Você está na página 1de 5

Tudo o que faco ou medito Não sei ser triste a valer

Tudo que faço ou medito Não sei ser triste a valer


Fica sempre na metade. Nem ser alegre deveras.
Querendo, quero o infinito. Acreditem: não sei ser.
Fazendo, nada é verdade. Serão as almas sinceras
Assim também, sem saber?
Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço! Ah, ante a ficção da alma
Minha alma é lúcida e rica, E a mentira da emoção,
E eu sou um mar de sargaço Com que prazer me dá calma
Ver uma flor sem razão
Um mar onde bóiam lentos Florir sem ter coração!
Fragmentos de um mar de além...
Vontades ou pensamentos? Mas enfim não há diferença.
Não o sei e sei-o bem. Se a flor flore sem querer,
Sem querer a gente pensa.
O que nela é florescer
Ó sino da minha aldeia Em nós é ter consciência.

Ó sino da minha aldeia, Depois, a nós como a ela,


Dolente na tarde calma, Quando o Fado a faz passar,
Cada tua badalada Surgem as patas dos deuses
Soa dentro da minha alma. E a ambos nos vêm calcar.
 
E é tão lento o teu soar, Está bem, enquanto não vêm
Tão como triste da vida, Vamos florir ou pensar.
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
 
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
 
A cada pancada tua
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
LIBERDADE ABDICAÇÃO

                (Falta uma citação de Séneca) Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
Ai que prazer E chama-me teu filho.
Não cumprir um dever,         Eu sou um rei
Ter um livro para ler Que voluntariamente abandonei
E não o fazer! O meu trono de sonhos e cansaços.
Ler é maçada,
Estudar é nada. Minha espada, pesada a braços lassos,
O sol doira Em mãos viris e calmas entreguei;
Sem literatura. E meu ceptro e coroa, — eu os deixei
O rio corre, bem ou mal, Na antecâmara, feitos em pedaços.
Sem edição original.
E a brisa, essa, Minha cota de malha, tão inútil
De tão naturalmente matinal, Minhas esporas, de um tinir tão fútil,
Como tem tempo não tem pressa... Deixei-as pela fria escadaria.

Livros são papéis pintados com tinta. Despi a realeza, corpo e alma,
Estudar é uma coisa em que está indistinta E regressei à noite antiga e calma
A distinção entre nada e coisa nenhuma. Como a paisagem ao morrer do dia.

Quanto é melhor, quanto há bruma,


Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não! Sol nulo dos dias vãos

Grande é a poesia, a bondade e as danças... Sol nulo dos dias vãos,


Mas o melhor do mundo são as crianças, Cheios de lida e de calma,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca Aquece ao menos as mãos
Só quando, em vez de criar, seca. A quem não entras na alma!

O mais do que isto Que ao menos a mão, roçando


É Jesus Cristo, A mão que por ela passe
Que não sabia nada de finanças Com externo calor brando
Nem consta que tivesse biblioteca... O frio da alma disfarce!

Senhor, já que a dor é nossa


E a fraqueza que ela tem,
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguém!
Viajar! Perder países! O MENINO DA SUA MÃE

Viajar! Perder países! O menino da sua mãe


Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes No plaino abandonado
De viver de ver somente! Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
Não pertencer nem a mim! — Duas, de lado a lado —,
Ir em frente, ir a seguir Jaz morto, e arrefece.
A ausência de ter um fim,
E da ânsia de o conseguir! Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Viajar assim é viagem. Alvo, louro, exangue,
Mas faço-o sem ter de meu Fita com olhar langue
Mais que o sonho da passagem. E cego os céus perdidos.
O resto é só terra e céu.

Tão jovem! que jovem era!


(Agora que idade tem?)
Entre o sono e sonho Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
Entre o sono e o sonho, «O menino da sua mãe».
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho, Caiu-lhe da algibeira
Corre um rio sem fim. A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
Passou por outras margens, E boa a cigarreira.
Diversas mais além, Ele é que já não serve.
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem. De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
Chegou onde hoje habito A brancura embainhada
A casa que hoje sou. De um lenço... Deu-lho a criada
Passa, se eu me medito; Velha que o trouxe ao colo.
Se desperto, passou.

Lá longe, em casa, há a prece:


E quem me sinto e morre «Que volte cedo, e bem!»
No que me liga a mim (Malhas que o Império tece!)
Dorme onde o rio corre — Jaz morto, e apodrece,
Esse rio sem fim. O menino da sua mãe.
EROS E PSIQUE

... E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas
no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de
Não sei, ama, onde era
Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.

Não sei, ama, onde era,


Do ritual do grau de Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal
Nunca o saberei...
Sei que era Primavera
Conta a lenda que dormia
E o jardim do rei...
Uma Princesa encantada
(Filha, quem o soubera!...).
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
Que azul tão azul tinha
De além do muro da estrada
Ali o azul do céu!
Se eu não era a rainha,
Ele tinha que, tentado,
Porque era tudo meu?
Vencer o mal e o bem,
(Filha, quem o adivinha?).
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
E o jardim tinha flores
Por o que à Princesa vem.
De que não me sei lembrar...
Flores de tantas cores...
A Princesa Adormecida,
Penso e fico a chorar...
Se espera, dormindo espera.
(Filha, os sonhos são dores...).
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Qualquer dia viria
Verde, uma grinalda de hera.
Qualquer coisa a fazer
Toda aquela alegria
Longe o Infante, esforçado,
Mais alegria nascer
Sem saber que intuito tem,
(Filha, o resto é morrer...).
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Conta-me contos, ama...
Ela para ele é ninguém.
Todos os contos são
Esse dia, e jardim e a dama
Mas cada um cumpre o Destino —
Que eu fui nessa solidão...
Ela dormindo encantada,
Quando era criança
Ele buscando-a sem tino
Quando era criança
Pelo processo divino
Vivi, sem saber,
Que faz existir a estrada.
Só para hoje ter
Aquela lembrança.
……………………………………………………………..
E, se bem que seja obscuro
E hoje que sinto Tudo pela estrada fora,
Aquilo que fui. E falso, ele vem seguro,
Minha vida flui, E, vencendo estrada e muro,
Feita do que minto. Chega onde em sono ela mora.
………………………………………………………………………….

Mas nesta prisão,


E, inda tonto do que houvera,
Livro único, leio
À cabeça, em maresia,
O sorriso alheio
Ergue a mão, e encontra hera,
De quem fui então. E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia

Você também pode gostar