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r Ie ne fay rien
sans
Gayeté
(Montaigne, Des livres)
Ex Libris
José Mindlin
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* W
C a s s i a n o R i c a r d o
A R T I
C E R E R Ê
(O Brasil dos m e n i n o s ,
dos p o e t a s e dos h e r o e s )
W PLÍNIO SALGADO
martim-cerere.
Corria n a m a n h ã clara
todo enfeitado de arara
brincando por entre as arvores
ainda humidas de sereno.
E r a u m tapuio pequeno
fugido de alguma t a b a ;
vivia n o sertão b r u t o
mexendo com t a t o r a n a
comendo jaboticaba.
ülSiÊ
Veíu por trás da ramagem
pé ante pé, devagarinho
e bumba 1 sem mais delonga
pegou o moleque selvagem
que brincava no caminho !
é*
E n t ã o o negro da Angola
levou o garoto p r a escola
que o primeiro yôyô branco
fundara j u n t o ao barranco
á borda do campo em flor.
E disse : seu professor
aqui trago este menino
pra vassuncê dar u m geito
de fazer delle u m doutor,
pois nunca vi neste m u n d o
menino mais reinador.
.*
— Como se chama o p e q u e n o ?
— Seu nome é Sacy Sererê ; mas diz elle
q u e é sacy çaperê, pererê, não sei q u ê .
O professor tomou nota, e depois de u m silencio
expressivo :
14 v
•NP
E porque se lembrasse
de u m m a r t i m pescador
que o deixara encantado
cahindo de p o n t a cabeça
no rio e arrancando no bico
u m peixinho de peito prateado ;
ou porque
se lembrasse de u m homem
que viera de longe
chamado M a r t i m
escreveu no caderno
não Sacy-Sererê, como queria o preto,
nem Sacy Pererê, como disse o menino,
mas M a r t i m Cererê.
Foi assim.
Hoje o M a r t i m Cererê
é alumno do grupo escolar.
E a n d a a jogar futebol
nas ruas cheias de sol.
M a s n a d a mais commovente
do que vel-o enthusiasmado
nos dias de festa publica
quando elle, á frente de todos,
como si fosse u m soldado
toca o tambor da Republica !
a indígena
formosa chama*
va*se uiara...
i
currupa, papaco
A' noite, em redor da fogueira
o pagé conta aos netos pequenos
a historia d a "moça bonita
muito bonita, muito clara,
que tinha os cabellos verdes
mais verdes que o próprio m a t o ,
e os olhos mais amarellos
do que os olhos de u m gato:
chamava-se Uiára."
U m a creança selvagem
chora n a rede de embira.
E u m a india amorosa pede
ao gênio bom da floresta
><?j empreste o somno ao pequenino
que vae dormir no berço de folhagem.
E n t ã o o menino sonha :
T a t a m a n h á mostra u m brinquedo.
Oh 1 que cidade risonha
com bandeirólas de fita
onde u m a onça caricata
sáe de dentro de u m presépio
com grandes folhas de lata.
8
v
>Wv
Gargalhada de marreco.
Cantiga de saracura.
Coruja cara de gato.
Sapo verde cururú,
que mora á beira do rio
dizendo que está com frio
ao vêr sahir a mãe de ouro
que sáe de dentro do rio.
U m picapau lenhador
b a t e o bico n u m a casca
de caviúna que parece
estar gritando de dor.
Vivo bugrinho gaiato
pula com perna de mola
jogando bolas de joá.
A n d a m ladrões de mentira
com os seus curumins gulosos
comendo maracujá.
V ^
]
*w\
MM
II
tA manhã caçadora
é uma indígena loura
a tocar, a tocar sua inubia guerreira
através da capoeira.
V* £
>>v„ *¥\
E dahi a pouco
por entre a legião rumorosa das arvores
passou em procissão um mundo de antas bravas
que foi inaugurando os primeiros caminhos.
O chão de cabelleira humida e espessa
baixou a cabeçorra ouriçada de espinhos. . .
E o m a t o no meio das touças bulhentas
começou a gritar feito louco.
O' vermelha m a n h ã
m toda feita de uiáras 1
com gritos de araras
q u a n d o todo o Brasil era u m simples rumor de
águas c l a r a s !
13
^ V v^
l A V JXs
o c a n t o do ^ ^
s e m - f i m
Mas no outro dia
saltavam os dias de papo amarello
de dentro do gravata.
J*
*4
chegou o dia
português e
quix casar
com a uiára
pedr a l v a r e s ,
c a ç a d o r de
relâmpagos
O homem vindo do mar
embora acostumado a segurar relâmpagos pela
cauda,
começou a chorar de alegria,
ninguém acredita,
por ver tanta cousa bonita:
ah I não foi de soidade, isso não,
que não lhe doia o coração :
mas por vontade de dizer bem alto a todo o mundo
que chegara o seu dia...
que era aquelle o seu dia !
Então o morubixaba
que era o dono da taba,
'i
>r n
Então a Terra
foi lá pra dentro e trouxe
uma porção de fruitas amarellas.
E um tamanduá -bandeira embandeirou-se
todo
jovial como um palhaço á porta da ca-
poeira
prompto pra receber as caravellas :
"venha de lá um abraço 1"
><?J
VJ
)\)niW(1
signal no ceu
18
\/t v
Mià
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noite ai ncana
J>
20
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terra amorosa
21
*J*A U
11
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m
m ã e - p r e t a
*H**^
H a v i a u m a voz de choro
dentro da noite brasileira :
" d r u m a yoyosinho
que a cuca já i vem ;
p a p a e foi n a roça
m a m ã e logo v e m . . .
2
3
?
* ^
SSL >vJ!S>
pisca-piscando os dois olhinhos de topazio
cheios de goso.
"Druma yoyosinho,
que a cuca já i vem ;
papae foi na roça
><?j mamãe logo v e m . . . "
24
JKs ^1
^ M ; N»»C
morte do zambi
N a verde moldura da serra
riscou-se a carvão a Republica negra.
25
Chegou o momento
do grande castigo 1
E eu prefiro morrer porque a morte
é u m a noite sem cruz 1
Apaguemos aquellas
cinco gottas de luz
que devem ser cinco bátegas
do suor que vertemos
n a plantação dos canaviaes ;
que devem ser cinco lagrimas
de t a n t a s lagrimas que chorámos
sob o latego infame
dos capitães do m a t o ;
que devem ser cinco pingos do leite
q u e as nossas mães pretas verteram
a m a m e n t a n d o as primeiras creanças
por amor do Senhor.
O ' grande cruz, não brilhes mais : fecha os braços
de luz,
desfazendo as estrellas no céo descruzadas
que nem cruz que tombasse partida
em pedaços de luz 1"
J*
26
V£
N
v^,
U m negro quimbundo
está contando ás creanças
que não houve tragédia mais triste no
mundo 1
•<?j
VJ
três brinquedos
c o m a lua
lu a c h e i a n . 1
Boião de leite
que a noite leva
com mãos de treva
fa pra não sei quem beber.
a cheia n
•VSN Nrfl^SV-
N
»x\,
lu a c h e i a n.
Agora o Martim Cererê
soltou a lua por dentro das arvores.
A lua subiu, e levou um boléo. . .
Pinim. pão 1
29
•a»
a onça preta
&
^NrfPS^
a noite v e i u . . .
então nasceram
os gigantes,
h e r ó e s das
t r ê s cores.
N
^>Y, 'Mm*,.
m e u s oito annos
i**^ (a Oswald de Andrade)
No tempo de pequenino
eu tinha medo da cuca
velhinha de óculos pretos
que morava atrás da porta.
Um gato a dizer currumiau
>0i de noite na casa escura...
Picapau batendo o bico
picapau, pau> pau.
3*
^NrfPS^
m a t a v a canário
m a t a v a rolinha
matava nambú.
Q u a n d o eu era pequenino
gostava de armar arapuca
p a r a caçar o sanhaço.
M a s de noite vinha a cuca
com o seu gato c u r r u m i a u . . .
como este menino é mau.
Rolinha caiu no l a ç o . . .
I a contar, não conto não.
Como batia o coração
daquelle verde sanhaço
n a palma da minha m ã o 1
Ah 1 si eu pudesse neste poema
pegar a vida t o n t a de emoção
com o coração batendo em minha m ã o
como peguei o pássaro selvagem
que u m dia caiu no a l ç a p ã o !
M a s . . . de noite vinha a cuca
><?J (e por signal que a noite parecia u m a arapuca
com grandes pássaros de e s t r e l l a s . . . )
vinha com o gato currumiau :
menino-máu, menino-máu.
N a minha imaginação
ficou p r a sempre o picapau.
Picapau b a t e n d o o bico
Picapau.
Currumiau miando de noite
Currumiau.
w
"Fi
retratos do
meus e r o es
a carvão
34
"Vassuncês tão pensano
que isto aqui não tem d o n o ? "
a giz
35
n o v
A terra de tanga
casou-se com o dia marítimo.
36
N
^Y,
tropel de gigantes
L á se foi Botafogo ;
lá se foi M a n u e l P r e t o ;
lá se foi C u n h a Gago ;
lá se foi Anhanguéra.
G a t o e Raposo t a m b é m foram,
com as suas bandeiras de assalto.
P a r t i a a procissão.. . tocava u m sino no planalto.
Nossos avós choravam de e m o ç ã o . . .
37
',* ^ v
Umas com as broncas cabeças de morro agarradas
ao solo.
Outras que se a m o n t o a v a m que nem cobras
em novellos azues de rios enrolados.
A\^I^:
Nv
*x%.
borba gato, o
terror do mato
E levou na cacunda
em redomoinhos de agua-barafunda
39
^L ^V
u m a porção de gente
a r m a d a de trabuco.
Formaram-se de prompto
alas de jacarés abrindo a todo instante
a boccarra vermelha
no escurão do tijuco.
G r i t a r a m patos bravos
vieram caraguatás armados de bolótas
amarellas.
O vento mossoró deu murros no bamburro e
enleou-se no cipó.
Ficou chorando na caatinga o inhambú chororó.
E eu não m u d o de pennas !
E eu sou o pássaro que não m u d a de pennas !
41
y»S\
>**\\,
'TV\
•<?<
42.
o v ^ . •%;,
K^y jtK
a s ntra
Cada bandeira
entrou no mato como um rio de três cores.
E o rasto de cada gigante
era uma estrada que se abria
como um listão de sangue matinal no verde abso-
luto do sertão bruto.
43
)\)m*„
L á dentro da terra
os indios em b a n d o coroados de pennas,
as onças mosqueadas de sol borrifado no pello de
malhas,
os rios soturnos por onde a mãe dágua escondia
thesouros noc turnos,
o grito do m a t o habitado por bichos de todas as
castas, com borboletas de todas as cores, com
urros de feras famintas nas tocas, com cobras
de fogo a correr nos desvãos da paizagem —
t u d o isso tornava mais bello o tropel das ban-
deiras
na grande conquista da terra selvagem,
por onde rodava
u m exercito branco
de quasi tresentas cachoeiras.
anhanguéra, o
gigante de botas
45
^ v v >)>»• >»•„.
E n t ã o varado de portas
o sertão escondia
todo o seu ouro encantado
^ > x ,
J*
J»
47
A. V NSVN
."1 t
a forja das madrugadas
é a p a l m a d a minha m ã o ;
sou eu quem governa o t r o v ã o . . .
Sou eu, pelas grutas de breu,
quem abre a p o r t a do dia ;
quem passa de noite ao longe
m o n t a n d o o cavallo do vento
chicoteado de relâmpagos
sou e u " .
N ã o m e quereis indicar
o ouro que o chão revelou.
Pois b e m ; p r a mostrar-vos quem sou
eu vou lançar sobre vós
todo esse fogo que ha no ceu :
sereis neste instante queimados
na c h a m m a do meu fogaréo. >>
Então a montanha
abriu o seu cofre de gruta .
tirou a mais bella
das jóias verdes que possuía
e exclamou : isto é seu !
E n t ã o o rio
n u m abraço de espanto
ainda sujo de terra
lhe deu de presente
todo o ouro que havia escondido
no leito de barro : isto é seu !
ylSCN
* * , , ]
~w\
o canto do
uirapuru
— O uirapuru é quem vae c a n t a r !
Tenha a palavra o uirapuru !
50
MM»
52
*'\ A V^Í
vuvw
... cada m o n t a n h a
era u m enorme carretei de léguas verdes enro-
ladas
53
' ». ?\ t,
N>
^>,
54
V\\\v
raposo, heróe
de t o d a s as
distancias
( a o M e n o t t i ) .
55
"Nunca voltava atrás quando punha o pé adiante.
Quando dizia não, estava dito não.
Cada palavra lhe nascia á bocca de improviso
como uma flor do coração ou da razão,
mas com a simpleza, a naturalidade
de uma lagrima ou de um sorriso.
\VA
de cousa parada ou morta
e arremessou o laço verde
de um vivo sucurijú
no dorso de um indio nú.
E laçou e enguliuum preto espadaúdo
com botas de couro e tudo.
y8
íl^lj
transfigurado a gritar de alegria
que nem bruxo de esporas,
de chapelão e de trancas
que saltasse de um pulo
de dentro de uma caixa de surpresa
assustando as creanças.
E trouxe nos olhos o fulgor matutino
de quem nunca parou no destino.
V*
»*s,
60
Hlflfll
a m a r c h a dos
soldados verdes.
61
s
^ ,
trwl
piratminga!
(ao Honorio de Sylos).
62
M>».
Um picapau carpinteiro
picava pau, dia inteiro,
fazendo um bruto rumor.
Mas picava de mentira
porque o madeiro engraçado
sem perceber as pancadas
do picapau carpinteiro
ficava dando risada
de flor.
63
'^:Í l
moldando as vigas de ferro
da cidade officina 1
E onde os sapos em b a n d o
construíam seus vastos casteilos
por entre lanternas accesas
de azues pyrilampos
é o viaducto do C h á , desenhado a compasso,
que u m cartaz barulhento de cores anima :
pernilongo esticado no espaço
com toda a cidade rodando, rolando e cantando
» por c i m a . . .
São Paulo !
soldados verdes
M a n h ã de terra roxa,
M a n h ã de estampa ou chromo onde a fumaça
de um*trem que passa risca o ceu de fogaréo.
65
^ V
ti
mmt
Avanhandava.
66
S
^W
e rr
Mysterio selvagem !
Ramagem enxadrezada de arvores fo-
lhudas
umas abraçadas com as outras nas horas
de pânico.
Rumor rtocturno de frondes que marulha-
vam lá em cima
como si o vento fosse um quebrar de
><?j onda verde a gemer no mar largo. . .
Onda solta e revolta
num permanente sussurro
através da folhagem guaiando... reboando
Gavião de pennacho a ferir a garganta da serra
com o seu grito tympanico 1
Mysterio selvagem.. .
Já no outro dia
toda a floresta cahia em rasgões de alvorada,
67
s>N> X
*"*,.
Baitacas gritando
borboletas em b a n d o brigando.
><Pi U m a casa de vespas zonzeando
ribeirão de águas crespas saltando
marimbondos em cachos redondos zumbindo
bichos estrepes carrapichos formigas de fogo
uruçús caninanas de p a p o amarello
todo o thesouro ainda virgem da terra
todo o sertão que trancava a passagem
— aqui ninguém entra, quem m a n d a sou eu !
com as raizes da vida enterradas no chão.
O sertão !
O sertão !
68
' I
J*
s
9i
69
o manduca e
• •
a giuseppina
( a o B r i t o B r o c a )
J*
70
mm
H a v i a patos e tofracos
no terreiro.
J*
Coisas do coração :
foi justamente a "italianinha"
que nem u m canário de trança amarella
quem lhe caiu no alçapão.
M a s o sacy, o negrinho encantado
que u m dia amarrou a crina
do seu cavallo pangaré
fói o culpado.
«3*
72
o tacharei
e a cabocla
E u ia procurar a cabocla
filha do antigo administrador da fazenda,
aquella diaba de olhos pretos como duas jabuti-
cabas
e analphabeta que-nem rola selvagem.
«5*
A V'
E eu lhe dizia : "como eu gosto de você V
E ella me respondia :
" n ã o sei por q u ê " .
Fazia cousas de insensato.
O meu amor por ella era uma cousa do o u t r o
mundo
na m a n h ã rescendente de frutas ácidas e de sol
caricato.
E eu lhe dizia : " n ã o conheço
mulher mais bella que você".
73
^L /V
Ella me respondia :
" n ã o sei por q u ê " .
M a s houve u m dia
em que eu (como era lindo aquelle dia ;
u m sol louro e gaiato
parecia saltar e cantar de alegria)
me declarei disposto a tudo :
"sou capaz de morrer por você !
Ella me respondeu :
" n ã o sei por q u ê " .
74
catesal em
(ao Correia J ú n i o r ) .
U m dia os caféeiros
se vestiram de branco que alegria
Rebentou a florada
como si toda u m a alvorada cor de leite
houvesse borrifado o cafésal.
O' matinal promessa de riqueza !
O' surpresa deste anno ! tudo branco 1
Olha lá em cima do barranco que belleza
T u d o branco !
J*
D i a rasgado, gritante
em que o sol escancara as janellas
como u m grande espectaculo de alegria,
que entra nas casas sem pedir licença
75
desfeito em gargalhadas amarellas.
Alli no campo j u n t o da porteira,
está u m boi muito lerdo pastando, a espantar com
o focinho
u m a porção de gafanhotos
que saltam que nem perdigotos
de orvalho verde em seu caminho.
Ouve-se agora
u m a algazarra longa e repetida
no brejo de moutas escuras
que n e m pagode de sapos
em companhia das saracuras.
76
^ i £
v
>V\v
m a u o
Disseram p r a elle
que beijo de mulher era fruto escondido.
Elle andou muito tempo pensando
.que beijo de mulher fazia m a l . . .
não fez não.
77
y*^
radiotelepnonia
na fazenda
7»
a cotação da bolsa
a hora official
o preço do café.
•ss.
79
piraquara
80
<PSX
d e p o i s da
c o l h e i t a
(ao Decio Abramo).
81
Jfc
E depois?
os bois puxando
de dois em dois,
pelas estradas roxas
os carros longos
e tardos...
E depois?
•<pj Os fordes escandalosos
a encher com o barulho do século
o silencio pacato
da terra cabocla.
82
L á longe o t u m u l t o das ruas em festa,
Automóveis brigando com bondes da Láite.
Cidadãos de charuto em reuniões do instituto,
E u m homem louro a discutir a taxa-ouro.
E o ouro dos cafésaes escorrendo nos bancos.
E a cidade jogando dados de sobrados
uns sobre outros como u m brinquedo americano
de a r m a r e desarmar castellos encantados
n a dança de roda em que o dia parece todo elle
u m a casa suspensa no azul a brincar com as
janellas.
83
fr>>*
brinquedos
maravilhosos
(ao P a u l r 1 n o s ) .
E os barquinhos se f o r a m . .
(ah ! meu deus que boniteza),
pirogas morenas
84
com homens de bronze
fazendo bolotas de músculos
no peito e no braço
(dançando n a correnteza.. .)
com homens de todas as cores
que u m dia voltaram do m a t o
a gritar de alegria 1
U m delles trazia
estrellas cruas de diamantes
nas mãos cabelludas
manchadas de terra !
O u t r o trazia a fortuna
em cargueiros de couro
feitos com o couro das onças
cheiinhos de ouro
O u t r o voltou enfeitado
com as plumas do gavião rei,
trazendo esmeraldas, aos berros :
eu t a m b é m encontrei 1
eu t a m b é m e n c o n t r e i !
85
?m:
levar minha nova esperança
aos logares mais longes da t e r r a !
T u d o brinquedo de creança.
M a s os soldados que fiz por brinquedo
viraram valentes
brigaram com o m a t o
avançaram sem medo
e feridos n a luta
ficaram pingando
dos pés á cabeça
caroços de sangue. . .
86
I I
.w. p ; :t. »
a minha chicara
de café e o
meu jornal.
87
N
^ l
Ittliiá,;
a minha
c. n 1 c a r a
de café
A chicara é branca e pequena como u m a casca
de ovo.
O garçon traz o bule e derrama o café forte e
novo
como si derramasse por encanto
u m a pequena noite liquida e cheirosa
na casca de ovo.
88
k»s
N a minha memória poisou u m pinhé a gritar
crapinhé !
M a s acima de t u d o
aquelles olhos de velludo da cabocla maliciosa a
olhar p r a m i m
com seu vestido de a l e c r i m . . .
V^ £
.1 Ê
correrem nas carretilhas
á beira do cáes.
E segurarem louras pilhas
de saccos de café com a direcção escripta em ver-
des iniciaes com letras garrafaes.
E a questão do I n s t i t u t o de Café?
E o trotão galopado do meu p a n g a r é ?
E o sacy pererê? e o José P r e q u e t é ?
T u d o isto me povoa o espirito emquanto bebo
a pequenina noite liquida e cheirosa
da minha chicara de café.
o jornal-mun
(ao Genolin m a do).
O Correio! O Commercio !
O Diário 1 A Gazeta ! A Platéa I
Toda manhã, toda tarde,
duas ou três vezes por dia,
eu compro o mundo por duzentos réis.
to
Pego do meu jornal de manhã cedo
como quem pega de um brinquedo
e encontro dentro do jornal o mundo cheio
de chinezes que estão brigando sem parar ;
e uma porção de cidades que se encontraram no
mesmo dia pelo telegrapho,
num aperto de mão sobre o mar.
9*
y * ^
»>»»»«,„
D u a s coisas de m a n h ã cedo
fazem a devoção do meu espirito creança :
a minha chicara de café e este brinquedo
colorido
que é o meu jornal, o meu diário nacional.
9 2
N
V»N%,
93
Ir*
a t r i b u qu
acampou
na c i d a d e
O trem de ferro entrou no m a t o e marcou com o
seus trilhos o lombo da serra.
E n t ã o u m indio gúarany tirou o cocar de pennas
verdes que trazia na fronte bronzeada e
veiu pra São Paulo.
94
L4v
MB
N o mesmo dia
o governo recebeu em audiência especial o gua-
rany com a sua tribu.
95
guiados por todas as luas
seguidos por todos os soes !
O* alegria selvagem
de vêr o m a r por u m vasto rasgão de paizagem
a b e r t o entre os muros violentos da serra do M a r !
A floresta soltou u m grito de araponga
diante do mar !
D e p o i s . . . tu não te lembras?
ábriste no sertão os primeiros caminhos
atalhos rectos como túneis de folhagem
por onde logo após
o grito do automóvel passaria
96
yv
inaugurando estradas de rodagem !
Filho do mato, eu te saúdo".
97
i
martim cererê,
jogador de
futebol
O pequenino vagabundo joga bola
e sáe correndo atrás da bola que salta e rola.
Já quebrou quasi todas as vidraças
inclusive a vidraça azul daquella casa
onde o sol parecia um arco-iris em brasa.
9»
com os seus botões feitos de ouro convencional,
e zás ! carrega-lhe a bola !
"Este marotos
precisam de escola...
99
V*\,v
'WW\
brasil-menino
(a A u g u s t o M e y e r ) .
100
II
III
101
Y^*
e eu fui achar, com o coração aos pulos de alegria,
as duas botas de couro
abarrotadas de ouro !
IV
102
>v * £
levando as fabricas pelas rédeas pretas de fu-
maça !
Barulho phantastico
de u m m u n d o que saiu da officina.
Grito metálico de cidade americana.
Vida rodando fremindo batendo martellos
com músculos de a ç o !
to
103
A '"%.
Â\\
borrão de
tinta verde
Veiu um sanhaço.
Viu a armadilha com laranja dentro.
Zás-trás !
104
yV
Susto de asas em bando !
Canários gritando, chan-chans protestando.
O menino correu p r a pegar o sanhaço.
M a s u m sujeito bigodudo que-nem turco,
que a n d a v a no pomar, viu aquillo
tomou a defesa dd pássaro
contra o menino (este chorava de emoção)
estraçalhou a armadilha, sem mais nem menos,
dizendo que caçar passarinho era u m Crime :
a mesma cousa que ftão ter coração.
M a s t u d o com t a m a n h o estardalhaço
que m a t o u o sanhaço com a mão.
Aquella scena
ficou p r a sempre nos meus olhos
como u m borrão de tinta verde
no esplendor m a t u t i n o :
o homem do bigodão,
o sanhaço
e o menino.
105
borrão de
tinta preta
D e u m poleiro na porta
o papagaio muito verde arremedava
tudo o que a preta lhe dizia.
106
moleques de todo o bairro
judiavam delia, d a v a m risada.
P r e t a velha manqüitóla !
A t é que u m dia
a p r e t a velha deu u m "tropeção.
Caminhão passou por cima.
As crianças vieram correndo.
A calçada ficou cheia de' sangue.
U m pretinho
que estava brincando na rua,,
promoveu* u m barulhão.
Voltou chorando p r a casa ;
no outro dia appareceu
mais preto do que carvão.
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107
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tom*,,
a uiára de
c a b e 11o
vermelho
O Jucá R a y m u n d o ficou tortuviado
quando passou no cavallo tordilho.
Porque viu, por acaso tão somente,
to a p a n h a n d o goiaba no pomar da fazenda
u m a linda mulher como nunca-jamais tinha visto
neste m u n d o de Nosso Senhor Jesus Christo.
M u i t o mais bonita do que a filha da patroa.
M u i t o mais bonita do que aquella sujeita
que vira n u m a festa do Divino
e que ficara para sempre atravessada
no seu destino.
M u i t o mais bonita do que dona Candinha que
uma vez tocou piano
p a r a os tocadores de viola escutar
naquella noite de São João com fogueiras de luar.
E r a tão clara !
T i n h a u m cabello vermelho feito touceira de
fogo ; cruz, credo !
Boneca de milho, appareceu nascida
no verdor carregado da m a n h ã .
Formiga ruiva com feição de allemã.
E lembrou-se da u i á r a . . . „ *
E r a ella m e s m a . . . talqualmente "nhô-pae lhe
contara.
(Só dizei- que o cabello d a uiára era verde e o
desta outra vermelho m a s isso não tinha im-
portância).
I09
>.1l
M a s sentiu u m a cousa esquisita
no fundo do coração.
E r a a innocente gostosura
que fica em nós e não se apaga mais
quando aquillo que vemos de-repente
é bonito demais : ou mais logicamente,
q u a n d o a mulher que surge no caminho
é u m a surpresa de t a m a n h a boniteza
que chega a machucar os olhos sem defesa
de quem a viu e. . . não esquece mais.
m NVV
>V
marcha
Diante da tua cruz, feita de estrellas
vejo passar sob os meus olhos as quatro raças
que depois da tragédia de todos os ódios
e de todas as lutas humanas
irão fundir-se pelo amor numa só raça.
Quatro raças em cruz,
quatro pingos de sangue
feitos de luz.
E uma estrella menor
quasi ao centro da cruz
que quer dizer :
depois de nós
a ultima raça
a ultima voz.
III
*<:i V
a cruz do descobrimento :
a cruz do cruzamento,
a cruz da crucificação,
a cruz da minha devoção.
Os m a t a p a u s , carrascos verdes,
amarraram-lhe as mãos na rede dos tentáculos.
E o m a t o ficou desfeito
a solidão ficou gritando
com flexas de gritos agudos
cravadas no peito.
Agora
caminha
de novo :
as onças
112
mmmm
os indios
os brancos
os pretos
na rubra
alvorada
de u m povo !
vão uns a t r á s de outros ;
depois com as bandeiras
vão todos unidos ;
o que trouxe o dia
o que trouxe a noite
o que trouxe a m a n h ã .
Rataplan.
ri
P o r ultimo as raças
de todas as cores
caminham marchando n u m chão machucado de
sangue e forrado de flores.
i n d 1c e
PAGS.
MARTIM CERERÊ
3
7
A INDÍGENA FORMOSA CHAMAVA-SE UIARA . . • •
Q
Currupá, papaco
Relâmpago
I2
O paiz das palmeiras
O canto do sem-fim
CHEGOU O DIA PORTUGUÊS E QUIZ CASAR COM A UIÁRA. 15
Pedralvares
1Q
Signal no céu
A UIÁRA LHE DISSE: VAE BUSCAR A NOITE 19
20
" A noite africana
Terra amorosa
23
Mãe-preta
A morte do Zambi
Brinquedos com a Lua •
A onça preta . . . .
A NOITE VEIU. . . ENTÃO NASCERAM os GIGANTES, HE-
RÓES DAS TRÊS CORES
32
Meus oito annos
Retratos dos meus heróes '4
Raça nova •*"
115
.4*E
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PAGS.
37
Tropel de gigantes •"
Borba Gato, o terror do mato 39
A voz do"carão
As entradas
Anhanguéra . . •
50
O canto do Uirapuru
52
Fernão Dias
Raposo "
A MARCHA DOS SOLDADOS VERDES 61
Piratininga! "2
Soldados verdes 65
A derrubada 67
O Manduca e a Giuseppina 70
O bacharel e a cabocla 73
Cafésal em flor ,75
77
Matuto
Radiotelephonia na fazenda . . . . . . 78
Piraquara 80
Depois da colheita . . . • • 81
Brinquedos maravilhosos 84
A MINHA CHICARA DE CAFÉ E O MEU JORNAL 87
A minha chicara de café . . . . . . 88
O Jornal-Mundo. 91
A fribu que acampou na cidade . . . . 94
Martim Cererê, jogador de futebol . . . 98
Brasil-menino 100
Borrão de tinta verde 104
Borrão de tinta preta 106
A uiára de cabello vermelho 108
Marcha final 111
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