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LITERATURA AFRODESCENDENTE
NO RIO GRANDE DO NORTE NO SÉCULO XX
(De Fabião das Queimadas a Edgar Borges-Blackout)
- Thiago Gonzaga -
Natal-RN
2021
“Eu tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos um dia viverão
em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo
conteúdo do seu caráter”.
(Martin Luther King)
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tradição literária brasileira, identificaremos marcas da presença de
negros e mulatos, tanto escrevendo como participando de alguns
textos artísticos.
A literatura negra no Rio Grande do Norte quase não exis-
te, e quando aparece ao longo da história não tem o caráter de
engajamento que, de maneira geral, procura denunciar aspectos
problemáticos da realidade em que vive o negro, de forma a contri-
buir para que se produzam certas mudanças na sociedade da qual
ele faz parte.
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O NEGRO NO RIO GRANDE DO NORTE
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tal de província sem escravidão antes da lei áurea; as outras duas:
Fortaleza e Manaus. Em toda a província do Rio Grande do Norte
foram libertos 482 escravos pela lei áurea.
Natal também possuiu uma Guarda Negra (criação política
destinada a popularizar a Princesa Isabel). Augusto Mattos, Mestre
em História Social do Brasil pela Universidade de Brasília aponta
que a Guarda Negra teve sua formação iniciada na casa do abolicio-
nista e monarquista Emilio Rouedé, em 10 de julho de 1888, com o
total apoio de José do Patrocínio, que se intitulou criador e mentor
do grupo. Segundo Mattos, nos estatutos sobre o grupo, publicados
na Cidade do Rio, os negros escolhiam os membros da diretoria que
autorizava admissão de novos integrantes. Mattos descreve os inte-
grantes da Guarda Negra como negros alfabetizados que tinham a
missão de agregar outros ex-escravos para o grupo, sob a proteção
dos abolicionistas. Seus associados consideraram a data de 13 de
maio como um marco da libertação dos cativos no Brasil que jura-
ram defender. Mas, segundo Cascudo, aqui no Estado esse grupo
não fez coisa alguma, nem de bem nem de mal.
O negro foi presença constante, mas não determinante
para a economia potiguar; os escravos vinham dos mercados de
Recife, para os engenhos, em maior quantidade, e um pouco para
o sertão, onde se transformavam em vaqueiros ou empregados do-
mésticos. Com o desenvolvimento da cultura do algodão, vieram
para o Rio Grande do Norte os Bantos, via Pernambuco. Em 30
de setembro de 1883 quando Mossoró libertou seus 50 escravos,
outras cidades do Estado seguiram o exemplo. Após a abolição
da escravatura, o negro se espalhou pelos engenhos e fazendas do
Estado. Manoel Dantas no livro Homens de Outrora, relata que a
escravidão negra não deixou traços no sertão do Rio Grande do
Norte; segundo Dantas o escravo era na verdade quase considera-
do alguém da família. Na zona sertaneja alguns negros chegaram
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PRIMEIROS INDÍCIOS DE
AFRODESCENDENTES NA LITERATURA
NORTE-RIO-GRANDENSE
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Importante divulgador da obra de Fabião das Queimadas,
Eloy de Souza (1873-1959), era irmão de Henrique Castriciano
e Auta de Souza. Político, jornalista e escritor, Eloy dedicou-se às
atividades político-partidárias, tendo sido Senador e Deputado Fe-
deral. Eloy de Souza registrou certa vez que os cantadores eram a
nota mais colorida das festas sertanejas e que Fabião das Queima-
das “extraordinário negro velho, era um dos últimos”, deixando-
-nos entender que deveriam existir outros nomes de cantadores em
sua época, inclusive os que “desafiavam” Fabião, como por exem-
plo, o famosíssimo Manuel do Riachão.
Luís da Câmara Cascudo, em artigo “Notas sobre o Escravo”
para a revista Boletim do Ariel (RJ), em 1937, destaca que, para a
época era comum os escravos comprarem sua alforria pagando com
seu próprio trabalho o preço afixado pelo dono e que Fabião comprou
além de sua carta de liberdade, a da sua mãe, e como já dissemos, de
outra parente, com quem ele viria a se casar. Cascudo também destaca
que alguns escravos possuíam gados e paióis de farinha e milho que
vendiam em época de seca, inclusive, às vezes, para os próprios donos.
O escritor Barreto Sobrinho escreveu texto no Jornal da
Manhã (RJ), em 24-12-1937, destacando os seguintes versos feitos
por Fabião na ocasião da morte de sua mãe:
“Minha mãe era pretinha
Pretinha que nem quixaba
Mas assim mesmo pretinha
Cheirava que nem mangaba...”
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talense com participação ativa no movimento abolicionista. Se-
gundo Wanderley morreu em Natal, no dia 14 de janeiro de 1909.
Câmara Cascudo, no seu livro “História da Cidade do Natal”, diz
que a abolição não revelou nenhum poeta, no Estado. Apenas um
natalense fazia sucesso: era, na Bahia, estudante de Medicina, Se-
gundo Wanderley.
Enquanto na capital do Rio Grande do Norte havia uma
aparente indiferença, em Mossoró, por volta de 1882, o comer-
ciante Joaquim Bezerra da Costa Mendes começou a propagar a
ideia da libertação dos escravos, com muito entusiasmo. No dia 6
de janeiro de 1883, foi criada a Sociedade Libertadora Mossoroen-
se, sendo ele o primeiro presidente. Vale ressaltar que os escravos
vinham do Maranhão, para trabalhar nas salinas de Macau e Areia
Branca, principalmente.
Em pouco tempo a Libertadora conseguiu redimir muitos
escravos, de modo que, em 10 de junho de 1883, foi proclamada a
libertação de, praticamente, metade dos escravos do município. E
em 30 de setembro do mesmo ano declarava-se, naquela cidade, a
abolição total da escravatura.
Como território livre, Mossoró passou a ser procurada por
escravos que conseguiam fugir. Sabiam eles que ali chegando, en-
contrariam abrigo. O Clube dos Spartacus sempre conseguia evi-
tar que os fugitivos voltassem para os seus donos. Alguns eram
comprados e liberados, outros eram mandados para Fortaleza, e
nunca mais apareciam. Tudo isso aconteceu cinco anos antes que a
Princesa Isabel assinasse a Lei Áurea.
O baiano Castro Alves, cognominado Poeta dos Escravos,
teve grande influência no movimento abolicionista de Mossoró.
Mesmo depois de sua morte, ele continuou ligado à causa através
dos seus versos, e por isto se tornou um dos poetas mais popula-
res. Não menos importante, a atuação de Paulo de Albuquerque
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Na década de 1930, Uriel Lourival, filho do poeta Lourival Açu-
cena, compôs a canção “Céu Moreno”, considerada por alguns como
sendo um dos primeiros manifestos na música, em defesa do Negro.
A seguir, trecho da letra de “Céu Moreno”
(...)
Deus, fizeste só então
Nevados serafins
De olhares tão azuis
Deus, perdão meu Deus, mas esqueceste.
Não fizeste um anjinho
Moreninho de áurea luz
(...)
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COMO O NEGRO É RETRATADO NA
LITERATURA NORTE-RIO-GRANDENSE
NA POESIA
SEGUNDO WANDERLEY
Escravidão
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PAULO DE ALBUQUERQUE
...
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ALMINO AFONSO
“Musa da História”
Eu não te vi no proscênio,
Quando, inundado de luz,
Evolava-se o grão-gênio
Da terra da Santa-Cruz.
As crianças redimidas,
Contemplando os céus, olhavam;
De saudade e amor transidas,
As mães escravas – choravam.
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CÂMARA CASCUDO
Banzo
Subiu a toada
Dos negros mocambos.
Saiu a mandinga
De pretos retintos
Vestidos de ganga.
Quilengue, Loanda,
Basuto e Marvanda
Fazendo munganga.
Tentando chamego
Cantando a Xangô.
Escudos de couro
Pandeiros, ingonos,
Batuques e dança...
Palhoças pontudas
Com ferros na lança.
Terreiros compridos
De barro batido.
Cantigas e guerras
Caninga de choro
Zoada de grilo.
Campina de cana
Com água tranqüila...
A voz do feitor.
Mucamas cafuzas
Moleques zarombos...
Na noite retinta
A toada subia
Dos negros mocambos.
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JAIME DOS G. WANDERLEY
Algemados de Saudade
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Eu também sou América!
Eu também sou América!
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BERILO WANDERLEY
Samba
Maracatu
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MIGUEL CIRILO
O gesto
branco – só o vazio.
branco igual a inexistente.
branco de incolor.
Maria Preta,
Seu riso
rinso.
Vazias,
suas tripas
ra ta ta vam,
metralhadoras.
Suas orações
africanas,
reação
aos atuais
violões
marcusianosi
Internacionalmente
explosivos.
Seu corpo,
indústria
de prazeres
que consumíamos
para desbaratar
a fome romântica
dos nossos sexos.
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HOMERO HOMEM
Vigarice de Cacilda
pelas ruas do Sol-Posto
cavando seu desjejum:
Se espoja em cama-de-vento,
apaga a vela a Ogum.
O corpo viram cem pratas.
Com vinte de safadeza,
Mais dez de sem-vergonhice,
Cacilda compra pimenta.
Meia-noite janta atum.
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LUIZ RABELO
(Castro Alves)
Na Etiópia
Os anjos negros morrem
de fome,
os anjinhos negros, as “criancinhas negras
morrem de fome.
Enquanto isso
No Brasil fala-se em Maluf, em Figueiredo, em Tancredo.
(Grandes nomes! Grandes nomes!)
Os Negros do Rosário
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PAULO DE TARSO CORREIA DE MELO
Uma Canção para Zé Pretinho
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BIANOR PAULINO
Senzala
O
feitor
olha
o
poder
do
olhar
dos
olhos
do
negro
olhar
Negreiro
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JÓIS ALBERTO
Raça
A Abdias Nascimento
negra nega
nega a tua alma branca
nega a copa e cozinha
nega, a história do brasil:
nega negaram
a raça de grandes homens negros.
nega, não nega
o teu cabelo a tua raça.
Raça
O padre Caldas
orangotango da Corte
entre a Arcádia e a rua
com a sua Viola de Lereno
faz irromper sua fúria branda
Cruz e Sousa
fascina-se pelas imagens brancas
e pela assepsia das formas
mas em seu emparedamento
afirma sua negra dor.
O mulato Lima
vivendo na fronteira
em que álcool, loucura e miséria
formaram um molotov de adversidades
detonou o mundo medíocre de sua época
sendo “pobre, mulato e livre”.
Gil
de refazenda e realce
da refavela ao poder
afirma seu brilho
de canto e discurso
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a cintilação de palavra e gesto
em cores vivas.
Machado
ah! O Bruxo!
esse sublimou.
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LUIZ RABELO
Marthin Luther King
R/EVOLUÇÂO
Tinha 15 anos
quando a palavra não era dita
Tinha 20 anos
quando o livro não era aberto
até a penúltima página
Tinha 30 anos
somados, rascunhados na minha própria favela
onde trasportava todos os dias sonhos de
morro a morro
Tinha 40 anos
quando o sucesso era verde e amarelo
no bê a bá da minha escola
Ah! tinha muitos anos para viver em Cuba...
mas num ato infeliz
fuzilaram-me...
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COMO O NEGRO É RETRATADO NA
LITERATURA NORTE-RIO-GRANDENSE
NA FICÇÃO
MARTINS DE VASCONCELOS
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JAIME HIPÓLITO
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FRANCISCO SOBREIRA
TIANA
(...)
OS OLHOS DE NANANA
(...)
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MANOEL ONOFRE JR.
DE VOLTA AO NINHO
(...)
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BARTOLOMEU CORREIA DE MELO
ROSA VERDE AMARELOU
A MORTA NA PORTA
Thiago Gonzaga 63
PEDRO SIMÔES
ZÉ PRETINHO
(...)
Thiago Gonzaga 65
REFERÊNCIAS:
Thiago Gonzaga 67
guar. Natal, Amarela Edições, 1997.
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