular


 As festas populares estão muito menos documentadas do que os torneios e
outras ocupações sociais da nobreza

 Supõe-se que as festas religiosas estivessem diretamente relacionadas com o


calendário religioso

 No tempo do rei Alfredo eram dias de feriado:

 Os doze dias de Natal

 14 dias da Páscoa

 Uma semana na Assunção da Virgem

26
 Dia de Todos os Santos

 Eduardo I acrescentou ainda:

 Oito dias do Pentecostes (Whitsun)

 Nestes períodos, para além das celebrações religiosas como as procissões,


havia ainda outras manifestações como danças e outros entretenimentos

 Pouco se sabe destas festas devido ao posterior zelo reformista que acabou
com a maioria destas celebrações mas eram ocasiões de desordem que
convidavam ao excesso e ao pecado e que eram condenados em missas e
decretos episcopais

 Podem distinguir-se dois ciclos no calendário medieval:

 Do Advento ao Pentecostes, a metade sagrada do ano, um período


de ansiedade, de consumo de alimentos e de sementeira

 Do Pentecostes ao Advento era a metade secular quando a vida


era mais fácil, era o tempo da colheita e do armazenamento

 Existiam 7 celebrações principais ao longo do ano:

 O Natal era uma festa de interior com troca de presentes e


consumo de comidas e bebidas especiais, mas também existiam
outras tradições como as representações feitas por crianças
vestidas de adulto; existia ainda uma faceta pagã associada a
rituais de expulsão do Inverno

 O Shrovetide corresponde ao Carnaval e as suas celebrações


passavam por rituais de desafio à autoridade eclesiástica e a
outros entretenimentos

 A Semana Santa incluía além das celebrações religiosas as festas


da renovação e da primavera com uma forte componente sexual
27
e com liberdades que não se permitiam normalmente como jogos
amorosos, escolha de parceiros

 No May Day era celebrado o início do Verão com


concursos de beleza e ornamentação das raparigas com
festões e coroas de flores

 O Midsummer estendia-se desde o Roagation Tide (segunda, terça


e quarta antes da Ascensão) até 24 de Junho, a véspera de
Midsummer – as rogações traduzidas em procissões destinavam-se
a pedir proteção para as colheitas; o Pentecostes ou Whitsun
dentro deste ciclo era usualmente o dia marcado para a coroação
dos reis e para outras festas ao ar livre

 As Colheitas eram um período liturgicamente mais calmo com a


festa maior a 15 de Agosto com a Assunção de Nossa Senhora; o
ciclo começava com o Lammas a 1 de Agosto com uma missa com
a hóstia feita com a farinha nova e terminava a 29 de Setembro, o
Michaelmas; período de renovação dos contratos e de fazer as
contas aos arrendamentos

 No Inverno celebrava-se o culto dos mortos com as festas de


Todos os Santos e os Fiéis Defuntos a 1 e 2 de Novembro, com
uma mistura de rituais católicos e celtas; a 11 de Novembro
celebrava-se ainda o Martinmas.

3.3. A religião e as disciplinas do saber

3.3.1. A religião como enquadramento da vida


 Os ritmos da vida estavam muito associados ao calendário religioso –
sobreviveram mais testemunhos religiosos do que civis de todo este período
28
 A Igreja em Inglaterra era uma força muito poderosa com grandes riquezas
materiais: existiam cerca de 60 mil clérigos que administravam um terço de
todas as terras aráveis

 A capacidade de organização da Igreja ficou a dever-se em grande parte à


profissionalização do clero promovida pelo arcebispo Lanfranc nomeado por
Guilherme I em 1070, à transformação das dioceses e abadias maiores em
baronias feudais e às doações que provinham dos cavaleiros normandos em
maior número do que os thanes anglo-saxónicos

 Estas circunstâncias permitiram a construção de grandes abadias e


catedrais como Durham, Winchester, Norwich, Canterbury, Ely,
Gloucester, Lincoln e York

 A Igreja em Inglaterra vai-se adaptando às regras de Roma, em especial, graças


à influência normanda:

 O celibato, comum no século XI começa a ser reforçado

 O interdito papal no reinado de João que determina o


encerramento das igrejas e suspensão de todos os sacramentos
é cumprido sem que tenha havido um resvalar para as religiões
alternativas ou heresias

 No século XI todos os mosteiros eram beneditinos, mas no início do século


XIV já existiam 900 casas monásticas das mais variadas ordens: Cistercienses,
Gilbertina, Templária, Hospitalária, Cartucha, Dominicana, Franciscana,
Carmelita ou Agostinha

 Esta forma das ordens religiosas determina um aumento da alfabetização e


da produção de obras literárias

 A quase totalidade dos textos escritos em inglês antes de Chaucer é de natureza


religiosa
29
 Na música também se assistia a uma forte resistência à introdução de motivos
seculares – o moteto polifónico desenvolvido em França só chegou a
Inglaterra no século XV

 A forma de expressão musical mais comum na Idade Média era o cantochão


que inclui toda a música monofónica cantada na Igreja

 A população em geral tinha uma mobilidade muito limitada e tinha uma vida
muito condicionada pelas dificuldades – a religião surge como uma promessa
de uma vida melhor num outro mundo

 O quadro da Idade Média caracterizava-se por uma esperança de vida


reduzida devido às epidemias de doenças como a gripe, a febre tifoide, a
disenteria ou a peste bubónica que fazia com que se procurassem respostas
na religião dado o pouco desenvolvimento da medicina

 A acompanhar os ritos religiosos surgiam outros de raízes pagãs havendo por


isso uma linha muito ténue entre religião e magia

 Na Idade Média o cristianismo desenvolveu-se não como uma religião


centrada no indivíduo, mas sim articulado com a Igreja que era a estrutura
visível de Deus na Terra

 Existia ainda uma noção de hierarquia que colocava a Terra no centro do


universo e que só veio a ser contestada por Galileu

 No homem também existe uma hierarquia entre a cabeça, o tronco e os


membros que replica a estrutura do macrocosmo do universo ao nível
microcósmico do homem

 O recurso à razão para explicar a existência de Deus é desaconselhado, sendo


o desejo de saber uma manifestação de orgulho e soberba

30
3.3.2. A organização dos saberes e o legado clássico
 A filosofia continuou durante a Idade Média a ocupar um lugar entre os
saberes, mas como auxiliar da teologia.

 A teologia é suprema sobre todas as artes:

 Artes liberais – gramática, retórica, direito, medicina e geometria

 Artes mecânicas – tecelagem, fabrico de armas, navegação, caça,


agricultura e teatro

 Artes mágicas – adivinhação, augúrios, obras maleficentes, sortes


para o futuro e ilusões

 A combinação entre o legado clássico e a doutrina cristã constituiu o cerne das


disciplinas transmitidas na Idade Média

 A herança do saber clássico foi transmitida, quer pelos textos originais quer
pelos vários comentários

 O maior obstáculo à transmissão destes saberes foi a queda no conhecimento


do grego

 Aristóteles influenciou muito o pensar medieval, enquanto as ideias


platonistas chegaram mais por autores como Plotino e Porfírio

 Os princípios platónicos compatíveis com o cristianismo eram:

 A ideia de que existe uma verdade para além da perceção sensorial

 O princípio de que o pecado e o mal criam escuridão na mente

 A apreensão de um Deus omnipresente e imutável

 A ênfase no espiritual que leva à subjugação da carne como via para


atingir o saber

 O conhecimento de Aristóteles era muito mais completo sendo a lógica

31
ensinada pelos 6 livros conhecidos como Organon

 O ressurgimento do interesse em Aristóteles no século XII ficou a dever-se em


grande parte aos comentadores árabes da Península Ibérica como Avincena e
Averroes

 Outros autores clássicos como Séneca e Cícero foram estudados e comentados


na Idade Média

 Existiam ainda a circular textos de Hermes Trismegistos postos a circular entre


os séculos I e III e que combinavam elementos platónicos, neopitagóricos e
estoicos com ideias vindas de cultos orientais

4 – A Inglaterra Medieval – séculos XIV e XV


4.1. O contexto políti co-social
 O período entre 1290 e 1490 é marcado por uma série de guerras e conflitos,
internos e externos:

 Domínio territorial sobre o país de Gales, Escócia e Irlanda com


os consequentes conflitos sucessórios

 Conservação dos territórios em França, ameaçados pelo


reforço do poder dos monarcas franceses – assiste-se a um
reforço da identidade nacional

 A nível social também surgem alterações:

 Alargamento da classe dos mercadores, profissionais liberais e


novos proprietários de terras

 Redistribuição da riqueza e da sua produção

 No plano religioso também surgem alterações:

32
 O aparecimento de heresias

 Maior sentido de individualismo expresso em misticismo e em


novas representações estéticas testemunhadas pela humanização
das figuras do culto

 O rei e a corte continuavam a ser o fulcro da política e as relações de kinship


continuam a ser estruturantes na sociedade

 A sociedade era relativamente estável, mas foi perturbada por conflitos


internos e externos que levaram ao desenvolvimento constitucional e político
que sem esses conflitos seria mais lento

 Eduardo I procurou reafirmar a soberania inglesa sobre o País de Gales e


depois sobre a Escócia, embora os conflitos na Escócia se tivessem prolongado
até ao século XIV

 Em França, o conflito desenvolveu-se na Gasconha, mas a Guerra dos Cem


Anos só começaria em 1337

 As guerras levaram a uma mudança nos exércitos que passaram a ser


compostos por forças pagas, recrutadas por capitães indentured que tornaram
o novo exército inglês mais disciplinado e flexível do que as tropas francesas

 O custo da guerra foi bastante alto pois levou a perturbações nas atividades
produtivas e no comércio da lã inglesa e do vinho da Gasconha

 Apesar da longa duração da guerra, a estabilidade política e social não foi


colocada em questão devido à liderança de Eduardo III e do seu filho, o
Príncipe Negro, que personificavam as virtudes da cavalaria e que voltaram a
trazer as comparações com o mítico rei Artur

 Ao longo deste período os nobres tentaram reforçar o seu poder sobre o rei
chegando a invocar a Magna Carta

33
 No Good Parliament de 1376 alguns ministros foram acusados e julgados
pelos Comuns diante dos Lords num processo que abriu o precedente da
responsabilização dos detentores de posições de privilégio sobre as suas
ações – o impeachment

 Ricardo II ascendeu ao trono com apenas 10 anos em 1377 e defrontou-se com


problemas graves como a Revolta dos Camponeses em 1381 provocados por:

 Poll tax destinado a financiar a guerra com a França

 Descontentamento em relação à Igreja

 Ressentimento contra os proprietários de terras depois da Peste


Negra

 Alguns historiadores interpretam a Revolução dos Camponeses como a


precursora de movimentos reivindicativos posteriores mas outros referem-na
como uma manifestação do reforço do poder dos proprietários que levou ao
adiamento da libertação dos servos

 Em 1388 realizou-se o Merciless Parliament em que o rei se submeteu a uma


facção dos Lords

 O rei desenvolveu esforços para resolver a situação em França tendo-se


casado com Isabella, filha de Carlos VI e tendo-se aliado ao papa, Bonifácio IX

 Internamente mantinham-se as rivalidades e em 1399 o filho de John of Gaunt,


Henry Bolingbroke tomou o poder iniciando a guerras das rosas

4.2. A Guerra das Rosas


 As casas de Lancaster e York iriam disputar a coroa inglesa ao mesmo
tempo que enfrentavam conflitos em França, em Gales, na Escócia e na
Irlanda

34
 A consolidação de Bolingbroke no poder foi feita à custa do esmagamento
das revoltas internas nomeadamente no País de Gales onde se mobilizavam
os nobres favoráveis a Ricardo II e aos seus herdeiros

 Os barões, viscondes, condes, marqueses e duques constituíam um grupo


social hereditário e definido que coincidia com o grupo de Lords com assento
na Câmara

 Os interesses do rei estavam associados aos dos nobres e estes estavam


relacionados com os da gentry, que davam apoio, ajuda militar e conselho aos
nobres

 Henrique IV legou ao seu sucessor Henrique V um reino pacificado e um trono


reconhecido internacionalmente, o que facilitou o retomar das ações bélicas na
França lideradas pelo rei entre 1415 e 1420 e que se pautou pela vitória de
Agincourt e pela conquista da Normandia

 Em 1420 o Tratado de Troyes firmado com Charles VI fez dele regente de


França e herdeiro do trono, sendo que foi Henrique VI quem herdou a
monarquia dupla devido à morte do pai em 1422

 Mas Charles VII seria coroado em Rheims em 1429 e os exércitos franceses


ganharam um novo ímpeto com Joana d’Arc

 Do império construído por Henrique V sobrou apenas Calais que também seria
perdido no reinado de Mary Tudor

 Em Inglaterra registaram-se várias manifestações contra o rei e o colapso


mental e físico do rei voltou a abrir a porta à casa de York que conquistaria a
coroa em 1461 por Eduardo IV

 Como o rei Henrique VI continuava vivo, polarizava descontentamentos e


apoios voltando a ascender ao trono mas em 1471 foi novamente destronado
por Eduardo IV morrendo na Torre e morrendo o seu filho em batalha, o que
35
terminou a linha principal da casa de Lancaster

 Com a morte de Eduardo IV, ascendeu ao trono o seu filho Eduardo V que
acabou por ser deposto pelo seu tio, o Duque de Gloucester que ascendeu ao
trono como Ricardo III

 O fim da Guerra das Rosas surgiu com a vitória de Henrique Tudor na batalha
de Bosworth em 1485 levando Henrique VII ao trono

4.3. As relações sociais e a religião


 As mudanças políticas foram acompanhadas por alterações nos planos
económico, social, religioso e cultural que indicam a progressiva tendência
para a individualização e para a degradação das relações de kinship

 O governo foi também assumindo uma maior complexificação com o


levantamento regular de impostos, com a cobrança de taxas alfandegárias e a
manutenção da lei e ordem

 O Parlamento chegou a reunir-se com regularidade, a ter funções próprias,


procedimentos regulamentados e representação permanente dos comuns

 Nos planos económico e feudal assistiu-se ao gradual desaparecimento da


manor feudal com os serviços a serem comutados em dinheiro

 A peste negra permitiu ainda uma alteração das relações sociais – a escassez
de mão-de- obra levou ao recurso ao trabalho pago e ao estabelecimento de
uma classe intermédia de pequenos proprietários e trabalhadores livres – o
yeoman.

 Também na religião se sentiu cada vez mais o individualismo que procura


formas de devoção mais pessoais e de regresso a uma pureza espiritual que já
tinha sido a aspiração de ordens como a de Cister no século XII ou a dos

36
Franciscanos no século XIII

 O misticismo é outro indicador desta tendência para uma vivência religiosa


mais pessoal que tem uma expressão escrita nas obras de Richard Rolle,
Walter Hilton ou Juliana de Norwich ou no Book of Margery Kempe

 O século XIV assistiria ao nascimento de um movimento mais radical, os


Lollards inspirados por Wycliffe e que questionavam a autoridade da Igreja e
preconizaram a cisão com ela

 Wycliffe apelava ao espírito anticlerical do período criticando a riqueza da Igreja


e a mediocridade de alguns dos seus membros

 Os Lollards transformaram-se num movimento de revolta, ameaçador da


ordem pública que em breve foi alvo de perseguições

 A extinção do movimento deixou algumas sementes que voltariam a


germinar no período da Reforma: os aspetos anticlericais, a devoção nas
Sagradas Escrituras e a confiança na Bíblia em inglês

 No século XIV os monarcas tomaram medidas que limitavam a jurisdição da


Santa Sé em alguns assuntos eclesiásticos

 A partir do reinado de Eduardo I o Papa deixou de poder levantar impostos

 Limitações no poder de nomear bispos ou outros dignatários do clero

4.4 Indícios da formação da nacionalidade


 A nacionalização dos hábitos, costumes e práticas sociais foi sendo
reforçada neste período com várias mudanças

 A afirmação do uso do inglês como língua de debate no Parlamento e como


língua dos registos oficiais e da corte

 Observa-se em paralelo a expansão da instrução básica – e, 1499 o Benefit of


Clergy deixou de ser definido como todos os que sabiam ler ou escrever para
37
se aplicar apenas ao clero, o que indica a importância desta competência
entre membros de outros grupos

 Chaucer escreveu The Canterbury Tales entre 1386 e 1400 mostrando já as


potencialidades da literatura em língua inglesa

 Outras obras relevantes apareceram também nestes anos:

 Piers Ploughman de Langland

 Poemas de Gower

 Sir Gawain and the Green Knight

 Miracle Plays

 Os poetas deste período gozaram do patronato do rei ou dos nobres, o que se


por um lado levava a uma grande flutuação nas obras que dependiam do favor
também permitiu o desenvolvimento de obras que se tornaram a base da
tradição literária inglesa

 Na arquitetura desenvolveram-se dois estilos, o decorado e o perpendicular

 O estilo decorado não trouxe alterações de fundo, mas antes constituía o fundo
ornamental que realçava as pinturas e esculturas – ornamentação curvilínea e
elaborada baseada no ogee ou curva invertida – um bom exemplo é a torre
lanterna octogonal da Catedral de Ely

 O estilo perpendicular caracteriza-se por uma decoração mais retilínea, com


janelas maiores e abóbadas desenhadas em padrões mais retos e
quadrangulares – Capela do King’s College em Cambridge e a ala este da
Catedral de Peterbourough

 Desenvolvem-se ainda as artes de pedreiros e carpinteiros, ourives e


vidraceiros, tecelões e bordadores

 O artista na Idade Média é ainda desconhecido até porque a autoria suprema


38
das obras pertence a Deus e porque muitas obras são produzidas por conjuntos
de artesãos

 A produção estética deste período iria inspirar os autores do século XIX


preocupados com a descaracterização trazida pela industrialização

5 – Do Pré-Moderno ao Moderno – Sistematização e teorização


 O sociólogo britânico Anthony Giddens identificou dois tipos de elementos
sociológicos e culturais que permitem traçar a evolução do pré-moderno para o
moderno: a confiança e o risco

 Dentro da confiança identifica-se:

 Kinship system – sistema de relações estabelecido na casa senhorial


que envolve relações de responsabilidade e dependência; Lawrence
Stone identificava ainda o good lordship e a honra (associada ao
código da cavalaria) como outros fatores de unificação da sociedade
– no período moderno a kinship é substituída por relações pessoais
de amizade ou de intimidade sexual como meios estabilizadores dos
laços sociais

 Comunidade local – espaço de relações localizadas organizadas


em termos de lugar não transformado por relações distanciadas
de tempo e espaço; a fraca mobilidade do período pré-moderno
dá origem a uma mobilidade promovida pela Revolução
Industrial; a comunidade local fornece uma sensação de
segurança e a partir do mundo moderno começa a surgir o
conceito de globalização;

 Cosmologia religiosa – funcionam como interpretações morais e


práticas da vida pessoal e social que representava um ambiente
39
de segurança para o crente; com o período moderno assiste-se ao
declínio da conceção unificadora e estruturante oferecida pela
religião aparecendo um processo de secularização do
pensamento e dos comportamentos mantendo-se a religião como
esquema orientador

 Tradição – refere-se à forma como as crenças e práticas se


organizam especialmente em relação ao tempo; as culturas pré-
modernas tinham uma orientação para o passado enquanto as
culturas modernas tinham uma orientação para futuro; a tradição
suporta a continuidade no passado, presente e futuro; a mobilidade
que se acentua no século XIX levou a uma dissolução da cultura
tradicional e levou ao surgimento da cultura nacional e mais tarde
internacional.

 A nível dos riscos identificam-se:

 Os acidentes do mundo físico – afetavam a vida e eram


geralmente interpretados através da religião; com o período
moderno começa a desenvolver-se uma relação diferente entre o
homem e a natureza e as causas dos acidentes começam a ser
explicadas e começam a surgir formas de os evitar ou minorar

 A violência humana – as sociedades pré-modernas nunca


estavam totalmente pacificadas e os guerreiros eram
componentes da sociedade; no período moderno esta situação
altera-se embora continue a existir esta violência; registou-se
uma pacificação interna nas nações que foi substituída pela
violência entre povos e países

 A religião – era também um risco para além de fonte de confiança

40
por gerar conflitos entre o pecado e a salvação

 Uma condição da modernidade é que os riscos passam a ser definidos como


perigos potenciais e não em termos de sorte ou fortuna embora as crenças no
destino não desapareçam

II – A formação da modernidade – O período Early Modern

1 – A identi dade nacional


 Stuart Hall identifica a nação como não apenas uma entidade política mas
também como um sistema de representação cultural

 A nação é uma comunidade simbólica que tem poder para gerar um sentido
de identidade e de allegiance

 Apenas no período moderno se começa a falar de culturas nacionais e do


estado-nação

 Stuart Hall identifica 5 elementos que sintetizam as estratégias de reprodução


da ideia de identidade da cultura britânica:

 A história, a literatura, os meios de comunicação e a cultura popular

 A ênfase nas ideias de origem, continuidade, tradição e


intemporalidade que valoriza a ideia de carácter nacional
uniforme e imutável

 A invenção da tradição nomeadamente de muitos rituais que


tiveram apenas a sua origem no século XIX

 O mito da fundação da nacionalidade no período anglo-saxónico

 Ideia de um povo puro e original

 A identidade nacional é, no entanto, um mito porque nenhuma nação é


41
composta por um só povo, uma só cultura ou uma só etnia

2 – Os Tudors, o Humanismo e a Reforma

2.1. O mito Tudor


 Já em meados do século XV os ingleses se consideravam superiores aos outros
povos e desprezavam mesmo os galeses, os irlandeses e flamengos

 O período Tudor foi marcado por personalidades como Henrique VIII, Isabel I,
Francis Bacon, Sir Thomas More ou Shakespeare que marcaram a herança
cultural inglesa

 O mito Tudor forma-se com a vitória de Henrique VII sobre Ricardo III em
Bosworth

 O casamento do vencedor com Elizabeth de York, filha de Eduardo IV


garantiu a pacificação entre as Duas Casas reforçada pelo nascimento de 4
filhos: Artur, Henrique, Margareth e Mary

 Henrique VII passou o seu reinado a consolidar e estabilizar a coroa e o reino,


chamando a si conselheiros recrutados não pelas suas ligações familiares, mas
sim pela sua competência

 Os conselheiros juntavam-se num conselho alargado, o Great Council que


juntava pares do reino, dignitários da Igreja, juízes e funcionários reais

 Com maior frequência reunia um conselho reduzido conhecido como Council

 O Conselho Pessoal do rei incluía pessoas da total confiança do rei e a quem


prestavam fidelidade absoluta

 Henrique VII sabia, no entanto, que a segurança do reino dependia do apoio


dos grandes, mas também necessitava de os controlar com medidas como o

42
attainder e o forfeiture – estatuto parlamentar que proclamava uma
condenação por traição e declarava que as propriedades do condenado seriam
confiscadas pela coroa

2.2. Humanismo e fundamentos da reforma


 Henrique VIII subiu ao trono em 1509 levando a cabo uma política de
conquista e de reforma interna com conotações imperialistas

 No primeiro aspeto, a política de conquista pautou-se pela recuperação dos


ideais de cavalaria e concretizou-se em várias campanhas extensas em França

 Nas medidas políticas, a reforma henriquina deixou marcas profundas que foi
mais do que uma forma de um monarca resolver um problema conjugal

 A reforma enquadra-se no clima de opinião europeu e inglês que debatia as


questões religiosas e políticas da união ou separação dos poderes espiritual e
temporal

 A reforma teve o seu início na década de trinta do século XVI com a rutura de
Henrique VIII com Roma; no reinado de Eduardo VI a reforma tomou aspetos
mais doutrinais e calvinistas; com a morte de Mary que procurou o regresso
ao catolicismo, Isabel I terminou a reforma com a implantação da Igreja
Anglicana

 As teorias de Lutero estavam na raiz da Reforma e baseavam-se na devotio


moderna, uma relação entre cada pessoa e Deus através da qual todos devem
encontrar a salvação através da redescoberta da fé pessoal

 As teorias reformistas foram desenvolvidas por eruditos como Duns Scotus e


William of Ockam

 Lutero tinha ainda focado as suas críticas nos excessos do Papado defendendo

43
uma Igreja Apostólica menos mundana – Sebastian Brant lamentara a
decadência da fé de Cristo na sua obra Nave dos Loucos

 John Skelton tipificou o pensamento anti-clerical num conjunto de sátiras em


verso e foi o tutor de Henrique VIII sendo que algumas das suas críticas se
dirigiam ao Cardeal Wolsey

 O Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdão foi publicado em 1509 e


demonstra a influência de Brant – trata-se de uma obra que procura satirizar
e atacar a loucura dos homens em geral e da Igreja em particular

2.2.1. O Humanismo
 A obra de Erasmo pode ser considerada representativa do Renascimento
Nórdico

 O estudo das humanidades, do grego e do latim teve o seu início no século XV


em universidades italianas e na Universidade de Paris

 No final do século alguns estudiosos italianos começaram a ensinar em Oxford


e em Cambridge onde difundiram a cultura do Renascimento Italiano

 Alguns estudiosos ingleses começaram a envolver-se:

 Thomas Linacre viajou para Itália onde foi seduzido pelo estudo do grego

 William Grocyn

 William Latimer

 John Colet

 Apesar dos seus estudos em Itália, o processo de assimilação dos


conhecimentos foi adaptado á realidade inglesa

 No centro da cultura humanista estava a tentativa de aplicar técnicas de crítica

44
histórica e filológica aos textos do mundo antigo

 Em França, na Alemanha e em Inglaterra começaram a surgir edições e


traduções de textos clássicos

 Mas as maiores inovações surgiram nos novos estudos sobre os códigos


jurídicos e sobre a Bíblia

 O trabalho de vários autores fez-se sentir:

 Lorenzo Valla em Itália

 Guilherme Budé em França

 O código justiniano no qual assentava a teoria da supremacia do papa sobre os


reis foi desacreditado por Valla com base numa análise histórica e filológica

 O direito romano vai sofrer um descrédito que leva à valorização das


legislações autónomas tradicionais de cada Estado

 No caso inglês assiste-se a poderosos fatores de integração e consciência


nacional de confiança no King’s law ou common law que viria em 1688 a ser
identificada com a constituição

 No estudo da Bíblia os humanistas procuravam recuperar o contexto histórico


preciso de cada doutrina ou argumento – método usado por John Colet em
1496 em “An Exposition of St. Paul’s Epistle to the Romans”

 Apareceram novas traduções do grego e do hebraico assim como novos


comentários dos textos clássicos

 A imprensa iria ter um papel decisivo na divulgação das novas ideias

 Os humanistas vão desempenhar uma importante atividade pedagógica:

 The Education of a Christian Prince – Erasmus

 The Book Named the Governor – Sir Thomas Elyot

45
 Utopia – Thomas More

 Dialogue between Reginald Pole and Thomas Lupset –


Thomas Starkey

 As afinidades de Lutero com os humanistas farão com que eles se sintam


atraídos pelas teses mas depois de uma entusiástica adesão, seguiu-se uma
certa hesitação – William Tyndale é o mais famoso exemplo deste
comportamento – “The Obedience of a Christian Man”

 Na Universidade de Cambridge desenvolveu-se o estudo dos humanistas:

 Miles Coverdale – tradução da Bíblia

 Sir John Cheke

 William of Ockham contestou o poder absoluto do Papa e defendeu na


separação dos poderes – “The Power of Emperors and Popes”

 As teses de Ockham foram posteriormente desenvolvidas por Jean Gerson,


por John Bale e por John Foxe com a sua obra Acts and Monuments mais
conhecida como Book of Martyrs

 Entre os juristas desenvolveu-se também uma forte corrente de pensamento


nacionalista que buscava fundamentos para contestar as interferências da
Igreja e do Papado na legislação – “Praise of the Laws of England” de Sir John
Fortescue

 Os próprios governos tentaram limitar o poder da Igreja – Henrique VII


reduziu o número de conventos isentos de impostos ao estado e limitou o
benefit of clergy que garantia a imunidade dos membros do clero face aos
tribunais civis

2.3. Thomas More e a Utopia: ilustração da situação da Inglaterra e críti ca ao


46
humanismo
 Na opinião de Anthony Kenny, as ideias de Thomas More são importantes por 3
aspetos:

 Pela sua obra escrita em latim, Utopia, ainda amplamente lida

 Por ter estabelecido um padrão de santidade e serviço público


na sua vida e que contribuiu para a formação do English
character

 Os seus textos em inglês ocupam um lugar significativo na história


da língua inglesa e da sua literatura

 A Utopia permite um conjunto de interpretações sobre o período em que o


escritor viveu, mas também sobre as tendências do pensamento sobre a
filosofia, teologia, a constituição da sociedade, a economia, fundamentos
políticos do estado, o conceito de ciência e de razão, de felicidade e
pragmatismo

2.3.1. Alguns aspetos da vida de Thomas More


 Thomas More nasceu em 1478 ou 1479 no reinado de Eduardo IV e os seus
primeiros anos de vida são marcados pelo fim da Guerra das Rosas

 Na sua juventude irá para a casa do Arcebispo de Canterbury, John Morton,


que muito o influencia

 Estuda dois anos em Oxford mas acaba por entrar para os Inns of Court obtendo
o seu diploma em advocacia em 1502

 Neste período começou a estudar o latim clássico e em 1501 grego, o que iniciou
a sua aprendizagem como humanista

 Em 1499 conheceu Erasmo de Roterdão que muito influenciou o seu

47
pensamento

 Para além destas ideologias inovadoras, More tinha ainda alguns traços de
ascetismo (é uma doutrina filosófica que defende a abstenção dos prazeres físicos e
psicológicos, acreditando ser o caminho para atingir a perfeição e equilíbrio moral e

espiritual) como o seu catolicismo convicto

 More foi ainda um marido e pai atento à educação dos seus filhos e mesmo das
suas filhas que receberam ensinamentos em latim, grego, lógica, filosofia,
teologia, matemática e astronomia

 O primeiro livro de aritmética inglês escrito por Tunstall foi dedicado a More

 More ingressou ainda no Parlamento, mas caiu no desagrado do rei, então


Henrique VII por ter dificultado uma medida do rei para seu financiamento

 Em 1511 já no reinado de Henrique VIII foi nomeado under-sheriff de Londres,


fornecendo apoio legal aos sheriffs

 Foi ainda nomeado High Steward da Universidade de Oxford na qual se


envolveu em polémicas por ter defendido um plano de estudos mais
humanista

 Em 1515 foi enviado à Flandres para negociar a interpretação de alguns tratados


sobre o comércio de lã, tendo conhecido Peter Gilles e tendo começado a
escrever a Utopia

 Em 1517 aceita o convite para fazer parte do Conselho do Rei e trabalha


diretamente sob as ordens de Wolsey

 A partir de 1525 começa a envolver-se com a problemática das teses luteranas


e em 1529 o divórcio do rei que ele não aceita leva-o a ser afastado e acusado
de vários crimes

 Thomas Crowmwell tenta levá-lo a aceitar publicamente as medidas tomadas

48
para anular o casamento do rei com Catarina de Aragão

 Mas a recusa de More em aceitar essa anulação leva-o à Torre e à sua execução
em 1535 apesar de todas as pressões que sofreu para aceitar as novas medidas

2.4. O signifi cado e o impacto da Utopia


 A vida de More foi muito influenciada pelas circunstâncias da sociedade que o
rodeava:

 O carácter individual formado pela educação humanista

 As convicções religiosas como orientadoras da conduta

 As funções públicas desempenhadas

 A Utopia divide-se em 2 livros: um diálogo sobre assuntos de política e da


sociedade contemporânea entre Thomas More, Peter Gilles e Rafael Hitlodeu;
e um relato de Hitlodeu da organização da sociedade na ilha da Utopia

 A influência da cultura humanista de More é mostrada pela presença de várias


expressões gregas como o próprio nome da ilha, que significa nenhum lugar ou o
nome da capital Amaurota ou do rio Anidro

 Uma das dificuldades na análise da obra de More é a ambiguidade da obra


que está impregnada de ironia levando a várias leituras sobre o seu sentido:
para alguns a sociedade da Utopia deve ser levada totalmente a sério
enquanto que para outros More estaria a tentar expor os limites do
racionalismo com a ideia de que as nações cristãs poderiam melhorar muito
mas também sem chegar aos extremos da Utopia

 O diálogo da primeira parte versa vários temas como as leis injustas, que
castigam sem eliminar as causas da criminalidade, a guerra e os exércitos
permanentes, a função de conselheiro dos príncipes e a crítica ao mau

49
funcionamento de algumas nações

 Na Utopia encontramos uma organização política e democrática em que os


postos públicos são preenchidos rotativamente e por eleição e a organização
social e económica é comunitária fundada na ausência de propriedade privada
e na atividade produtiva de todos os seus membros

 More afasta-se em dois pontos principais dos humanistas italianos:

 A atitude de More em relação à guerra é de condenação enquanto


que o humanismo considerava a guerra uma nobre ocupação

 More rejeita ainda a razão de estado condenando os


comportamentos moralmente repreensíveis que podem trazer
benefícios para a sociedade

 A proposta de More para a sociedade utópica inspira-se nas comunidades


monásticas medievais e nos ideais platónicos, mas o autor leva ainda mais longe
a sua conceção ao propor uma sociedade sem classes mas cuidadosamente
estruturada

 Ao rejeitar as hierarquias More dá dois argumentos

 Numa sociedade com hierarquias os piores ganham o poder e


usam-no em benefício próprio

 A existência de hierarquias encoraja o orgulho que impede


que as sociedades tenham justiça ou equidade

 Enquanto o primeiro livro da obra diagnostica os males das sociedades do


período, o segundo descreve a sociedade perfeita

 Uma das críticas de More é contra as enclosures, a vedação de terras


destinadas à agricultura e que passam a ser reservadas para a pecuária,
nomeadamente para a produção de lã, que retirava as propriedades dos

50
pequenos camponeses e que contribuía para uma alta de preços que acabava
por piorar ainda mais as condições dos mais pobres

 A criminalidade é apontada por isso como uma consequência da ganância dos


ricos que forçam os desprotegidos para situações de pobreza que os leva a
recorrer à criminalidade

 A virtude e a felicidade dos utopianos provêm de viverem consoante a sua


natureza

 A religião utopiana não é apenas uma já que os utopianos são livres de


seguirem as religiões que entenderem mas a maior parte dos habitantes segue
uma ideologia próxima do cristianismo

 A obra termina com um comentário de More que coloca em questão alguns


aspectos da sociedade da Utopia nomeadamente a economia que não se
baseava em dinheiro o que leva alguns historiadores a considerarem-na uma
obra aberta em que nenhuma ideia é imposta mas todas são discutidas

2.4.1. A literatura utópica em Inglaterra


 Depois da Utopia surgiram outras obras influenciadas por ela como:

 New Atlantis por Francis Bacon

 Oceana de James Harrington

 Gulliver’s Travels de Swift

 Robinson Crusoe de Defoe

 The idea of Perfect Commonwealth de David Hume

 No século XIX surgiram ainda outras obras importantes como:

 News from Nowhere – William Morris

51
 Erewhon de Samuel Butler

 No século XX outros autores dedicaram-se a esta temática como H: G. Wells,


Aldous Huxley e George Orwell

2.5. A Reforma henriquina


 Por volta de 1535 Henrique VIII tinha perdido a esperança de ter um herdeiro
masculino com Catarina de Aragão, tendo apenas uma filha, Mary

 Em 1527 o rei queria casar com Ana Bolena mas para tal necessitava de obter
um divórcio solicitado ao papa Clemente VII

 O papa não permitiu o divórcio, o que levou o rei a convocar o Parlamento


encorajando-os a medidas anti-clericais

 Entre 1529 e 1532 o Reformation Parliament reuniu em 4 sessões com 3


objetivos:

 Reunir os leigos em apoio do rei

 Intimidar o clero e levá-lo a ceder às exigências do Parlamento

 Conseguir a anuência do Papa para o divórcio do rei

 Destes 3 objetivos os primeiros dois foram conseguidos, mas o terceiro não

 Em 1533 Henrique VIII casou secretamente com Ana Bolena para legitimar o
filho que ela esperava e nesse ano o Parlamento emitiu o Act in Restraint of
Appeals que passava para o Arcebispo da Cantuária o poder de decisão sobre
assuntos do foro espiritual

 As jogadas decisivas da reforma foram protagonizadas por Thomas Cromwell


com várias leis que pretendiam subjugar o clero como o Act of Submission of
the Clergy em 1534

52
 A legitimação destas medidas residia em alguns escritos de Lutero e Melanchton
que defendiam que como o poder dos reis provinha de Deus então a obediência
a ele era um dever e um exercício da consciência, o que significa que todos
devem obediência ao rei

 Henrique VIII foi muito influenciado pela obra de Tyndale “The Obedience of a
Christian Man” que terá lido em 1529 influenciado por Ana Bolena

 Em 1534 o Act of Sucession confirmou a sucessão de Elizabeth, a filha de Ana


Bolena ao trono – este ato anulava efetivamente a legitimidade do primeiro
casamento do rei

 No ano seguinte saiu o Act of Supremacy que confirmava o rei como chefe
supremo da Igreja de Inglaterra

 A análise dos historiadores sobre esta reforma divide-se:

 Alguns pensam que se trata de um movimento ainda medieval


e que as medidas prolongavam tendências de pensamento
vindas de trás

 Outros consideram a Reforma uma revolução entendida


conscientemente pelos seus protagonistas e que levou á criação
da Igreja de Inglaterra

2.6. Resultados sociais da Reforma


 A reforma não teve apenas consequências religiosas mas também sociais como a
extinção dos conventos e ordens religiosas que teve consequências ao nível da
transmissão das propriedades para outras mãos

 Cromwell promoveu primeiro um inquérito à situação dos mosteiros


começando por extinguir os mais pequenos e passando em seguida aos

53
maiores

 O processo de expropriações seria perturbado por uma revolta no Norte de


Inglaterra que ficou conhecida como Pilgrimage of Grace mas a agitação limitou-
se ao Norte e foi rapidamente controlada

 Em 1538 procedeu-se à destruição de imagens religiosas e a supressão de


relíquias seguidas pela dissolução das grandes abadias como Glastonbury,
Colchester e Reading

 A dissolução trouxe para a Coroa 100 mil libras por ano e levou à passagem
para mãos leigas de grandes propriedades católicas

 A nível cultural as consequências foram ao nível da destruição de edifícios,


bibliotecas e obras de arte

 Apesar deste processo, existiram sempre indemnizações e bem tudo foi


destruído

 A nível da assistência pública as consequências foram pequenas já que ela


já praticamente não era assegurada pelas ordens religiosas

 A nível humano também os monges e frades aceitaram na sua maioria a


Reforma e acomodaram-se à nova hierarquia

 Outros autores como Hannah Arendt e Max Weber referem as importantes


consequências económicas como a desagregação do modelo feudal

2.7. Oposição à Reforma


 A reforma teve também os seus opositores sendo os de maior destaque
Thomas More e o bispo de Rochester, John Fisher que pagaram com a morte a
sua resistência

 Outros como Reginald Pole, fugiram para Itália tendo voltado para Inglaterra
54
apenas no reinado de Mary

 A atitude de consistência e fidelidade de More aos seus princípios ficou na


memória de todos os ingleses

 More estaria preparado para reconhecer a supremacia real nas questões


temporais mas não poderia aceitar a submissão do clero ao rei ou o
pressuposto de que o rei poderia agir sem autorização do Papa

2.8. A divulgação da Reforma


 A oposição à Reforma foi neutralizada pela eliminação dos opositores

 A divulgação da Reforma foi objeto de uma campanha de divulgação sem


precedentes em Inglaterra apoiada pela imprensa e com a conceção de
Cromwell

 Para conseguir atingir uma maior eficácia, adotou duas estratégias:

 Promoção da tradução da Bíblia para inglês – obra de Coverdale

 Mecenato às obras de teatro com fins de propaganda política –


obras de John Bale

 Também se começou a desenvolver uma justificação histórica para a reforma


que indica que desde a missão de Santo Agostinho se iniciara o processo de
corrupção que seria corrigido com a Reforma

 Em 1536 Paulo III convoca um concílio que faz oscilar a opinião pública a favor
da religião de Roma e que leva a uma segunda onda de literatura
propagandística como as obras de Thomas Starkey

 Começam a aparecer traços da via media anglicana que procura um


compromisso entre o radicalismo luterano e o tradicionalismo católico

55
2.9. A conti nuação da Reforma
 Com a morte de Henrique VIII sucedeu-lhe o filho, Eduardo VI, fruto do
casamento com Jane Seymour mas ainda menor

 A tutela do rei foi dada aos seus tios de convicções protestantes,


nomeadamente Somerset

 Na primeira sessão do Parlamento do seu reinado, foram abolidas as leis sobre


heresia e traição mas algumas questões iriam abalar o seu reino como a
questão das relíquias e imagens religiosas

 A diversidade de práticas religiosas levou a uma tentativa de uniformização com


o Prayer Book proposto por Cranmer e que juntava 3 livros, o Missal, o Breviário
e o Ritual

 Com a queda de Somerset, Warwick agudizou o conflito com 3 novas leis:

 A abolição de qualquer outro livro para além do Prayer Book

 A destruição de todas as imagens e pinturas religiosas

 Alteração na hierarquia religiosa com a passagem de 8 para


apenas 3 ordens, os bispos, sacerdotes e diáconos

 A reforma eduardiana culminou com a revisão do Prayer Book e com a


aprovação dos 42 Artigos de Religião

 Com a subida de Mary ao trono em 1553 iniciou-se uma inflexão súbita e


devastadora no processo da Reforma

 O clero protestante foi afastado e preso e substituído pelo clero católico e


Stephen Gardiner como Chanceler autorizou as perseguições religiosas que
iriam levar à sua designação como Bloody Mary

 Mary morreu em 1558 e com ela terminou a possibilidade de reverter o reino


para o catolicismo
56
 Os reinados de Mary e Eduardo foram um retrocesso face às melhorias
introduzidas por Cromwell que tinham promovido um estado mais
burocratizado e menos dependente do rei ou do chanceler que protagonizava
uma separação entre a casa real e o governo da nação

 O modelo de Cromwell voltaria a ser utilizado por Elizabeth I

2.10. O compromisso isabelino


 Em 1558 o governo de Inglaterra baseava-se em 3 instituições: o Parlamento,
o Privy Council e a corte

 O Privy Council era o mais importante sendo os seus membros escolhidos pela
rainha e funcionando como um Conselho de Ministros enquanto o Parlamento
tinha sobretudo como função a votação sobre legislação fiscal; a corte tornou-
se um centro de mecenato e de protecção das artes

 Em 1559, o primeiro-ministro William Cecil apresentou um pacote legislativo


que pretendia restabelecer a supremacia real e do culto protestante baseado
no Prayer Book de 1552

 A reforma isabelina ficou conhecida como Elizabethan Settlement e terminou


em 1536 com a aprovação dos 39 Artigos da doutrina da Igreja Anglicana

 O compromisso isabelino defendia ainda o puritanismo que considerava a


reforma como um imperativo do foro íntimo que devia assentar a sua
conduta nas Escrituras Sagradas

 O compromisso isabelino defendia ainda o conceito de um Deus providencial


que interferia no destino das pessoas

 Neste período assiste-se a uma progressiva aproximação entre a religião e o


estado secular

57
 O êxito da reforma dependeu da expansão da leitura que foi facilitada pela
invenção e divulgação da imprensa

 O ritual e o cerimonial religioso foram perdendo importância sendo


substituídos por formas de religião e devoção individuais

 Apesar disto outros rituais permaneceram como o batismo, o casamento, o


enterro, e festas associadas às colheitas

3 - Enquadramento ideológico e organização social no período early modern


 A política de Isabel I pautou-se frequentemente pela necessidade de gerar
consensos numa nação dividida e instável devido a vários factores:

 As condições de vida que levavam a uma baixa esperança de vida

 Circunstâncias políticas internas

 Ameaças de conflitos externos

 A evolução da população em Inglaterra pautou-se por um aumento nos finais


do século XVI e inícios do século XVII a que se seguiu a estabilização até à
década de 30 do século XVIII que por sua vez deu origem a uma nova
tendência de crescimento relacionada com a Revolução Industrial

 Dois fatores influenciaram esta evolução:

 Os meios de subsistência que evoluíram neste período

 A estrutura familiar

3.1. A ati vidade agrícola


 A agricultura estava muito influenciada pelos ritmos do tempo e pela sua
imprevisibilidade que trazia períodos de escassez e de abundância

58
 No mundo rural a magia e as atividades propiciatórias das colheitas eram ainda
muito importantes tendo permanecido algumas manifestações religiosas
mesmo com a Reforma

 Os costumes tradicionais contribuíam para a coesão destas comunidades


que desejavam a estabilidade e a abundância

 A maior parte do território estava organizada em open fields, ou seja,


terra não vedada que pertencia a vários proprietários e que era cultivada
em comunidade

 Em algumas regiões do ocidente, sudeste e norte predominava a enclosure


ou campo fechado que era cultivado por uma só família

 As principais mudanças que se fazem sentir no século XVI devem-se à


reforma e à distribuição das terras das ordens religiosas

 Outras mudanças mais lentas levaram ao surgimento do husbandman que


surgiu com uma forma de agricultura capitalista

 A produção agrícola em Inglaterra no período Early Modern entrou em


expansão devido a técnicas mais rentáveis e à introdução de novas culturas
como a beterraba ou o trevo

 Pouco a pouco a sociedade rural inglesa caminhava para a divisão tripartida


de proprietário (landlord), rendeiro próspero (tenant farmer) e trabalhador
rural.

3.2. A ati vidade comercial


 A atividade comercial desenvolveu-se em especial a partir de 1660 com o
comércio com as colónias

 A Inglaterra no século XVII tornou-se relevante no panorama do comércio

59
mundial

 A principal atividade era a exportação de produtos ingleses nomeadamente a lã


e a re- exportação de produtos coloniais como o açúcar, o algodão e o tabaco

 Formou-se assim uma rota triangular: a Inglaterra exportava os seus produtos


para a África Ocidental em troca de escravos que seriam levados para as Índias
Ocidentais onde eram trocados por produtos coloniais levados para Inglaterra

 O comércio interno também se começa a intensificar com a melhoria das


estradas devido aos turnpike trusts que recebem as portagens e as utilizam
para a conservação e melhoria das vias, mas também com a melhoria das vias
marítima e fluvial

 O comércio interno processava-se ainda nos mercados e feiras mas já


começam a aparecer as pequenas lojas que vendiam vários tipos de produtos
e os promoviam

 A Inglaterra era um país com um nível de produtividade relativamente


elevado organizado no domestic system que complementava a atividade
agrícola com uma atividade manufatureira artesanal

 As finanças inglesas dependiam neste período ainda de casas bancárias de


Antuérpia mas o lançamento das bases do sistema financeiro começou com a
fundação do Banco de Portugal assim como a dívida nacional e o aparecimento
de sociedades por quotas e de lotarias

3.3. A composição social da Inglaterra early modern


 Os comerciantes representavam uma espécie de estrato superior das classes
intermédias entre a aristocracia fundiária e os rendeiros e pequenos
proprietários rurais

60
 Outros sectores da sociedade desempenhavam importantes papéis embora
não diretamente ligados às atividades produtivas como o clero ou as
profissões liberais

 O clero secular antes da reforma dividia-se entre o clero educado e o clero das
paróquias sem estudos e sem rendimentos; depois da reforma desenvolveu-se
uma hierarquia que esbatia essa dicotomia: párocos locais, vigários e priores

 No topo da hierarquia eclesiástica estavam os bispos com rendimentos


equiparados à gentry ou aos pares do reino

 Embora o clero tradicionalmente fosse aberto a qualquer estrato social, a


partir do século XVIII acentua-se a tendência para preencher os lugares mais
elevados da hierarquia com filhos da gentry ou da aristocracia

 As profissões liberais mais importantes deste período são: advocacia e a


medicina

 Os advogados dividiam-se em várias categorias sendo os barristers aqueles que


argumentavam os casos nos tribunais e os attorneys eram consultores legais e
tinha um papel menos conceituado

 Até ao final do século XVII os conhecimentos de Hipócrates e Galeno


dominavam a medicina e existiam vários tipos de médicos: cirurgião,
farmacêutico e físico

 A afirmação da profissão médica vai surgindo com a observação e a


experimentação que permitem uma evolução nas práticas médicas mas
também com a secularização da sociedade que Sá um papel cada vez mais
importante ao médico no processo de cura

 Outras profissões exigiam também formação específica como os mestres-


escola e os arquitetos

61
 Também o exército e a marinha tiveram um grande desenvolvimento atingindo
um profissionalismo sem precedentes

 A maioria da população inglesa era, no entanto, constituída por trabalhadores


indiscriminados, alguns com condições de vida muito baixas e que podiam
mesmo resultar em situações de mendicidade e vagabundagem

 O Statute of Artificers adoptado em 1563 definia um processo de


aprendizagem de sete anos obrigatório para todas as actividades e que
passava numa escala de aprendiz a mestre

 A mendicidade e a criminalidade obrigaram a medidas globais que ficaram


conhecidas como Poor Law e que incluíam:

 O auxílio aos pobres como iniciativa local dependendo de uma taxa


cobrada às famílias mais abastadas

 Criação de um sistema nacional de assistência financiado pelas poor rates

 Os conceitos sociais por detrás destas leis definiam 3 grupos de pobres:

 Os pobres merecedores de auxílio que não se podiam sustentar

 Os pobres aceitáveis por terem uma família demasiado grande ou porque


não encontravam ocupação

 Os undeserving que podiam trabalhar mas escolhiam não o fazer e


eram identificados com os mendigos, vagabundos, salteadores e
criminosos

 O Act of Settlement de 1662 veio dificultar a mobilidade das populações em


busca de emprego pois estabeleceu que a assistência paroquial só podia ser
prestada aos originários da região – esta lei veio a ter alguns efeitos de
restrição durante a Revolução Industrial o que levou a que fosse abolida no
século XVIII

62
4 – Os Stuart e o pensamento político no século XVII

4.1. Enquadramento políti co e religioso


 A sucessão de Jaime I ao trono fez-se após a morte de Isabel I sem sobressaltos
em 1603

 Em 1625 com a morte de Jaime I sucedeu-lhe o seu filho Carlos I e começaram a


surgir alguns desenvolvimentos que geraram apreensão na população:

 O poder do favorito real, o Duque de Buckingham

 Inclinação real para o arminianismo, uma forma de religião


mais próxima do catolicismo

 O envolvimento na guerra dos 30 anos trouxe algum descontentamento


interno devido ao levantamento de impostos para financiar o exército

 O descontentamento começa a ser declarado por homens como John Pym, Sir
Edward Coke, Sir Thomas Wentworth, Sir John Eliot e Dudley Digges

 Entre 1629 e 1640 Carlos I decidiu governar sem o parlamento num período
que ficou conhecido como Personal Rule

 Problemas com o arminianismo como as medidas tomadas pelo arcebispo de


Cantuária, William Laud e com o levantamento de impostos (nomeadamente o
Ship Money destinado a financiar a marinha) sem autorização parlamentar
vieram causar dificuldades ao rei

 Em 1640 o rei foi forçado a convocar o Parlamento, que ficou conhecido como
Short Parliament e foi um fracasso

 Em Novembro do mesmo ano foi convocado o Long Parliament que


protagonizaram uma reversão nas medidas tomadas pelo rei e no afastamento
dos seus conselheiros mais polémicos
63
 A oposição ao rei era polarizada pelo conde de Bereford, pelos condes de
Warwick, Essex e Manchester, pelos Lordes Brooke, Sayle e Sele e nos comuns
por John Pym e Oliver St John

 Em 1641 a estabilidade foi colocada em causa por uma revolta na Irlanda que
levou á apresentação por Pym da Grand Remonstrance na qual acusava o rei
de governar com o auxílio dos católicos

 O rei decide invadir o Parlamento e prender os rebeldes, mas estes tinham


fugido

 O aumento da tensão entre o rei e o Parlamento prossegue em 1642 e em


Agosto desse ano o rei declara formalmente guerra contra o Parlamento

 A guerra arrasta-se sem uma batalha decisiva e o Parlamento opta por uma
remodelação no exército nomeado New Model Army e comandado por Sir
Thomas Fairfaix e por Oliver Cromwell

 Em 1645 surgem os clubmen que reagiam contra a presença de tropas e


contra o pagamento de impostos para financiar a guerra

 No Parlamento discutia-se qual a melhor forma de terminar o conflito


existindo duas correntes principais:

 Os presbiterianos que representavam a corrente mais


conservadora e que pretendiam um acordo com o rei

 Os independentes mais radicais sobre as questões sociais e


religiosas e que pretendiam um conjunto de garantias por
parte do rei

 Começaram a surgir grupos que questionavam a legitimidade do parlamento


como os Levellers e que vieram agudizar um problema que tendia a não se
resolver

64
 Surgiu então a Segunda Guerra Civil em 1648 em sequência da impossibilidade
de firmar um acordo com Carlos I que satisfizesse todas as partes

 O exército que discordava com as posições moderadas prendeu Carlos I e


expulsou os membros do parlamento que desejavam continuar as negociações
com o rei num processo que ficou conhecido como Pride’s Purge devido ao
nome do seu incentivador, Thomas Pride

 Em 1649 o rei Carlos I é executado e a câmara dos pares e a monarquia foi


abolida começando o período da República

 O Parlamento dos primeiros anos ficou conhecido por Rump por ser composto
pelos membros do parlamento que restaram da purga mas as medidas
tomadas não foram suficientemente radicais e o exército comandado por
Oliver Cromwell expulsou o Rump em 1653

 Foi estabelecida então uma Assembleia Nomeada conhecida como Barebone’s


Parliament cujos membros tinham sido escolhidos pelo exército para executar as
reformas exigidas

 Ao fim de 5 meses esta assembleia falhou e o poder foi entregue pelos


moderados a Cromwell

 Foi elaborado o Instrumento do Governo que constituiu um compromisso com


moldes semelhantes ao da monarquia constitucional: o Protector governava
com um Conselho de Estado e a Câmara dos Comuns recuperava as suas funções
tradicionais

 O Protectorado assegurou a estabilidade na governação e da opinião pública

 Em 1657 foi elaborada uma nova constituição – Cromwell aceitou a criação da


Câmara Alta consignada no Humble Petition and Advice mas não aceitou a
coroa

65
 A morte de Cromwell em 1658 precipitou uma série de mudanças rápidas no
plano político – o seu filho Richard sucedeu-lhe como Protector mas o atrito com
o Parlamento acentuou- se e o Parlamento foi dissolvido seguindo-se eleições
nas quais os monárquicos puderam votar

 Em 1660 foi lida ao Convention Parliament a Declaração de Breda de Carlos


Stuart e por acordo de todas as partes Carlos II foi declarado rei

 Apesar dessa unanimidade os anos seguintes foram conturbados em especial


no tema da religião

 Na Declaração de Breda Carlos II deixou ao parlamento as decisões de religião,


que influenciado pelos seus membros conservadores optou pela reposição da
Igreja de Inglaterra nomeadamente nos 39 Artigos e no Book of Commom
Prayer, contra a posição mais moderada do rei

 Internamente a politica era conservadora com Edward Hyde, conde de


Clarendon a ser substituído em 1667 pelos 5 ministros Cabal – Clifford,
Arlington, Buckingham, Ashley e Lauderdale

 Em 1675 sucedeu o governo de Danby dificultado pela política externa e pelos


problemas internos

 Nas relações externas, a política de Carlos II era ambígua – embora


pessoalmente tivesse simpatia por Luís XIV, a sua politica oficial era de aliança
com os outros países protestantes, Holanda e Suécia

 As tensões entre católicos e protestantes agudizaram-se com o catolicismo


assumido pelo Duque de York, irmão do rei e herdeiro do trono casado com
Maria de Modena

 Titus Oates denunciou em 1678 uma conspiração católica para assassinar o rei
que ficou conhecida como Popish Plot e que levou ao surgimento do primeiro
partido político moderno: os Whig reunidos em torno de Anthony Asley
66
Cooper, conde de Shaftesbury e que defendiam a exclusão do Duque de York
da sucessão

 Carlos II nos últimos anos do seu reinado não voltou a convocar o parlamento
mas ao criar condições de prosperidade garantiu a satisfação de muitos e o
controlo dos protestos

 A morte de Carlos II em 1685 colocou no trono Jaime II que tentou uma


política de conciliação da gentry tradicional e da igreja anglicana ajudado por
um parlamento maioritariamente Tory

 Em 1688 o descontentamento pela preferência católica era notório, agravado


pelo nascimento de um filho varão que garantia uma sucessão católica

 Os descontentes decidiram recorrer a Guilherme de Orange, casado com


Mary, filha de Jaime II e protestante – a fuga de Jaime II para França deu o
trono a Guillherme III

 O Bill of Rights consagrou os princípios do governo confirmando a religião


protestante e as liberdades dos súbditos, limitando os poderes do rei

 Este processo constitucional e pacífico ficou conhecido como Glorious


Revolution

 O reinado de Guilherme III também teve os seus opositores em especial pela


sua escolha de holandeses como conselheiros

 A tendência para a formação de partidos políticos acentuou-se com as


formações whig e tory mas também de facções da corte e das regiões, sendo
que os Tories começaram a identificar-se com as atitudes country e os whigs
se afirmavam a favor das liberdades e do protestantismo

 O descontentamento contra a política de Guilherme III ficou claro em 1698 com


a eleição de membros desfavoráveis ao rei e em 1701 com o Act of Settlement

67
que garantia a sucessão à Casa de Hannover, mas garantia o protestantismo,
afastava os estrangeiros do Privy Council

 Quando Guilherme III morreu, a coroa passou para Anne, filha de Jaime II, cujo
reinado foi influenciado pela Guerra da Secessão Espanhola que envolveu o
Duque de Marlborough

 A Guerra garantiu o Asiento, o monopólio do fornecimento de escravos ao


Império Hispano-Americano, com a Inglaterra substituindo a Holanda como
o maior traficante de escravos

 O reinado de Anne foi ainda marcado pela vitalidade dos partidos políticos e
de oradores como Addison, Swift, Steele e Defoe

 Em relação à religião, o período de Anne foi de aceso debate entre as


tendências anglicanas tradicionais e reacções mais radicais que visavam
excluir todos os dissidentes

 O Tratado de Utrecht em 1713 veio por termo à guerra com a França mas a
rainha morreu em 1714 e com a nova dinastia Hannover assistir-se-ia à
ascensão do partido Whig

 O período early modern teve várias fases:

 Uma monarquia centralizada com Henrique VIII e Isabel I

 Breves modelos de quase absolutismo com Carlos I e Carlos II

 Guerras civis, um regicídio, uma república e uma revolução pacífica

 Assistiu-se ainda à tomada de medidas para a limitação do poder dos reis e para
garantir o aumento do poder do parlamento e a formação de exércitos
permanentes e de partidos políticos

4.2. O pensamento políti co e social do século XVII: Hobbes e Locke


68
 Dois filósofos desenvolveram teorias inovadoras sobre as temáticas da
formação das sociedades, os estados sociais de paz e de guerra e sobre a
natureza do poder

 Os debates político-filosóficos do século XVII levaram a uma nova atitude


face à natureza do conhecimento e à possibilidade de verificação
experimental

4.3. Thomas Hobbes


 A ideologia de Hobbes baseava-se na melhor forma de evitar a guerra, uma
consequência do período conturbado das Guerras Civis

 O objetivo era formular uma teoria do poder baseada no método científico –


formulação de uma hipótese verificada através de uma metodologia dedutiva
ou indutiva até chegar a proposições que explicassem os fenómenos em
análise

 A formação de Hobbes em Oxford levou-o a crer na importância da educação


tradicional aristotélica

 Outro importante elemento formativo é a ligação entre Bacon e Hobbes quando


o filósofo serviu de amanuense a Bacon

 Hobbes também tinha uma atração pela geometria euclidiana que contribuiria
para a clarificação de uma metodologia orientada pelo rigor, pela precisão
aritmética e pela decomposição do complexo em unidades mais simples

 Hobbes formulou uma hipótese inovadora de que tudo incluindo as sensações


humanas é causado pelo movimento, baseado nas ideias de Galileu

 Partindo dessa hipótese, Hobbes definiu uma filosofia sistemática em 3 partes:


o Corpo que explicaria os princípios do movimento, o Homem, que seria um

69
corpo em movimento e o Cidadão que mostraria a direcção em que os
movimentos conduziriam

 As teorias de Hobbes apoiavam o rei, o que o levou a Paris onde publicou a sua
obra mais conhecida em 1651: Leviathan – modernidade dos seus temas como a
paz, a análise sistemática do poder e o tratamento científico dessas matérias

 O objectivo de Hobbes era a construção de uma ciência política que


mostrasse aos homens a forma de atingir a paz civil e a prosperidade

 Hobbes procurou desmontar a sociedade para tentar identificar os movimentos


das suas partes através da formulação de hipóteses - mecanicismo

 A principal causa que faz os homens moverem-se são os desejos e as


aversões, que agrupa em diversas categorias

 Os homens procuram o poder que pode ser natural ou instrumental e esse


desejo só termina com a morte

 A solução para evitar a guerra latente que este desejo de poder trazia era a
existência de uma autoridade reconhecida por todos e que estabelecia um
contrato com a sociedade

 As teorias de Hobbes tinham no seu centro o conceito de igualdade mas ao


mesmo tempo seria uma sociedade competitiva onde prevaleciam as relações
de mercado

 Sociedade de ricos e pobres mas em que todos têm direito a justiça igual e que
seria governada por uma autoridade que se devia auto-perpetuar

4.4. John Locke


 A autoridade é também o motivo central do pensamento político de John Locke

 Locke também frequentou a Universidade de Oxford e ao estudo dos clássicos


70
veio juntar- se um interesse pelas ciências nomeadamente pela botânica e pela
filosofia natural tendo trabalhado no laboratório de Boyle

 Nos primeiros anos, o pensamento de Locke revela uma visão constitucional da


autoridade defendendo uma autoridade baseada em leis de cuja preservação
dependeria de um corpo de leis

 Mais tarde Locke iria reorientar o seu pensamento para a tolerância e


liberalismo, traços que ainda hoje o distinguem

 Em 1684 Jaime II expulsou-o da universidade abrindo novas avenidas para o


desenvolvimento do seu pensamento político e filosófico

 Algumas das suas obras mais famosas são o Essay on Human Understanding e
o Essay on Toleration e mais tarde Two Treatises on Government

 A obra de Locke revela numa época de extremos atitudes moderadas e de senso


comum

 Era um pensador empírico já que para ele o conhecimento decorre das


perceções sensoriais e de introspeção mas também era racionalista
rejeitando as emoções e sentimentos

 Segundo Locke a mente vai-se mobilando: num primeiro plano através das
sensações, num segundo grau através das demonstrações e no plano mais
elevado pela intuição

 Para Locke a simples observação do funcionamento da natureza era uma


prova da existência de Deus – Deísmo

 Os trabalhos de Locke sobre a liberdade política e a tolerância religiosa foram


fundamentais para a formação da mentalidade whig e para o desenvolvimento
da tradição liberal

 Locke acreditava numa lei natural e em direitos naturais sendo que prestou

71
mais atenção ao direito à propriedade

 Para Locke o governo pela maioria provém da noção do consentimento já que


num primeiro momento a sociedade faz um contrato em que as pessoas se
obrigam a acatar as decisões da maioria sendo que o governo é formado num
segundo momento segundo os desejos da maioria

 No commonwealth delineado por Locke existiria uma nítida separação de


poderes entre o legislativo, o executivo e o federativo (que teria o poder de
fazer a guerra e estabelecer as alianças externas)

 O pensamento de Locke sobre o conhecimento é já um pensamento iluminista


que teria importantes desenvolvimentos no século XVIII

 Tal como Milton, Locke dedicou uma importância especial à educação que seria
uma formação para a vida e não a simples aprendizagem de conhecimentos

 Locke tinha em vista a educação de um gentleman com a aprendizagem de


conhecimentos importantes como os de filosofia natural de acordo com a
razão, a religião e as boas maneiras

 Representou nos seus textos o espírito de liberdade na pesquisa científica,


racionalidade e independência face à autoridade

 O pensamento de Locke levou a desenvolvimentos por exemplo no liberalismo


económico desenvolvido por Adam Smith em “The Wealth of Nations” e nas
obras de Berkley, David Hume, David Hartley e Joseph Priestley

5 – A Revolução Científica

5.1. Uma nova epistemologia


 A ideia de modernidade está associada a uma mudança epistemológica que se
começou a definir no século XVI num processo designado Revolução Científica
72
porque veio substituir a física aristotélica e a filosofia escolástica por novos
conceitos

 A rejeição da obscuridade da Idade Média é uma atitude com raízes no


Renascimento e que se impôs nos séculos seguintes

 Ernst Cassierer definiu duas tendências na especulação científica:

 Uma radicada na filosofia da natureza, da magia e da alquimia com Pico


de la Mirandola, Paracelso, Giordano Bruno e Campanella

 Uma corrente mais positiva e experimental cujos representantes seriam


Kepler, Leonardo da Vinci, Galileu e Tycho Brahe

 Inicia-se uma tarefa de recuperação dos textos dos autores clássicos como
Lorenzo Valla, Marsilio Ficino, Pico de la Mirandola, Erasmo, Johanes Reuchlin e
Guillaume Budé

 É dado também um interesse maior às línguas modernas que se desenvolvem


onde o latim fora antigamente a forma de comunicação

 Em Inglaterra a tradução da bíblia feita por William Tyndale e Coverdale


demonstra essa tendência da importância das línguas vernáculas

 A descoberta de novos espaços geográficos permitiu também uma expansão


no saber e uma construção de novas atitudes; desenvolviam-se novas ciências
como a etnografia, a geografia e a cartografia

 O conhecimento do corpo humano também avança com a anatomia e com a


obra de André Vesalius, um atlas do corpo humano e em Inglaterra William
Harvey publica uma obra na qual é clara a concepção mecanicista do
funcionamento do corpo humano através da circulação do sangue

 A história começa também a desenvolver-se como disciplina que procura


entender relações e desenvolver explicações objectivas para os fenómenos

73
humanos

 Outras obras iriam colocar em questão a organização dos estados e a autoridade


política e religiosa em obras como O Príncipe de Maquiavel

 Richard Hooker escreveu “The Laws of Ecclesiastical Polity” na qual defende dois
fundamentos para a constituição das sociedades: a inclinação natural do homem
para viver em sociedade, e a lei do bem comum

 As novas descobertas no campo da astronomia e das ciências naturais levam à


construção de laboratórios e observatórios promovidos pelos monarcas

 Surgem também academias também sob o patronato dos reis das quais se
destaca a Royal Society fundada na década de 60 do século XVII

5.2. Francis Bacon e o método induti vo


 Alguns autores consideram que Bacon foi mais um divulgador de novas teorias
do que um pensador original mas outros pensadores valorizam a sua
sistematização do saber nomeadamente pelo desenvolvimento do método
indutivo

 Estudou apenas dois anos em Cambridge tendo-se dedicado essencialmente à


carreira política produziu em simultâneo uma extensa colecção de obras

 Ele rejeitou três tipos de vaidades nos estudos:

 Rejeita o saber que se preocupa mais com as palavras do que com a


substância

 Rejeita a degenerescência da escolástica e da tradição aristotélica

 Rejeita ainda a magia natural, a alquimia e a astrologia

 Nas ciências Bacon identifica uma forma de aprendizagem que valoriza a


experiência, cumulativo ao contrário da abordagem dos filósofos que se
74
dedicam apenas a discursos sobre os clássicos sem evolução

 A descoberta da verdade depende assim do uso da razão aplicada nas


faculdades de observação, testada na experimentação e sistematizada na
formulação de princípios gerais

 No Novum Organum enumera 4 tipos de ídolos ou falsas noções:

 Confiar apenas nos sentidos

 Erros devido aos temperamentos individuais

 Erros decorrentes da influência da linguagem

 Erros decorrentes de sistemas filosóficos do passado

 O representante mais importante da filosofia do ocultismo foi Paracelso que


associava ao experimentalismo uma convicção no esotérico

 Os principais contributos de Bacon para a modernidade são:

 A divisão e classificação das ciências

 O método indutivo

 Bacon produziu ainda uma obra de ficção sobre uma sociedade orientada
para o conhecimento útil na sua obra New Atlantis na qual se destacava a
Society of Salomon’s House e embora a obra tenha ficado inacabada dá uma
imagem da ciência aplicada e da constituição de uma sociedade científica

 O método indutivo assenta em duas formas de procedimento que partem dos


sentidos e da percepção das coisas particulares para a formulação de conclusões
gerais

 Bacon deu grande importância à qualidade da observação e à planificação da


experimentação bem como ao processo de transformação que deve ser
descoberto

75
 O mérito de Bacon está na separação da ciência da religião e da metafísica e
atribuiu ao cientista da natureza um estatuto digno que o distinguia dos
charlatães e dos mágicos

 As principais críticas que lhe têm sido feitas relacionam-se com a negligencia
dada ao papel da criatividade na pesquisa científica e à deficiente apreciação
do papel da matemática

5.3. Hermeti smo e magia


 O pensamento da época estava polarizado pelo neoplatonismo com
elementos de hermetismo e da cabala judaica

 A figura-chave do neoplatonismo era o mago que buscava a verdade numa


pesquisa ascética e solitária, sendo um exemplo da Inglaterra isabelina o
Doutor John Dee

 A relação entre a ciência e a magia era muito próxima como o demonstra a


alquimia que procura a transmutação de metais pobres em ouro

 A astrologia procurava encontrar a relação entre os movimentos das estrelas


e dos planetas nas vidas humanas – era praticada com benefícios financeiros
por astrólogos como William Lilly através de consultas e da elaboração de
almanaques

 A crença e a prática da astrologia eram áreas em que a cultura popular se


cruzava com a cultura erudita

 Nos séculos XVI e XVII o mundo ainda era visto como envolvido em mistério e
magia mas a legislação contra as práticas de bruxaria foi sendo posta em
causa e foi abolida definitivamente em Inglaterra em 1736

76
5.4. Newton e a ciência positi va
 Os estudos de filosofia natural nas principais universidades britânicas
continuaram apesar das guerras civis sendo que em Cambridge assumiu um
teor neo-platónico enquanto em Oxford assumiu uma tónica mais científica

 Robert Boyle em Cambridge criou o Colégio Invisível, uma associação de tipo


colegial com intelectuais anglo-irlandeses

 Em Oxford também foi criada a Sociedade Filosófica de Oxford sob a égide


de John Wilkins numa antecipação da Royal Society

 Boyle preocupava-se mais com a observação e experimentação do que com a


formulação de hipóteses demonstrando afinidades com Bacon

 Em 1662 formulou a Lei de Boyle que define que a pressão e o volume de um


gás são inversamente proporcionais

 Boyle reconhecia, ao contrário de Bacon, o lugar das matemáticas na física


concordando com Galileu e Descartes

 Para Boyle a actividade experimental era considerada um serviço a Deus e


insistiu que o sistema do cosmo que ele analisava era uma prova irrefutável da
existência de Deus

5.5. Isaac Newton


 Newton completou a nova cosmovisão iniciada por Copérnico, Galileu e Kepler
e a física newtoniana dominou o panorama da física até recentemente

 Frequentou a universidade de Cambridge onde se graduou em 1665


tornando-se professor na instituição

 Em 1687 publicou o seu Philosophiae Naturalis Principia Mathematica


geralmente conhecida como Principia

77
 A Lei da Atracção Universal determina que a atracção mútua das massas
envolve numa só fórmula matemática os fenómenos cósmicos dos
movimentos dos planetas, dos cometas, da lua e do mar

 Newton demonstrou que os corpos terrestres se regem pelas mesmas leis dos
corpos celestes destruindo a teoria aristotélica que afirmava o contrário

 A matemática era para Newton apenas um instrumento usado pela mente


como verificação experimental

 O método científico de Newton envolve 2 componentes: a descoberta


indutiva de leis mecânicas através do estudo dos fenómenos dos
movimentos e a explicação dedutiva doas fenómenos à luz dessas leis –
análise primeiro e síntese depois

 Newton debruçou-se sobre várias áreas mas dedicou-se também à produção


de tratados teológicos

5.6. A difusão do pensamento newtoniano


 A física experimental exerce um fascínio sobre o público desde cedo

 A filosofia natural de Newton rompe com os princípios aristotélicos e estabelece


uma nova interpretação do universo

 A difusão do pensamento de Newton iria focar-se na componente mecanicista


das suas posições com uma leitura positivista que não corresponde à totalidade
das suas propostas

 David Hume irá utilizar o seu conceito de atracção como modelo explicativo
para a associação das ideias tornando clara a ligação entre as ciências da
natureza e as ciências humanas

 As críticas e desconfiança surgiram em vários quadrantes quer dos segmentos

78
mais conservadores da igreja anglicana quer de pensadores neo-platónicos
como Henry More

 Apesar das críticas, as novas atitudes tiveram expressão noutras áreas como na
aritmética política defendida por William Petty ou Gregory King que foram
pioneiros dos estudos estatísticos

 É difícil determinar as ligações entre a Revolução Científica e a Revolução


Industrial dado os inventos que revolucionaram as actividades produtivas
foram feitos por homens práticos sem grandes conhecimentos científicos

 No entanto, a difusão da nova ciência em especial dos textos de Newton


através da imprensa permitiu uma abertura mental e uma nova atitude menos
céptica em relação aos novos desenvolvimentos e à sua aplicabilidade ao
quotidiano

 O pensamento de Locke e Newton permitiu a emergência de uma nova


mentalidade que passava de um mundo instável e desordenado para um
mundo de estabilidade e ordem

6 - A cultura popular
6.1. Problemati zação
 O termo cultura popular assume uma homogeneidade que na realidade não
existe já que seria mais correcto falar em culturas ou sub-culturas

 Por outro lado também as relações entre a cultura popular e erudita são
muito estreitas; por exemplo os autores Ben Johnson, Milton ou Marvell
defendem os festivais populares

 A análise da cultura popular não deverá ter apenas como objecto as


manifestações folclóricas nem tudo o que não cabe no erudito

 Recentemente têm sido estudados os sistemas culturais, ou seja, o conjunto


de regras e princípios que estão subjacentes à vida quotidiana em diferentes
79
tempos e lugares

 A análise da cultura popular no período early modern é dificultada por ser


essencialmente oral e por isso de difícil reconstituição

6.2. Festas e rituais


 As festas populares mais importantes eram as das paróquias conhecidas como
revels, ales e wakes, e estavam associadas ao santo padroeiro ou a eventos
especiais do calendário

 As festas litúrgicas eram também polarizadoras das comunidades: o Natal, a


noite de Ano Novo, a Páscoa, o Shrove Tuesday, o May Day, o Whitsun, o
Midsummer’s eve

 Outras datas também começaram a ser celebradas como o dia de Guy Fawkes
em Novembro depois de 1605

 O primeiro de Novembro era considerado o dia em que os espíritos dos mortos


vagueavam entre os vivos, uma tradição que vinha já do calendário celta,
tendo o Abade Odilo de Cluny instituído em 998 a festa de Todos-os-Santos;
mantiveram-se no entanto os elementos da festa pagã como as fogueiras e
fogos de artifício

 Num plano mais privado, da família, existiam ainda rituais específicos como o
baptismo, o casamento ou a morte

 A estrutura da família foi evoluindo: no período medieval era alargada


incluindo todos os que viviam sob o mesmo tecto; surge posteriormente a
família patriarcal no período moderno que se caracterizou por uma fixação dos
laços de consanguinidade mas associando pessoas de várias gerações; no
período industrial surge a família nuclear

 Desde cedo em Inglaterra o casamento era consensual sendo a única barreira


80
o parentesco; havia geralmente um longo período de noivado seguido do ritual
específico do casamento

 Os enterros podiam ser acompanhados de sin-eatings em que um pobre da


paróquia assumia os pecados do morto em troca de comida e dinheiro

 O enterro dentro das igrejas era mais caro e era uma das fontes de receita
paroquial

 Outros dos aspectos da cultura popular eram os jogos e passatempos


praticados em comum por toda a aldeia e alguns são hoje em dia praticados
como o football, o cricket, o boxing, a luta livre, o jogo do pau e o tiro com
arco

 Outros passatempos incluíam crueldade para os animais tendo sido mais


tarde proibidos como foi o caso do baiting de cães sobre ursos, touros ou
badgers ou as lutas de galos

 As festividades do Carnaval eram também importantes com o uso de máscaras


que se contrapunha às tradições regradas da Quaresma

 O Carnaval era uma válvula de escape para as insatisfações do dia-a-dia, mas


funcionava também como elemento de coesão dos grupos para evitar as
discordas e disputas

 Existiam ainda as manifestações políticas associadas por exemplo às eleições


que eram celebradas com festas e rituais triunfais dedicadas aos vencedores

 As execuções públicas eram também uma forma de entretenimento destinada


a mostrar ao povo que o crime não compensava; quando a pena não era
capital eram executas as penas corporais sendo que algumas suscitavam a
participação do público por exemplo através de insultos

 Eram ainda executadas algumas formas de justiça popular como o charivari que

81
era uma difamação pública sob a forma de balada cantada por debaixo da janela
do culpado

6.3. Efeitos da Reforma e do Puritanismo sobre a cultura popular


 Os excessos de comportamento e os traços de paganismo característicos deste
tipo de divertimentos foram severamente condenados pela Igreja

 A Reforma trouxe dois elementos que contribuíram para o desaparecimento


das manifestações populares:

 O recurso a uma nova autoridade, a Bíblia largamente difundida

 Aumento da literacia

 A existência de um texto comum levou a uma normalização de comportamentos

 Também o estabelecimento de tribunais da igreja em cada diocese levou a um


maior controlo e intervenção do clero no quotidiano embora a única pena que
pudessem aplicar era a penitência

 Com a Restauração em 1660 regressa uma maior liberdade de expressão a nível


ritual nas mascaradas praticadas por todas as classes sociais no século XVIII

 As práticas ligadas à bruxaria e à magia iriam sofrer o duplo assalto do


fundamentalismo reformador e da emergência de uma nova filosofia
orientada para a observação da natureza, a experimentação e o uso da razão

7 – A cultura erudita

7.1. A educação
 Com a complexidade crescente da sociedade, aumentaram os níveis de
alfabetização

 Um dos indicadores para demonstrar esta evolução é a publicação de livros

82
que aumentaram exponencialmente

 No princípio da guerra civil em 1643 dois terços dos homens e nove décimos das
mulheres não sabiam escrever os nomes mas essa informação podia não ser a
mais realista já que outros indicadores apontam um grau de literacia mais
elevado

 A educação no século XVI devia inculcar perspectivas religiosas correctas já


que era dominada pela Igreja: Oxford e Cambridge estavam sob controlo da
Igreja e os mestres- escola dependiam da autorização episcopal

 Outro objectivo da educação que se começa a definir era o acesso a


conhecimentos para desempenhar transacções comerciais e da administração
pública

 A educação proporcionava ainda o acesso a um conjunto de actividades úteis e


agradáveis verificando-se o aumento do número de almanaques, panfletos,
baladas e livros humorísticos dirigidos a um público menos exigente e mais
numeroso

 As alterações na educação que se registaram nos 80 anos anteriores a 1640


constituíram praticamente uma revolução

7.2. O ensino superior: as Universidades


 O número de admissões em Oxford em 1550 ainda era relativamente baixo,
mas a partir dessa data começou a aumentar rapidamente registando-se um
decréscimo a partir da década de 90 e uma recuperação do crescimento no
início do século XVII

 A origem social dos estudantes também é conhecida: mais de metade dos


estudantes de Oxford em finais do século XVI e princípios do século XVII eram
plebeus sendo que a maioria eram filhos de husbandman e de pequenos
83
artesãos; pouco a pouco foi aumentando o peso dos filhos da gentry de
acordo com o conceito do gentleman que valorizava a educação em especial
os conhecimentos clássicos

 Os filhos dos plebeus destinavam-se à carreira eclesiástica enquanto os filhos


da gentry pretendiam apenas um polimento cultural

 Nos finais do século XVIII a presença das classes mais favorecidas nas
universidades reduz-se

 O colégio de Magdalen em Oxford foi o primeiro a introduzir modificações com


a introdução do ensino tutorial bem como do sistema de residência dentro do
colégio e a provisão de lugares para undergraduate commoners, filhos da
gentry que pagavam as suas despesas de residência e educação

 Os novos colégios tornaram-se centros de inovação e excelência com o


declínio da importância dos Halls

 Os mais importantes nomes do governo britânico do século XVI estão


associados aos colégios

 O Bispo Foxe introduziu em Oxford o estudo das humanidades, latim, grego, e


a teologia positiva

 O Cardeal Wolsey pretendia inovar ainda mais tendo planeado o Cardinal’s


College em Oxford que pretendia apoiar o estudo das humanidades dentro
de uma estrutura tradicional – com a queda em desfavor do cardeal o plano
perdeu força mas Henrique VIII voltou a recuperá-lo nos colégios Christ
Church em Oxford e Trinity em Cambridge

 Apesar destas aberturas à inovação, a maior parte dos currículos


continuavam bastante conservadores com o estudo do trivium (gramática,
retórica e dialética) e do quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e
música)
84
 Os estatutos de 1570 fixavam um prazo de sete anos para o grau em Artes,
quatro para o grau de Bachelor e mais três para o de Master

 O aumento de alunos da gentry levou ao aparecimento de outras matérias como


química, física, anatomia, botânica, matemática, francês, espanhol, italiano,
música, dança e equitação

 O regime tutorial implantou-se ao mesmo tempo que os colégios se


desenvolveram e em 1550 a prática de os alunos se alojarem na cidade tinha
caído em desuso

 A arquitectura dos colégios mantém as características medievais com um plano


constituído por um pátio quadrangular guardado pela casa do warden e rodeado
pela capela, hall, biblioteca e alojamento

 A revolução científica foi feita à margem das universidades que eram


consideradas ferozes opositores à mudança

 Apesar disso as universidades tinham um carácter cosmopolita dada a


mobilidade da comunidade científica

 A relação entre as universidades e as academias era de complementaridade,


tendo a universidade a função pedagógica e as academias a de investigação
científica

7.2.1. O ensino superior: os Inns of Court


 Eram em princípio estabelecimentos vocacionados para a formação em
direito mas funcionavam também como escolas de eleição para os estratos
sociais mais favorecidos

 O sistema de ensino e alojamento era livre sem tutoriais nem internato

 A frequência dos inns começou a decair na segunda metade do século XVII e os

85
filhos da gentry começaram a ser substituídos por filhos de comerciantes e
profissionais mais orientados para a profissionalização

 Na segunda metade do século XVIII os aristocratas e gentry patrocinavam uma


visita pelas principais cidades da Europa na companhia de um tutor – o grand
tour

 Os métodos de ensino tradicionais eram:

 Bolting – estudante argumentava com um Bencher e dois


Barristers

 Moot – debate público entre um Reader e dois Benchers

 Readings – forma mais avançada de instrução ministrada em


francês jurídico

7.3. O ensino não superior: as Grammar Schools e outras insti tuições


 As mesmas circunstâncias que levaram ao desenvolvimento do ensino superior
levaram ao desenvolvimento das escolas secundárias:

 Valorização de alguma instrução na condução dos negócios públicos

 Preferências por novos atributos sociais

 Novo prestígio do saber clássico

 As grammar schools eram as principais escolas secundárias mas existiam ainda


outras escolas e muitos alunos recorriam também a tutores privados

 As grammar schools eram normalmente financiadas por fundadores privados


que pretendiam contribuir para a formação moral e cívica dos jovens e
reforçar os ideais da religião protestante

 Algumas escolas começaram a praticar algum grau de exclusividade como Eton

86
e Westminster o que revelava o interesse da gentry por este tipo de escolas

 Os conteúdos ensinados nas grammar schools eram clássicos e não utilitários

 As grammar schools recebiam crianças entre os sete e oito e os catorze e quinze


com a duração dos estudos de seis ou sete anos; o ensino era feito em grupos
mas o horário era extenso e a disciplina incluía castigos corporais

 Um conjunto de praxes procurava facilitar as relações entre professores e


alunos como barring out, shutting out ou penning out em que os alunos se
fechavam na sala de aula, e combinavam um conjunto de reivindicações

 Apenas em meados do século XIX os objectivos da educação eram utilitaristas

7.4. A corte e a cultura das elites


 A corte e os cortesãos desempenhavam um papel importante já que era um
mundo onde a representação e o ritual marcavam os comportamentos
individuais e a produção literária e estética

 Começa a registar-se a presença de gentleman commoners educados nas


universidades e que procuravam posições de aconselhamento do rei ou do
príncipe

 É construído um modelo de conduta virtuosa própria do nobre, seguindo as


ideias humanistas

 Surgem obras específicas sobre educação:

 The Education and Training of a King – Jerónimo Osório

 The Education of the Prince – Guillaume Budé

 The Epitome of a Good Prince – Jacob Wimpfeling

 The Dial of Princes – Antonio de Guevara

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 The Book Named the Governor – Thomas Elyot

 Na corte Tudor a conduta individual era muito ritualizada e os passatempos,


música e desportos eram entendidas como virtudes dos nobres

 O gentleman tinha que ter vários atributos:

 Tinha de saber combater

 Devia saber discursar em latim

 Conhecer a forma do soneto

 Entender teologia

 Dançar com graciosidade

 Ter boas maneiras à mesa

 No reinado de Henrique VIII assistiu-se a uma revitalização do torneio


medieval mas com funções simbólicas e de representação

 As cerimónias de atribuição de ordens de cavalaria como a ordem da Jarreteira


também tinham um significado simbólico

 As representações tinham um carácter efémero, mas foi registado em peças


de tapeçaria ou pinturas

 O retrato foi a forma de arte que recebeu mais protecção na corte Tudor
sendo alguns dos principais artistas Hans Holbein, Nicholas Hilliard e Isaac
Oliver

 Os retratos de Isabel I quer de Hilliard quer de Sir William Segar estão


recheados de referências ao poder, autoridade, castidade, e justiça

 Na música a criatividade é maior com vários compositores em destaque:

 Thomas Tallis

 William Byrd
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 Orlando Gibbons

 Na música secular, nomeadamente no madrigal registam-se os principais


desenvolvimentos musicais, sendo um formato de origem italiana praticado
por autores como Nicholas Yonge, Thomas Watson, Thomas Morley e John
Dowland

 Na literatura os desenvolvimentos também são assinaláveis como na poesia de


Sir Philip Sidney (A Defence of Poetry) e de Spencer (Faerie Queene)

 O drama teve também alguns representantes de destaque como Shakespeare,


Christopher Marlowe, Bem Johnson, Cyril Tourneur, John Webster e Thomas
Middleton

 No período Stuart desenvolvem-se outros poetas: John Donne, Robert Herrick,


Thomas Carew, Sir John Suckling ou Richard Lovelace

 Na época das guerras civis e de Cromwell surgiram outros nomes como


Andrew Marvell, John Dryden e John Milton (Paradise Lost)

 A corte de Carlos I voltou a ser um importante centro de mecenato, destacando-


se Anthony Van Dyck embora os Stuart tivessem apoiado também a arquitectura
com os seus maiores representantes Inigo Jones e (sala de banquetes de
Whitehall) Christopher Wren (Catedral de São Paulo)

 As artes efémeras deixaram poucas marcas mas foram bastante importantes


em especial duas formas:

 O Pageantry era um espetáculo público que consistia num


quadro, numa representação ou num dispositivo alegórico
montado num palco ou num carro

 O Masque era uma forma de espetáculo amador popular na corte e


entre a nobreza

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 As guerras civis vieram interromper a popularidade destes espetáculos tendo
apenas sobrevivido o Lord Mayor Show

 As artes efémeras foram perdendo importância no século XVII embora fossem


ainda feitos desfiles e espectáculos para comemorar as coroações ou visitas dos
monarcas a cidades

8 – Do pré-industrial à industrialização – sistematização e teorização


 Max Weber – “The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism” – influência da
religião e diferenças entre as religiões ocidentais e orientais

 A teoria de Weber procura explicar o carácter específico do capitalismo


ocidental e distinguindo-o da simples actividade que procura o
enriquecimento

 Weber distingue a noção de vocação do espírito puritano como a forma de


obrigação individual mais elevada que consiste em cumprir os seus deveres no
plano das actividades do mundo

 O protestante distingue-se do católico que cumpre a sua religiosidade num


ciclo de pecado, arrependimento e perdão

 A salvação eterna para os protestantes é um destino a ser cumprido só e


antecipadamente decidido para a eternidade

 Da ideia de predestinação decorrem duas consequências: é obrigatório que


cada um se considere escolhido e a segunda é a prática de boas obras porque
estas seriam uma demonstração da certeza da salvação

 A acumulação de riqueza seria sancionada moralmente desde que resultasse


de um comportamento sóbrio, austero, trabalhador e condenada se fosse
utilizada para sustentar uma vida de ócio, luxo e auto-satisfação

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 Em Inglaterra, Weber interpreta o espírito calvinista como oposto á
organização social do período Stuart

 Os puritanos defendiam os motivos individualistas da aquisição legal e


racional em resultado das competências e virtudes privadas

 O espírito do capitalismo moderno radica numa cultura racional com base na


ideia de vocação a partir do ascetismo cristão

 Outro aspecto que distingue no capitalismo ocidental do de outras regiões é


o desenvolvimento das cidades e a presença das leis romanas – em
Imglaterra impôs-se desde cedo a common law que marcou um repúdio pela
lei canónica e que pode ter sido importante para o afirmar do Estado-nação

 As circunstâncias favoráveis combinadas com a energia moral do


puritanismo teriam levado ao desenvolvimento do capitalismo ocidental

 Muitas críticas têm sido feitas a Weber nomeadamente a caracterização feita


ao calvinismo e ao catolicismo, enquanto outros criticam o âmbito das fontes

 Outra crítica a Weber seria a omissão em verificar até que ponto a Reforma teria
sido uma resposta a necessidades sociais bem como em investigar as causas e
consequências da mentalidade religiosa – o puritanismo moldou a ordem social
e foi moldado por ela

 Há um ponto indiscutível nas análises da sociedade inglesa dos século XVI e


XVII e que é a centralidade da religião para a compreensão da cultura e
sociedade

 O protestantismo não floresceu em toda a população já que se desenvolveu


essencialmente entre quem sabia ler e tinham uma posição confortável na
hierarquia

 Por outro lado, as seitas religiosas começaram a proliferar entre as classes

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mais desfavorecidas e que podiam já existir há algum tempo mas que
ganham importância neste período

 A liberdade religiosa só foi atingida com os decretos Test and Corporations Act
(1828) e Catholic Emancipation Act (1829)

 Formam-se ainda sociedades que se destinam a reformar os costumes e


melhorar a sociedade que começam uma tradição de solidariedade

 Começa também a formar-se uma consciência da classe trabalhadora em


parte por influência do metodismo

 Com o correr dos tempos o fanatismo religioso foi-se atenuando à medida


que a racionalidade do iluminismo se desenvolve acompanhada por um
espírito de tolerância

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