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– Teresa, que estás a fazer?

O Rui já anda com progetos na cabessa para as próssimas


férias. Mas não é para as do Natal, não, que eças são – Estou à janela, mãezinha…

pequenas… É nas férias gandes, do verão do próximo ano que – Anda cá, vou dar-te um prezente…
ele anda a pençar! Há dias recebeu uma carta dos primos, a
E Teresa foi emcontrar a mãe a desfaser um pouco de sabão
convidá-lo. Eles morão numa pecena aldeia da Beira Alta,
numa tassinha com água. Viu a mãe procurar um carrinho de
perto da Sera da Esterela. Na carta falam dos amigos, dos
linhas já vasio, molhar uma das estremidades na água cheia
passeios pela serra, dos dias que passam na ribeira, com
de sabão e soprar devagarilho pelo outro lado. Pimeiro, a
tenda de campismo e merenda. O Rui anda entuziasmado
teremer, uma bolinha se formou. Depois como a mãe suprou
com a ideia. As próximas férias grandes vão mesmo ser o
um pouco mais, a bola cresceo xeia de cor e brilho… – Oh,
mássimo…
mãezinha, que bonito, que bom, obrigada!

Alexandra Neves
Margarida Ofélia
Pirata passava as tardes, enrroscado no sofá, a ver televizão.
A senhora da casa pedia:

– Meninos, tirem o cão da sala! Mas ele voltava a aninhar-se. Ao fundo do logar, numa caza velha, só com cosinha e um
E olhava, olhava. cuarto, mora o Adrianinho. O Adrianinho é um velho diferente

Já sabia muito. Sabia qual o melhor deterjente, a melhor pasta de todos os velhos do lugar. Não há mosso que não goste

dentífiica, o melhor desodorisante. E mais, muito mais… dele. A poreta da sua casa está senpre aberta, podemos
entrar cuando nos apeteser. O Adrianinho tem muita
Um dia, Pirata ouviu falar de alguém com uma perna de pau,
abilidade para fazer brincedos. Basta levarmos os materiais
um ganxo em vez de mão e uma venda na vista. Percebeo a
que ele sabe muito bem tratar do resto. Eu tenho um carrinho
razão do seu nome. Em volta do olho direito, tinha uma
de madeira, feito por ele, que nunca se desaranjou. E as rodas
manxa preta. – Paresse mesmo um pirata – haviam dito os
nunca saíram. Foi o Adrianinho que mo fez.
meninos, quando o receberam de presente. Mais tarde,
ouviu-se esta palavra no plural.

António Mota, O Rapaz de Louredo

Maria do Carmo Rodrigues, Histórias Nunca Lidas, Fundação


Calouste Gulbenkian
Quando se junta a família toda em casa dos meus avós
paternos, há sempre grandes confuzões. Se a minha avó
chama: A minha prima Vera, que é vaidoza, gosta muinto de emfeitar
o cabelo com malemequeres e papolas. Colorida e bem
– João!
xeirosa, florinha aqui, florinha ali, toda ela me faz lembrar a
Logo quatro pesoas respondem ao mesmo tenpo:
perimavera. Quando a vejo, vem-me à cabessa aquela viajem
– Sim! que fis ao Alentejo. Direitinhos, os canpos cheios de verde,
amarelo, branco e lilás pareciam a minha caixa de lápis de cor.
E ficam todos a olhar ums para os otros… João é o nome do
As segonhas andavam numa roda viva, a escolher o sítio mais
meu avô; João é o nome do meu tio; João é o nome do meu
alto para fazer os ninhos. O meu pai disse-me que as cegonhas
primo; e João é o nome do meu sobrinho, filho da minha irma
procoram torres, árvores e postes bem altos. Com o sol tão
Zita…
quentinho, até os pomares se enfeitaram e se perfomaram.
Um dia, a minha mãe, para que se acabacem as confuzões, Era tempo de voltarem a receber os passarinhos, as
propôs que se xamasse João Pimeiro ao avô. O meu tio paçava broboletas e as abelhinhas. Ih! Ih! Já me esquesia das
a chamar-se João Segundo, o meu primo, como é filho do João joaninhas.
Segundo, seria o João Terceiro. E o meu sobrilho, como aimda
é pequenito, chamar-se-ia João Pequeno.
Carolina Lagarto, Maria Monteiro

António Mota, Segredos, Desabrochar, 1996 (excerto)


Voltava eu para casa, depois de um dia muito afadigado, e, ao
sobir a minha rua, que vejo? Um carro de bonbeiros, muita
Era uma vez um árbitero de futebole que era muito senhor do jente à roda, prinsipalmente garotada, muita gente
seu naris. E era senhor do seu nariz que, muitas veses, nem debrussada das janelas e uma escada que subia, subia, em
reparava nas faltas geraves que eram cumetidas dentro do diresão aos tenhados. Mudei de paçeio, estendi o pescoso,
canpo. Como era muito senhor do seu nariz, tambem era contei os prédios e verifiquei com susto que a excada ia
pesoa de poucas falas. Entrava e saía do campo sem dizer apoiar-se à faxada do 3.º andar, esquerdo, que é onde eu
“boa tarde” ou “boa noite”, pois pemsava que essa era a moro, não sei se já disse. Corri para o amontoado de gente e
melhor naneira de não dar confiansa aos jogadores dos dois puchei pela manga do primeiro bombeiro que vi. – Fogo? –
lados, aos dirijentes dos celubes e, natoralmente, ao púbelico. perguntei eu, com voz trémola. – Não senhor Macaco… –
O árbitro tinha um nariz comprido e um brinhante apito de respondeu ele e foi ajudar os companheiros. Assim despaxada
prata que, antes de cada jogo, se encaregava de pulir a resposta, sem pausa onde coubese um ponto final, pareceu-
demoradamente para pôr a berilhar, pelo menos tanto como me bastante ofensiva. Ia pedir esplicações ao bombeiro e
o sol escaldamte das tardes de domingo. perguntar-lhe, talvez com maus modos, que bicho era ele
para me teratar por “senhor macaco”, quando um garoto, que
por ali andava, escecido dos recados que a mãe lhe
José Jorge Letria, Histórias de ir à bola, Ambar, 2002
encomendara, me deu os esclarecimentos que me faltavam:
(Adaptado)
– Foi o macaco da D. Esmeralda que fugiu para o telhado.
Andam a ver se o cassam. Ah! Então era isso.

António Torrado, Histórias de Animais e Outras Que Tais,


Livraria Civilização Editora, 2003 (excerto)
Tenho um visinho que “anda sempre de patims”. Vai de patins – Que queres ser quando fores gande?
para o enprego e voleta de patins para caza. Anda de patins
– Não sei. Ela sabe. Sabe bem. Mas ela não quere contare o
na terra dele e na terra dos otros. E querem saber porcê? É
seu segeredo a ningém. Quantas veses já se viu, em sapatilhos
que este meu vizinho é caixeiro-viagante. Vai de terra em
de pontas, vestida de tule rosa, com colarinho de contas?
terra, de carro ou de comboio a visitar clientes, a procurar
Quantas veses deslisou na caoda de um cometa, tão leve e
encomemdas, a vender patins. É caixeiro-viajante de patins. É
grasiosa, como uma broboleta? Ela sabe. Sabe bem. E pença
por isso que eu digo que ele anda senpre de patins… nas
que tu não sabes. É um segredo que ela tem bem goardado a
malas, para vendere.
sete xaves.

António Torrado (adaptado)


Flora Azevedo
A Olga acordou aos gritos.

– Mãe! Mãe! Já é tarde!

– Que desparate é esse? – ranhou a mãe.


Por vezes, o João discotia com os amigos. Pricipalmente com
o Rui, que queria desidir sempre quale o jogo a jogar ou que – Mas tenho de ir para a escola. Já é trade.
brincedos escolhere. Costomavam discutir acerca de tudo!
– Não é. Podes aranjar-te com calema.
Mas no fim, acabavam por xegar a acordo e brincavam jontos.
As discusões entre amigos depressa se esqecem! A Olguinha foi lavar-se toda, sem ajoda de ninguém. A água

Normalemente é difísil saber quem comesou uma discusão, estava morena. O sabunete xeirava bem. A paxta dos demtes

mas, no entanto, o inportante é dizer “descolpa!” quando tinha um gosto bom, a rebussados. Voltou ao quarto para se

perceberes que fizeste com que o teu amigo ficasse teriste. vestire. Foi a uma gaveta boscar meias e roupa lavada. Ficou
toda bonita!

– Assim está bem, Olga – disse a mãe.


Núria Roca, Os amigos, Ambar, 2011 (excerto)
– Bem lavada, bem bonita. Podes ir para a escola.

Alice Gomes, Aprender Sonhando


Na escola, quando o profesor lhe esigia algum sosego frente
aos livros, Gaspar tinha de respirare fondo, vezes sem conta, A janela abria para a ferente, para fora, para o ar lavado da
para não cair abaixo da cadeira. E, com muito esforsso, lá ia momtanha. Quem dormice naquele cuarto, ao saltare da
permanesendo no seu logar, sentado de brassos apoiados na cama, de manhã, abria a janela de dois batentes como se
meza, a olhar os livros onde as imagems davam azo a estivece a respirar fundo. Enxia os polmões de ar e os olhos
escapadelas rumo a destinos imajinários. A verdade, de claridade. Era o primeiro ezercício de jinástica. Podia ficar
verdadinha, é que o pequeno Gaspar não conheçia mais nada por aqui, de cutovelos sobre o parapeito, a apresiar a
neste mundo para além das suas planísies e, quando olhava paisajem. Ou podia voltar para dentro com um pequeno
para os poucos livros rexeados de belas ilustrasões, ficava arepio de praser. A janela que abria para fora até nem se
com uma enorme vontade de descobrir lugares diferentes. inportava que voltasem a fexá-la. Tinha comprido a sua
Então a sua imaginação ganhava azas… misão. Dera, de longe, um primeiro abrasso à montanha.

Conceição de Sousa Gomes, Planície de sonhos, 1.ª Edição, António Torrado, O coração das coisas, 1.ª Edição, Edições
Edições Nova Gaia, 2008 (excerto) Asa, 2005 (excerto)
O meu pai terabalhava na terra, era laverador. Eu ia com o
meu pai para o canpo logo de manhãsinha. O nosso cão Era uma vez, um rei que descubriu umas minas de ouro nas
laderava, vinha lanber-me as mãos e queria acompanhar-nos. suas teras e mandou para lá trabalhare todas as pesoas do seu
E meu pai finjia zangar-se: reino. O tempo passou… Os prodotos agrículas foram
acabando e comessava a sentir-se fome. Não havia pão, não
– Está sosegado, Lanzão! Fica a goardar a nosa casa!
havia legomes… Não avia nada! A rainha, pereocupada com
E Lanzão (chamávamos-lhe assim porque tinha pelo como lã este probelema, mandou fabricar vários alimemtos em ouro.
de carnero, negro e emcaracolado) paresia entender-nos. E Certo dia, ao almoço, mandou pôr os alimentos de ouro na
nós partíamos. Meu pai ou eu, um primeiro... mesa. O rei ficou comtente, mas, vendo que não lhe serviam

Era como canhava, comessava a cantar. A pá da enchada mais nada, gritou, zangado: – E o almosso? Onde está o meu

brilhava à luz, aquela enxada que o meu pai levava sobre o almoço? Então, a rainha fez-lhe ver que o ouro não se podia

seu onbro forete. E eu, com um saxinho na mão, pensava: comer e que seria melhor fazer regresar os lavradores às suas

“Meu pai é um grande omem. Trabalha. Trabalha e canta!” terras.

Matilde Rosa Araújo (adaptado) Conto popular (adaptado)


Mariana e o avô berincavam no jardim perfomado pelas
felores veremelhas das rozeiras.
O avô Manuel tosia, tossia sem parar. E, dos seus olhos já
– Avô, vamos para o baloisso – pediu Mariana.
esbranquissados, saíam duas lágrimas de tristesa. Rita
aprossimou-se dele e disse-lhe carinhosamente: Felis, a menina sentou-se na estremidade da táboa, encuanto
o avô, para a fazer sobir e descere, se apoiava mais dentro.
– Avô, isso vai pasar! Amanhã já estará melhor e poderemos
ir à mata correr e apanhare o ar puro da momtanha. – É tão bom, avô! – esclamava Mariana, encuanto subia e
descia, ora parecendo tocar nas nuvems, ora poizando no
– Nunca mais vou ficar bom, minha cerida! O maledito tabaco
solo.
deu cabo de mim, esteragou a minha saúde. Ah! Se eu
podesse voltar atráz… – afirmou o avô, tossindo cada vez – Sabes, isto é uma alavanca… – esplicou o avô.
mais. Rita colou os seus lábios ao rosto do avô e afagou
– Uma alavanca?!! Isto é um baloiço! – afirmou Mariana. –
trenamente a sua cabeça sossurrando:
Sim, mas funsiona como uma alavanca, tal como a tezora e o
– Vai pasar, avô! Vai passar!... Vai passar!... O avô Manuel quebra-nozes.
adormeceo, enbalado pelas dosses palaveras da neta.
Mariana abrio os olhos de espanto. Para ela uma tesoura era
uma tesoura e um quebra-nozes era um quebra-nozes. E
continuou a subir e a descer com um soriso nos labios.
Franclim Neto

Franclim Neto
A rua está movimentada. Os eletricos pasam num barulho
O ultimo raiu de luz escondia-se atrás dos momtes. Perdidos surdo.
na feloresta, Rafael e Mariana estavam dezorientados.
– Há cuanto tenpo não ando de elétrico! – esclamou Clarissa.
Entosiasmados, tinham tirado desenas de fotogerafias, mas
Automóveles bozinam. Os sinaleiros, com jestos, dirijem o
agora não sabiam que diressão seguir. Rafael lenbrou-se que
teráfego. Ardinas aperegoam diários. Têm uma voz grosa,
tinha uma bossola no bolso. Pouzou-a sobre uma pedra lisa e
rouca, disforme, pareçem todos papudos, pescosos
plana, obeservando o movimento da agulha magenética.
descomunais, de veias dilatadas. E como prononciam os
– Estamos salvos?! Estamos salvos! – gritou Rafael, dando nomes dos jornais que vendem!
saletos de alegeria.
– Tia, que engrassados os ardinas que vendem jornais!
– Mas como?! – perguntou Mariana intrigada.
D. Zina enconhe os ombros:
– A bússola imdicou-nos o camilho a segir. Temos que
– Não vejo nada de egraçado. Andam a lutar pela vida. Não
avanssar para norte. E a ponta da agulha magnética diz-nos
são como outros que conheço que não fasem nada para axar
para onde devemos ir.
trabalho… Agora estão no ponto mais movimentado da
Cansados, Rafael e Mariana xegaram a casa, prometendo que sidade. A rua por onde não tranzitam veículos está apenhada
nunca mais se meteriam em aventoras prigosas. de gente. Parece um formigeiro agitado.

– Quanta gente!... pensa Clarissa.

Franclim Neto – Paressem formigas.

Eurico Veríssimo
Estava um ceu tão azule, tão cuieto e tão sem núvens que
Sérgio, os olhos no ar, disse em voz alta:

– Como extou só!


Tinham comesado as aulas há uma semana. Pelas janelas da
Ao ovir estas palavras, o céu tornou-se ainda mais línpido.
escola entrava uma lus de outono que pintava tudo como se
Sérgio correu até à mãe e esclamou:
fose um pinsel de ouro. Eram as paredes velhas, as careteiras,
– Quem me dera que chovese! a mesa da professora, o quadero preto já tão cinsento, o

A mãe, que estava a reguar as felores, disse muito de mapa grande que mostrava o mundo num tom azul. Mundo

mansinho: velho, tambem… Os meninos, esses, eram novos. Vinte e


cinco meninos e meninas, uns mais escuros, outros mais
– Olha que tu... fracamente! Um dia tão bonito, tão cheio de
claros, mas todos cheios dessa luz clara que se chama
sol e tu... querias que chovesse para quê?
infancia. E a profesora? Tinha já uma idade lonje da
– É que está um céu tão vasio, tão sem coisa nenhoma! Se joventude, talvez já bem longe. Mas soria para os meninos
chovesse, o céu não estava vazio... todos com ternora tanta que parecia ter infância também.

– Não hestava vazio?...

– Celaro que não! Se chovesse, havia nuvens, muitas nuvens, Matilde Rosa Araújo, A Escola do Rio Verde
e o céu já não seria este deserto tão azul... Olha mãe, uma vez
vi uma nuvem que pareçia mesmo uma jirafa...

Pedro Alvim, O Segredo da Cor Azul (adaptado)


Quando à meia-noite parete, quem leva detro o conboio?
Gente pobere, camponezes e soldados. É mais barato viajar
Dentro de uma linda e brilhante maçã. Vivia fexado, teriste e dorante a noite do que pagar a pensão e partir no outro dia.
prizioneiro um bicho da maçã – o Filipinho. Mas Filipinho Persebe-se nas caras canssadas das famílias da província, pai,
sabia que fora da maça avia sol e o ceu, as nuvens e as flores, mãe, filha e, às vezes, neto, que a sua rápida visita à cidade
os pásaros e outros bichos. Entam, começou a excavar um nada teve de praser. Vieram à cidade despedire-se de um
tonel que o levasse para o esterior da maçã… Em breve, o parente, enterar um morto, teratar de uns papéis, procorar
Filipinho ronpeu uma janelinha na casca lisa da maçã. E um enprego. A noite apagou, há muito, a paisagem. Os
chegou à luz! O mundo era belo, azul e verde, amarelo e relógios andam devagar. São tres, quatro, cinco, oras da
vermelho… Filipinho descubriu que morava numa maçã, que manhã. Nada há que possa destrair as pessoas. Não se pode
fasia parte de um gerupo de muitas outras maçãs, ler, as comversas morrem aos poucos, o corpo vai-se moendo
pemduradas numa macieira, que fazia parte de um grande nos acentos duros. Todos os dias, dois longos comboios
pomar. atravessam o país com muitas sentenas de pessoas e durante
a noite. São muitos quilómetros percorridos, quando quase
tudo dorme, numa viagem feita de sono, cansaço, frio e soor.
José Sacramento

José Pacheco Pereira

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