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PORTUGUÊS – MÓD. 6. – PR (.1.

AQ_SONETOS)
M6.1. ANTERO DE QUENTAL: SONETOS – FT_EL
C. PROFISSIONAL – 11º ANO J K L M | N.º: NOME: | PROF. DINIS M ARTINHO

ANTERO DE QUENTAL – SONETOS (Leitura/Análise de outros sonetos)


EVOLUÇÃO IDEAL
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo Aquela, que eu adoro, não é feita
tronco ou ramo na incógnita floresta... De lírios nem de rosas purpurinas,
Onda, espumei, quebrando-me na aresta Não tem as formas languidas, divinas
Do granito, antiquíssimo inimigo... Da antiga Vénus de cintura estreita...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo Não é a Circe, cuja mão suspeita
Na caverna que ensombra urze e giesta; Compõe filtros mortais entre ruinas,
O, monstro primitivo, ergui a testa Nem a Amazona, que se agarra às crinas
No limoso paul, glauco pascigo... D'um corcel e combate satisfeita...
Hoje sou homem, e na sombra enorme A mim mesmo pergunto, e não atino
Vejo, a meus pés, a escada multiforme, Com o nome que dê a essa visão,
Que desce, em espirais, da imensidade... Que ora amostra ora esconde o meu destino...

Interrogo o infinito e às vezes choro... É como uma miragem, que entrevejo,


Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro Ideal, que nasceu na solidão,
E aspiro unicamente à liberdade. Nuvem, sonho impalpável do Desejo...

CONTEMPLAÇÃO NIRVANA
Sonho de olhos abertos, caminhando Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Não entre as formas já e as aparências, Sem amor, sem anseios, sem carinhos,
Mas vendo a face imóvel das essências, Livre de angústias e felicidades,
Entre ideias e espíritos pairando... Deixando pelo chão rosas e espinhos;
Que é o mundo ante mim? fumo ondeando, Poder viver em todas as idades;
Visões sem ser, fragmentos de existências... Poder andar por todos os caminhos;
Uma névoa de enganos e impotências Indiferente ao bem e às falsidades,
Sobre vácuo insondável rastejando... Confundindo chacais e passarinhos;
E d'entre a névoa e a sombra universais Passear pela terra, e achar tristonho
Só me chega um murmúrio, feito de ais... Tudo que em torno se vê, nela espalhado;
É a queixa, o profundíssimo gemido A vida olhar como através de um sonho;

Das coisas, que procuram cegamente Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Na sua noite e dolorosamente Onde agora me encontro - é ter chegado
Outra luz, outro fim só pressentido... Aos extremos da Paz e da Ventura!

MÃE... SOLEMNIA VERBA


Mãe — que adormente este viver dorido, Disse ao meu coração: Olha por quantos
E me vele esta noite de tal frio, Caminhos vãos andámos! Considera
E com as mãos piedosas ate o fio Agora, desta altura, fria e austera,
Do meu pobre existir, meio partido... Os ermos que regaram nossos prantos...

Que me leve consigo, adormecido, Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!


Ao passar pelo sítio mais sombrio... E a noite, onde foi luz a Primavera!
Me banhe e lave a alma lá no rio Olha a teus pés o mundo e desespera,
Da clara luz do seu olhar querido... Semeador de sombras e quebrantos!

Eu dava o meu orgulho de homem — dava Porém o coração, feito valente


Minha estéril ciência, sem receio, Na escola da tortura repetida,
E em débil criancinha me tornava. E no uso do pensar tornado crente,
Descuidada, feliz, dócil também, Respondeu: Desta altura vejo o Amor!
Se eu pudesse dormir sobre o teu seio, Viver não foi em vão, se isto é vida,
Se tu fosses, querida, a minha mãe! Nem foi demais o desengano e a dor.
PORTUGUÊS – MÓD. 6. – PR (.1. AQ_SONETOS)
M6.1. ANTERO DE QUENTAL: SONETOS – FT_EL
C. PROFISSIONAL – 11º ANO J K L M | N.º: NOME: | PROF. DINIS M ARTINHO

A UM POETA HINO À RAZÃO


Tu que dormes, espírito sereno, Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Posto à sombra dos cedros seculares, Mais uma vez escuta a minha prece.
Como um levita à sombra dos altares, É a voz dum coração que te apetece,
Longe da luta e do fragor terreno. Duma alma livre só a ti submissa.
Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno Por ti é que a poeira movediça
Afugentou as larvas tumulares... De astros, sóis e mundos permanece;
Para surgir do seio desses mares E é por ti que a virtude prevalece,
Um mundo novo espera só um aceno... E a flor do heroísmo medra e viça.

Escuta! É a grande voz das multidões! Por ti, na arena trágica, as nações
São teus irmãos, que se erguem! São canções... buscam a liberdade entre clarões;
Mas de guerra... e são vozes de rebate! e os que olham o futuro e cismam, mudos,
Ergue-te, pois, soldado do Futuro, Por ti podem sofrer e não se abatem,
E dos raios de luz do sonho puro, Mãe de filhos robustos que combatem
Sonhador, faze espada de combate! Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

O QUE DIZ A MORTE MORS-AMOR


Deixai-os vir a mim, os que lidaram; Esse negro corcel, cujas passadas
Deixai-os vir a mim, os que padecem; Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E os que cheios de mágoa e tédio encaram E, passando a galope, me aparece
As próprias obras vãs, de que escarnecem... Da noite nas fantásticas estradas,
Em mim, os Sofrimentos que não saram, Donde vem ele? Que regiões sagradas
Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem. E terríveis cruzou, que assim parece
As torrentes da Dor, que nunca param, Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Como num mar, em mim desaparecem. - Não sei que horror nas crinas agitadas?
Assim a Morte diz. Verbo velado, Um cavaleiro de expressão potente,
Silencioso intérprete sagrado Formidável, mas plácido, no porte,
Das cousas invisíveis, muda e fria, Vestido de armadura reluzente,
É, na sua mudez, mais retumbante Cavalga a fera estranha sem temor:
Que o clamoroso mar; mais rutilante, E o corcel negro diz: "Eu sou a morte!"
Na sua noite, do que a luz do dia. Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"

TESE E ANTÍTESE I TESE E ANTÍTESE II


Já não sei o que vale a nova ideia, N'um céu intemerato e cristalino
Quando a vejo nas ruas desgrenhada, Pode habitar talvez um Deus distante,
Torva no aspeto, à luz da barricada, Vendo passar em sonho cambiante
Como bacante após lúbrica ceia... O Ser, como espetáculo divino.

Sanguinolento o olhar se lhe incendeia; Mas o homem, na terra onde o destino


Respira fumo e fogo embriagada: O lançou, vive e agita-se incessante:
A deusa de alma vasta e sossegada Enche o ar da terra o seu pulmão possante...
Ei-la presa das fúrias de Medeia! Cá da terra blasfema ou ergue um hino...

Um século irritado e truculento A ideia encarna em peitos que palpitam:


Chama à epilepsia pensamento, O seu pulsar são chamas que crepitam,
Verbo ao estampido de pelouro e obus... Paixões ardentes como vivos sóis!

Mas a ideia é n'um mundo inalterável, Combatei pois na terra árida e bruta,
N'um cristalino céu, que vive estável... ‘Té que a revolva o remoinhar da luta,
Tu, pensamento, não és fogo, és luz! ‘Té que a fecunde o sangue dos heróis!

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