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Poesias para crianças de Fernando Ele tinha que, tentado,

Pessoa Vencer o mal e o bem,


Antes que, já libertado,
Havia um menino Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
Havia um menino
que tinha um chapéu
A Princesa adormecida,
para pôr na cabeça
Se espera, dormindo espera.
por causa do sol.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Em vez de um gatinho
Verde, uma grinalda de hera.
tinha um caracol.
Tinha o caracol
Longe o Infante, esforçado,
dentro de um chapéu;
Sem saber que intuito tem,
fazia-lhe cócegas
Rompe o caminho fadado.
no alto da cabeça.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Por isso ele andava
depressa, depressa
Mas cada um cumpre o Destino –
p’ra ver se chegava
Ela dormindo encantada,
a casa e tirava
Ele buscando-a sem tino
o tal caracol
Pelo processo divino
do chapéu, saindo
Que faz existir a estrada.
de lá e caindo
o tal caracol.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
Mas era, afinal,
E falso, ele vem seguro,
impossível tal,
E, vencendo estrada e muro,
nem fazia mal
Chega onde em sono ela mora.
nem vê-lo, nem tê-lo:
porque o caracol
era do cabelo. E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
Eros e Psique
E vê que ele mesmo era
Conta a lenda que dormia A Princesa que dormia.
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
Do além do muro da estrada.
Dorme, criança, dorme
Dorme que eu velarei; E, como as mãos já não estão frias,
A vida é vaga e informe, Tampa nas pias!
O que não há é rei.
Dorme, criança, dorme, A Criança que Pensa em Fadas
Que também dormirei.
A CRIANÇA que pensa em fadas e
Bem sei que há grandes sombras acredita nas fadas
Sobre áleas de esquecer, Age como um deus doente, mas como
Que há passos sobre alfombras um deus.
De quem não quer viver; Porque embora afirme que existe o
Mas deixa tudo às sombras, que não existe
Vive de não querer. Sabe como é que as cousas existem,
que é existindo,
Poema Pial Sabe que existir existe e não se
explica,
Toda a gente que tem as mãos frias Sabe que não há razão nenhuma para
Deve metê-las dentro das pias. nada existir,
Pia número UM Sabe que ser é estar em algum ponto
Para quem mexe as orelhas em jejum. Só não sabe que o pensamento não é
Pia número DOIS, um ponto qualquer.
Para quem bebe bifes de bois.
Pia número TRÊS, Alberto Caeiro, in “Poemas
Para quem espirra só meia vez. Inconjuntos”
Pia número QUATRO, Heterónimo de Fernando Pessoa
Para quem manda as ventas ao teatro.
Pia número CINCO, Criança Desconhecida
Para quem come a chave do trinco.
Criança desconhecida e suja
Pia número SEIS,
brincando à minha porta,
Para quem se penteia com bolos-reis
Não te pergunto se me trazes um
Pia número SETE,
recado dos símbolos.
Para quem canta até que o telhado se
Acho-te graça por nunca te ter visto
derrete.
antes,
Pia número OITO,
E naturalmente se pudesses estar
Para quem parte nozes quando é
limpa eras outra criança,
afoito.
Nem aqui vinhas.
Pia número NOVE,
Brinca na poeira, brinca!
Para quem se parece com uma couve.
Aprecio a tua presença só com os
Pia número DEZ,
olhos.
Para quem cola selos nas unhas dos
Vale mais a pena ver uma cousa
pés.
sempre pela primeira vez que
conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter Liberdade
visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é Ai que prazer
só ter ouvido contar. Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
O modo como esta criança está suja é E não fazer!
diferente do modo como as outras Ler é maçada.
estão sujas. Estudar é nada.
Brinca! pegando numa pedra que te Sol doira
cabe na mão, Sem literatura.
Sabes que te cabe na mão.
Qual é a filosofia que chega a uma O rio corre, bem ou mal,
certeza maior? Sem edição original.
Nenhuma, e nenhuma pode vir E a brisa, essa,
brincar nunca à minha porta. De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa…
Alberto Caeiro, in “Poemas
Inconjuntos” Livros são papéis pintados com tinta.
Heterónimo de Fernando Pessoa Estudar é uma coisa em que está
indistinta
Poema A distinção entre nada e coisa
nenhuma.
Ó sino de minha aldeia,
Dolente na tarde calma, Quanto é melhor, quanto há bruma,
Cada tua badalada Esperar por D. Sebastião,
Soa dentro de minha alma. Quer venha ou não!

E é tão lento o teu soar, Grande é a poesia, a bondade e as


Tão como triste da vida, danças…
Que já a primeira pancada Mas o melhor do mundo são as
Tem o som de repetida. crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que
Por mais que tanjas perto, peca
Quando passo sempre errante, Só quando, em vez de criar, seca.
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante. O mais do que isto
É Jesus Cristo,
A cada pancada tua, Que não sabia nada de finanças
Vibrante no céu aberto, Nem consta que tivesse biblioteca…
Sinto mais longe o passado,
Sinto saudade de perto.

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