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PAULO NUNES BAPTISTA

ZÉ BICO DOCE
o R E 1 DA MALANDRAGEM
Registrado na Associação Nacional de Violeiros e Trovadores

© Copyright 1960 - Editõro Prelúdio limitado


São Paulo - Brasil
Re,;ervod...-. à Editõro todos os direitos de propriedada
literária e artístico
Registrado na Biblioteca Nacional sob o N. 0 12.468 ..
*

EDtlORA

RUA IPANEMA, 772 • FONE 9-137•


s;.o PAULO
z É B I C O D O C E
O REI DA MALANDRAGEM

*
Leitores, eu YOU coutar
A vida de Bico Doce
O sujeito mais sabido
Que neste mundo encontrou-se:
O proprio Caucão de Fogo
1
( 0m êle nm clin emlwn1hou-�e.

Zé Bico Doce rn-tsceu


Dia primriro <le aLril
�\..ntes do trmpo esperado
Para o mundo êle existiu ;
� ....asceu audauclo e falando
--ioi::;a (lllê JlllllCa S<' nn.

O pai de Zé Bico Doce


Era um ladrão de primeira,
Profü;sional do baralho
E batedor de carteira,
Passar '' contos do vigário''
Poi sempre a sua carreira.

}1 mãe de Z-é Bico Doce


Era a maior linguaruda:
Palava _da vida alheia
Que era" um Deus nos acuda",
Vivia à custa dos outros
Pecliudo, sempre, "uma ajuda" ...

..
PAULO NUNES BAPTISTA ZÉ B I C O D O C E

Já diz aquele ditado : Passava os dias atôa


"Filho de peixe é peixinho". Ou no jogo de baralho.
Zé Bico Doce saiu Dizia: - "Não fui criado
Aos pais em tudo igualzinho Para viver de trabalho ...
E, seguindo seus exemplos, E enquanto houver gente tola
Foi pelo mesmo caminho. No mundo eu não me atrapalho".
Na infância de Bico Doce Um dia fugiu de casa
Falarei só de passagem: E lá nunca mais voltou.
E certo é que êle criou-se Os quatro cantos do mundo
No meio da malandragem Bateu, mP.xeu, revirou.
Não achou nunca um menino At_é o proprio diabo
Que lhe levasse vantagem. Zé Bico Doce enganou.
Quem foi ao Rio conhece Tirou carta de malandro,
O tal Morro de Mangueira: Diploma de vagabundo.
Foi ali que o Bico Doce Sentia pelo trabalho
Passou sua infância inteira O desprezo mais profundo.
Cantando samba e brigando, Foi o maior vigarista
Treinando a passar rasteira. Que já viveu neste mundo.
Aos seis anos já sabia Nunca pegou no pesado
Manejar uma nayalha; Nem teve nunca patrão:
Já fumava e já bebia; Passar a perua nos trouxas
Ti11ha ganho uma medalha Era a sua profissão
Num ''Concurso de :Mentiras'' 'l'inha uma sorte danada
Era um perfeito canalha. Nunca conheceu prisão.
Os segredos do baralho Era muito respeitado
Seu proprio pai lhe ensinou, Pelos malandros do Rio
Mas dentro de pouco tempo O bôlso de Bico Doce
No pai a perna passou Nunca se encontrou vasio.
Daí pra diante, niuguem, Tinha uma bôa aparencia
Nunca, um jôgo lhe ganhou. Andava sempre "no fio".
Com stla conversa mole Dinheiro e mulher bonita
Já sabia conquistar ... Sempre teve com fartura
Toda garôta qtle via Era um mulato escolado,
Já queria namorar Gostava da côr escura.
A todas pedia beijos E não passava êsse dia
E prometia casar ... Sem fazer uma aventura.
PAULO 'UNES BAPTISTA ZÉ n i c o O O C E

A ler, contar e escrever ''E' preciso sempre usar


Por si mesmo êle aprendeu. Muita cabeça e carinho,
Do grande livro do mu11do Porque há mulheres que são
Todas as páginas leu Pedaços de mau caminho
E com letras de aventuras Quanto mais o homem dá flôres
A sua história escreveu. Elas só nos dão espinho ... ''
Com relações a mulheres Certas mulheres só vão
Zé Bico Doce era "o tal", Com muito cuidado e jeito :
... ão engeitava parada i\luitas delas quando gostam
E nem se ,saía mal, Dizem logo - '' Não aceito! .
Causava ruais sensacão Quem fizer o que elas dizem
Do que o proprio "Ámaral". Acaba louco perfeito ..."
Teve mais de mil mulheres '' Infelizmente há mulheres
Foi pior que Barba Azul, Que são duras de roer ...
Comprou um "harém" de esrra-v as A gente estuda cem anos
Xa. cidade de Estambul, E nunca chega a entender ...
Fez moça tomar veneno Com essas não aconselho
1

Desde o Norte até o Sul. ringuem seu tempo perder."


Como já diz o seu nolllc '' A mulher só vence o homem
O moleque era bicudo, Por meio da traição.
il Tinha uma fala bem ma11;.a. Conforme se lê na Bíblia
,, 1\Iacia que só ,eludo, Mãe Eva enganou Adão
Com êle a mulher soltaYa Tentando êle a comer
Coração, dinheiro e tudo! O fruto da perdição ...''
"Mulher é como sapato" '' Dalila traiu Sansão
Costumava êle dizer: E continua hoje em dia
' 'Só presta bonito e novo A mesma história de sempre
E mole, pra não doer ... Com Chica, Antonia ou Sofia,
Tem que usar bastante graxa Mas, em falas de mulher
Pro couro velho render ...'' Só um bobo é quem se fia... "
'' 1\fas, desgraçado do homem Zé Bico Doce dizia
Que fizer o que ela quer Que nw1ca se apaixonou
Se não for duro já sabe E muita dona bacana
o
Que perde logo mistér ... De queixo mole deixou ...
Precisa muita ciência Pois da �na bicaria
Para lidar com mulher!" �ingnem nunca se livrou.
ZÉ B IC O D O C E
PAULO NUNES BAPTISTA

A môça desconfiou,
Zé Bico Doce uma vez Quiz a aliança tirar,
Passando pelo sertão, Porem ficou tão vexada
No Estado de Goiaz, Que nem podia falar,
Na cidade de Matão Bico Doce aproveitou
Roubou uma linda môça, Logo pra se declarar ...
Fez enorme confusão.
Disse: - "Eu ia viajar
Era num dia de festa A procura da esperança
Quando êle em Matão chegou : Agora vejo que achei
Pôs uma banca de jôgo A rainha da bonança
Depois que o impôsto pagou, E o Destino já botou
E o dinheiro da cidade Entre nós, uma aliança ... "
Em poucas horas tomou ...
A môça ficou mais mansa.
Depois que a turma ''alisou'' E a conversa prosseguiu.
Bico Doce disse assim: Zé pôs sua bicaria
''Já que não tem mais dinheiro E o tal "brotinho" caiu:
A festa acabou pra mim ... Antes de findar a noite
Você:; vão me desculpando Com êle a môça fugiu.
Não ficar até o fim ... ''
A moça não era boba
Com o bôlso cheio da nota Embora sendo da roça,
Êle ia se retirar Só falava em casamento
Quando um grupo de donzelas E o Zé levando na troça
Perto dele viu passar Mas de repente êle viu
E deu-lhe logo vontade A coisa ficando grossa ...
De uma delas conquistar.
Para poder começar E' que a tal moça fujona
Um assunto de namôro Que se chamava Maria
Êle fez que tropeçava, Descobrindo ainda a tempo
Somente por desafôro, Que o Zé casar não queria,
E pôs no dedo da moça Resolveu voltar pra casa,
Uma aliança de ouro. Dizer que se arrependia.
Desta vez Zé Bico Doce
A coisa foi tão ligeira Ficou bastante encrencado,
Que somente ela notou, O pai de Maria era
O Zé lhe pediu desculpa Um valentão afamado,
Na hora que tropeçou ... Já tinha perdido a conta
Mas, a aliança no dedo Dos que êle tinha matado.
Da dita môça ficou ...
10 PAULO NUNES BAPTJS'l'A 1� J: I <: O D O C E 11

Quando descobriu a fuga Entre outras muitas façanhas


Da filha com o Bico Doce Que o Zé Bico Doce fez
Foi dizendo a todo mundo: Tem uma ele um tal noivado
''lloje o diabo soltou-se ... Que eu vou contar a vocês:
Se eu não encontro êsses dois Êle tratou casamento
Pra mim o mundo acabou-se ...'' Com três moças ele uma vez ...
Saiu feito um condenado Levou na conversa as trê!:.
Pelas ruas de Thfatão Com sua panca exquisita.
Buscando a filha fujona Uma se chamava Rosa,
E o Bico Doce ladrão Outra se chamava Rita
Descobriu o rumo deles E a outra era uma escnrinha
E seguiu na direção. Por nome de Benedita.
Alugou um caminhão Dessas três a mais bonita
E saiu estrada p 4'ora. Era Rosa, uma lonrinba.
D�.sse: - '' Toca para Anápolis, Era formada em fogão,
Nao podemos ter demora ... Professora de cozinha,
Fé em Deus e pé na táboa Trabalhava no Leblom
Que está passando da hora ...'' E só anelava na lin11a.
Leitor, vejamos agora Foi coroada '' Rainha ' '
O que é que acontecia Num baile de gafieira.
Lá na Estação de Anápolis Bico Doce estava lá
Ka hora que o trem partia: No meio da brincadeira
Bico Dôce procurava Despertou na tal lourinha
Inda convencer Maria. Uma paixão verdadeira.
Quando o trem já se movia Por uma semana inteira
O pai da moça chegou : O Zé c011quistou a Rosa:
Zé, sem perda de um minuto Ela foi nas águas dele
O último carro pegou 'J'oda faceira e pancosa
O Yelho inda deu dois tiros Xoivaram e trataram o dia
Mas Bico Doce escapou ... Para fazer a entrosa.
A moça foi quem levou O Zé com a sua prosa
l"ma surra de primeira Dei.-.;;on Rosa caidinha
E nunca mais quiz saber Quando ela estava :a:egura
Dessa triste brincadeira ... Dando fita " chinelo linha.
E o Bico Doce dizia : Bico Doce começou
"Não von bem, desta maneira . " yamorando com Ritiuha.
ZÉ B IC O D O C E 13
12 PAULO NUNES BAPTISTA

A Ritinha era morena, Já fazia um mês e tanto


Trabalhava de enfermeira, Que êle a coisa controlava:
Ganhava um bom ordenado Um dia. encontrava a Rosa,
Num hospital de primeira, No outro com Rita estava
Trajava na última moda E às sextas, no candomblé
E era namoradeira. Por Benedita esperava.
Pela seguinte maneira Com todas as três falava:
"O meu desejo é casar
Bico Doce procedeu :
Daqui para o fim do ano,
Fingiu que cortava um dêdo
Tão posso mais esperar ... ''
E para o hospital correu
Rosa, Rita e Benedita
Procurando uma enfermeira
Começaram a se aprontar.
Foi Rita quem lhe atendeu.
Zé Bico Doce meteu A Rosa tinha um irmão
A bicaria sem pena Dono de alfaiataria,
De tarde saiu de bonde Apresentou Bico Doce
Conversando a tal morena, Com toda diplomacia
Pediu Rita em casamento, Trataram logo do terno
Comprometeu a pequena. Que era para o grande dia.
Rita tinha economia
Pouco depois desta cena,
De uns quarenta mil cruzeiros,
Controlando Rosa e Rita,
Foi logo com Bico Doce
Zé Bico Doce firmou
Nos melhores costureiros ...
Namôro com Benedita,
Zé andava numa pinta
Esta era uma mulata
Que invejava aos companheiros.
Muito "bôa" e bem bonita.
A mulata era perita Benedita apresentou
Em pontos de candomblé: Bico Doce ao povo dela,
Dan�ava numa macumba, Tinha um tio que era rico
No feitiço tinha fé E estimava a donzela
Ficou gostando do tipo Prometeu dar tudo aos noivos
E da conversa do Zé. Da roupa ao véu e à capela.
Bico Doce tomou pé Bico Doce arranjou tudo
E bancou o "Pai de Santo" Quanto tinha precisão:
Deu uns passes na mulata Comprou um apartamento
Para tirar o quebranto Com entrada e prestação,
Dizend-0 com seus botões : O tio de Benedita
''O amor dessa eu garanto ... '' Foi fiador na questão.
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Cavou logo com o irmão


Da Rosa, uma gaita bôa ...
E foi controlando a coisa
Ligeiro como quem vôa,
Trabalhando com a cabeça,
�ão perdia tempo à tôa.
_,,--
Estava chegando o dia
De fazer o casamento :
Rosa, Rita e Benedita,
Todas três num só momento
Esperavam o fim do n110
Pra realizar seu intrr,to ...
Conforme seu pensamento
Bico Doce planejou:
Com as três, para um só dia
O casamento marcou ...
Findava o mês de Dezembro
Dia trinta e um chegou!
Conforme êle combinou
Deveria se encontrar
Com cada uma das noirns
Na igreja, aos pés do altar ...
Na hora determinada
Todas três foram esperar ...
Leitor, pode imaginar
Como foi interessante
Quando as três noivas chegaram,
Cada qual mais elegante,
Seguidas de seus padrinhos
A espera de seu amante ...
Começa a passar da hora
E o Zé nada de chegar ...
As três noivas, já ner'Vosas,
Começaram a conversar :
A Rosa, que era ele briga,
Prgon a desconfiar ...
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A Rita pôs-se a chorar, Depois que fez esta fita


Benedita se amuou! Bico Doce se ausentou
'' Quéde o noivo que não vem?'' E alguns anos viajando
O tio lhe perguntou. Por toda parte ficou.
Ela disse: - "Minha gente! Um dia teve saudades
Que fim o Zézin tomou Y •..'' E à sua terra voltou . . .
Nisto a Rosa perguntou: Mas desde então procurou
'' Seu noivo chama Zezinl10? '' Andar sempre disfarçado.
Benedita respondeu : Depois do caso das noivas
''E' o nome do meu noivinho ''. Andava desconfiado
.A Rita disse: - '' Parece E nunca dormiu no ponto.
Que eu já descobri tudinho ...'' Sempre agia com cuidado .
Tinha um retrado do Zé Certa vez Zé Bico Douc
Que ela guardava no seio, Levava a pior num jôgo,
Perguntou a Benedita: Com um preto desconhecido
'' Será seu noivo êste feio?'' Que tinha os olhos de fôgo,
Disse ela: - ''E' êste mesmo ! Que não era deste mundo
Mas, por que foi que não veio 1" Zé Bico Doce viu logo.
Saiu até tiroteio O negro estava ganhando,
:N"a hora da confusão : Xão perdia uma partida ...
Rita se atracou com Rosa, Zé Bico Doce exclamou:
Rolaram as duas no chão, '' Minha fama está perdida !
O padre correu dizendo : J\Ias, o diabo deste preto
"Mas, meu Deus, que batulhão ! ..." Daqui não me sai com vida . "
Nesta mesma ocasião Era a última jogada,
Z-é Bico Doce embarcava Bico Doce estremeceu ...
Num avião bem veloz Todo o dinheiro que tinha
Que para Cuba voava, Para o tal negro perdeu
Bôas roupas e dinheiro Mas teve uma grande idéia
Em duas malas levava ... E assim êle procedeu:
Fez ainda três bilhetes Gritou pro negro: - '' Colega !
Um para Rosa, outro pra Rita, Você é mesmo de fato?"
E finalmente o terceiro O negro se levantou
Mandou para Benedita Tinha os pés como os de um pato
Dizendo : '' Com véu de noiva Bico Doce então lhe disse :
Você deve estar bonita ! ...'' ''És o cão, mas eu te mato!... ''
zé R I C O D O C E 1!)
iB PAULO NU!\ES BAl>TISTA

'' Se você quizer me dar


O negro, que era o Diabo, O que der meu pêso, em ouro,
Dando uma grande risada Eu assino o seu contrato
�espond u pro Bico Doce :
, � Por menos é desaforo!
Que e isso meu camarada ?
Sei que isso não Yale nada
Tão tenha mêdo de mim
ro seu imenso tesouro ...''
Que eu não vou lhe fazer nada ...''
Disse o Diabo: :-- '' Seu Z�,
··Não lhe preciso dizer, Não gosto de brincadeira!
Você sabe quem eu sou ... Veja bem que hoje é meu dia
Mas quero ser seu amigo E' noite de sexta-feira ...
E porisso aqui estou: E hoje eu ganho a sua alma
:\íil vezes o seu dinheiro De uma ou de outra manrira. ''
'
f:le você quer, eu lhe dou ...''
Bico Doce L'ntão lhe db e:
e.. Você perdeu vinte coutos
"Yamos fazer uma aposta.
Vinte mil lhe posso dar J
(Se não fôsse por você
E o que se passa entre nós
Xão faria essa proposta ...)
Prometo a uinguem contar ...
l\Iore bem no meu assunto
Trago aqui um compromisso
·Depois me dê a re!;posta. ''
Para Yocê assinar!"
' 'A proposta é a seguinte :
"Quando der a meia-noite Vamos jogar novamente.
Nós vamos ao cemitério Eu quero um jôgo sem roubo,
N'inguem mais pode saber Jôgo de gente decente ...
Deste segrêdo o mistério : Se ganhar, eu levo os vinte
Vº:ê assina com sangue, Contos que perdi, somente ... ''
Po1S o contrato é bem sério ... ''
'' Se eu perder, minha alma é sua!
'' O contrato diz assim: Faça dela o que quizer ...
Declaro que .recebi Pode assá-la na fogueira
Vinte mil contos de réis Como melhor lhe aprouvér ...
Por minha alma, que vendi :\1'ão acha bôa a proposta 7
'
Ao Diabo, nesta data. )fe diga, seu Lucifér ! ''
Di. so não me arrependi.''
' 'Mas tem inda uma coisa :
Bico Doce respondeu: Eu jogo é com o seu baralho.
"Escuta, amigo, tem dó! Pra não dizer que eu roubei!
Acha que vendo a minha alma Não quero lhe dar trabalho ...·
Por vinte mil contos, só? ! Eu jogo de olhos fechados
Vê que a minha alma é granfina E sei que não me atrapalho ... "
Vale mais que ouro em pó ... ''
20 PAULO NUNES B.\PTISTA ZÉ B IC O D O C E 21

Disse o Diabo: - '' Está feito! Bico Doce em pouco tempo


Aperte aqui minha mão ... Meteu o pau no dinheiro,
Sei que voeê vai perder Fazendo as maiores farras,
l\Ias não quero discussão. Passeando no estrangeiro:
Se eu perder, em Yez dos vinte Fez coisas do arco-da-velha,
,., Contos, lhe pago um milhão ..." Correu quase o mundo inteiro.
Zé Bico Doce sabia Seguiu logo para a Europa:
Que o baralho era marcado. Foi ver a França e París !
Sendo a sim, de todo jeito París das mulheres belas,
O diabo estava atolado ... Das francesinhas gentís,
Botaram as cartas na nH'sa, Dos cabarés afamados
Cada um sentou de um lado. Aquele grande país!
Já na primeira saída De París seguiu pra Londres,
Zé Bico Doce ganhou ... Foi ver de perto as inglesas.
Disse o diabo: - '' Ladrão ! Foi à Itália e viu Roma.
Desta vez você roubou ... Visitou as holandesas,
A próxima vez é minha Namorou as espanholas,
Que a sua sorte acabou.'' Não gostou das portuguesas.
Na segunda, novamente, Da Europa foi à Ásia,
Quem perdPu foi satanaz, Visitou China e Japão;
Que, irritado, reclamava: A índia, a Síria, a Turquia,
'' Eu não me equilibro ruais . A Sib-éria e o Indostão.
l\1eu baralho está marcado, T�mbem esteve na Africa
Êle é sabido de mais ...'' Viu o Saára e o sultão.
Mas já tinha feito o trato, De volta dessa viagem
Xão podia recuar. Veio sair na Argentina.
Zé Bico Doce ganhou, Já estava quase sem grana
O cão teve que pagar Mas não maldizia a sina:
O dinheiro prometido Arranjou uma viuva
:N'ão tinha outro jeito a dar! Cheia da gaita e granfina !
Foi a!l im que o Bico Doce Da Argentina, Bico Doce
Enganou o próprio cão. Volta ao Rio de Janeiro.
Saiu muito satisfeito Separou-se da viuva
Carregando o seu milhão, Quando acabou-se o dinheiro.
O preto deu um estouro, Disse: - "Prá viver quebrado
Desaparecendo, então. Prefiro mais ser solteiro'' ...
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22 PAULO �VNES BAPTISTA ZÊ B IC O D O C E

Um dia Zé Bico Doce '·Tenho aqui vinte cruzeiros


Cancão de Fôgo encontrou. Entre nós vou repartir ...
Que era um sujeito sabido Vamos já matar o bicho
Sem demora êle notou. Naquele boteco ali ...
· ' Como vai você, velhinho q ! '' Porem, me �ig � o seu.nome
Zé Bico Doce o saudou. E onde voce vai dormir! ...,,
Cancão de Fôg9 lhe disse : "Me chame Cancão de Fôgo,
''Estou muito mal de vida ! Sou o seu menor criado.
Imagine que, outro dia, Ando à toa pelo mundo,
l\'Iinha mulher foi vendida Pois sou meio avariado ...
Por mim, na feira, a um sujl'ito Costumo dormir nas praças
Pra defender a comida. '' Não tenho quarto marcado.''
'' Xão tenho ninguem no mundo : 1' Entre nós tudo está certo
,
Xem irmão, nem mãe, nem pai. Portanto, não tem perigo ...
Minha casa é minha roupa Yoe:ê é bastante esperto,
Para onde eu vou ela vai. :.\Ias uma coisa eu lhe digo :
Tudo que é meu vou levando Xão queira me tapear
Qualquer prazer me distrai ...'' Porque se estrepa comigo ...
"Gostei muito do seu tipo: "Nem precisa pensar ni so ! ... "
Você parece direito ... Cancão de Fôgo atalhou
Deve ter bom coração, "Já lhe conheço de nome,
Sei que não é mau sujeito! Sou seu admirador ...
Acho que eu hoje encontrei Quanuo precisar de mim
Um amigalhão do peito! ... " As suas ordens estou.''
"Eu estou na pindaíba, Depois que ficaram juntos
Hã dias não como nada... Zé Bico Doce e Cancão
:M:e empresta aí cem cruzeiros ... Todo dia havia roubo
Não vai me fazer ursada l Não se encontrava o ladrão :
Como é mesmo a sua gra<;a? em agia com a cabeça,
Me diga, meu camarada !... '' O o�tro,· empregava a mão ...
"Eu me chamo Bico Doer, A policia andava doida
Apelidado Zezinho. Com os furtos misteriosos.
Fui muito com sua cara, , ó se via nos jornais :
Quero ser seu amiguinl10. '' Os ladrões são perigosos ! ''
Gostei da sua conversa '· Quem tiver dinheiro, esconda ! ''
E tambem do seu jeitinho.'' "Cuidado com os criminosos!"
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24 PAULO NUNES RAPTISTA ZÉ B IC O D OC E

Certa vez, chegou ao Rio,


De Minas, um fazendeiro
Que fôra dar um passeio
Levando muito dinheiro:
Queria gosar a vida
Pelo Rio de Janeiro..•
Quando o trem chegou no Rio
Que êle saltou na Estação
Não poude escapar das garras
De Bico Doce e Cancão
Tomaram até sua roupa
E seu último tostão...
O caso passou-se assim:
Zé Bico Doce arranjou
Um automovel de praça
E para a Estação levou,
Uma carta de chofér
Cancão de Fôgo roubou.
Logo assim que o fazendeiro
Saltou na Estação Central
Bico Doce ofereceu
Como é muito natural
O carro para levá-lo
Para o hotel principal ...
Caucão dirigiu o carro
Para a mata da Tijuca.
Foi então que o fazendeiro
Viu que estava na arapuca ...
Ning uem podia livrá-lo,
Porém, daquela sinuca!
Pararam o carro na estrada
E assaltaram o fazendeiro:
Tomaram tudo o que tinha
A mala, a roupa e o dinheiro!
Deixaram "o pato" na estrada
Nú, e fugiram ligeiro ...
26 PAULO Xl'NES BAPTIST.\ Z�� B IC O D O C E 27

Mas, por causa desse assalto Quando foi de madrugada


Houve grande confusão: Cancão, sagaz, lcyantou-se:
Zé Bico Doce acabou Tirou da cinta um punhal
Foi brigando com Cancão Para matar Bico Doce
Cancão queria levar Êste, que estava acordado,
Do roubo a maior porção J Ligeiro com êle agarrou-se.
Bico Doce lhe dissera : Então, foi aquele rôlo:
"Vamos fazer o seguinte Lá vai tabefe e vem tapa.
Roubamos quarenta contos. 'l'odo mundo se acordon
Cada qual fica com vinte". Xa pensãozinha da Lapa
Cancão de Fôgo, porém, Bico Doce apaga a luz,
Tomou isso como acinte. Pega o dinheiro ... e se esrapa !
Disse: - "O trabalho foi me11, Quando a policia chegou
Você quase não fez nada ... O quarto estava vazio:
Eu só lhe dou cinco contos Oancão saltou da janela,
Porque sou seu camaratla; Sumiu nas ruas do Rio...
Pelo direito, devia Nunca mais viu Bico Doce,
Ser toda minha a bolacla ..." Andava triste, sombrio ...
Foram dh·iclir o lucro Bi(:o Doce escapuliu,
No quarto de uma pensão, Yiajou para a Bahia,
Começaram conversando Dizendo: - '' Senhor elo Bom.fim
Depois saiu discussão. Jfa de ser sempre o meu guia!
Bico Doce então lhe disse: Eu vou trabalhar sozinho,
'' Tenha calma, meu irmão ! ...'' ?\'ão quero mais companhia ... "
'',~amos dormir, que é melhor ... Na Bahia, Bico Doce
Precisamos déscansar . Foi certa vez a uma Igreja.
Você está meio afobaclo Saudou o padre, dizendo:
lVIas precisa se acalmar ... '' Que Jesus louvado seja J
Amanhã, nós poderemo� Vim convidar ''seu''. Vig�1;io
As contas logo acertar ... '· Pra tomar uma cerveJa ...
Deixaram a gaita guardada Zé Bico Doce sabia
Debaixo do travesseiro ; Que ali se enchia da graua :
Deitaram na mesma carna, O padre punha dinheiro
Pra garantir o dinheiro .. , =--:um baú, toda semaua,
l\Ias, nenhum dos dois dormiu Que estava escondido atrás
C'om o olho no companhriro ! De uma imagem de Sant'Ana.
28 PAULO NU:>;ES IL\PTISTA ZÉ B I C O D O C E 29

O padre disse: - "Meu filho, Atrás da imagem, de fato,


Isso é pecado mortal 1 Êle encontrou o caixão
Só bebo vinho de Missa, Onde o vigário guanlava
Pois é coisa natural ... A grana, com devoção ...
Mas, tomar bebida forte Quando pegou no caixote
Para mim não é legal!'' Foi chegando o sacristão.
Bico Doce então lhe disse: Bico Doce, sem demora,
"Padre, eu vim me coniessar ... Passou-lhe uma capoeira.
Eu tenho um grande pecado O sacristão atirou-lhe
E quero ao senhor contar: Na cabeça uma cadeira;
Depois, faço penitência Bico Doce, se livrando
Para Deus me perdoar!'' Desabalou na carreira.
O Padre chamou: - '' Irmão, Quando abriu o baúzinho
Vamos ao confessionário. '' Viu que ali gaita era mato ...
Entrou e disse: - "Meu filho, Os jornais só publicavam:
Minha bôca é um sacrário '' O assaltante é um mulato;
Conte todos os pecados, Se a policia não prendê-lo
Pode crer no "seu" Vigário ..." Isso é mais que um desacato! ...''
Bico Doce começou : Da Bahia Bico Doce
"Padre, minha mãe matei .. Seguiu para Pernambuco:
O Vigário se assustou, Fez tanto roubo em Recife
Disse: __,' Fillio, eu não escutei . Que o povo ficou maluco;
Repita o que você disse, Um Delegado matou-se
Pois eu mal interpretei!'' E outro acabou caduco.
Bico Doce prosseguiu: No Rio Grande do Norte
"Seu" padre, eu matei meu pai ... Fez assaltos em Natal,
Matei tambem meu irmão ... Xo Assú, em Baixa Verde,
E, desse jeito que vai, Em Mossoró e em Macau;
Eu mato até o senhor Andou ,estido de paclre
Se daqui logo não sai ... " Com o nome de Menelau.
De medo o padre tremia, N"o Ceará fez um furto
Foi saindo, devagar ... N"um hotel de Fortaleza
Correu pra porta da rua Onde se hospedou seis meses
Como um possesso a gritar ... E não pagou a despeza:
Enquanto Zé Bico Doce Levou dez lençóis de cama
O cofre estava a buscar. E proa toalha de mesa.
30 PAULO NU.:-;-Es B . .\.PTJSTA
ZÉ R T C O D O C E 31

Jieteu-se no Piauí Levando cincoenta contos


Como comprador de g·atlo: Foi a Santa Catarina
Fez um negócio da china Onde abriu casa de jôgo,
Comprou cem rezes fiado, Fez dinheiro como mina
Deu tudo num caminhão Deixou um sócio que tinha
Mudou-se para outro Estado. Na mais completa ruína.
N"o Pará, Zé Bico ·Doce Seguiu até Pôrto Alegre
Fez muita coisa tambem: Mas não quiz saber do frio
Um tal ladri.to "Mão de Sêlla" Veio clandestinamente
Êle encontrou em Belem Embarcado num navio
Tomou-lhe até a camisa, E, numa bela manhã,
Deixou-o sem um vintém. Saltou de novo no Rio.
Do Pará, Zé Bico Doce Foi morar no barracão
Foi finalmente a Manaus Do famoso Zé da Ilha,
Ali, quase não fez nada: Dizendo: - '' Aqui onde estou

1 Os tempos estavam maus,


Borracha estava sem prêço,
Xunca a policia me pilha.
Se vierem me buscar

l
Tudo em verdadeiro cáos. li'aço luta de guerrilha ... "
Resolveu voltar ao Sul Ficou uns tempos parado,
Descendo pelo sertão. Trabalhando com moamba.
Em Goiaz deu golpes certos Era um '' az'' da batucada
Em Goiânia e Catalão. E na rasteira era um bamba ...
De lá seguiu pra São Paulo Se ainda não levou fim
Viajando de avião. Até hoje está no samba ! ...
Em São Paulo êle encontrou-se
Com um rival perigoso
O bandido "Sete Dedos", *
Um nome muito famoso;
Disse: - "Procuro outra praça
Pois não sou ambicioso".
Encontrou bons trabalhinhos
No Estado do Paraná:
Passou o conto do paco
Num bôbo, em Paranaguá;
Fez um assalto em Londrina,
Dez roubos em Maringá.
ALGUMAS EDIÇÕES PRELODIO
O JULGAMENTO DE CANCÃO DE FOGO NO CtU - Cancão de
Fogo é um personagem fabuloso, que consegue vencer a todos
com sua astúcia e suo audácia. Após sua mort� é levado
poro o céu, onde deve ser julgado. O seu julgamento é inte­
ligentemente defendido por si mesmo, que com sua lábia con­
segue envolver em sofismas seus julgadores. Em versos.
O CASAMENTO DO MACACO COM A ONÇA - Uma história
tipo fábula, em que os animais vivem e pensam. Divertida
narrativo, no qual o onça casa-se com seu proverbial e an­
tigo inimigo, o astucioso macaco. Em versos.
O PAVÃO MARAVILHOSO - História de um jovem apaixonado,
que não podendo conquistar sua amado, muda-se para uma
região misteriosa, onde consegue um pavão de misteriosos
poderes. Com auxílio da miraculoso ove consegue vencer o
rival e conquistar a mulher dos seus sonhos. Em versos.
PIADAS DE BOCAGE - Uma coletâneo das mais divertidas piadas
do famoso Bocage, o rei do bom humor, o incomparável ane­
dotista. Um livro feito para provocar gargalhadas no mais
sizudo dos homens. Em versos.
OS MISTtRIOS DA PRINCESA DOS SETE PALÁCIOS DE METAL -
Misteriosa princesa oriental livrava-se de todos os candidatos
que se apresentavam poro conseguir sua mão. Até Ql,¾&-Um
dia o resoluto Roberto resolve descobrir o mistério que en­
volvia o linda princesa dos sete palácios de metal. Em versos.
OS SOFRIMENTOS DE ALZIRA - Alzira, virgem sonhadora e lin­
dct, tem um destino cruel e um amor impossível. Sofre resig­
nadamente, e suo vida é um romântico rosário de dores e
sofrimentos. Uma h stória comovente capaz de provocar lá­
grimas. Em versos.
ENCONTRO DE CANCÃO DE FOGO COM PEDRO MALAZARTE -
Os dois mais famosos personogf'ns do mundo do lenda en­
"'
contram-se num terrível desafio de astúcia e esperteza. Nin­
guém pode dizer qual dos dois é mais esperto. Uma luta de
inteligência entre dois vultos assombrosamente famosos. Em
versos.
O CACHORRO DOS MORTOS - Romance acontecido no ano de
l 806, no tempo do Império, no Estado da Bahia. Um crime
que abalou todo o território bohiano e um cão fiel à seus
donos descobriu o criminoso.

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