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Ética e Ciência

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PRÓ-REITORIA DE ENSINO
2017

COLETÂNEA
FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA
EAD (Módulo 54/2017)

Organizadoras
Cristina Herold Constantino
Débora Azevedo Malentachi

Colaboradores
Fabiana Sesmilo de Camargo Caetano
Rogerio Borgo

Direção Geral
Pró-Reitor Valdecir Antônio Simão

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SUMÁRIO

Apresentação.................................................................................................................................................... 04
Considerações Iniciais.................................................................................................................................... 05
Pesquisas sobre Leitura................................................................................................................................. 06
A ciência comprova: ler faz bem para o cérebro................................................................................................ 06
Se ler pode abrir a mente, com certeza muda o cérebro................................................................................... 07
Textos Selecionados...................................................................................................................................... 10
Ética e Ciência: urgência do debate................................................................................................................... 10
Cientistas que fizeram pesquisas absurdamente dolorosas e antiéticas.......................................................... 12
Cobaias humanas............................................................................................................................................... 17
O método científico............................................................................................................................................. 21
Michel Serres, unindo ciências humanas e exatas............................................................................................ 23
O que é bioética e qual sua importância para a sociedade e o meio ambiente?............................................... 26
Pode a literatura ser a ciência mais pura?........................................................................................................ 27
Há 16 anos um feto agarrou a mão do médico, de dentro do útero, como ele está hoje?.............................. 34
Os bebês são capazes de ver e ouvir coisas que nenhum adulto é capaz....................................................... 36
Por que não conseguimos nos lembrar de nossos primeiros anos de vida?.................................................... 38
Coisas sobre o sono que ninguém consegue explicar....................................................................................... 43
O utilitarismo como teoria filosófica da moralidade............................................................................................ 48
Músicas............................................................................................................................................................... 50
Tiras e Charges............................................................................................................................................ 52
Filmes................................................................................................................................................................ 54
Considerações Finais...................................................................................................................................... 58

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Apresentação

A Formação Sociocultural e Ética (FSCE) compõe um dos Projetos de Ação da UniCesumar, cujo
principal objetivo é aperfeiçoar habilidades e estratégias de leitura fundamentais para seu desempenho
pessoal, acadêmico e profissional. Nesse sentido, esta disciplina corresponde à missão institucional, a
qual consiste em “Promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento,
formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e
solidária”. Conforme slogan da FSCE, “Quem sabe mais faz a diferença!”, o conhecimento adquirido
por meio da leitura é a mola propulsora capaz de formar e transformar sujeitos passivos em cidadãos
ativos, preparados para fazer a diferença na sociedade como um todo!

Na FSCE, você terá contato com vários assuntos e fatos que ocorrem na sociedade atual e que devem
fazer parte do repertório de conhecimentos de todos os que buscam compreender criticamente seu
entorno social, nacional e internacional. Em síntese, no intuito de atender ao objetivo desta disciplina, a
FSCE está dividida em cinco grandes eixos temáticos: Ética e Sociedade, Ética, Política e Economia,
Ética, Cultura e Arte – Ética, Ciência e Tecnologia – Ética e Meio Ambiente, sendo que nos dois
primeiros eixos estão incluídos temas complementares e pertinentes propostos pelo Observatório
Social do Brasil.

Este material, também chamado de Coletânea, é o principal instrumento de estudo da FSCE. Recebe
o nome de Coletânea porque reúne vários gêneros textuais criteriosamente selecionados para
estimular sua reflexão e análise pontuais. Textos retirados de diferentes fontes, com a finalidade de
abordar recortes temáticos relacionados aos conteúdos de cada eixo supracitado. Tem como principal
objetivo ser um material de apoio à sua formação geral, servindo-lhe de estímulo à leitura,
interpretação e produção textual. Uma Coletânea como esta é organizada a cada duas semanas, ou
seja, a realização completa desta disciplina ocorre no período de 10 semanas.

Cada Coletânea apresenta-se, inicialmente, com uma introdução, seguida por aspectos relacionados à
leitura, interpretação e/ou escrita, os quais antecedem a apresentação dos diversos textos referentes
aos respectivos eixos. A sequência de textos normalmente é finalizada com os gêneros música, poesia
ou frases e charges, sendo finalmente concluída com breves considerações finais.

Você tem em suas mãos, portanto, uma compilação por meio da qual terá acesso a um conteúdo
seleto de textos basilares para sua reflexão, aprendizagem e construção de conhecimentos valiosos.
Textos compostos por fatos, notícias, ideias, argumentos, aspectos veiculados nos principais meios de
comunicação do país, links de acesso a entrevistas, depoimentos, vídeos relacionados ao eixo
temático, além de respaldos teóricos e práticos acerca da linguagem que poderão servir como suporte
à sua vida em todas as instâncias.

Também, importa lembrar que a organização deste e demais materiais da FSCE não pressupõe
qualquer tendência político-partidária e/ou apologia a qualquer grupo religioso em detrimento de
outros, sendo que estamos disponíveis ao recebimento de indicações de textos, sites, tanto quanto às
sugestões de conteúdos relacionados aos referidos eixos. Faça, portanto, da FSCE sua porta de
entrada para a aquisição de novos conhecimentos. E lembre-se: Ler é pensar! Vista a camisa do
conhecimento e seja MAIS!

Organizadoras

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Considerações Iniciais

A dimensão do pensar científico pode nos levar a muitas reflexões. Para este momento, pelo
menos uma delas seria suficientemente importante, que é o refletir acerca das nossas certezas e
incertezas, permitindo-lhes novas proposições, novas indagações, novas perguntas, novos
problemas e, quem sabe, até algumas soluções. Parece que as velhas concepções teimam em
persistir... O lado comum tende a ser aceito, a dúvida apagada, o desafio controlado, sendo que a
ciência emana do novo, da estranheza, das incertezas desafiadoras...

Nesta direção, esta Coletânea tem por objetivo levá-lo a refletir acerca dos porquês que envolvem
o pensar científico e dos para quê... Refletir acerca da intercessão entre ciência e ética ou, talvez,
da união perfeita entre ambas, sem a qual muitas atrocidades foram e ainda podem ser
realizadas. Compreender que o método científico, por exemplo, pode estar muito mais próximo do
seu dia a dia do que você pensa; que a união entre as humanas e as exatas é possível e
admissível; entender em que medida a bioética é importante para a sociedade e para o meio
ambiente; saber que a literatura pode ser, sim, uma ciência; retomar os feitos científicos heroicos
e elucidar acerca de novos feitos, novas teses, até o inexplicável que ainda está por vir...
Finalizando com a reflexão do quão utilitários somos e em que medida esta doutrina nos convida a
redefinirmos as decisões do cientista e da ciência.

Por fim, objetivamos mostrar, informar, formar, acima de tudo instigar reflexões... Portanto,
convidamos você a caminhar conosco nesta jornada de leitura e apropriação de ideias, mas,
também, de perguntas e negações, pois acreditamos que as respostas e os novos caminhos ou
novas descobertas científicas se despontarão a partir do incômodo, do desajuste e dos
questionamentos.

Iniciaremos este material, tal qual temos feito nos demais, com uma breve consideração acerca da
leitura, seguida de textos selecionados que têm por objetivo informá-lo, bem como levá-lo à
reflexão acerca dos aspectos positivos e negativos da evolução científica. Lembrando que a
seleção de textos é feita de maneira a proporcionar a você conteúdos relevantes retirados de
fontes fidedignas sem, contudo, intencionar fazer apologia ideológica e/ou político-partidária.

Neste sentido, esperamos que você aproveite deste material como um compromisso
indispensável à sua formação acadêmica, profissional e pessoal.

Organizadoras

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Pesquisas sobre Leitura

A ciência comprova: ler faz bem para o cérebro

Talvez a conclusão deste post não surpreenda a maioria dos leitores, mas a ciência
comprovou recentemente o que parecia óbvio: literatura faz bem para o cérebro! Nos Estados
Unidos, um grupo de teste foi convidado a ler um capítulo do romance Mansfield Park, de Jane
Austen, dentro de uma máquina de ressonância magnética, enquanto pesquisadores da
universidade de Stanford analisavam os resultados neurológicos. Para o experimento, era preciso
ler o capítulo de duas formas
distintas: primeiramente, uma
leitura descompromissada; depois,
uma leitura para análise crítica da
obra. A conclusão do estudo
apontou que a leitura de livros
pode ser um exercício valioso
para o cérebro, já que quando
lemos, o sangue flui para diversas
áreas associadas à concentração e,
no caso de uma leitura mais crítica,
também para áreas menos ativas
do cérebro. Logo, o estudo concluiu que a forma de leitura afeta o cérebro e através dela
podemos treiná-lo para ser cada vez melhor em atividades que exigem compreensão e
concentração. Logo, o estudo conclui que a forma de leitura afeta o cérebro e pode indicar
formas de treiná-lo para ser cada vez melhor em atividades que exigem compreensão e
concentração.
Estudos semelhantes para avaliar os benefícios da leitura com máquinas de ressonância
magnética já haviam sido realizados antes na Europa. Em 2010, o neurocientista Stanislas
Dehaene, diretor da Unidade de Neuroimagiologia Cognitiva do Inserm-CEA, na França, usou
exames de ressonância magnética para avaliar o cérebro de adultos alfabetizados e analfabetos.
Os cientistas descobriram, então, que os cérebros dos adultos que podiam ler eram mais
ativos, ainda que, em contrapartida, perdessem parte de sua memória visual, possuindo menos
habilidade no reconhecimento facial. Interessados nos ganhos que um livro pode trazer para
nossas vidas fomos atrás e listamos os principais ganhos. Confira:

10 benefícios da leitura.

1. A leitura estimula a memória, expandindo a capacidade de nossa mente.


2. A leitura é combustível inesgotável para a imaginação.
3. A leitura nos dá as palavras, instrumento para expressar nossos sentimentos.
4. A leitura nos aproxima da compreensão de mundo e da auto-compreensão.
5. Ao ler, nos deparamos com aquilo que pensamos: com nossas crenças.
6. É possível experimentar com a leitura, sem de fato experimentar fisicamente.
7. O ato de ler naturalmente leva a escrever e a escutar.
8. Ler eleva a autoestima.
9. A leitura desconhece a solidão, nos permite estar sempre acompanhados.
10. A leitura constrói sonhos e nos empurra à realização.

Disponível em: <http://blog.estantevirtual.com.br/2016/12/23/a-ciencia-comprova-ler-faz-bem-para-o-cerebro-conheca-outros-


beneficios-da-leitura/> Acesso em: 05 jun 2017.

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Se ler pode abrir a mente, com certeza muda o cérebro
Psicologia Cognitiva e Neurociência: a dupla perspectiva na análise dos componentes da leitura em palestra no IPUSP

Por Tatiana Iwata e Fernanda Maranha

Sobretudo na última década, “a Psicologia Cognitiva tem trabalhado em parceria com as


Neurociências Cognitivas nas pesquisas acerca da leitura”. É o que afirmou José Morais,
psicolinguista e professor emérito da Universidade Livre de Bruxelas, no início de sua palestra
no IPUSP a respeito do impacto da leitura no cérebro, retratando a atual visão interdisciplinar
desses estudos. Enquanto a Neurociência examina “as áreas e os fluxos de ativa ção do cérebro
leitor”, a Psicologia Cognitiva realiza “estudos experimentais sobre os mecanismos da leitura” e
também elabora “modelos de
processamento” da habilidade
de ler. Essa combinação é
muito importante porque
abarca tanto a concepção que
temos de ‘cérebro’ quanto a
que temos de ‘mente’, “que são
dois aspectos da mesma
realidade”, afirma Morais.

Dentre os resultados da
cooperação entre as duas
áreas está a dissociação dos
componentes envolvidos na
leitura: habilidade e atividade.
A habilidade de ler é muito
específica e é o que mais
propriamente define a leitura.
Já a atividade de leitura usa tal
habilidade com o intuito de se
chegar a uma compreensão do
que está escrito. Assim, a atividade consiste mais no objetivo da leitura do que na leitura em s i.
“Ler serve de fato para compreender, mas não se pode dizer que ler é compreender”, afirma o
Professor, que acrescenta: “Muitas outras coisas também servem para compreender.” Ele
exemplifica: “Quando vocês estão a ouvir, estão utilizando habilidades espe cíficas do vosso
sistema de percepção da fala para compreender aquilo que eu estou dizendo”.

Ainda para ilustrar essa dissociação, o palestrante conta a história do poeta inglês John Milton
que ensinara suas duas filhas a lerem em várias línguas. Quando ele ficou cego, as meninas
liam para o pai, embora elas mesmas não compreendessem bem os textos, já que eram em
idiomas que elas não dominavam (como o grego), além de complexos para a idade delas. Ora,
mesmo sem entender, elas foram capazes de transformar um código escrito em língua falada. É
parecido, por exemplo, quando lemos um texto em português, mas com palavras que não
conhecemos. Mesmo sem compreender o que aqueles termos significam, somos capazes de
pronunciá-los.

Essa ‘pronúncia’ pode se dar em voz alta, mas mesmo na leitura silenciosa existe uma
‘pronúncia mental’. A partir daí, quando o código escrito já foi transformado em língua falada, é
que haverá outros processamentos para se chegar à compreensão do que está sendo lido. Para
o leitor hábil, tudo isso acontece de forma muito rápida, quase simultaneamente. Isso dificulta
que percebamos que ler e compreender o que se está lendo são processos diferentes.

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A contribuição da Neurociência tem sido muito importante nesse sentido. Diversos estudos de
neuroimagens, comparando a leitura com outras atividades, vêm demonstrando tanto sua
especificidade, quanto sua relação com outras funções cerebrais. Por um lado, verificou-se a
ativação de uma região muito específica do cérebro ‘leitor’. Por outro, constatou-se áreas que
são ativadas não apenas na leitura, mas em várias atividades que envolvem compreensão e
outras faculdades, como a audição da fala e a visualização de imagens. Ler ‘cadeira’, ouvir
‘cadeira’ e ver uma cadeira, por exemplo, envolvem tanto pr ocessos semelhantes ‒ para se
compreender ‘cadeira’ como sendo o mesmo objeto, quantos processos particulares de cada
atividade, já que ler é diferente de ouvir que é diferente de ver.

“Ler é acessar a representação da ortografia e da fonologia”, afirma o Professor, que prossegue:


“Pronúncia de cada palavra a partir de sua expressão gráfica”, o que “distingue o que fazemos
durante a leitura do que fazemos durante a escuta de fala, ou durante a visão de um filme, que
também é compreender, mas que para tanto exige processos específicos para processar o que
está nas imagens.”

Especialização e influência

No decorrer de sua palestra, José Morais foi apresentando vários estudos que demonstram a
existência de uma pequena área especificamente ativada nos cérebros de pessoas letradas,
conhecida como Visual Word Form Area - VWFA (‘Área da forma visual das palavras’). Tais
estudos eram de diferentes autores e centros de pesquisa pelo mundo (Brasil, Portugal, França,
Bélgica, EUA, etc.), tendo como participantes leitores e falantes de várias línguas. Enquanto
algumas pesquisas apresentadas pelo palestrante comparavam indivíduos letrados e iletrados
em relação às regiões cerebrais ativadas ou não durante a realização de determinadas tarefas,
outras verificavam se a VWFA era exclusivamente ativada durante a leitura ou também em outras
habilidades.

Embora a expressão “Visual Word Form Area” tenha sido usada por alguns pesquisadores a
partir da década de 1970, desde 2000 que ela foi adotada pelo neurocientista francês Sta nislas
Dehaene para nomear a região cerebral ativada na leitura identificada por ele. A pequena região
que corresponde à VWFA em letrados existe no cérebro de qualquer ser humano, mas apenas a
aprendizagem determina a nova função da identificação de palavras a esta área. Ocorre,
segundo Morais, uma reciclagem de neurônios: “A hipótese de Stanislas Dehaene é de que tem
que haver essa reciclagem neural – porque essa zona existia, e fazia outras coisas,
certamente.” Ele continua: “E cada invenção cultural, cada aprendizagem nova tende a
encontrar uma espécie de ninho ecológico no cérebro”. A VWFA se encontra justamente em um
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local próximo às regiões responsáveis tanto pela percepção visual quanto pela linguagem. “Onde
pode se desenvolver a habilidade perceptiva da leitura, deve ser em uma estrutura neural que
permita conectar o processamento dos objetos visuais espaciais, que são as palavras escritas, e
as áreas que processam a linguagem”, afirma Morais.

A VWFA está localizada na região occiptotemporal do giro fusiforme do hemisfério esquerdo do


cérebro ‘leitor’ [veja a figura acima]. De acordo com José Morais, essa localização é
praticamente a mesma (com variações mínimas) nos leitores do mundo todo,
independentemente da língua (português, inglês, japonês, etc.), do código ortográfico
(fonográfico, ideográfico, etc.) ou mesmo da modalidade (visual ou tátil). O palestrante citou um
estudo no qual se constatou a presença da mesma VWFA inclusive em cegos congênitos
(pessoas que já nasceram cegas) que leem em braile. Segundo ele, esse estudo foi “muito bem
controlado” e a ativação da VWFA “diferia das regiões cerebrais ativadas em outros estímulos
táteis como desenhos em relevo (gestalt) ou ainda caracteres parecidos com as letras em braile,
mas que não o eram”.

Em outro estudo, com brasileiros falantes de português, comparou-se, por meio da ressonância
magnética funcional, a ativação do cérebro durante a realização de tarefas de leitura e audição
de sentenças. “Eles ouviam ou liam frases em português, relacionadas com o conhecimento
geral, muito simples, e tinham que dizer se era verdadeiro ou falso”, descreve o Professor, que
ilustra: “Por exemplo, ‘A rosa é um animal’, ‘O tigre é uma planta’”. Em seguida, foram verificadas
as regiões que eram ativadas tanto na leitura quanto na audição e aquelas que eram exclusivas
de cada uma das atividades. Constatou-se a forte ativação da VWFA especificamente durante a
tarefa de leitura.

Todas as pesquisas apresentadas por José Morais constataram a ativação da VWFA durante
atividades envolvendo visualização de palavras escritas (ou seja, leitura) nos leitores e ausência
dessa ativação nos que não sabem ler. Além disso, foi verificado que quanto maior a velocidade de
leitura do participante (‘literacia’ ou número de palavras lidas por minuto), maior o grau de ativação
da VWFA. Mas, segundo o palestrante, o qual é também um dos autores de tais estudos, ainda
mais interessante foi verificar que “A aquisição da leitura também modifica as respostas do cérebro
à linguagem falada”. Ele afirma que nos letrados a ativação do plano temporal, que processa a
fonologia das palavras apresentadas oralmente, é duas vezes maior do que nos iletrados. “Essa
ideia que o fato de aprendermos a ler vai ter um impacto no cérebro que não é só aquela pequenina
coisa que a gente viu no início [a VWFA], mas que tem um impacto muito importante no nível da
reorganização das funções”, conclui o professor.

Disponível em: http://www.ip.usp.br/revistapsico.usp/index.php/2-uncategorised/9-se-ler-pode-abrir-a-mente-com-


certeza-mudar-o-cerebro-2.html> Acesso em: 05 jun 2017.

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Textos Selecionados

Inauguramos esta Coletânea propondo um debate além da Ciência, no intuito de instigar reflexões
acerca da própria humanidade, sendo ela a principal responsável por gerar o pensar científico e a
principal beneficitária dele. Assim, como parte desta humanidade, envolvidos com o saber
científico, convidamos você a participar deste momento de discussão...

Ética e Ciência: urgência do debate


Raul Enrique Cuore

A relação ética e ciência é um dos debates que nos foram equacionados no século XXI. A partir
do lançamento da bomba nuclear nas cidades de Hiroshima e Nagasaki no Japão no fim da II
Guerra Mundial em 1945, e mais neste século com a degradação do meio ambiente, a
ambiguidade do progresso científico e tecnológico passou do plano teórico para o existencial.
Começamos a perceber na vida cotidiana a deterioração do ambiente físico e social ao lado do
mundo maravilhoso da tecnologia. Isto cria um paradoxo entre a ciência e a ética.

As conquistas tecnológicas nos campos da comunicação, transporte, alimentação, moradia, saúde


e lazer convivem ao lado do desequilíbrio ecológico, da miséria, da fome, o desemprego, os sem-
terra, sem-teto, enfim ao lado de toda a violência que destrói dignidade humana. Para falarmos da
relação entre ciência e ética é preciso, ao principio buscarmos uma definição para a ética, e como
esta vem a se contrapor a ciência.

Como definirmos ética?

Poderíamos entender ética de várias formas. Uma delas poderia ser como a busca ou caminho
para ou pela “verdade” que seria, talvez, e em algumas condições, subjetiva.

Se relembrarmos da origem da filosofia na Grécia, por exemplo, os sofistas, que através da


retórica e do convencimento pelas palavras, da oratória, julgavam que “a verdade é resultado da
persuasão e do consenso entre os homens”. Isso era combatido por Sócrates, Platão e Aristóteles
que julgavam ser a essência da verdade através da razão e não do “simples” convencimento e
consenso. Sócrates fazia isto através de perguntas básicas, feitas a diversos profissionais
especialistas, tais como: ao “sapateiro” – o que é um sapato? Ao “juiz” - o que é a justiça? Ou o
que é a verdade? E assim, a partir de um questionamento, buscava desvendar, através da razão e
da lógica e não mais por um simples convencimento retórico, o que seria esta verdade.

Poderíamos dizer então que, de certa forma, Sócrates inaugura a ética dentro do discurso.
Sócrates, como comenta MARCONDES (1998) seria: “(...) um divisor de águas. É nesse momento
que a problemática ético-política passa ao primeiro plano da discussão filosófica como questão
urgente da sociedade grega superando a questão da natureza como temática central, pois a
temática racionalista filosófica, inicialmente, era a natureza, iniciada por Tales de Mileto que
buscava na própria natureza a explicação para ela própria, se afastando assim do mito em que
tudo era explicado pelos deuses...”

Assim teríamos a questão da subjetividade na ética, e a formação da própria sociedade


interagindo entre ela e os indivíduos. A ética ajudando-nos a refletir sobre os costumes, sobre as
práticas da ciência, da religião, da família, da empresa, em fim, em todas as instituições da
sociedade. A ética nos ajuda a pensar a subjetividade. Que sujeito é esse em tal momento da
história? Que sujeito é este hoje? Que “conhecimento” é este que buscamos pela ciência?
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Ainda MARCONDES (1998) nos define ética da seguinte forma: “A ética do grego “ethike”, diz
respeito aos costumes e tem por objetivo elaborar uma reflexão sobre os problemas fundamentais
da moral (finalidade e sentido da vida humana, os fundamentos da obrigação e do dever, natureza
do bem e do mal, o valor da consciência moral.”

A ciência, a ética e a filosofia

Não existe um profissional ético, sem antes um homem ético. Portanto, a discussão sobre ética
deve ser vista como uma situação-problema que provoca e estimula uma reflexão abrangente
sobre a própria natureza da relação ética e ciência. Em sua reflexão sobre o conceito de
progresso MATOS (1993) conclui que: “como não há progresso que não seja também moral, a
principal tarefa dos nossos dias é o combate pelo progresso dos direitos humanos.”

Referenciando a utopia que temos em comum: a humanidade com vida digna e feliz. Visto deste
ponto, a reflexão filosófica não tem a utilidade imediata no sentido do senso comum. Sua
contribuição à ciência e à técnica explicando os fundamentos epistemológicos e metodológicos e
certamente, éticos. Citando CHAUÍ (1994): “Não se trata, pois, rigorosamente de uma ciência,
mas de uma reflexão em busca de uma fundamentação teórica e crítica dos nossos
conhecimentos e de nossas práticas”.

Segundo o existencialismo, o ser humano está em processo de autoconstrução. Em outras


palavras, é um agente transformador da Natureza que, ao transformá-la, constrói sua própria
essência. A natureza humana vem sendo construída pela própria humanidade no processo
histórico atualizando sua potencialidade com agente transformador. Sobre este conceito MATOS
(1993) nos expõe: “Temos uma natureza em devir. O ser humano é, ao mesmo tempo, um ser
atualmente advindo e um ser ainda a vir, apenas prometido a si mesmo. (...) É aqui que se
manifesta a estrutura fundamental da ação: de um lado, ela é aquilo em que se tornou, aquilo que
ela é agora: do outro, também é uma antecipação de seu ser realizado e, por ser ação de um
agente autônomo, ela implica em si a responsabilidade daquilo que fazemos de nós mesmos. E
veremos como a responsabilidade de cada ser humano para consigo mesmo constitui, ao mesmo
tempo, uma responsabilidade que ele tem com todos os homens”.

Ciência e ética nos dias atuais

A ciência, traço que singulariza as sociedades modernas, vem sendo analisada sob os mais
diversos ângulos. Desde o enfoque mais clássico da epistemologia ao olhar mais recente dos
estudos culturais, multiplicam-se os estudos sobre a atividade científica. Entretanto, em nossos
dias, uma perspectiva, a da ética, exerce particular interesse, associada ao desenvolvimento
contemporâneo das ciências da vida.

Alternativas inéditas, antigamente nem sequer questionadas, fazem hoje, parte do cotidiano.
Possibilidades como a preservação duradoura da vida em condições artificiais, a intervenção em
fetos ou as que decorrem do amplo repertório de ações ligadas à clonagem evidenciam a
expansão do nosso poderio científico-tecnológico. Poderio que nos inscreve, de imediato, no
horizonte ético: podendo fazer, devemos fazer?

Os órgãos que regulam a ética nas pesquisas científicas que envolvam seres humanos, o
crescente cuidado no trato dos animais associados à pesquisa científica, a atenção e a
sensibilidade com que são vistas as questões relativas à intervenção no meio ambiente são
indicadores de que estamos diante de um novo cenário. Mas, se, de um lado, devemos celebrar o
reaparecimento da temática ética, na medida em que se localiza no campo da ação humana, por
outro lado, cabe perguntar sob que condições é razoável esperar uma aproximação permanente
entre a ciência e a ética.

Ética, entre outras coisas, significa restrição. O recurso a valores, constitutivos de qualquer
agenda ética, implica aceitar proibições e limites. Caso existisse, uma sociedade inteiramente
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permissiva levaria à supressão da dimensão ética, que se tornaria supérflua num ambiente onde
tudo fosse tolerado. Se aceitarmos a associação entre a atitude ética e o estabelecimento de
alguma espécie de limite, como poderíamos aproximar a ética e a ciência, entre os procedimentos
éticos e a busca do conhecimento?

No contexto da sociedade atual, à que pertencemos, a criação dos campos científicos na


modernidade ocidental é decorrência, entre outros fatores, da ideologia que preconiza a defesa da
liberdade mais plena no que diz respeito ao conhecimento. A concepção moderna de ciência, a
que estamos, ainda hoje, associados, é inseparável da progressiva reafirmação do princípio da
autonomia da pesquisa e da rejeição, inegociável, da tutela, seja religiosa, seja política.

Conclusão

Notamos que nos dias de hoje várias instituições se preocupam em elaborar um código de ética.
Isso demonstra claramente a necessidade que a sociedade tem de “controlar” as medidas e
atitudes das diversas profissões. Será que podemos permitir que a ciência, por exemplo, faça o
que ela quiser? A ciência pode pesquisar o que ela quiser? A ética seria desta maneira então,
intermediária, buscaria a justiça, a harmonia e os caminhos para alcançá-las. Quando buscamos,
a justiça, a verdade, o entendimento e o conhecimento, o buscamos para satisfazer uma
necessidade do sujeito.

O que é que distingue a ciência da não - ciência? Como podemos demarcar a fronteira entre elas?
É importante mencionar que a ciência deve ser entendida de maneira diversa, conforme o tempo
em que a estudamos. O que chamamos de “conhecimento científico”, também, pode variar
conforme os diversos períodos da história. Na área médica, por exemplo, quando ouvimos uma
voz científica dizendo: evite comer ou fazer tal coisa, que faz mal à saúde, e depois alguns anos
mais tarde se contradizem dizendo que não é bem assim. Podemos citar o recente comunicado da
Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com respeito à gema do ovo mal cozida.

Concluiu-se que ciência é um conhecimento sistemático, dá-se pela leitura, reflexão,


sistematização, conhecimento lógico, sendo quase impossível vivermos sem seus benefícios. A
ciência tenta discernir com sabedoria ética o melhor para o ser humano. Sendo de muita
importância este apelo ético na ciência, pois a sociedade depende das consequências. A ética é
uma característica própria a toda ação humana, tendo como objetivo facilitar a realização das
pessoas. A ciência envolve investigação e busca pela verdade. Na ciência temos a ética como
suporte para não haver erros, pois a responsabilidade faz parte da ética e é fundamental no meio
cientifico. A produção cientifica não se realiza fora de um determinado contexto social e político.

*Referências no site.

Disponível em: <http://www.fernandosantiago.com.br/eticaciencia.htm> Acesso em: 04 mai 2017.

Dando continuidade à reflexão sobre Ética e Ciência, os dois textos que seguem pesam-nos pelas
injustificáveis práticas antiéticas em nome da ciência, das quais emergem a pergunta se os fins
justificam os meios. Na sequência, uma representação de ações antiéticas regidas por mentes
brilhantes e ambiciosas... e, na segunda, seres humanos fazendo os próprios humanos de
cobaias. Em que medida foram, e ainda são, realizadas atrocidades em nome das descobertas
científicas?

Cientistas que fizeram pesquisas absurdamente dolorosas e antiéticas

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Ciência e ética às vezes batem de frente. De tempos em tempos podemos ver o avanço da
tecnologia e da ciência, mas será que os cientistas fazem experimentos antiéticos para avançar e
atingir seus objetivos, mesmo colocando vidas em risco? A seguir, confira alguns dos cientistas
que fizeram pesquisas absurdamente dolorosas e antiéticas:

1 – John Cutler fez soldados guatemaltecos dormirem com prostitutas infectadas com
sífilis

Na Segunda Guerra Mundial, o governo dos EUA estava preocupado com os soldados que
levavam doenças como gonorreia e sífilis para casa, que acabavam passando para suas esposas.
A penicilina é uma solução rápida para as duas doenças, mas um médico chamado John Cutler,
queria resolver os problemas de DST a qualquer custo, mesmo que fosse algo sem respeito pela
ética.

No de ano 1943, ele foi para Índia e tentou infectar prisioneiros com germes coletados de
prostitutas locais, aplicando diretamente eu seus pênis. O método não contaminou tão bem os
prisioneiros como o sexo. O pior disso é que os prisioneiros nem sabiam o que estava sendo
colocado na ponta de seus pênis. Mas essa história não acaba aqui. Um médico guatemalteco
chamado Juan Funes fez um convite a Cutler para ir ao seu país e refinar a sua ciência usando o
seu povo. Naquela época, a prostituição era algo legal na Guatemala, e as prostitutas eram
obrigadas a visitar clínicas pelo menos duas vezes na semana. Funes tinha uma lista de

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prostitutas que estavam infectadas com DSTs, mas como Cutler queria selecionar prostitutas, ele
resolveu infectar oito delas através de injeções de fluido espinhal.

Depois, elas foram ordenadas a fazerem sexo com soldados da Guatemala e prisioneiros, além
dos pacientes psiquiátricos e inocentes desavisados. No total, Cutler expôs 558 soldados, 486
pacientes psiquiátricos, 219 prisioneiros e outras 39 pessoas a uma variedade enorme de
doenças. Mas mesmo assim sua equipe de pesquisa nunca conseguiu obter um resultado sólido.

Duas décadas depois, Cutler esteve envolvido nos experimentos de sífilis de Tuskegee, uma
barbaridade indescritível, onde ele oferecia serviços de saúde gratuitos a homens negros, porém,
na verdade, ele estava secretamente infectando os homens com sífilis.

2 – Claude Barlow se infestou com esquistossomose para trazer ovos para os EUA

Claude Barlow era um homem que estava obcecado com a esquistossomose, uma terrível doença
endêmica que causa diarreia e diarreia sangrenta. A doença é espalhada por vermes através de
caracóis específicos durante um de seus ciclos de vida. Na época, as pessoas tentaram trazer o
verme para América para ser estudado, mas até então, por falta dos caracóis específicos,
ninguém tinha conseguido.

Mas em 1944, Claude Barlow achou uma solução para levar a tal doença para a América sem o
caramujo. Muito simples, ele se infectou e levou os vermes eu seu corpo. Setenta e seis dias
depois de ele ter comido os caracóis infectados, Barlow teve uma febre que durou várias
semanas. Foi aí que ele notou esperma saindo em seu xixi e, no esperma, ovos de
esquistossomose. Os ovos também estavam nas suas fezes. Seus testículos ainda ficaram cheios
de ovos e pus sangrento, e para piorar a situação, saíram vermes adultos de uma das suas
feridas.

Cerca de dez meses depois, foi decidido não estudar a doença porque eles ainda não tinham os
caracóis para produzir ovos. Sendo assim, Claude Barlow infestou seu corpo de vermes para
nada. Mas ele precisava se curar, certo? Na época se tratava esquistossomose com fouadin, uma
mistura de medicamentos muito tóxicos. Três meses depois, os ovos voltaram, e Claude precisou
repetir o processo algumas vezes para se curar.

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3 – Carmichael e Woollard provaram que colocar coisas pesadas nos testículos dói

Mas como assim provar que é possível sentir dor nos testículos? Em 1933, Edward Carmichael e
Herbert Woollard pesquisavam o conceito de dor referida. Eles queriam saber como a dor nas
extremidades poderia “viajar” por todo o corpo. Mas o processo deles que foi algo estranho. Um
deles se deitava nu sobre uma mesa enquanto o outro puxava os testículos e batia com uma
panela. Depois, eles adicionavam peso na panela, sempre de 50 em 50 gramas. Os
pesquisadores chegaram até 650 gramas antes de descrever a tortura como “dor testicular grave
no lado direito”.

Os dois “malucos” ainda repetiram o processo com pequenas variações e, em alguns casos, eles
conseguiram orgasmos simultâneos à dor. Mas essa pesquisa não foi em vão, pois eles
descobriram que todos os canais nervosos levam aos testículos e que uma libra no escroto é o
suficiente para causar dor nas costas. Mas será mesmo que valeu a pena sentir tanta dor para
fazer essa descoberta?

4 – Hooman Soltanian fotografou os peitos de gêmeas pela “ciência”

Um cirurgião plástico chamado Hooman Soltanian foi até o Twins Day Festival, um festival de
gêmeos em Twisburg, Ohio, e pediu a duas gêmeas permissão para fotografar seus seios. Dr.
Hooman estava curioso sobre quais fatores afetavam a segurança no implante de mama. 161
gêmeas concordaram em deixá-lo fotografar seus seios. Ele pediu a médicos da sua área para
avaliar valores estéticos como qualidade da pele, caimento e simetria.

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Ele descobriu através das fotos que fumar, beber e gravidez múltipla parecem tornar os seios
mais atraentes e que hidratação, amamentação e terapia de reposição hormonal também deixa os
seios mais atraentes.

5 – Michael Smith se picou com ferrão de abelha por todo o corpo para descobrir qual o
lugar é mais doloroso

Um homem chamado Michael L. Smith picou seu corpo inteiro com ferrões de abelha para saber
qual lugar dói mais. Ele teve essa ideia depois de uma abelha picar seus testículos, diante disso,
ele ficou curioso para saber qual parte do corpo doía mais com uma ferrada de abelha.

Em 38 dias, ele deixou abelhas picá-lo em 25 diferentes partes do seu corpo, inclusive nas partes
íntimas. Segundo o seu estudo, é mais dolorido ser picado na narina, depois no lábio superior e
em terceiro lugar no pênis.

6 – Nicholas Senn colocou um balão gigante em suas nádegas e o inflou

Vocês perceberam que vários dos homens que fizeram experimentos tinham ideias nada
legais? No final dos anos 1800, Nicholas Senn era um renomado cirurgião e decidiu colocar um
balão em suas nádegas e bombeá-lo com 15 litros de hidrogênio, tudo em nome da ciência. Além
de inventar um fetiche, ele descobriu uma maneira de diagnosticar intestinos rompidos. Antes de
chegar até isso, ele tinha feito experimentos com cães, mas o resultado não foi o mesmo.

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É claro que ele sentiu dor, mas para Nicholas a dor era apenas a maneira do seu corpo dizer que
existia espaços para mais ar em seu balão. Essa, na verdade, era uma maneira bruta de tratar
lesões de guerra que ele esperava curar. Os colegas de Nicholas disseram-lhe que encher seus
pacientes de gás inflamável e pressurizado para verificar se eles tinham um buraco no intestino ou
se seus pontos cirúrgicos estavam bem aplicados era impraticável e insano, mas o cidadão
resolveu fazer isso mesmo assim, nas suas próprias nádegas.

7 – Nicolae Minovici fez da asfixia erótica uma ciência

A autoasfixia erótica é o ato de cortar o oxigênio enquanto se


masturba. Se você tiver sorte, isso vai aumentar a intensidade dos
seus orgasmos, se tiver azar você pode simplesmente morrer. Nicolae
Minovici era um cientista forense romeno e era obcecado com o
processo da morte. Especificamente, ele se perguntava como seria
morrer pendurado e, sendo assim, ele decidiu ver como era e
descobriu a asfixia erótica. Ele descobriu que a asfixia de quase-morte
levava a aparição de luzes piscando, anestesia, sensação de calor na
cabeça, perda de memória, transtornos mentais e excitação. Seus
assistentes relataram sintomas bem semelhantes. Minovici, inclusive,
fez teorias sobre o ato e concluiu que a asfixia poderia curar a
instabilidade mental se alguém tentasse cometer suicídio por
enforcamento e falhasse. Apesar de seu fetiche perigoso, Minovici teve
uma vida longa. Ironicamente, entretanto, morreu de câncer de
garganta.

Disponível em: <http://www.fatosdesconhecidos.com.br/7-cientistas-que-fizeram-pesquisas-absurdamente-dolorosas-e-


antieticas/> Acesso em: 18 abril 2017. Adaptado.

Cobaias humanas
40 mil brasileiros testam drogas, que ninguém sabe direito como funcionam, na esperança

André Bernardo

Há dois anos o carioca Marcos Luís Oliveira da


Costa, 33, cumpre uma rotina quase militar. Toma
um comprimido a cada manhã, faz exames de
sangue, urina e teste para o vírus HIV a cada mês
— quando também vai ao médico — e, em todos
os trimestres, preenche longos questionários
sobre comportamentos de risco. Marcos não está
tratando uma doença. Ele é uma cobaia humana.

Como outros 349 voluntários brasileiros, o


professor de história e geografia não ganha nada
para testar se o Truvada, medicamento contra a
infecção pelo vírus HIV, funciona bem ou provoca
danos ao organismo. Ao todo, são 2.499 pessoas
de seis países (Brasil, EUA, África do Sul,
Tailândia, Peru e Equador) participando dessa
pesquisa. O que Marcos, soronegativo, ganha
com isso? Esperança de não ver mais gente
passar pelo que quatro amigos passam na luta contra a Aids. “Se esse medicamento existisse há

17
alguns anos, talvez eles não tivessem contraído o HIV. Farei o que eu puder para ajudar a
prevenir essa doença”, afirma.

Como Marcos, existem 40 mil cobaias humanas no Brasil — ou, como preferem os especialistas,
sujeitos de pesquisa. De aparelhos a remédios, de cosméticos a alimentos, nada é aprovado pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sem, antes, passar por eles. “Sem voluntário,
não há pesquisa clínica. Ele é tão importante quanto o pesquisador”, afirma o infectologista Mauro
Schechter, chefe do Laboratório de Pesquisas em Aids do Hospital Universitário Clementino Fraga
Filho, no Rio de Janeiro, ele próprio um ex-voluntário que, nos anos 80, participou de um teste nos
Estados Unidos para a criação de uma vacina contra a hepatite B.

1 a cada 10 mil

Criar uma nova droga é um processo lento, caro e trabalhoso. Um remédio como o Truvada leva,
em média, 12 anos até chegar às farmácias. De cada 10 mil moléculas descobertas com potencial
terapêutico, só mil chegarão à fase de investigação pré-clínica, aquela com ratos de laboratório.
Dessas mil, cerca de dez serão estudadas em seres humanos e, de todas essas, apenas uma
nova droga chegará ao mercado, de acordo com a Sociedade Brasileira de Profissionais de
Pesquisa Clínica (SBPPC).

A seleção de voluntários não é menos minuciosa. Paraplégico desde os 18 anos, quando sofreu
um acidente de moto, o empresário Paulo Polido, hoje com 31, esperou um ano até ser aprovado
num teste do Hospital das Clínicas de São Paulo. Para disputar uma das 30 vagas, ele e outros
250 candidatos foram submetidos a exames clínicos, médicos e psicológicos e avaliados segundo
diferentes critérios de inclusão. “Fatores como idade, tempo de doença e tratamentos prévios,
entre outros, são levados em conta”, afirma a bióloga Greyce Lousana, presidente-executiva da
SBPPC. Do grupo aprovado para participar do protocolo em 2002, Paulo foi o único a notar
melhora motora e recuperar sensibilidade fina — a capacidade de sentir um simples algodão
umedecido sobre a pele. “Pesquisa clínica não é tratamento. O resultado foi satisfatório, mas não
o esperado.”

Contraindicação?

Em cinco anos de pesquisa, Paulo diz não ter sentido qualquer efeito colateral; Marcos, também
não. Mas não é sempre assim. Soropositivo desde os 32 anos, o desenhista industrial Marco
Antônio Mendo, hoje com 54, participou dos testes realizados no Instituto de Infectologia Emílio
Ribas, em São Paulo, para aprovação do Abacavir, um novo antirretroviral. Durante os testes, de
1999 a 2005, sentiu alguns incômodos, como enjoos e inchaço nas pernas. “Tinha plena liberdade
de ligar para os médicos a qualquer hora”, lembra. Atualmente, para orgulho de Marco Antônio, o
Abacavir já compõe o arsenal terapêutico contra o HIV.

Apesar de os voluntários estarem sujeitos a males como cefaleia, tontura e mal-estar, os médicos
são unânimes ao afirmar que as pesquisas clínicas são seguras, desde que realizadas em centros
regulamentados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). “Antes de ser oferecida a
seres humanos, a medicação já foi bastante avaliada em animais”, tranquiliza o oncologista Paulo
Hoff, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. “Desde que
executadas conforme rígidos protocolos, as pesquisas são seguras. Efeitos colaterais podem ser
previstos, prevenidos e minimizados”, acrescenta Reinaldo Ayer de Oliveira, professor de Bioética
na Universidade de São Paulo.

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SELEÇÃO DE VOLUNTÁRIOS: Paulo Polido, 31 anos, disputou com 250 candidatos 30 vagas em um teste no Hospital das Clínicas de
São Paulo. Crédito: Victor Affaro

Mesmo assim, ainda são cometidas arbitrariedades. Um dos casos mais célebres aconteceu na
Universidade John Hopkins, uma das mais respeitadas dos EUA. Uma estudante de medicina,
paga para participar de um teste em que os pacientes eram induzidos a contrair asma para
posterior tratamento com um novo medicamento, acabou morrendo. “O comitê de ética daquela
instituição, que permitiu esse tipo de estudo, até hoje está fechado”, afirma Volnei Garrafa,
coordenador da Cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília (UnB). No Brasil, cerca
de 40 voluntários das comunidades ribeirinhas de São Raimundo do Pirativa e São João do
Matapim, no município de Santana, no Amapá, aceitaram ser submetidos, diariamente, a picadas
de mosquitos transmissores da malária em troca de míseros R$ 20. O caso chegou a ser
denunciado pelo senador Cristovam Buarque ao Ministério Público Federal, em 2006. A pesquisa,
financiada pela Universidade da Flórida e pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos,
teve a colaboração, no Brasil, da Funasa (Fundação Nacional de Saúde). “Passados mais de
cinco anos, nada aconteceu de grave aos responsáveis.”

Cobaia profissional

Os voluntários brasileiros não têm a permissão de serem remunerados para participarem de um


experimento científico. Em alguns casos pontuais, são ressarcidas despesas básicas com
transporte e alimentação durante os testes. “A preocupação é não transformar uma população
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vulnerável socialmente em voluntários profissionais”, argumenta a coordenadora da Conep,
Gyselle Tannous.

Em países onde o pagamento é permitido, como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, há um
verdadeiro mercado de voluntários entre pessoas necessitadas. No livro The Professional Guinea
Pig (A Cobaia Profissional, sem edição brasileira), o pesquisador uruguaio Roberto Abadie
descreve os bastidores do mundo das cobaias em Quebec, no Canadá, onde ganhou US$ 1 mil
para participar de duas pesquisas clínicas. Entre os voluntários que conheceu por lá, cita
estudantes, desempregados, mendigos, alcoólatras e doentes mentais. No Reino Unido, sites de
recrutamento chegam a oferecer desde módicos R$ 300 por 600 mililitros de sangue coletado até
R$ 5 mil por um estudo que testa a eficácia de uma nova droga antiobesidade.

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TESTE DE ALTRUÍSMO: Soronegativo, Marcos Luiz, 33, testa há dois anos remédio para prevenir o HIV
Crédito: Stefano Martini

Mesmo sem receber essas quantias, o empresário Eduardo Marafanti, 58 anos, é o que pode se
chamar de um veterano em pesquisas clínicas. Ele sofre de leucemia e já está em seu terceiro
protocolo. O primeiro durou cinco anos e foi realizado na Universidade do Oregon, em Portland,
Estados Unidos. Na ocasião, ficou conhecido por ter sido o primeiro brasileiro a participar como
voluntário de pesquisas clínicas para novas drogas naquele país. O segundo durou dois anos e foi
realizado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Atualmente, Eduardo participa do teste de um
novo medicamento contra leucemia, o Tasigna, da Novartis. “Sou radicalmente contra a
remuneração. Em um país como o nosso, ela pode dar margem a muita falcatrua. Além disso, o
nome já diz tudo: ou você é voluntário ou não é.”

Caminho longo

No Brasil, para que um protocolo de pesquisa clínica de um novo remédio seja feito, ele precisa
ser submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Atualmente, existem 607
comitês em hospitais e universidades do Brasil. Em casos mais complexos, a proposta também
deve ser submetida à apreciação da Conep. Lá, o protocolo será avaliado por outra comissão de
especialistas, que têm até 60 dias para dar o seu parecer. Em todas as situações, a Anvisa,
responsável pela parte técnica, tem de analisar os resultados posteriormente e decidir se aprova,
ou não, a pesquisa. “Esse duplo padrão de avaliação ética só faz retardar a aprovação”, critica o
21
endocrinologista Luis Augusto Tavares Russo, diretor-presidente da Associação de Pesquisa
Clínica do Brasil. “Estamos deixando de testar inúmeros medicamentos no Brasil por causa
desses entraves.”

O tempo de aprovação de uma pesquisa no Brasil tende a ser maior do que em outros países.
Segundo estimativa dos pesquisadores, o País leva hoje entre 100 e 150 dias para aprovar um
protocolo. Nos países da União Europeia levam, em média, 90 dias; Canadá, 60, e EUA e Japão,
apenas 30. “Enquanto os demais países já estão prestes a começar as pesquisas, o Brasil sequer
importou as matérias-primas. O prejuízo econômico é gigantesco”, lamenta Jorge Raimundo,
presidente do Conselho Consultivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa do
Brasil (Interfarma). Atualmente, das 50 empresas farmacêuticas multinacionais existentes no
Brasil, apenas 20 estão investindo em pesquisas clínicas.

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Mas, para os pesquisadores, o prejuízo é científico. Há atualmente 103.209 pesquisas clínicas
sendo realizadas em 174 países (2.119 delas no Brasil) e 50 milhões de voluntários (40 mil
brasileiros) de acordo com o Clinical Trials, site do governo americano onde estão registrados
todos os estudos clínicos em andamento no planeta. Com menos burocracia, é possível que o
Brasil tivesse uma representatividade maior. Para o imunologista Jorge Kalil, da Universidade de
São Paulo, os projetos demoram cada vez mais para serem analisados no Brasil porque os
membros da Conep se dedicam ao trabalho apenas em tempo suplementar. “Uma solução seria a
descentralização das aprovações. A Conep deveria manter seu papel de regulamentação,
auditoria e recurso”, diz. A ação se somaria ao projeto do site Plataforma Brasil, endereço em que
deve ser possível consultar as pesquisas em andamento no país e os projetos que precisam de
inscrição de voluntários. A página, prevista para entrar no ar em junho, deve indicar quais estudos
são sérios e já obtiveram aprovação dos comitês de ética. Os voluntários agradecem.

AS COBAIAS MALTRATADAS | Conheça alguns abusos de pesquisadores condenados por


conselhos de ética
País: Estados Unidos
Ano: Entre 1932 e 1972
Número de cobaias: 600
Experiência: Em Macon, Alabama, pesquisadores testaram qual seria a evolução da sífilis sem
tratamento. Mesmo quando se descobriu, em 1947, que a penicilina era eficaz contra a doença,
os pacientes continuaram a morrer. Quando o estudo foi encerrado, em 1972, havia apenas 74
participantes vivos
País: Brasil
Ano: Entre 2003 e 2006
Número de cobaias: 40
Experiência: Comunidades ribeirinhas de São Raimundo do Pirativa e São João do Matapim,
no município de Santana, no Amapá, foram submetidas a picadas de mosquitos transmissores
da malária em troca de míseros R$ 20. Em uma das comunidades, 50% dos participantes
contraíram a doença
País: Guatemala
Ano: Entre 1946 e 1948
Número de cobaias: 1.500
Experiência: Pesquisadores norte-americanos infectaram, propositadamente, cerca de 1.500
guatemaltecos, entre prisioneiros e doentes mentais, com as bactérias
da sífilis e da gonorreia. Depois de infectarem os pacientes, eles testavam
a eficácia de antibióticos

Disponível em: < http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,ERT220834-17773,00.html> Acesso em: 03 mai 2017.

Quem já não ouviu falar em método científico e não “arrepiou”? Se o método científico,
antes, fosse pura teoria, agora, podem-se ter modelos pragmáticos relacionados ao nosso
dia a dia, a fim de que melhor possamos compreendê-lo e aplicá-lo. A matéria a seguir
apresenta, em uma linguagem simples, exemplos e explicações igualmente acessíveis à
compreensão de todo aprendiz em ciência. Confira!

O método científico
Você chega em casa, cansado da escola, faculdade ou trabalho, e decide ligar a televisão. Ao
apertar o botão, no entanto, nada acontece. Imediatamente, começa a formular hipóteses que
expliquem o porquê da TV não estar ligando. Primeira hipótese: ela não está conectada à tomada.
Você, então, observa o cabo de alimentação e vê que ele está em seu devido lugar. Assim, a
primeira hipótese foi refutada. Segunda hipótese: está faltando energia elétrica. Para testar sua
nova proposição, você aperta o interruptor de luz ou tenta ligar algum aparelho elétrico. Você

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observa que não há problemas com a energia elétrica, e sua segunda hipótese também é
refutada.

Parabéns! Você pode não ter descoberto o motivo da sua TV não estar funcionando, mas aplicou
o método científico em uma situação do dia a
dia bastante corriqueira.

A ciência busca respostas e interpretações para


os fatos que ocorrem na natureza - a própria
palavra "ciência" deriva do latim e significa
"conhecer", "saber". O critério mais utilizado
nessa busca pelo conhecimento é o método
científico, o caminho da lógica. Consiste em
uma pesquisa com base na observação e na
experimentação.

Existem diversas maneiras de formular um


esquema do método científico, mas todas
seguem alguns princípios básicos.

Primeiro, o cientista faz uma observação que


levanta uma questão. Essa questão vai
estreitar o foco da investigação.

Um exemplo é o de Charles Darwin (1809-


1882), que visitou as ilhas Galápagos, a oeste
do Equador, e observou várias espécies de pássaros - os tentilhões -, cada uma adaptada de
maneira única a um habitat específico da região. Darwin notou, em especial, consideráveis
diferenças entre os bicos dos tentilhões, que pareciam ter grande importância na forma que a ave
obtinha o alimento. Ele indagou como tantas espécies de tentilhão poderiam coexistir em uma
área geográfica pequena. Assim, Darwin chegou à segunda etapa e formulou a pergunta básica:
o que provocou a diversificação dos tentilhões das ilhas Galápagos?

Após a formulação da pergunta, chega-se à terceira etapa: a formulação das hipóteses, ou seja,
a busca de possíveis respostas àquela questão. Em
termos gerais, a hipótese se expressa na forma de
uma declaração "se... então". Essa forma revela o
raciocínio dedutivo, que sugere um pensamento que
se move do geral para o particular - este é oposto ao
raciocínio indutivo, no qual o pensamento vai do
particular para o geral. No caso dos tentilhões, Darwin
formulou a hipótese de todas as variações da ave
serem resultado de uma mesma espécie original, que
se desenvolveu e se adaptou de alguma maneira aos
diferentes ambientes.

O desenvolvimento de uma hipótese no formato "se...


então" tem duas vantagens: ela é passível de teste,
portanto é possível organizar uma experiência que teste a validade da declaração. A segunda
vantagem é que, da mesma forma que ela pode ser confirmada, também pode ser contestada,
pois é possível formular uma experiência que demonstre que tal hipótese não procede.

Levantada a hipótese, o cientista faz uma dedução, ou seja, uma previsão possível, tirada a partir
da hipótese, que poderá ser testada. Fala-se, nesse ponto, em método hipotético-dedutivo.

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Chega-se, então, à quarta etapa: a experiência controlada, na qual a hipótese é testada. Vale
mencionar, no entanto, que experimentos não são a única maneira de submeter a hipótese a
testes; isso também pode ser feito pela simples observação ou pela análise de sua lógica interna.
A Matemática permite que testes equivalentes aos experimentais sejam feitos com base apenas
na observação. Darwin, por exemplo, teve grandes avanços na sua pesquisa em Galápagos após
ler "Ensaio sobre o princípio da população", de Thomas Robert Malthus (1766-1834). O livro
mostrava uma ideia de luta pela sobrevivência dentro de uma própria espécie e a associava ao
crescimento populacional.

Controlar uma experiência significa controlar todas as variáveis, de tal forma que apenas uma
esteja aberta a investigações. Além disso, deve haver um grupo de controle, que não sofrerá
nenhum tipo de alteração e será responsável por estabelecer um parâmetro de comparação, e um
grupo experimental, que é aquele que será verdadeiramente testado e no qual será promovida
uma alteração a ser testada, deixando todas as demais condições inalteradas.

Após as devidas experiências e a reunião de dados quantitativos e qualitativos, começa a quinta


etapa: a análise das informações e a conclusão. O objetivo final é provar ou negar a hipótese e,
assim, responder à pergunta inicial. Se comprovada, a hipótese pode tornar-se uma teoria, mas
nunca uma verdade absoluta, pois ela pode ser mudada diante de novas descobertas.

A teoria é um conjunto de conhecimentos mais amplos que visa explicar fenômenos abrangentes
na natureza. O biólogo americano Stephen J. Gould afirmou: "Os fatos são os dados do mundo.
As teorias são estruturas que explicam os fatos. Os fatos continuam a existir enquanto os
cientistas debatem teorias rivais para explicá-los. A
Teoria da gravitação universal de Einstein tomou o
lugar da de Newton, mas as maçãs não ficaram
suspensas no ar, aguardando o resultado".

No caso do exemplo de Darwin, suas observações o


levaram a tirar conclusões sobre a influência do
isolamento geográfico, ambiente ecológico e
competição na variação das espécies de tentilhão, e
isso foi crucial para que ele desenvolvesse sua teoria
da seleção natural e evolução.

Segundo a teoria de Darwin, os seres vivos passam


por um processo de adaptação de modo a estarem
mais aptos a sobreviverem em um ambiente.
Características favoráveis que são hereditárias vão
tornando-se mais comuns, de modo que os seres
vivos que as têm apresentam maiores chances de sobrevivência e de reprodução, enquanto
aqueles com características desfavoráveis vão sendo extintos. Uma das formas de se obter tais
características favoráveis é através da mutação, que provoca uma alteração genética em um
indivíduo. No entanto, essa metodologia é dinâmica e aberta a interpretações. Alguns cientistas
passam a maior parte do tempo na etapa da observação, enquanto outros podem passar anos
sem desenvolver experiências. O próprio Darwin passou quase 20 anos analisando todos os
dados recolhidos antes de tirar conclusões sobre a seleção natural.

Disponível em: <http://www.proficiencia.org.br/article.php3?id_article=487> Acesso em: 04 mai 2017.

Unir saberes e ciência. Eis o foco da matéria seguinte protagonizada por um estudioso
que buscaria essa união com o propósito de resolver o problema da violência. Veja de
que modo a vida com suas atrocidades pode gerar novos olhares e novos encontros para
o conhecimento científico.

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Michel Serres, unindo ciências humanas e exatas
Adílio Jorge Marques, professor de Física e História da Ciência da rede pública e particular de ensino do Rio de Janeiro.
Pesquisador em História da Ciência luso-brasileira e história das Tradições.

Michel Serres (foto) é um filósofo universitário francês do pós-


guerra nascido em 1930 na França. Iniciou sua formação
superior na Escola Naval em 1947. Abandonou-a em 1949
após a leitura de “A gravidade e a graça” de Simone Weil.
Ingressou posteriormente na Escola Normal Superior de Paris,
licenciando-se em 1952 em Matemática, Letras Clássicas e
Filosofia. A relação pessoal entre as ciências exatas e as
humanidades teve influência decisiva na formação da sua
trajetória intelectual, em um mundo “conturbado e dos
extremos”, como nos legou E. Hobsbawn sobre o século XX.
Como ele mesmo se define, pertence a uma geração que se
forma em um ambiente atroz. Com isso, se mantém afastado
de toda política. Todo esse ambiente contribuiu para que
Serres tomasse como principal problema para desenvolver o
essencial do seu trabalho filosófico a questão da violência,
que segundo ele, manifesta-se através dos mais diversos
meios e ações.

Filósofo independente, M. Serres dificilmente pode ser


classificado ou situado em uma escola específica, ou grupo de pensamento histórico/filosófico.
Mostra em seus textos que o conhecimento é um ofício arriscado, um perigo que só se descobre
nos momentos de crise. Mostra que busca evitar polêmicas entre grupos acadêmicos, e de
qualquer disciplina científica definida, ou de um entrincheiramento setorial dentro do debate
científico. As relações de poder das ciências/política levam à continuação da barbárie por outros
diferentes meios. Serres constroi suas reflexões imanentes à própria vida, para quem, desde a
Segunda Grande Guerra, o desenvolvimento científico e tecnológico fez emergir a necessidade de
um novo olhar para as questões científicas e um debate mais acurado sobre as possibilidades da
ciência.

A obra “História: Novas Abordagens” é um reflexo da 3ª geração da Escola dos Annales. Nesta
geração, o policentrismo histórico prevaleceu, em um momento do século XX, no qual vários
membros levaram mais adiante o projeto de Febvre: estender as fronteiras da história. “Novas
abordagens” ainda são atuais, ainda sendo explorada por historiadores identificados com o
movimento dos Annales. O centro de gravidade do pensamento histórico não está mais em Paris,
como esteve entre os anos 30 e 60. Inovações semelhantes acontecem mais ou menos
simultaneamente em diferentes partes do globo e devem ser questionadas e discutidas: política,
ciências, economia, o papel das mulheres, arte, religião, entre outros.

Para Serres, não há uma ciência única e fechada em si mesma. A questão de como a história dos
vários pensamentos científicos evoluiu, e evolui, é transversal no texto. Está sempre relacionada
com as ciências externas. Todas as grandes questões humanas, ética, moral, a questão de
direito, dependem do entendimento entre as “ciências”. Um internalismo científico levará a
humanidade, sempre, a crises de pensamento, como as provocadas pelas bombas de Hiroshima
e Nagasaki.

A questão do humanismo ou dos valores humanos possui componentes importantes que


merecem destaque. O primeiro é tradicional, e tem por fundamento o que de mais antigo existe na
intelectual e cultural; mas é também extremamente novo, porque todos os problemas em questão,
o que é o homem, o indivíduo, o que é a relação familiar, por que vivemos, são trazidas à tona por
causa das questões e aplicações científicas. Tentar fazer entender que não se deve separar o
saber das ciências, exatas humanas. Pois haveria especialistas totalmente sem cultura, e também
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pessoas cultas, mas totalmente “ignorantes”, o que traria de volta a barbárie. A educação deve
mesclar as ciências exatas e humanas, estabelecendo a questão dos valores humanos.

O hiato que existe entre ciências humanas e exatas se ressalta com determinadas
especializações do mundo moderno. Mas deve se ligar a uma forma de ensinar historicamente
como ligar-se à educação e ao saber unificado. Introduzir no estudo das ciências exatas a sua
própria história seria uma forma de história mais totalizante. Isto permitiria que os leitores,
estudantes e pesquisadores não percebessem os teoremas, experiências ou teorias, como
absolutas ou vindas do nada, sem conexão com um contexto sociocultural mais amplo de certa
época. E que passou por certo grupo de intelectuais (ou não), países e ambientes culturais,
mostrando que a ciência é um fenômeno cultural. Um fenômeno social que implica consequências
políticas e certo progresso das condições sociais. Logo, a história das ciências talvez seja a
disciplina transversal que permitiria tornar a fronteira entre culturas aparentemente distintas
(exatas e humanas) mais porosa, permeável, transdisciplinar. Como se verifica na página 161,
“Seria talvez necessário começar por fazer uma história crítica das classificações. A própria
história, no entanto, pertence a uma classe”.

A filosofia de Michel Serres é uma crítica à racionalidade clássica; porém, essa crítica não é feita
em nome de nenhum irracionalismo. Seu objetivo é propor um novo conceito de razão condizente
com a racionalidade contemporânea. A sofisticação que a ciência chegou hoje, e o
desconhecimento científico de boa parte das pessoas, são parte da crítica implícita em qualquer
texto de Serres. Considera que o aprendizado, seja para o indivíduo, seja para as ciências se dá
sempre no limiar, nessas interconexões entre o que já é conhecido e o que não é, como defende
Márcia Oliveira Moraes em seu texto.

Há uma crítica, logo no início do texto em questão, ao não reconhecimento das ciências como
contribuidora às realidades sócio-políticas, e mesmo de os cientistas não conhecerem nem a
história e nem a filosofia. Um tipo de anacronismo tão contundente a super-valorização da ciência,
feita por muitos pensadores ao longo dos séculos. Tendo sido aluno de G. Bachelard, defende
também uma proposta de um “novo espírito científico”. Este encontrando-se em descontinuidade,
em ruptura, com o senso comum, significando a distinção, nesta nova ciência, entre o universo em
que se localizam as opiniões, o senso comum, e o universo das ciências acadêmicas. Acaba
sendo algo imperceptível nas ciências estudadas anteriormente, e também passa ao largo da
percepção da história, em especial da história das ciências.

As ciências exatas (em especial), e mesmo as chamadas “humanidades”, foram muito baseadas
nos limites do pensamento empirista, para o qual a ciência representa uma continuidade
avançada, epistemologicamente, do senso comum. A “ruptura epistemológica” entre a ciência
contemporânea e o senso comum é uma das marcas da teoria bachelardiana que Serres busca,
ao meu ver, trazer constantemente à luz. O senso comum relaciona-se também com a dificuldade
com a qual se depara o cientista social em separar o seu conhecimento, suas opiniões, do
conhecimento teórico, científico, que deve estar comprometido com a busca da verdade, baseada
em leis gerais, em conceitos e não em preconceitos. Crítica à ciência, e que talvez a história das
ciências possa vir a superar, é que muitas pesquisas passam por científicas para legitimar
determinados preconceitos, ou mesmo inverdades, dando-lhes credibilidade.

Serres não vai pretender, como também não o fez Bachelard e outros da moderna história das
ciências, preconizar a “neutralidade científica”. Mas defender a utilização consciente de um
método de pesquisa, que perpassa também pela história recente das gerações do Annales, como
a construção do objeto a ser analisado. Busca, ao meu ver, levar os cientistas a um saber mais
próximo possível da verdade do seu objeto de estudo. Sem com isso entender o esgotamento do
assunto, dada a característica dialética da sociedade e do conhecimento atuais. A irregularidade
aleatória do antigo saber, da “nuvem caótica” do antigos, não deveria se perder. Também é um
processo histórico válido. Os séculos XVII e XVIII ainda teriam herdado uma ciência mais
abrangente dos antigos, como Serrer descreve no longo parágrafo da pág. 163. Mesmo com o
iluminismo parcializado e a mecânica aplicada à physis, havia um certo romantismo que se perdeu

27
com o cartesianismo e o determinismo newtoniano, ambos levados ao extremo. O valor de certa
“anarquia” dos antigos, demonstrada nos estudos sobre o calor (p. 170-171), por exemplo, são um
choque perante a suposta perfeição, às certezas que advém com o século XIX. O predomínio de
um processo, seja dedutivo ou indutivo, traz prejuízos ao pensamento da história, em especial, à
história das ciências (p. 164). Serres não menciona isso abertamente, mas percebe-se certa
proximidade entre famosa a querela “antigos e modernos” na estrutura do texto sobre as ciências.

Dentro dessa linha do pensamento serreano inclui-se a crítica à herança moderna das disciplinas
isoladas, separadas. Ao longo do artigo faz-se uma crítica, da qual participo em parte, a uma
excessiva racionalidade grega, a uma “estabilidade racional expressa pelo vocábulo epistemê” (p.
165). Substituir o Deus social, ou a antiga metafísica, por um Deus da cientificidade absoluta
(simbolizado no artigo pelo Deus de Laplace) não é uma saída mediana, mi-lieu (neologismo de
Serres), ao processo de pensar do nosso tempo (mesmo que Serres tenha discorrido sobre isso
na década de setenta, e porque hoje seu pensamento se mantém). O cartesianismo levado para a
época dos engenheiros, relacionando-se ao processo da Revolução Industrial e ao positivismo,
mostra “modelos” que se repetem e se cristalizam. Modelos novos, que desprezam os antigos
modelos, mais abstratos e menos deterministas (talvez probabilísticos), dando ao pós-moderno
uma ultravaloração. Tais processos estão, ainda, no entendimento da história das ciências, e na
história como um todo, em constante instabilidade na quantidade quase infinita de informações
contraditórias que nos chegam.

A maioria das grandes descobertas e a maioria dos progressos veio dos ideais de alguém que nos
precedeu, como uma espécie de utopia. Acontece que, na tradição filosófica, todos os grandes
filósofos globalizaram o saber. Platão, Aristóteles, Descartes, Leibniz, globalizaram o saber. O
enciclopedismo iluminista dos setecentos foi também uma tentativa de globalização do saber.
Utopicamente, Serres faz parte dessa tradição. E seu texto nos faz entender que não se pode
fazer filosofia sem ter uma sólida formação enciclopédica. Um filósofo deve empreender seus
trabalhos como um heroi entre os anônimos trazidos à luz na História dos Annales, tentando trazer
algo como uma ideia global do saber.

Disponível em: <http://www.debatesculturais.com.br/michel-serres-unindo-ciencias-humanas-e-exatas/> Acesso em: 04


mai 2017.

Não é apenas nos meios científico e hospitalar que a bioética existe. Ela está presente
também em nosso cotidiano e no meio ambiente, em todas as relações humanas, no
respeito à autonomia das pessoas, ou até no modo como consumimos e usufruímos dos
recursos naturais, o lugar onde dispensamos o nosso lixo e como fazemos esse descarte.

O que é bioética e qual sua importância para a sociedade e o meio


ambiente?
Conceito envolve a consideração de vários pontos de
vista sobre dilemas morais, científicos e sociais

O que é bioética

Definições não faltam para o termo, mas


um resumo de todas seria: bioética, do
grego bios (vida) + ethos (ética), é a ética
da vida ou ética prática, isto é, um campo
de estudo inter, multi e transdisciplinar que
engloba a biologia, a medicina, a filosofia, o
direito, as ciências exatas, as ciências
políticas e o meio ambiente; é enfocada em
discutir questões e tentar encontrar a

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melhor forma de resolver casos e dilemas que surgiram com o avanço da biotecnologia, da
genética e dos próprios valores e direitos humanos, prezando sempre a conduta humana e
levando em consideração toda a diversidade moral que há e todas as áreas do conhecimento que,
de alguma forma, têm implicações em nosso dia a dia.

Exemplos de casos que envolvem bioética são as polêmicas em torno do aborto, do transplante
de órgãos, dos transgênicos, do uso de animais e humanos em experimentos, do uso de células-
tronco, da eutanásia, do suicídio, da fertilização in vitro, entre outras.

A tomada de decisões em âmbito clínico na área acontece por meio de quatro princípios
fundamentais: a beneficência e não maleficência (médico), ou seja, “fazer o bem” e “não causar
dano”; a autonomia (paciente), capacidade que cada um tem de tomar suas próprias decisões; e a
justiça (sociedade), garantia de uma distribuição justa, equitativa e universal dos serviços da
saúde. E, nesse contexto, o exercício da enfermagem é de extrema importância, pois ele deve se
apegar a esse referencial de reflexão ética para nortear suas práticas, analisando-as em uma
dimensão ou visão bioética.

Sociedade e meio ambiente

No aspecto ambiental, a bioética pode promover uma reflexão que busque um modelo sustentável
que espeite e tenha responsabilidade por todos os seres vivos e, com isso, ela pode ser uma
importante aliada para a análise do atual modelo de desenvolvimento de forma que vá permitir a
sustentabilidade para a atual e para as futuras gerações. É importante ressaltar também que,
atualmente, nota-se a presença crescente da ecologia e da biodiversidade nos debates bioéticos.
O Brasil detém uma grande biodiversidade e uma rica diversidade cultural. Devido a problemas
relacionados com os meios de produção e a busca desenfreada por lucro, vem sofrendo quando
se trata do manejo adequado da natureza em determinado ecossistema. Outro ponto bastante
discutido é o uso e as consequências do cultivo de produtos transgênicos e o impacto que eles
causam no meio ambiente e na saúde humana.

A bioética pode ser aplicada também quando falamos em estética. A reflexão por trás do assunto
diz respeito à busca insistente na suposta "perfeição física" (que é socialmente construída), em
que pessoas se submetem a procedimentos médicos com grandes riscos à saúde. Problemas e
desafios que precisam ser enfrentados por todos os âmbitos da bioética, pois a cada avanço da
biologia e das ciências da saúde, há os obstáculos sociais e psicológicos. A pesquisa com
embriões humanos, por exemplo, enfrenta problemas por ser um tema delicado que envolve tanto
conceitos morais como o interesse científico e financeiro.

E esse é o papel da bioética: tentar solucionar tais dilemas a partir de seus princípios, sabendo
que não há apenas uma resposta que possa ser julgada correta, e conseguir um equilíbrio justo
entre a ciência e o respeito à vida, reconhecendo os benefícios que o avanço científico e biológico
proporcionam, mas também permanecendo alerta para os riscos que eles representam para a
sociedade e para os efeitos indesejáveis que podem causar no ambiente.

Acesso em: <http://www.ecycle.com.br/component/content/article/63/3669-bioetica-resumo-conceito.html> Disponível


em: 04 mai 2017.

O próximo texto é interessante na medida em que o autor aproxima ciência e literatura,


aspectos estes, para muitos, indissociáveis. No entanto, seriam diferentes maneiras de
perceber o mundo? A realidade objetiva, por exemplo, repleta de subjetividade... A
contação dos fatos, dos feitos desta realidade por meio da literatura... Talvez, em uma
delas, o desejo de sonhar e, na outra, o desejo de fazer... Fique atento para identificar as
ideias que fazem sentido para você...

27
Pode a literatura ser a ciência mais pura?
Raquel Ribeiro e Mariana Soares

O escritor Nuno Camarneiro também é físico. Para si, a literatura e a ciência partem ambas “de
uma vontade de perceber” o mundo. “Nenhum campo do saber consegue conter toda a realidade”,
diz. Tanto a física quanto a literatura trabalham com modelos: “A realidade não está numa lei
física. A física trabalha com abstrações da realidade. O romance também é um modelo que ajuda
a conceitualizar o real.” Na física estudamos a natureza das coisas — a literatura “é a ciência da
natureza humana”.

Pode parecer demasiado abstrato, mas o autor de Debaixo de Algum Céu (prémio Leya 2012) diz
apenas que é o mistério que o move: estudou Física porque desde miúdo tinha “aquele sonho do
cientista de ter um objetivo, de querer descobrir, desvendar um enigma, fazer quebra-cabeças,
compreender mistérios”. Isto é, procurar uma resposta. Mas via-se insatisfeito: “Dava-me gozo
descobrir as soluções dos problemas — em Matemática, em Física, até em Português —, mas
quando descobria a resposta perdia o interesse pelas coisas. Nesse aspecto, era um pouco
rebelde. Distraía-me.” O retrato de Camarneiro enquanto jovem vai ao encontro de uma das
questões colocadas por outro escritor, Gonçalo M. Tavares, no seu livro Breves Notas sobre
Ciência (2006): Mas não investigas: divertes-te. Crias dificuldades e conceitos para atrasar a tua
chegada. Amanhã chegarás ao esconderijo onde ainda ontem escondeste a resposta.

Foi a partir desta ideia que surgiu Física Divertida nos anos 1990 (e Nova Física Divertida em
2007), ensaios de divulgação científica da editora Gradiva da autoria do físico, professor e
ensaísta Carlos Fiolhais. Camarneiro revela que a leitura dos livros de Fiolhais espevitou a sua
curiosidade: “Fui muito marcado por Fiolhais, que pertence a uma geração que tinha lido todas
essas obras de divulgação científica que acabaram por chegar tarde a Portugal”, diz o escritor.
Carl Sagan, Richard Feynman, Stephen Jay Gould, Hubert Reeves, Richard Dawkins, Ilya
Prigogine: “Por vezes nas páginas de divulgação científica encontra-se não só literatura, mas
também grande literatura – e que bem escrevem, por exemplo, Carl Sagan ou Stephen Jay
Gould”, diz à Revista 2 Carlos Fiolhais.

Estes foram os autores que Fiolhais leu na coleção que agora dirige – Ciência Aberta – e que
herdou do cientista Rómulo de Carvalho, isto é, o poeta António Gedeão. “Fui para a ciência
talvez devido aos livros de divulgação científica de Rómulo de Carvalho. Ainda me cruzei com ele.
Lia tudo o que podia sobre a grande aventura que me parecia ser a ciência”, explica. Tantos anos
depois de prática científica, de ensino e divulgação da ciência, Fiolhais pergunta: “E não serve a
literatura, entre outros propósitos, para contar aventuras?”

Fiolhais começou por ler jornais, voraz: “Os meus pais dizem-me que comecei a ler pelos quatro
anos juntando as letras dos títulos dos jornais. Desde então fiquei viciado em jornais”, conta o
físico. Aos dez anos recebeu a antologia Catorze Novelas Históricas Portuguesas (1965):
impressionou-o Bispo Negro, de Alexandre Herculano, e chegou até a escrever sobre ele. E, claro,
na Biblioteca Municipal de Coimbra, cidade onde cresceu, descobriu Júlio Verne.

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A História das Ciências encontra-se sempre ligeiramente atrasada em relação à História dos Desejos. Há metáforas famosas,
peguemos nelas. É como se os cavalos fossem o Desejo e a carroça puxada por eles a ciência.

Júlio Verne sonhou com a volta ao mundo, com a viagem à Lua, com a profundeza dos mares.
Décadas depois, o avião levantou voo, o homem pisou o solo lunar, inventou-se o submarino.
Talvez seja caso para dizer: o escritor sonhou; o cientista foi lá e fez, concretizou o sonho do
poeta e a ciência avançou sempre por causa desse desejo (parafraseando M. Tavares).

António Câmara, engenheiro de formação, especialista em sistemas geográficos, fundador da


YDreams, reconhece o legado de Verne e da literatura na ciência, mas revela sobretudo o fascínio
por aquela figura do Liceu Pedro Nunes, que se sentava “lá atrás, na última fila do anfiteatro”,
enquanto as aulas “eram dadas pelos seus assistentes”. “Sabíamos vagamente que era poeta e
pensávamos que usava as aulas de ciências para escrever poesia”, conta Câmara, que foi aluno
do poeta e cientista Rómulo de Carvalho/António Gedeão.

Gedeão e Verne parecem ter marcado uma geração de cientistas em Portugal. Ainda hoje a ficção
científica “tem uma importância extraordinária”, porque são autores como Verne ou Isaac Asimov
que “desenham o caminho do futuro”, diz Câmara. O autor norte-americano de ficção científica,
Bruce Sterling, anunciou numa conferência nos anos 90 que “o futuro do computador é o lenço.”
Na altura, diz Câmara, “pensámos: este homem está louco! Mas não: hoje sabemos o que esse
lenço representa em termos de flexibilidade do ecrã, de portabilidade, de poder ser usado em
qualquer lugar, que conjuga o lado útil e leve e é, ao mesmo tempo, uma janela para o mundo”,

29
explica. Por isso, a ficção científica enquanto visão do futuro “continua a ter uma importância
enorme para nós, cientistas”.

Câmara dá o exemplo da empresa Azorean, dos Açores, que está a desenvolver um drone
aquático apoiado pela YDreams: “Isso vem dos sonhos do Verne — ele sonhou os submarinos e
nós vamos criar os submarinos do futuro.” E hão de ser pequenos, do tamanho de um telemóvel
ou de uma câmara, sem tripulação, de preferência de baixo custo. Diz-se que Verne sonhou com
o fundo do mar no edifício onde hoje está o Instituto de Espanhol, no Dafundo. “Ele tinha um barco
e fez várias viagens a Lisboa. Crê-se que parte de Vinte Mil Léguas Submarinas tenha sido escrita
aí. E isso é relevante para mim, porque eu ainda hoje vivo no Dafundo”, conta Câmara.

Uma ciência que não investiga os sentimentos serve para quê?

30
Gonçalo M. Tavares continua a indagar o método, os procedimentos, as grandes questões
científicas. Mas parecem cada vez mais desligadas do que hoje a ciência comunica aos cidadãos.
Talvez por isso, Antônio Câmara explique que muitas das suas leituras passavam também por
George Orwell, que não era cientista, mas que “nos apresentava uma visão distópica do futuro”,
ou por Aldous Huxley e o seu Admirável Mundo Novo: “Aliás, toda a família Huxley vem de uma
tradição fortíssima ligada à literatura e à ciência.

O biólogo Julian Huxley, irmão de Aldous, era um cientista que


escrevia maravilhosamente.” Foi quando fez o doutoramento nos
EUA que Antônio Câmara leu “artigos clássicos dos anos 1940, da
matemática e do ambiente”, que eram “autênticas peças de
literatura”, que demonstravam que os cientistas “tinham uma
formação científica e humanística”. Isso perdeu-se: “Foi-se
reduzindo a capacidade literária da escrita científica. Hoje, um
artigo da Nature ou da Science é um artigo despido de adjetivos.
Isso retira-lhe a emoção que tem de estar associada à ciência.”

Os cientistas mais bem sucedidos, hoje, são aqueles que “têm essa
formação humanística e não são apenas os que têm uma formação
técnica”. Essa diferença “abissal” demonstra-se em conferências e
seminários, “na forma de expor o conhecimento”, e Câmara, que é
professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
Nova de Lisboa, admite que isso se nota, por exemplo, nos alunos
Erasmus que recebe de universidades como Cambridge, Oxford ou
do Imperial College. “Os nossos alunos de engenharia não têm
cultura literária, por isso a sua expressão narrativa é muito pobre.”

O físico João Magueijo também é escritor. Professor no Imperial College, em Londres, queixa-se
do mesmo: “Os meus alunos não sabem escrever.” Para Magueijo, escrever artigos científicos
“também é fazer literatura” e confessa que seria talvez interessante que alunos de Física
“fizessem cursos de escrita criativa”. Lê muito, sobretudo romance contemporâneo: Paul Auster,
Hanif Kureishi, Salman Rushdie, Ismail Kadare. Lê em português, em italiano, em inglês, “por puro
prazer”. E também escreve: “Dou-me muito melhor com a não-ficção. O mais próximo que estive
da ficção foi quando traduzi para inglês um livro do Rui Cardoso Martins”, graceja. Publicou,
sempre na Gradiva, Mais Rápido Que a Luz (2003), que resulta da sua tese de doutoramento
sobre a velocidade da luz e em que desafia a Teoria da Relatividade de Einstein; O Grande
Inquisidor (2011), sobre o físico nuclear Ettore Majorana, e, recentemente, Bifes Mal Passados,
livro de viagens pelo Reino Unido (o qual a Revista 2 apresentou em pré-publicação na edição de
22 de Junho). Até certo ponto, reconhece, “todos estes livros são biográficos”.

Magueijo diz que “chegou à escrita por convite” e que, se “no início foi um desafio”, com o tempo
impôs-se “um estilo pessoal que tem ressonâncias” com o seu lado científico: “Não era capaz de
fazer ciência a tempo inteiro, tal como não creio que pudesse escrever a tempo inteiro.” Chega
então a uma espécie de consenso que, conta, tem que ver com a sua “tendência humanística” [...]
Numa conferência que juntava “duas realidades que não se compreendem”, Gravidade Quântica e
Cosmologia, Magueijo abriu a sua palestra com uma imagem que, diz, só um autor como Luiz
Pacheco usaria: “Comecei por evocar a imagem de uma girafa a ter relações sexuais com um
elefante. As pessoas ficaram chocadas e pensaram: este gajo é louco! Mas é uma maneira de
passar a mensagem científica e eu vou à literatura buscar essas técnicas.”

Ter visão nem sempre é suficiente para se ser um grande investigador. Às vezes, é preciso saber
traduzir essa visão, a ideia em texto. Uma pessoa comum usa cerca de dois mil vocábulos, diz
Antônio Câmara – “uma pessoa culta usa oito mil”. Quanto mais o cientista “dominar a língua, os
seus níveis, as regras e a expressão, maior será a sua capacidade de argumentação e retórica”
que lhe permitirá criar, por exemplo, um modelo. Um problema matemático começa simplesmente
pela descrição verbal, “o mais rica possível”, desse problema, explica Câmara: “Nos modelos
31
matemáticos, as ligações entre peças de informação são feitas através de vocábulos. Os
substantivos vão ser as variáveis, depois os verbos e as preposições que ligam esses
substantivos. No fundo, vou mapear o texto num diagrama e criar ligações. Se eu estiver limitado
a dois mil vocábulos, o meu modelo vai ser muito mais pobre e eu não vou conseguir traduzi-lo.”

Magueijo corrobora: “O trabalho científico pode ser muito teórico e é preciso dar espaço à
criatividade para as ideias aparecerem.” Uma coisa é a ideia, outra, a teoria. Isto é: a ideia é um
sonho, mas depois é preciso prová-la, testá-la, analisá-la, “matemática, lógica e objetivamente”.
“Há muita gente na comunidade científica que se fica apenas pelas ideias e não as converte em
teorias. São, por vezes, pessoas com grande capacidade matemática que não sabem expor
ideias”, explica o físico. Magueijo é conhecido pela sua “metodologia” (em aspas, porque não
estamos a falar do método científico) pouco ortodoxa. Citando Gonçalo M. Tavares: Tu não usas
uma metodologia. Tu és a metodologia que usas.

“Por vezes, as pessoas acham que não estou a fazer nada, que só ando a passear, mas eu estou
a pensar”, explica Magueijo. Contrariando a pressão da academia, que obriga constantemente a
publicar papers científicos, a obter resultados, Magueijo revela que a “sua musa” – inspiração,
para os escritores; ideia que levará à teoria, para os cientistas – é o acaso. Vaguear, caminhar,
perder-se pela cidade é uma maneira de “não ficar agarrado à obsessão de publicar”. A ideia para
a sua tese surgiu enquanto deambulava pelas ruas de Londres. Mas a teoria consolidou-se numas
férias em Goa: “Quando cheguei a Goa, já a teoria estava estabelecida matematicamente, mas
estava a crescer demasiado e a perder o foco, corria o risco de se tornar grande demais. A melhor
coisa que fiz foi sair, pensar, ir de férias.” Quem diz férias, diz: ir ao cinema, fazer karaté, ler um
livro.

O escritor Gonçalo M. Tavares diz que tanto na formulação de uma teoria como na narração de
uma história há processos mentais muito semelhantes. “Era uma vez um homem que conheceu
uma mulher e foram numa viagem. Uma narrativa tem que ver com uma sequência de elementos
que sofrem uma alteração. Uma experiência química é também um processo narrativo
sequencial”, diz. Tavares admite já ter “lido” papers de amigos da matemática pura: “São
essencialmente números, fórmulas e, no meio, palavras como ‘se’, ‘então’, ‘por isso’, ‘daí’,
‘porque’. Claramente, aquilo é um processo narrativo. Se um homem conhecer uma mulher em
Veneza às quatro da tarde, então pode ser que… Ou, se numa noite de inverno um viajante...”

A comunidade científica olha pelo centro do olho. Os grandes investigadores olham pelo
canto do olho.

Nem sempre ciência e literatura andaram de costas voltadas, houve até tempos em que os dois
campos do saber se complementavam. “Até ao princípio do século XIX, os cientistas eram vistos
como filósofos naturais. A pesquisa ou a investigação tinham a ver com criar saber – filosofia –
sobre a natureza”, explica a investigadora Ângela Fernandes, da Faculdade de Letras de Lisboa,
que publicou A Ideia de Humanidade na Literatura do Século XX, ensaio sobre Aldous Huxley,
André Malraux e Ramón Gómez de la Serna, em que discute o período entre as duas guerras
mundiais em que se “ensaiavam as mais radicais cisões entre a arte e a vida”, visões do futuro,
repensar o humano à luz dos avanços científicos. Fernandes lembra ainda que, no século XIX, “as
primeiras notícias sobre vacinas, por exemplo, vinham nos jornais ao lado de poemas, na página
da cultura”. Havia uma “coexistência de discursos científico, literário e artístico, que pareciam
estar no mesmo campo e tinham o mesmo prestígio social”.

Contudo, a educação humanista começa a perder terreno a partir da Segunda Guerra Mundial. O
discurso da cultura e das artes ainda é de prestígio sobre o “saber científico dos médicos ou dos
farmacêuticos”, já virado para a eficácia e o bem-estar das populações. O “saber enciclopédico”, a
“harmonia entre as ciências, as artes e as letras”, herdeira da educação alemã da escola de
Humboldt, no século XIX, é, contudo, a “mesma que educa os governantes alemães do
Holocausto”, explica Ângela Fernandes. Afinal, a educação humanística não tinha sido suficiente
para “acautelar a sanidade moral, a ideia de bem comum, de limites, de tolerância e de ética”,
continua. “Temos escassas provas de que uma tradição de estudos literários torne o homem mais
32
humano. […] Quando a barbárie chegou à Europa do século XX, as faculdades de Letras de
diversas universidades ofereceram muito pouca resistência moral. […] Numa quantidade
perturbadora de casos, a imaginação literária acolheu de forma servil e extática a bestialidade
política. E essa bestialidade foi por vezes executada e refinada por indivíduos educados na cultura
do humanismo tradicional”, escreveu em 1965 o filósofo George Steiner. A ciência deixou, assim,
de estar ao serviço do homem e passou a estar ao serviço da guerra e dos interesses
econômicos.

Claro que o Perigo é a origem dos métodos científicos mais eficazes. Se o Homem fosse imortal, ainda não teria inventado a roda.

Esse é o perigo da superespecialização do cientista que parece estarmos a observar neste


momento, lembra Gonçalo M. Tavares. “Qualquer cientista tem de parar a certa altura e perguntar:
para que é que estou a fazer isto? Quais são as consequências? São perguntas de sistema, muito
filosóficas”, diz o escritor. O problema é quando a ciência “se centra no como, no modo de fazer
as coisas, e não no porquê”. Às vezes, esse “como” é tão complexo que o cientista “entra num
sistema profundamente alienado — aliás, muita da história trágica do século XX é uma história em
que, de certa maneira, a ciência foi utilizada, instrumentalizada, manipulada pela política”. Os
cientistas estavam “obcecados pelo como” e “nunca perguntaram para quê e por quê”.

É aqui que a literatura é importante: “A literatura e as artes não


sabem o como, mas a boa literatura tenta perceber o para quê e o
porquê.” Se por um lado se pode pensar a ciência “enquanto
progresso humano”, por outro, diz Patrícia Portela, escritora e
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encenadora, a ciência “também pode ser entendida enquanto
história, narrativa, decisão” e, a par da literatura, ser “um espaço de
reflexão sobre as coisas que ainda não sabemos: é essa relação de
apetite pelo desconhecido que junta as duas áreas”.

Portela diz-se leiga, mas fascinada pela ciência. Fala das últimas
revelações sobre a Partícula de Deus ou sobre a Lei da Gravidade,
temática no seu livro Wasteband (2014). Coleciona notícias
bizarras, científicas e pseudocientíficas, como em O Banquete
(2012). “Há um lado muito poético nalgumas descobertas
científicas. As notícias d’O Banquete são resultado de anos e anos
sempre a colecionar. Não é tanto pelas descobertas científicas em
si, mas pela forma como nos fascinamos e escrevemos sobre elas”,
explica. Num processo narrativo singular, Portela conta que há uns
anos, “antes de se lançarem as primeiras sondas em Marte”, tinha-
se descoberto que Marte tinha uma determinada qualidade que
“permitiria, quiçá, a existência de vida”. Numa conversa de café em
Lovaina (a encenadora vive na Bélgica), perguntou a um senhor qual era a sua profissão. Ele

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respondeu, apontando para o espaço: “Olho para ali para aquele planeta todos os dias. Trabalho
no centro de pesquisa sobre Marte.” Portela confessa que “não resistiu” em perguntar-lhe se ele
achava que haveria vida em Marte: “Se eu achasse que não havia, não olhava para ele todos os
dias.” O homem disse-o com “uma simplicidade, como se me estivesse a dizer o óbvio: tens de
decidir primeiro se faz sentido dedicares uma vida inteira” a uma partícula, a um micróbio, à
descoberta da cura de uma doença: “Porque se achas que ela não existe, a tua vida não faz
sentido.” Com o escritor também é assim: há um certo fascínio, um espanto. “O que me
entusiasma é a ciência do espanto, a curiosidade humana, e não a visão utilitária da ciência, da
quantificação, cada vez mais eficaz.”

O cientista perfeito é também jardineiro: acredita que a beleza é conhecimento.

Patrícia Portela tem uma visão “muito romântica da literatura”. Ainda diz: “A literatura pode salvar
o mundo? Não: não pode, acha que o vai salvar.” O perigo está, então, na possibilidade de “a
literatura passar a funcionar nos mesmos moldes políticos, econômicos, estéticos e éticos que têm
regido [a ciência e a tecnologia], e que deixe de ser um espaço onde se possa reagir. Isso
aconteceu com a ciência: instrumentalizou-se.” Como espaço de grande liberdade, “a literatura
continua a experimentar e a fazer o trabalho da ciência: pesquisar, encontrar novas hipóteses,
novas soluções, novos mundos para o homem. A literatura é, por isso, a ciência mais pura.”

O cientista que fascina Portela é também esse romântico do saber enciclopédico, qual Leonardo
da Vinci, “filósofo-escritor-cientista-pintor, inventor-do-guardanapo, inventor-do-helicóptero”, com a
capacidade de ser múltiplo, na “procura pelo prazer de procurar como o escritor escreve pelo
prazer de escrever e compreender o mundo”. O método científico não poderia ficar completo sem
a classificação. Classificar é, diz Portela, patentear, “editar, escolher, validar, procurar a origem,
legitimar”. Editar também é poesia, e a poesia é feita desse processo de rasura, de corte, incisão,
como se fosse o espaço por excelência em que a ciência dura (matemática, física, biologia) se
encontra com o lado mole da ciência. Essa moleza, para os poetas-cirurgiões, como João Luís
Barreto Guimarães, pode ser a pele.

A poesia não é ciência? A poesia é ciência individual. Poema coletivo e útil: eis a teoria
científica.

Até certo ponto, diz o poeta e médico de cirurgia estética João Luís Barreto Guimarães, autor de
Você Está aqui (2013), há semelhanças no corte cirúrgico e no “burilar de um poema”, na
contagem das sílabas, no verso, nas linhas, no ritmo, nos silêncios, na escolha das palavras, está
um rigor que só tem paralelo no traçar da cicatriz, no remover dos tecidos, na costura, no que fica
ou não fica marcado na pele do paciente. “Há uma busca de equilíbrio e uma noção de harmonia”
nos dois métodos, diz Guimarães, “e gosto, sobretudo, de deixar a minha marca, gosto de deixar
de fora arestas e espinhos que me mostram o alicerce desconstrutivo — mais no poema do que
na pele dos doentes, claro”. No entanto, acrescenta, apesar de serem “as mesmas mãos que
escrevem o poema ou cortam a pele”, o poeta não vê “uma relação direta entre a medicina e a
sua poesia”, como sente noutros médicos-escritores, Fernando Namora ou Miguel Torga, diz.
Talvez seja o tempo e a surpresa que distinguem do papel a pele, na hora de deixar o verso
escrito (e o corte inscrito). “Dificilmente sou surpreendido numa cirurgia. Gasto tempo a marcar
sobre a pele, a medir, com atos precisos e segundo princípios anatômicos claros. Mas opero com
muita rapidez. Na construção de um poema é o contrário: sou surpreendido pelo poema, para
onde me leva, o que fazer com ele, tenho uma ideia incompleta, e não sei quantas palavras serão
necessárias ou quantas terei de substituir.” No final, o poema, como o corpo, “fica a parecer uma
escultura”. E o leitor do poema será sempre como o doente, ou o paciente, que “vai buscar as
palavras para alimentar a alma”.

Os excertos em itálico são retirados de Breves Notas sobre Ciência (Relógio d’Água, 2006).

Disponível em: <http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/pode-a-literatura-ser-a-ciencia-mais-pura-1667195> Acesso


em: 30 ago 2016. Adaptado.

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Quando o assunto é vida, a ciência é sempre bem-vinda! O texto que segue recorre a um
fato passado que pode servir como ponte para novos questionamentos presentes que
podem transformar, sim, o futuro de muitos! Não fosse a opção pela vida humana, pais
teriam tido motivos respaldados pela ciência para desistir... A história pré-natal e atual de
Samuel Armas nos propicia muitas reflexões em torno do que seja “normal” e
“convencional”. Definitivamente, é tempo de rever nossos conceitos!

Há 16 anos um feto agarrou a mão do médico, de dentro do útero, como


ele está hoje?

Em agosto de 1999, uma forte imagem circulou pelo mundo. Aquele bebê que ficou conhecido
como “Mãos de Esperança” teria um incrível e fascinante futuro. Julie Armas estava grávida
quando foi atendida por uma equipe médica de Nashville, nos Estados Unidos. Seu feto estava
com 21 semanas. Antes do nascimento, o bebezinho havia sido diagnosticado com espinha bífida.
Trata-se de um defeito congênito em que a medula espinhal não se desenvolve adequadamente.
Considerada uma condição rara, no Brasil acontecem menos de 150 mil vezes por ano. Apesar de
não ter cura, tem tratamento; é uma condição crônica, podendo durar anos ou a vida inteira.

Os médicos decidiram fazer uma cirurgia pré-natal, na tentativa de tentar amenizar esse
problema. A imagem acima mostra o momento em que, durante a operação, o médico colocou o
útero de Julie para fora, e o bebê agarrou o dedo do médico. Essa foi a interação do ser humano

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mais prematuro já registrada. Depois de quatro meses, em dezembro de 1999, por conta do
sucesso dessa cirurgia, Samuel Armas nasceu.

Atualmente, Samuel tem 16 anos, apesar de usar aparelhos em suas pernas para auxiliar
caminhadas e cadeira de rodas para percorrer longas distâncias, ama nadar e jogar basquete.
Frequenta a escola Secundária Alexander e faz parte da equipe de basquete em cadeiras de
rodas Atlanta Junior Wheelchair Haws. Ele também tem mais dois irmãos, Ethan (12) e Zachary
(10).

Seu irmão, Zachary, também nasceu com espinha bífida, mas não pode ser operado porque o
procedimento experimental, que foi desenvolvido pela Universidade de Vanderbilt, está sob
responsabilidade dos Institutos Nacionais de Saúde – o pequeno não foi contemplado como
beneficiário.

Sinto que tomo decisões fortes porque sou forte em Deus – disse Samuel ao Atlanta Journal-
Constitution. E ainda continuou: se não tivesse nascido com espinha bífida, não teria conhecido
tantas pessoas que conheço hoje e não teria o basquete em cadeiras de rodas, o qual mudou
completamente quem eu sou. Poderia pensar que a espinha bífida é uma desvantagem, mas
agradeço a Deus por isso todos os dias.

Na época em que Samuel nasceu, alguns médicos haviam concluído que o aborto era a única
solução, mas sua mãe e família nunca acreditaram nisso. Julie se tornou uma grande defensora
da vida, e ainda falou sobre a importância que a foto de seu filho resultou na causa e no rechaço
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ao aborto: queríamos mostrar o valor da vida de nosso filho, com deficiência ou sem ela, e que
faríamos algo por ele porque o valorizamos. Conseguimos o que queríamos.

Disponível em: <http://www.fatosdesconhecidos.com.br/ha-16-anos-um-feto-agarrou-mao-medico-de-dentro-utero-


como-ele-esta-hoje/> Acesso em: 18 abril 2017. Adaptado.

É frase retórica que para envelhecer basta nascer. Porém, temos encontrado na ciência
várias comprovações que atestam tal afirmação. O próximo texto apresenta um exemplo
de como a ciência e a tecnologia aliadas podem encontrar respostas que expliquem e
promovam a vida! Das múltiplas habilidades às muitas debilidades, como entendê-las,
como lidar com elas e como superá-las?

Os bebês são capazes de ver e ouvir coisas que nenhum adulto é capaz

Ao longo da vida, principalmente depois que ela já durou muitos anos, começamos a perceber os
sinais de envelhecimento na perda das capacidades físicas. Ficamos mais lentos, mais
desajeitados, enxergamos mal e perdemos a capacidade de ouvir. Mesmo que você se esforce
para manter uma boa saúde ao longo da vida, é inevitável que esse momento chegue. É
simplesmente o ciclo da vida e a forma como a natureza funciona. A verdade é que bem antes da
velhice, nós já estamos perdendo capacidades sem nem mesmo perceber isso.

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De acordo com alguns estudos recentes, bebês com menos de um ano de idade possuem
habilidades de enxergar e ouvir algumas coisas que não conseguimos fazer depois desse período,
mostrando que a perda de talentos já começa bem cedo em nossas vidas.

Quando um bebê humano nasce, possui uma acuidade visual de 20/400, o que poderia ser
considerado cegueira de acordo com os padrões da Organização Mundial de Saúde. Para se ter
uma ideia, a acuidade visual de uma pessoa com visual normal é de 20/20. Isso acontece porque
não existe luz no útero e o sentido só vai se desenvolver assim que o bebê nasce.

Durante os primeiros meses de vida, os bebês começam detectando apenas luzes e sombras e
evoluem o sentido até que desenvolvem a visão normal. Nesse período de aprendizado, o nosso
cérebro aprende a reconhecer e interpretar os sinais do mundo, o que pode durar entre 5 a 7
meses, em média. É aí que os nossos olhos começam a aprender as diferenças entre os objetos
que enxergamos.

Porém, um pouco antes disso os bebês já possuem uma capacidade de visão diferenciada, por
volta dos 3 ou 4 meses de idade. Para tentar entender o processo, vamos dar uma olhada nas
imagens destas três lesmas. Certamente você acredita que as duas da esquerda são
praticamente idênticas, certo? Um bebê não concordaria com isso.

Apesar de as lesmas da esquerda e central parecerem idênticas, elas possuem uma grande
diferença em termos de intensidade de pixels, o que os bebês conseguem perceber com
facilidade. O efeito foi percebido num estudo divulgado na Current Biology, assinado por um time
de psicólogos liderados por Jiale Yang, da Universidade Chuo, do Japão.

Os cientistas estudaram como 42 bebês, de 3 a 8 meses, analisavam pares de imagens


renderizadas a partir de objetos reais em 3D. Como as crianças não podiam descrever o que
viam, o time mediu quanto tempo os bebês olhavam para cada imagem.

Os dados mostraram que bebês de 3 a 4 meses possuíam uma impressionante habilidade de


diferenciar imagens que sofriam diferenças de iluminação que não aparecem para adultos. A partir
dos cinco meses, porém, a habilidade começa a desaparecer. Além disso, durante o primeiro ano
de vida, os bebês são capazes de reconhecer a diferença entre faces de macacos que adultos
considerariam idênticos, por exemplo.

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Não só a visão é agraciada com habilidades diferenciadas nos primeiros meses de vida, mas a
audição também. No início da vida, o nosso cérebro acaba recebendo todo tipo de informação,
para só depois conseguir aprender quais conteúdos realmente deve processar e guardar. Na
audição, por exemplo, bebês possuem a habilidade de distinguir nuances fonéticos em línguas
que ouve, mesmo as diferentes das faladas pela própria família, por exemplo.

A perda de sensitividade à informação que nós temos enquanto bebê pode acabar criando um
distanciamento de nossa percepção do mundo real, mas ao mesmo tempo cria uma sintonia
apropriada de compreensão dos ambientes em que vivemos. Dessa forma, conseguimos perceber
os espaços e lidar com ele de forma eficiente, mesmo que parte de nossa percepção se perca no
caminho.

Bônus

No vídeo, que está em inglês, é possível ver


como se dá a evolução da visão dos bebês
desde o momento em que nascem até cerca
de um ano de vida. Apesar das informações
estarem em inglês, é possível compreender
a mudança da percepção visual somente
por meio da alteração das imagens com o
passar do tempo. Para acessar o vídeo,
clique no link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=T0rrS51r
y2s

Disponível em: <http://www.fatosdesconhecidos.com.br/os-bebes-sao-capazes-de-ver-e-ouvir-coisas-que-nenhum-


adulto-e-capaz/> Acesso em: 18 abril 2017. Adaptado.

Um dos territórios mais fascinantes por onde a ciência possa perscrutar, talvez, seja a
mente humana. Tão fascinante quanto ainda desconhecido. Tão complexo quanto a
própria existência humana! Complexidade esta que nos faz portadores de um repertório
tão vasto de experiências sem, contudo, atingirmos a total ciência de boa parte deles.
Assim, segundo o texto, é quase improvável nos lembrarmos de fatos ocorridos até os
três anos de idade. Tire você, também, as suas próprias conclusões...

Por que não conseguimos nos lembrar de nossos primeiros anos de


vida?
Do programa 'Os Curiosos Casos de Rutherford e Fry' Radio 4 da BBC

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Faça um esforço e pense: qual é a primeira lembrança que você tem? E quantos anos tinha nesta
época?

É bem provável que as recordações sejam de quando você tinha 3 ou 4 anos de idade no
máximo. Por que não costumamos nos lembrar do que aconteceu no início de nossas vidas? O
fenômeno tem um nome: amnésia infantil. "Nenhum de nós se lembra de algo anterior aos 2 ou 3
anos de idade. A maioria não se recorda de nada que ocorreu antes dos 4 ou 5", diz Catherine
Loveday, da Universidade de Westminster, no Reino Unido. "A idade da primeira lembrança varia,
mas, normalmente, pessoas se lembram de coisas como cair de bicicleta... momentos que foram
importantes."

A idade média que temos em nossas primeiras recordações é 3 anos e 4 meses

A idade média de nossas primeiras recordações é 3 anos e 4 meses, mas, como Loveday
destaca, há quem possa se lembrar de eventos anteriores. Afinal, uma criança de 2 anos de idade
pode reconhecer pessoas e lugares - e isso requer memória. Mas, neste caso, estamos falando
da memória episódica, relacionada a acontecimentos autobiográficos - momentos, locais,
emoções e outros dados de contexto - que podem ser evocados explicitamente.

Curva de esquecimento

Para explorar como nos recordamos, pode ser uma boa ideia começar pela forma como
esquecemos. No final do século 19, o alemão Herman Ebbinghaus, pioneiro no estudo da
memória, inventou um experimento para testá-la. Primeiro, aprendeu centenas de listas de
palavras sem sentido. Depois, mediu quanto tempo levava para voltar a aprender as listas após
períodos de tempo que iam de 20 minutos a um mês.

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Todos nós temos momentos inesquecíveis guardados na memória

Assim, ele chegou à conclusão de que nos esquecemos de forma totalmente previsível. A "curva
do esquecimento" - batizada por ele - é exponencial: esquecemo-nos mais intensamente de início
e, depois, o processo se atenua. Se, por exemplo, você estudou alemão no colégio e depois
parou, notou que o número de palavras de que se recorda caiu rapidamente no primeiro ano, mas
que, depois, o ritmo desse esquecimento foi caindo.

Outra coisa que Ebbinghaus descobriu foi que essa curva muda com a idade e que as crianças se
esquecem mais rapidamente. "O cérebro está se desenvolvendo rápido. O cérebro de um bebê de
um ano tem mais conexões que em qualquer outro momento de sua vida", explica Loveday. "Uma
das atividades necessárias para o funcionamento cerebral é a 'poda', ou seja, desfazer-se de
algumas destas conexões, como se estivéssemos cortando uma árvore para que ela cresça mais
saudável."

Nesse processo, explica a especialista, possivelmente perdemos memórias. "Além disso, há


cientistas que têm estudado a importância da linguagem, as palavras que nos ajudam a
estabelecer memórias", acrescenta. "Eles dizem que não nos lembramos de coisas que envolvam
um conceito específico até entendê-lo. Ou seja, uma memória que envolva uma bicicleta pode se
fixar quando somos bem novos. Mas crianças não incorporam conceitos como desagrado ou
insatisfação antes dos 5 anos, então, não nos lembramos de algo ligado a esses conceitos que
tenha ocorrido antes dessa idade."

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Nossa memória se apaga em um ritmo previsível

A ideia é que não codificamos uma memória antes de ter um conceito linguístico para cada dado
específico. Além disso, hoje sabemos que a região do cérebro conhecida como hipocampo é a
chave para codificar e armazenar a memória episódica, e o hipocampo não amadurece até uma
fase posterior da infância. Tudo isso afeta a capacidade do cérebro de reter essas primeiras
recordações.

E quem se lembra?

Mas como explicar as memórias anteriores a essa idade?

"Minha memória mais antiga é de mim acordando no berço. Posso ver as cortinas amarelas e
ouvir alguém no quarto ao lado fazendo barulho com água. A casa em que estou é uma da qual
nos mudamos quando tinha dois anos, então, devo ter essa idade", contou Vickey Swindales, em
um projeto realizado pela BBC há alguns anos, com 6,5 mil pessoas.

Em "A Experiência da Memória", os participantes responderam a um questionário do psicólogo


Martin Conway, da City University of London, no Reino Unido, em que era pedido que
descrevessem sua primeira lembrança e respondessem a outras perguntas, como a idade em que
o fato ocorreu. "Em minha primeira memória, estou dentro do que imagino ser um carrinho de
bebê, com uma capota puxada. Tenho quase certeza que o céu estava azul, ainda que não
conhecesse essa palavra... era muito pequena", recordou-se a escritora A.S. Byatt.

Cerca de 40% dos participantes relataram lembranças de acontecimentos ocorridos quando


tinham 24 meses, e 861 pessoas mencionaram memórias adquiridas antes de completarem 1 ano
de vida. "Ficamos chocados", diz Conway.

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É possível nos lembrarmos de algo que ocorreu em nosso primeiro ano de vida?

O psicólogo diz que há até mesmo quem diga se lembrar de seu nascimento. Mas ele esclarece
que isso não é possível. "Uma pessoa pode se lembrar de fragmentos da infância porque sua mãe
disse algo como: 'Não se lembra que eu te levava para passear em um carrinho grande e verde?'.
E a pessoa 'lembra' disso", diz Conway. "Mas o que ocorre é que a pessoa cria uma imagem
mental do carrinho, e, aos poucos, isso se transforma em algo que você experimenta como uma
memória, baseado no que a mãe disse e que ficou armazenado em algum outro fragmento de
memória." São as chamadas "memórias fictícias". No entanto, Conway esclarece que "não
podemos ter certeza de que essas memórias sejam falsas: não podemos descartar casos
excepcionais. Mas, no geral, a probabilidade é muito alta de que não sejam verdadeiras".

Não só quando somos pequenos

Isso não quer dizer que as pessoas que dizem se lembrar de fatos do início de suas vidas estejam
mentindo: alguns elementos de nossa memória são verdadeiros, mas é muito possível que
tenhamos acrescentado informações ao longo de nossas vidas. E isso segue ocorrendo depois:
muitos de nós nos recordamos claramente de experiências com pessoas que não podiam estar
presentes em determinados momentos. Ou temos certeza de que algo ocorreu para depois nos
darmos conta do contrário. "Isso acontece com todo mundo", diz Loveday.

"Todos fazemos isso, porque estamos construindo memórias com o que está à mão, e, às vezes,
esses pedaços se desorganizam. Você se lembra de umas férias em família, e sua memória
genérica inclui todos os seus irmãos. É assim que, quando se lembra de um momento específico,
coloca todos na mesma cena, ainda que um deles não estivesse ali."

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'A memória é o que nos conecta aos outros', explica a especialista

Então, não podemos confiar em nossa memória? "Em termos gerais, podemos, como em
aspectos ligados a onde vivemos e o que aconteceu. Mas, quando nos lembramos de momentos
muito específicos, é inevitável que haja detalhes que não sejam 100% precisos", afirma a
especialista. "Mas isso não importa: a memória não é importante porque é precisa. A memória é o
que nos faz ser quem somos e nos conecta aos outros, assim, em certo sentido, as recordações
que temos são as que precisamos para existir."

Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/geral-39477636> Acesso em: 10 abril 2017.

A Ciência é mesmo impressionante! E quem se ocupa de explicar o inexplicável é tão


extraordinário quanto a própria ciência. O sono tem sido um desses problemas científicos
que tem “roubado o sono” de muitos pesquisadores, uma vez que ainda persistem muitas
dúvidas, apesar de anos de estudos já realizados. Neste sentido, o texto apresenta
“alguns aspectos sobre o sono que todo mundo conhece, mas que ninguém consegue
explicar”...

Coisas sobre o sono que ninguém consegue explicar


O sono é um estado ordinário de consciência, complementar ao da vigília (ou estado desperto),
em que há repouso normal e periódico, caracterizado, tanto no ser humano como nos outros
vertebrados, pela suspensão temporária da atividade perceptivo-sensorial e motora voluntária.
Muitas pessoas realmente amam dormir, mas vocês já viram quantos mistérios rodam em volta do
sono?

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São muitos estudos feitos durante anos, e mesmo assim existem algumas coisas que os cientistas
nunca conseguiram encontrar uma explicação plausível. Tendo isso em mente, nós resolvemos
trazer para vocês essa matéria com alguns aspectos sobre o sono que todo mundo conhece mas
ninguém consegue explicar. Confira:

1 – Quanto tempo devemos dormir?

Muita gente diz por aí que devemos dormir no mínimo 8 horas por dia. Porém, um estudo feito
pela UC San Diego descobriu que pessoas que dormem mais de sete horas e meia por noite tem
um risco maior de mortalidade do que aqueles que dormem seis horas e meia. Segundo eles, o
tempo ideal de sono é de cinco a seis horas e meia.

Já um outro estudo da Harvard Business Review, diz que é incrivelmente importante ter pelo
menos sete horas de sono por dia. Eles dizem devemos ter esse tempo de sono para dar uma
“restaurada” no nosso cérebro, e se tivermos menos horas de sono que isso, estaremos
arriscando e prejudicando nossa função cognitiva.

Mas e aí, qual desses caminhos devemos seguir? Fica aí algo para se pensar.

2 – Os cientistas não têm certeza se devemos dormir a noite

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Algo que todos nós temos certeza sobre o sono, é que devemos dormir durante à noite. Mas
vocês sabiam que existe um debate para sabermos se realmente devemos fazer isso?

Roger Ekirch é um historiador do sono, e descobriu que dormir em um longo tempo não é natural
do ser humano. Segundo ele, nos tempos pré-industriais, os seres humanos dormiam em dois
blocos de quatro horas, que eram separados em um período de vigília no meio da noite durante
uma hora ou mais. Durante esse tempo, alguns faziam tarefas, outros ficavam acordados na cama
e até mesmo faziam visitas antes de voltarem a dormir. Antes da eletricidade, passamos muito
tempo na escuridão, certo? Sendo assim, quem não tinha dinheiro para comprar muitas velas,
dormia para não perder tempo. Mas nós não precisamos de 14 horas de sono por noite, e por isso
as pessoas acordavam, faziam alguma coisa e voltavam para cama antes do sol nascer. Com o
tempo, a eletricidade mudou isso.

Com fácil acesso à eletricidade e programação de trabalho depois da Revolução Industrial, nós
mudamos o nosso hábito de sono. O cientista Thomas Wehr conduziu um estudo nos anos 90,
onde expôs pessoas a 14 horas de escuridão. Depois de um tempo, elas começaram a dormir em
duas seções separadas. Sendo assim, caros amigos, se você acordar durante à noite, poderá
estar em sintonia com o seu antigo ser.

3 – Por que todos os animais dormem?

Muitas das teorias habituais do sono se quebram quando vemos quão universal é o sono em
animais com estilos de vida e processos do corpo completamente diferentes. Mamíferos, animais
de sangue frio, invertebrados, todos eles dormem. Uma vez que todos nós temos certeza de por
que os seres humanos dormem, não estamos nem perto de saber por que todos os animais
dormem. Mas existem progressos surpreendentes em uma pesquisa que estuda o sono das
moscas.

Acontece que as moscas têm padrões de sono muito semelhantes aos seres humanos, e os
pesquisadores encontraram algumas ligações interessantes entre a genética e o sono. Alterando
um único gene, alteramos drasticamente os padrões de sono das moscas. Desde que seus ciclos
do sono são similares aos seres humanos, nós podemos isolar um gene humano que garanta um
bom sono ou vigília sem a necessidade de ficar muitas horas na cama.

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4 – A falta de sono pode nos matar?

Ficar acordado pode matar uma pessoa segundo os estudos de Allan Rechtschaffen, na década
de 1980. Ele manteve ratos acordados e todos eles morreram depois de 32 dias. Os
pesquisadores não concordam com a causa física da morte. Alguns pensam que as temperaturas
dos ratos caíram muito, outros pensam que seu sistema nervoso imunológico enfraquecido os
deixou suscetíveis ou poderiam ter morrido por causa de seus níveis de esforço que são elevados.

Mas isso não quer dizer que os seres humanos fariam o mesmo, até porque ratos e humanos são
diferentes. Já foi feito um estudo pela CIA da privação do sono como uma forma de interrogatório.
Eles mantiveram prisioneiros acordados por até 11 dias, e o Departamento de Justiça relatou
“surpreendentemente, pouco parecia acontecer com o físico dos prisioneiros”. Porém, esses
prisioneiros não tiveram o funcionamento interno de seus corpos monitorados, e muitos
argumentaram que os problemas severos não apareceram fisicamente, porém, nenhum dos
prisioneiros morreu.

Felizmente essa técnica de interrogatório não é mais permitida, e como ninguém provavelmente
irá se voluntariar para um estudo científico desses, provavelmente nunca teremos certeza de
nada.

5 – Por que a falta de sono leva ao ganho de peso?

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Um estudo da Nurses’ Health constatou que as mulheres que dormiam cinco horas ou menos por
noite eram 15 por cento mais propensas a se tornarem obesas. A escola de saúde de Harvard dá
algumas razões para isso. Pessoas com falta de sono podem estar muito cansadas para fazer
exercícios, ou comem simplesmente porque estão acordadas mais horas do dia.

Isso tudo pode ser verdade, porém, existe um estudo controverso. Vamos voltar ao estudo de
Rechtschaffen, feito com ratos. Adrian Williams resumiu o que aconteceu com os animais
completamente privados de sono: “Todos morreram por perda de peso dentro de duas semanas,
apesar de comerem mais do que o habitual”. Sendo assim, existe uma ligação entre o peso e o
sono que ninguém entende.

6 – O que acontece com sonâmbulos?

Durante muito tempo, temos o conhecimento de que é comum os sonâmbulos não se lembrarem
do que tinham feito. Mas nada disso é verdade, pois a Universidade de Montreal analisou anos de
estudos sobre sonâmbulos e encontrou algumas respostas.

Os pesquisadores descobriram que algumas pessoas se lembravam de seus episódios de


sonambulismo e outras não, mas todas se lembravam de, ao menos, uma coisa. Um sonâmbulo
nem sempre faz coisas aleatórias, muitas pessoas tinham razões racionais para fazer o que
estavam fazendo.

Além disso, a ideia de que o sonambulismo não afeta as pessoas durante o dia é mentira. Na
verdade, 45% dos sonâmbulos relataram sentir-se cansados durante o dia, e isso pode ser devido
ao tempo que eles ficaram sonâmbulos durante à noite. Basicamente, nada sobre o
sonambulismo é o mesmo para cada pessoa.

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7 – Por que os sonhos evoluíram?

Tsoukalas, da Universidade da Suécia, publicou uma hipótese afirmando que o sono REM (o ciclo
do sono quando corre o sonho) evoluiu a partir da imobilidade tônica ou se fingir de morto. Como
último recurso, os animais desmaiam reflexivamente ou se fingem de mortos na esperança de que
seu predador não queria lidar com um corpo morto. A psicologia afirma que tanto a imobilidade
tônica quanto o sono REM mostram que diminuição do tônus muscular, alteração da frequência
cardíaca, alteração da química cerebral, movimentos oculares rápidos e espasmos. Com tantas
semelhanças, Tsoukalas conclui que o sono REM tem semelhanças evolutivas com se fingir de
morto. Mas isso ainda é apenas uma teoria e não uma resposta conclusiva para a razão pela qual
o sonho evoluiu. [...]

Disponível em: <http://www.fatosdesconhecidos.com.br/7-coisas-sobre-o-sono-que-todo-mundo-conhece-mas-ninguem-


consegue-explicar/> Acesso em: 18 abril 2017. Adaptado.

Ao contrário do que a nossa leitura superficial compreenda ou dos nossos paradigmas


acerca do que seja o utilitarismo, o nosso último texto desafia o que o senso comum
considera como utilitário, na medida em que a teoria filosófica prevê a felicidade global de
todos os seres vivos do mundo em que vivemos...

O utilitarismo como teoria filosófica da moralidade


"Utilitarismo é uma teoria filosófica a respeito do modo como se deve entender os fundamentos da ética"

Professor Dr. João Carlos Brum Torres, coordenador do Programa de Pós-graduação em Filosofia.

Para entender o que seja Utilitarismo, é conveniente ter bem presente que esse termo não
designa um tipo de atitude ética assumida por certas pessoas na vida comum, mas é uma teoria
filosófica a respeito do modo como se deve entender os fundamentos da ética. Esta observação
preliminar é indispensável porque o senso comum tende a tomar a palavra utilitarismo como
designando condutas orientadas somente para a satisfação de interesses materiais, ou, então,
como a atitude de quem, egoisticamente, não tem outro objetivo na vida do que a busca de seu
próprio prazer e bem-estar.

Há nisso, porém, um grande mal-entendido. A doutrina filosófica denominada Utilitarismo não tem
nenhum compromisso com esse significado vulgarmente atribuído ao termo. É um contrasenso
imaginar que uma das mais importantes doutrinas éticas, ao lado da Ética das Virtudes e da Ética
do Dever, uma das três mais importantes correntes do pensamento filosófico sobre a ética,

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pudesse ser uma espécie de endosso teórico a condutas egoisticamente autorreferidas e só
interessadas na obtenção de confortos e prazeres físicos. Na verdade, como toda doutrina ética, o
Utilitarismo é uma teoria sobre os fundamentos da conduta moral e sobre o critério que, em
última análise, permite-nos avaliar e julgar as ações que praticamos, as condutas que
devemos seguir e as normas que devemos adotar no curso de nossa vida. E a tese
fundamental do Utilitarismo é que o procedimento recomendado para tais avaliações é o de
determinar em que medida o que fazemos contribui, não para a felicidade individual, mas para a
felicidade global de todos os seres vivos do mundo em que vivemos. A diretriz geral proposta para
tais avaliações é, pois, a de que elas têm que se concentrar no cálculo das consequências do que
fazemos.

Não se pense, porém, que a teoria utilitarista exige que a cada vez que tomamos uma decisão,
por exemplo: a de cumprir ou quebrar uma promessa, ou sobre como reagir frente aos agravos
que sofremos e assim por diante, tenhamos que anteriormente fazer um cálculo exato das
consequências das opções que temos diante de nós.

Como John Stuart Mill (junto com Jeremy Bentham e Henry Sidgwick um dos três membros da
troica que forma o pensamento utilitarista clássico) bem explica, na vida ordinária podemos confiar
nas regras morais comuns, pois estas já trazem embutidos os cálculos que foram imemorialmente
feitos com relação aos principais tipos de condutas humanas em relação à promoção da
felicidade.

Assim, por exemplo, devemos ver que a regra moral, que nos diz que as promessas devem ser
cumpridas, condensa um cálculo anonimamente feito pelas sociedades humanas, com relação
aos malefícios que a falsidade e a consequente falta de confiança trazem para a vida em
sociedade. E o mesmo poder-se-ia dizer de grande parte das outras regras morais comuns.

A teoria utilitarista não está, contudo, livre de dificuldades. Assim, o próprio conceito de felicidade
está muito longe de ter um conteúdo consensual, pois notoriamente há diferenças no modo como
tal conceito é determinado em diferentes momentos e contextos. A tese de Mill, porém, é que a
determinação do conteúdo do conceito de felicidade não pode ser feita por meio de pesquisas de
opinião, mas precisa ser buscada nas lições de homens experientes, cultos e sábios, pois
somente estes, pela largueza de suas experiências e pela agudeza de sua inteligência, têm
condições de reconhecer o que seja a verdadeira felicidade. Outro ponto difícil diz respeito ao
alcance da expressão "felicidade global". Para uma boa parte dos utilitaristas, o bem-estar dos
animais não humanos também deve ser levado em conta na determinação do conteúdo da
felicidade global. Também complexa é a questão de saber se, nas avaliações morais, se deve
considerar somente o somatório das felicidades individuais, fixando-nos na busca do máximo de
felicidade alcançável por uma determinada comunidade, ou se o modo de distribuição da
felicidade também conta, caso em que o que importa não é a felicidade total a alcançar, mais a
maior felicidade média possível. O ponto mais difícil para a defesa do Utilitarismo é, porém, a
resistência a aceitar que a promoção da felicidade global autorize moralmente o sacrifício de
inocentes, tese que implica negar a existência de direitos humanos invioláveis.

A despeito dessas dificuldades, é forçoso reconhecer que o Utilitarismo é uma doutrina ética que
tem muitos atrativos, pois é inegável que a busca da felicidade e a eliminação do sofrimento são
desejos universais. Do mesmo modo, o cálculo das consequências, como base para toda
avaliação moral, parece ser uma boa diretriz, pois, como se costuma dizer, de boas intenções o
inferno está cheio. Discutir em detalhe todas essas questões é, contudo, uma outra história.

Disponível em: <https://www.ucs.br/site/revista-ucs/revista-ucs-6a-edicao/academia/> Acesso em: 03 mai 2017.

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Músicas

Livros
Caetano Veloso

Tropeçavas nos astros desastrada


Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada


Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objetos transcendentes


Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou • o que é muito pior • por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas


E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

Disponível em: <https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/81628/> Acesso em: 09 abril 2017.

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A Ciência Em Si
Arnaldo Antunes

Se toda coincidência
Tende a que se entenda
E toda lenda
Quer chegar aqui
A ciência não se aprende
A ciência apreende
A ciência em si

Se toda estrela cadente


Cai pra fazer sentido
E todo mito
Quer ter carne aqui

A ciência não se ensina


A ciência insemina
A ciência em si

Se o que se pode ver, ouvir, pegar, medir, pesar


Do avião a jato ao jaboti
Desperta o que ainda não, não se pôde pensar
Do sono eterno ao eterno devir
Como a órbita da terra abraça o vácuo devagar
Para alcançar o que já estava aqui
Se a crença quer se materializar
Tanto quanto a experiência quer se abstrair

A ciência não avança


A ciência alcança
A ciência em si

Disponível em: <https://www.letras.mus.br/arnaldo-antunes/91283/> Acesso em: 04 mai 2017.

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Tiras e Charges

Disponível em: <http://www.leovillanova.net/2015/06/> Acesso em: 04 mai 2017.

Disponível em: <http://juciencias.blogspot.com.br/2009/09/charges.html> Acesso em: 04 mai 2017.

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Disponível em: <https://brainly.com.br/tarefa/3377084> Acesso em: 04 mai 2017.

Disponível em: <http://www.umsabadoqualquer.com/1611-feliz-aniversario-darwin/> Acesso em: 04 mai 2017.

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Filmes

Seis filmes clássicos de ciência e ficção científica

Quando levamos em conta a relevância das produções audiovisuais no mundo atual, pode ser um
pouco difícil de imaginar que o cinema não tem muito mais de um século de existência. A
linguagem se desenvolveu tanto ao longo de sua curta vida que parece acompanhar a
humanidade há muito mais tempo. E desde que a atividade surgiu, na virada do século 19 para o
20, os cineastas já se aproveitavam da credibilidade e do apelo do conhecimento científico para
enriquecer as histórias que contavam por meio de imagens e, um pouco mais tarde, também de
sons. Às vezes retratada nas telas de um jeito mais realista, mais frequentemente sendo
reinterpretada pela imaginação fértil dos roteiristas de ficção científica, o fato é que a ciência
inspirou diversos clássicos ao longo da história do cinema.

Alguns deles foram indicados por professores da Unesp em uma lista de filmes para saber mais
de ciência e tecnologia. Separamos seis indicações dos docentes de longas que se tornaram
referências do gênero. Confira:

2001: Uma Odisseia no Espaço (1968)

Clássico absoluto e certamente uma das melhores produções cinematográficas de todos os


tempos, 2001 - Uma Odisseia no Espaço conseguiu mesclar de um jeito primoroso diversos
elementos narrativos e reflexões filosóficas. Temas científicos e tecnológicos complexos como
exploração espacial, inteligência artificial e vida extraterrestre são abordados paralelamente a
discussões culturais como a evolução humana. A obra ainda conta com uma fotografia ousada e
uma trilha sonora marcante, muito inspirada na música clássica. Tudo isso junto concedeu ao
longa uma estética absolutamente original. "Ao colocar a discussão da inteligência artificial num
patamar novo, este filme de 1969 de Stanley Kubrick, baseado na obra de Arthur C. Clark, é
imperdível", comentou Claudemilson dos Santos, professor da Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Unesp de Presidente Prudente.

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O Nome da Rosa (1986)

Em uma atuação impecável, o ator Sean Connery dá vida ao questionador monge franciscano
Guilherme de Baskerville, chamado às pressas a um mosteiro italiano medieval para investigar
vários casos de religiosos que tiveram mortes enigmáticas no lugar. A trama baseada no livro do
escritor Umberto Eco se desenrola em 1327, época em que a Igreja Católica já exercia poderio
absoluto em todo o continente europeu. As mortes, é claro, foram tidas desde o princípio como
obra do demônio. Mas a investigação minuciosa conduzida por Guilherme acabou provando o
óbvio: o mistério tinha uma explicação muito mais racional (e controversa) do que aparentava. Por
embasar seus julgamentos em evidências e não em dogmas ou verdades reveladas, o frade é
representado como uma espécie de precursor do cientista moderno. O filme também discute a
relação de intolerância do pensamento religioso para com o científico.

Guilherme de Baskerville (Sean Connery) e Adson von Melk (Christian Slater) em 'O Nome da Rosa'

Gattaca: A Experiência Genética (1997)

Para quem não é familiarizado com o conceito de distopia, é o oposto de uma utopia. Quando a
população vive de forma decadente, oprimida de diversas maneiras por governos totalitários ou
corporações superpoderosas, podemos chamar essa sociedade de distópica. O tema é tratado
com frequência pela ficção científica e, via de regra, a ciência e a tecnologia são usadas pelos
poderosos para aumentarem ainda mais seu poder. Gattaca se passa em um futuro não tão
distante, onde vigora uma espécia de “ditadura da genética”. Isso gera uma série de preconceitos
e cria verdadeiras castas sociais. "O filme aborda questões sobre a manipulação genética de
seres humanos, do determinismo genético e controle social. Traça a trajetória de um indivíduo
concebido biologicamente, cujo genoma não sofreu manipulação genética, que tenta superar as
limitações impostas pela sociedade para seres humanos considerados impuros", aponta Ivan de
Godoy Maia, do Instituto de Biociências da Unesp em Botucatu.

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Vincent Freeman (Ethan Hawke) no distópico 'Gattaca'

A Guerra do Fogo (1981)

Outro assunto bastante explorado por roteiros do gênero são os primórdios da espécie humana -
como, afinal, chegamos onde chegamos? Que tipo de avanço fez com que, em poucos milhares
de anos, nos transformássemos de caçadores-coletores nômades em uma espécie inteligente
capaz de explorar o cosmos? Quando a questão é encarada dessa forma, dá para entender por
que ela fascina tanta gente. O filme se passa justamente neste período longínquo, e conta a
história de dois grupos de hominídeos - um deles havia começado a dominar uma linguagem
primitiva, enquanto o outro ainda vivia de forma mais rudimentar. Tendo o fogo como elemento
central, a narrativa utiliza muita linguagem corporal para reconstruir os intercâmbios entre as duas
comunidades. "O grupo que já pode se comunicar domina a produção do fogo e começa a ter
contato com outras tribos, abrindo a perspectiva para a evolução da espécie humana", diz João
Eduardo Hidalgo, doutor em cinema e professor da Unesp de Bauru.

'Guerra do Fogo' retorna aos primórdios da humanidade

Jogos de Guerra (1983)

Durante a Guerra Fria, vários filmes retrataram de alguma forma a tensão entre Estados Unidos e
União Soviética. Muitos deles simulavam o que aconteceria caso as duas superpotências
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resolvessem se atacar. Jogos de Guerra segue uma linha um pouco mais original para abordar o
assunto - o longa traz à tona a possibilidade de a terceira guerra mundial ser provocada de forma
“acidental”, sem que nenhuma ameaça verdadeira de fato existisse. Na história, o hacker
adolescente David Lightman invade o que ele pensa ser um jogo de guerra, sem saber que estava
brincando em um sistema militar de verdade, usado pelo exército dos EUA. Ele simplesmente
escolhe jogar pelo lado da URSS e dá ordens de ataque a grandes cidades americanas,
provocando a resposta das autoridades. "Conta de forma romântica a possibilidade de um ataque
hacker que poderia causar uma guerra nuclear. Tem vários aspectos tirados de casos verdadeiros
dos anos 1980", observa Adriano Cansian, professor da Unesp em São José do Rio Preto.

O hacker David Lightman (Matthew Broderick) e sua colega Jennifer Mack (Ally Sheedy) em 'WarGames'

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembrança (2004)

Grande sucesso de crítica e de público no início dos anos 2000, o filme apresenta alguns
aspectos de ficção científica, fortemente influenciados por uma abordagem psicológica. A
narrativa não é linear e explora de um jeito profundo o papel de elementos como a memória e o
passado na vida das pessoas. A relação entre Joel Barish (Jim Carrey) e Clementine Kruczynski
(Kate Winslet) é o foco da história: depois de se separarem, ambos contratam os serviços de uma
empresa para se submeterem a um questionável procedimento de apagamento de lembranças.
Querem se esquecer completamente um do outro. Mas aos poucos, a trama toda fica mais
complexa. "Eis um um belo retrato das relações humanas, sem idealizações. A ciência, aqui, entra
como personagem na construção possível de um relacionamento com determinadas marcas
apagadas para a solidificação de tal visão amorosa nua e crua", explica Cristiane Guzzi, pós-
doutoranda da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.

Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com/Cultura/Cinema/noticia/2015/08/6-filmes-classicos-de-ciencia-e-ficcao-cientifica-


indicados-por-professores-da-unesp.html> Acesso em: 04 mai 2017. Adaptado.

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Considerações Finais

Se, por um lado, a ciência representa cada vez mais uma grande esperança e algumas certezas à
humanidade em busca de soluções e curas, ela também, paradoxalmente, sempre representou
uma forte ameaça à existência dela própria. Quem sabe, atualmente, tenhamos que nos fazer
muito mais perguntas além daquelas cujo saber científico nos impele, ou seja, pensar a ciência de
maneira eticamente correta... Nesse sentido, esperamos que ao final desta leitura você tenha se
questionado muito mais do que acreditado... Que você tenha se identificado com partes deste
material, sentindo-se incomodado e desafiado a enveredar pelos caminhos da ciência a favor da
vida, do outro, do coletivo, do amanhã e do eticamente correto... Que sua visão acerca do que
tratamos aqui já não seja mais a mesma... Que suas reflexões tenham ampliado percepções e
pontos de vista... Que o conhecimento advindo desta leitura tenha contribuído para ampliar ideias,
aperfeiçoar habilidades e, principalmente, que você avalie a sua relação com esse universo de
possibilidades... Por fim, que nesse processo de autoavaliação você possa descobrir-se livre e
potencialmente capaz de usar com cuidado e sabedoria o mundo científico à sua disposição e,
quem sabe, realizar você mesmo, com altruísmo e ética, descobertas ou criações que farão a
diferença na sua geração, deixando para as próximas um legado e tanto!

Tenha um presente e futuro promissores!

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