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Zee Griston

e os olhos do Armagedom
Thalys Eduardo Barbosa

Zee Griston
e os olhos do Armagedom
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B197z

Barbosa, Thalys Eduardo, 1991-


Zee Griston e os olhos do armagedom / Thalys Eduardo Barbosa. - 1. ed. -
Salto, SP : Schoba, 2013.
236 p. ; 23 cm

ISBN 978-85-8013-254-0

1. Ficção brasileira. I. Título.

13-00141 CDD: 869.93


CDU: 821.134.3(81)-3

15/04/2013

Para Maria e Júlio que sempre acreditaram em mim


e fizeram com que Zee nascesse.
1
A Tapera das Aranhas
J á era noite quando o jovem Zee Griston girava em seu ba-
lanço de pneu ao som de um poderoso vendaval que pairava
sobre toda a Tapera das Aranhas na antiga 5, no Jardim Ipa-
nema, onde o esbelto garoto de cabelos louros e extremamente
ondulados vivia.
Sobre o brilho dos seus olhos fortemente castanhos, como
se mudasse para o verde como o das folhas de amora que ali ha-
via juntamente com aquelas enormes árvores de baba timão; seus
olhos refletiam nada mais que uma grande fumaça que subia sobre
uma chaminé de um pequeno fogão a lenha, no qual borbulhava
um aroma delicioso vindo de um caldeirão grande e negro de um
saboroso ensopado de galinha.
– Saia deste balanço, saia deste monte de terra, Zee. E não
jogue barro no tapete. E peça para essa maldita gata Xandoca
parar de arranhar os meus pés, menino idiota. E não ouse me
lançar algum olhar insolente – disse Caveirinha.
Caveirinha era o padastro de Zee Griston. Muito rude e um
bêbado que não se sentia nem um pouco culpado em castigar a
família do garoto de doze anos que vivia em um sobrado ao meio
de muitas árvores em pleno cerrado Brasileiro.
– Desculpe-me senhor – disse o garoto em um tom de res-
peito e medo.

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Logo se ouvia o arrastar de chinelinhos costurados com várias desgrudava de seus amigos. Eles eram os “ZLOD”, um grupo de
pedrinhas de miçangas por todo o quintal dos aposentos. Uma se- amigos formados desde o quarto ano. Zee, o garoto pobre e dife-
nhorinha vesga, simpática, de cabelos grisalhos, zarolha de um olho, rente; Loryn Scatena, a garota gordinha e legal; Otávio Oliver, o
carregando consigo um copo de vidro rachado com uma substância menino rico e engraçado; e, por fim, Douglas Miller, o misterioso
que exalava um forte cheiro de conhaque. e alegre do grupo. Os quatro se reuniam sempre ao fundo da casa
– Olá, vovó, por onde esteve por todo este tempo? Fiquei de Loryn na antiga 3 para ver filmes, fazer brincadeiras, jogos ou
tonto em girar tanto naquele pneu. apenas fugir da realidade de garotos de doze anos que só queriam
– Fui ao bar do velho Alaor, querido Zee. Precisava de um se sentir especiais. Uma coisa selava essa amizade: um pacto de
pouco de conhaque de gengibre, sabe que apenas isso tira as dores sangue em um baú enterrado sobre o capim de um terreno baldio
desse maldito reumatismo, meu pequeno. E você, já fez sua lição com a mecha do cabelo de cada um deles.
de matemática? Em plena terça-feira, Zee calçou seu par de All Star, colocou
– Hum... Sim, claro que fiz – disse o garoto olhando para seu jeans e foi ate o empório central comprar ovos para sua mãe
seus pés. preparar aqueles deliciosos pães de queijo. Na volta, o céu estava
A vida em Cansville era sempre a mesma. Pessoas saindo para lindo, coberto de estrelas e estampando uma linda lua muito cheia
as igrejas todos os dias, meninos e meninas embarcando a grande e bem alaranjada cortada pela fiação na antiga Rua 5. Mas, de re-
Avenida Sideral rumo ao colégio de Torminel com seus uniformes pente, o vento assoprou forte e não havia ninguém ali. Zee estava
bordados sempre com um colibri dourado e, às quintas, todos os com medo e correndo quando uma coruja grande e acinzentada
adolescentes se encontravam na feira Senegal onde faziam seus en- com enormes olhos vermelhos puxou-o pelo capuz de seu mo-
contros às escondidas – na maioria das vezes, jovens pervertidos que letom e tirou-o do chão. Quando, ele acabara de acordar de um
adoravam roubar o dinheiro de crianças e pichar muros; e outros, pesadelo onde o pacote de papel pardo que o trazia consigo cheio
apenas buscavam encontros amorosos. de ovos se quebrara por inteiro. Zee contou sobre seu sonho para
Ao meio dia, o ônibus escolar passava para levar todos os alu- Loryn. A garota gordinha de jardineira elegante riu e disse:
nos até o colégio de Torminel. A mãe de Zee, Keila Griston, pre- – Zee, você precisa parar de ler tanto esses livros de magia.
parava o almoço, enquanto seu padrasto não fazia nada. Às vezes, Mas os dias se passavam e o garoto não conseguia tirar esse
ou sempre, estava apenas bêbado, brigando e gritando, sempre sonho inquietante de sua mente. Seus amigos estavam todos con-
no meio de uma coleção de discos velhos que fazia ruídos assus- centrados para as provas finais do ano letivo, com aquelas inú-
tadores. Sua doce avó não o suportava, mas, também, nem o via; meras páginas de toda a Oceania, nada contra a Nova Zelândia,
estava sempre dormindo depois de tomar tanto conhaque para seu mas quarenta páginas sobre vegetação, para turma de Zee, era um
reumatismo. No Colégio, Zee nunca foi muito popular, era um pouco doloroso demais.
garoto quieto e muito estudioso, sempre tirava um belo A e nunca – Vamos à Avenida Ocidental hoje, Zee? – perguntou Dou-

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glas Miller, um menino de cabelos compridos aos ombros e mui- – Ora bolas, quem acha que sou, senhor Griston? Sou a Se-
to negros. nhora Bilba Dark, a fada responsável por sonhos, dentes e fantasias
– Não Doug, ainda não terminei minhas quarenta páginas equivalente a 12 aniversários do senhor. Vim levá-lo ao encontro de
sobre as plantas canibais verdes da Oceania que possivelmente o suas realidades, cheia de descargas de jovens sonhadores mágicos,
professor Oscar acha que existem. meu caro. Sou sua sombra – disse Bilba Dark.
– Tudo bem então. Eu, a Loryn e o Otávio estaremos lá, caso – Isso não é real. Como pode ser real? Sou apenas um meni-
queira colar mais cartazes pra sacanear aquele idiota do Erick. no pobre, caído sobre a terra, com um grande ferimento. Preciso
Liga, tá? ir ao hospital, se puder ligar pra minha mãe, ficaria muito grato,
– Ok, até logo. senhora.
Zee ficou a tarde toda escrevendo seu trabalho escolar; a tinta – Meu lindo rapaz, não seja tão modesto. Não há ferimento
de sua caneta acabou toda, seus dedos já haviam criado calos. Le- algum, apenas imaginação. Você ainda tem três anos, acha mesmo
vantou-se do sofá e espreguiçou-se da sala de jantar até o jardim. que já viveu um milênio?
Não havia ninguém em casa, uma sombra se punha contra a luz. – Como posso ter três anos? Impossível! No meu último ani-
Zee se aproximou, acabara de encontrar uma bicicleta estranha, versário, senhora, comi melancia e ganhei de presente um calen-
vermelha e muito brilhante com várias penas e com um bilhe- dário do Pequeno Príncipe. Sou um pobre idiota que suplica para
te todo verde, escrito apenas “Com cuidado, senhor Griston.” O ligar para o número do telefone da minha casa.
garoto subiu na bicicleta e começou a pedalar levemente até uma A fada aproximou-se do garoto, dando-lhe um lento beijo em
grande decida. Descendo da antiga 5, passando velozmente até a seu machucado e ele se fechara em um uma luz roxa, e ouviu-se
antiga 1, caindo em meio a uma larga pista de terra em meio ao apenas ela murmurar: Lavirum.
cerrado dos mineiros gritando com toda suas forças: “SOCOR- – Wow – disse o garoto com seus olhos castanho-esverdeados
RO”. A bicicleta não tinha nenhum freio, nada além do bilhete muito arregalados.
que lá jazia. O menino foi descendo, descendo, quando houve – Agora vamos, meu caro, hora de irmos.
uma grande derrapagem. A bicicleta foi parar longe e o menino – Irmos pra onde, senhora? Não posso fugir de casa, minha
espatifou-se no chão, o que lhe causou um feio e grande machu- família precisa de mim, nem tenho roupas pra viajar e tenho que
cado no joelho. Ninguém estava ali para socorrê-lo, quando, de pedir permissão.
repente, abriu-se uma grande caverna meio ao morro de cupins e – O sangue derramado de um menino normal, nada além
dali saiu uma senhora com vestes extremamente vermelhas e uma de normal, o torna especial, meu caro senhor Griston. Isso basta
bengala cravejada de esmeraldas. para o meu, e agora seu, mundo. Primeiro, precisamos acordá-lo.
– Quem é a senhora? – perguntou o pequeno Zee, extrema- Aquele cão bobão esta passando dos limites.
mente assustado e tremendo de dor. – Senhora, que cão? Do que está falando?

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Um grande furacão começou a soprar em sentido anti-ho- como o céu, com um cachecol de raposa, disse:
rário de dentro da caverna e os dois foram sugados. Apenas uma – Sou Merlin, meu caro Zee Griston.
pena caía sobre uma árvore de Ipê ali presente, tudo se tornara O senhor delicadamente apanhou uma cesta cheia de chi-
escuro com alguns lampejos em lilás e verde. Zee estava girando cletes e guloseimas e trouxe uma cadeira apenas com os olhos
sobre a gravidade em um espaço mágico e obscuro quando apare- até Zee Griston. O menino estava absolutamente assustado, sem
ceu uma porta com o numero 45 e a seguinte inscrição “abra com ideia alguma de onde estava naquele momento.
o espirro.” – Desculpe-me senhor Merlin, mas onde exatamente estou?
– Como vou abrir a porta? – O senhor está no eixo da Magia Kim, senhor Griston. Cer-
– Por sorte, quando você tinha dois anos, guardei esse pedaço tamente Bilba, aquela sombra travessa, o trouxe até mim, seis mi-
de fumo negro dos cachimbos de sua vó, Zee. nutos atrasada, eu presumo.
Bilba pegou um pedaço de fumo muito negro e esfregou sobre – Mas, senhor, em que posso lhe ajudar? Eu não sou nada,
as narinas de Zee Griston, que deu um forte e barulhento espirro. sou apenas um menino de doze anos, complicado e com muita
A fechadura logo se dissolveu, formando uma estrela inversa. Zee lição escolar a fazer, senhor.
apenas esfregou o sangue de seu machucado e a porta abriu-se. – Pequeno Zee, já era tempo de lhe dizer que você, quando
Ele caiu de uma vez em um quarto de bebê. Estava ali ele com rodopiava sobre aquela goiabeira, exalou inúmeros sonhos e isso
três anos, dormindo dentro de uma bolha que um cão grande e vem junto com encantamentos muito poderosos, rapazinho. E, no
marrom arrotava várias bolhas pela boca. Um cão engraçado, com meu mundo, isso é um requisito importante para considerá-lo um
um chapéu de festa de aniversário, com a seguinte inscrição: “Mr. kimbulo. Eu sou um velho kimbulo de vários séculos, mas, morto,
J.”. Bilba pegou um grande espeto de limoeiro, furou a bolha e o e, mesmo assim, continuo a exercer meu ofício.
bebê caiu rápido no berço. Logo apareceu escrito sobre a madeira – Kimbulo? O que exatamente é isso, senhor? Como posso
de carvalho nobre: “viva um sonho” e o pequeno Zee adormeceu. ser um kimbulo?
Em seguida, o outro Zee, que acabara de acordar, saiu correndo – Um kimbulo, senhor, na minha época, eram as pessoas mais
para frente do espelho e gritou: inteligentes e essencialmente sonhadoras. É uma magia antiga e
– Esse foi o maior sonho da minha vida! muito poderosa que exala sobre o universo mágico, o poder de
Havia a marca de um batom bronze sobre o espelho em seu viver seus sonhos mais profundos de uma forma concreta. Desco-
quarto. O garoto tocou a marca e rapidamente foi engolido pelo bri que era um kimbulo aos seis anos de idade e entrei para a es-
próprio espelho, indo parar em uma sala onde uma cadeira balan- cola de Kimbulândia aos doze e, se não me engano, o senhor está
çava sem parar. atrasado. Devo crer que aquele pacto de sangue entre seus amigos
– Quem é você? – perguntou o garoto. os tornam iguaizinhos ao senhor, Zee Griston. O balão o espera,
Um senhor velho, de longos cabelos brancos e olhos tão azuis senhor – disse Merlin

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– Mas, e minha mãe e minha família, como saberão? Como mente, agora com vestes peroladas, sobre um enorme tapete persa.
vou dizer que sou uma coisa que nem sabia que era, senhor? Como Zee Griston subiu rapidamente até o tapete, que perfurou toda
posso dizer? Vão achar que estou louco ou coisa pior. a areia do deserto até um empório cheio de pessoas com roupas
– Tive a audácia de conversar pessoalmente com a sua avó, épicas e muito elegantes. Todos andavam com muita pressa e o sol
meu caro Zee. Deu trabalho convencê-la. Ela teme o nosso mun- sumiu sobre a superfície, dando espaço a um grande olho amarelo
do, acha que você ainda não está preparado, mas, disse que quan- de luz que aquecia tanto quanto o próprio sol. No solo, o piso era
do ela tinha quatorze anos, ela murmurou um sonho obscuro que todo quadriculado em preto e branco, como em um jogo de xadrez.
colocou fogo em toda a minha barba e isso era mais que estar – Finalmente chegamos, senhor Griston. Bem-vindo ao Sub-
preparada; então, ela sentiu-se mais confortável sabendo que me terrâneo Mágico de Kim.
devia essa. Bilba Dark entregou um pedaço de pergaminho surrado e
– Minha avó era uma kimbulo, senhor? sujo com algumas inscrições luminosas, uma grande lista de obje-
– Sim, e muito famosa. Derrotou três grandes feiticeiros kim- tos, contendo as seguintes informações:
bulos do mal usando a magia preferida dela: as nuvens tibérias. O Senhor Zee Griston Kimbulo deve trazer consigo à Kim-
– Wow!! Mas que balão é esse, senhor? Eu não tenho absolu- bulândia:
tamente nada para Kimbulândia. – Uma ampulheta com areia harmoniosa;
– Como não tem nada? Seus sonhos, no Mundo Kim, são o – Vestes do primeiro ano;
seu dinheiro, senhor Griston. E, pelo que sei, o senhor tem o su- – Luvas encantadas;
ficiente. O que precisa encontrará no Deserto dos Queijos. Acho – Velas de Lua;
que Bilba já o aguarda. Até logo, senhor Griston. Ah, e boa sorte. – Frascos com arco-íris líquido;
As paredes e cortinas viraram areia. O fogo da lareira se apa- – Besouros mensageiros cintilantes;
gara por inteiro e todos os aposentos caíram como areia cobrindo – Um gato egípcio ou um cão reduzível;
completamente os tênis de Zee Griston. Ele notara que aquilo era – Canetas oculares que se adaptam ao couro de animais;
areia movediça e sentia que estava sendo puxado lentamente para – Um par de sapatos para Kimboll; e
baixo. Ele gritou e, de repente, caiu em pleno deserto. Ao longe se – Os livros Kimbulos: “Magia principiante”, “Fogo de dragão
avistavam as pirâmides do Egito. Zee já havia visto em fotos, ele a pesadelos”, “Herbokim”, “Jogando Kimboll Aquático e Solar” e,
sabia onde estava. por fim, “Os famosos Kimbulos dos Séculos”.
– Bilba cadê você? – Bilba, onde encontrarei luvas encantadas?
– Ora bolas, estou aqui, senhor Griston. – Bem, senhor Griston, devemos ir ao lugar certo. Não ima-
Sua sombra pulou de seu corpo em um salto único, rodopian- gino lugar melhor se não a Igreja Kim St. Zedom. Lá são fabrica-
do por toda a areia, e logo a forma de Bilba Dark formou-se nova- das as melhores luvas para suas magias. Tenho certeza que encon-

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traremos algo bem especial lá, querido. Quem sabe asas de fadas – Desculpe-me, senhor – disse o menino em um tom hostil.
ou seda de casulos de borboletas da Pensilvânia, são as melhores, – Mas sempre fui um bom aluno, jamais colei em provas e
meu bem. sobre as aranhas, bem não sei o que dizer.
Logo os dois entraram em um gigantesco castelo todo em – Pague-me e vá embora, kimbulo delinquente.
diamantes rodeados de fadas e duendes. Entrando por uma porta Bilba tirou uma bolsa de couro e arrancou uma nota que di-
com cortinas muito verdes; ali havia vários meninos correndo e se zia “20 Gold Dreams” e os dois saíram rápido da grande igreja
empurrando. O jovem Zee, no meio da poeira, ouviu um mur- transparente que reluzia sobre todos aqueles pisos quadriculados
múrio, “Cabra limpa”, e uma gosma azul saiu em meio às caixas. iluminados por um grande e majestoso olho de ouro, mais lindo
Um velho gordo e com o aspecto de javali com óculos de átrio saiu que a última aurora Kim.
dando uma grande olhada a Bilba e logo perguntou: Durante aquele passeio para fazer compras, Zee observa-
– O que precisa cara, Bilba? va várias coisas mágicas, estranhas e diferentes, como jovens
– Olá, Oripus. Precisamos de um par de luvas encantadas vampiros brigando com lobisomens mirins em becos, morcegos
para o jovem Zee Griston. multicoloridos, lojas com roupas excêntricas lampejando luzes
– Ora bolas, Zedom, que nos perdoe esse pestinha em Kim- que soltavam faíscas pelos fios, e havia, em uma das vitrines,
bulândia, mas já não basta todos aqueles vômitos de amoras cain- um bando observando alguns jovens kimbulos de dezesseis anos
do sobre minha soneca à tarde? Bem, já sei o que lhe pertence, Zee flutuando em skates sem rodas em torno das esculturas, bem
Griston – disse o velho kimbulo em tom ríspido. no alto, perto daquele gigantesco olho que tudo via. Em uma
Saiu e voltou logo com uma caixa negra e cintilante. das lojas uma placa com a inscrição “Consolem” para Kimbulos
– Abra, senhor Griston. exclusivos,”Não entre” totalmente tampada por cortinas escuras
O menino, assustado, abriu delicadamente a caixa na qual como se houvesse algo a se esconder lá dentro, Zee olhou intri-
havia um par de luvas extremamente reluzentes do branco ao azul, gado tentando imaginar o que havia lá dentro.
muito lindas e brilhantes. Colocou o par nas mãos e disse: – Bilba, o que há naquela loja na Consolem?
– Tok Tok. – Bem, Zee, aquela loja é pra kimbulos maus. Há, na verdade,
O nariz do velho kimbulo se partiu ao meio artefatos que causam pesadelos que afetam tanto neste como no
– Oras, e agora, senhor Griston? Deverei consertar sozinho outro mundo, objetos extremamente perigosos, feitiçaria das tre-
esse estrago? Já bastam aquelas malditas aranhas daquela sua ta- vas, como Goétia, e alquimia de alto grau, como um pedaço dos
pera me enviarem aqueles avisos de “as luvas de Zee estão quase pesadelos de crianças. É um lugar proibido para menores como
prontas”, agora essa? – gritou o Kimbulo. você, mantenha-se distante. Kimbulos honrados não se metem
– Zedom tenha pena da Escola de Kimbulândia. Acaba de com essas coisas. Eles praticam artes monarcas, um veneno mági-
chegar um grande trapalhão. co para os olhos dos Reinos de Kim. Devo lhe contar uma histó-

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ria, há muito, muito tempo, quando os grandes magos guardiões var por total nosso mundo das sombras. É um kimbulo do sangue
criaram os Mil Mundos, Zedom, o mago de nossa dimensão, o dourado, o símbolo do sangue e do próprio líquido de Zedom, o
nosso Deus, deixou anjos e um casal selando um jardim protegido chamado Kimbulo Proibido. Mas é claro que isso é só uma lenda,
por encantamentos e total equilíbrio e magia para viverem eter- os mil reinos usaram detectores em todos os kimbulos nascidos há
namente em perfeita harmonia e prosperidade. Adão e Eva, eles séculos, desde o começo do mundo, e, até hoje, nenhum kimbulo
eram kimbulos incríveis que viviam um eterno amor mantendo chorou ouro, apenas prata e, algumas vezes, bronze. Esse é modo
seu jardim em uma imensa paz. A felicidade de Zedom foi tanta como se mede o poder e a pureza real dos kimbulos e o grande
que certo dia ele chorou de tanta felicidade e dessa gota caída no olho detecta rapidamente tal poder de magia, mas os kimbulos
jardim selado por anjos brotou uma semente. Essa semente tinha que choram trevas são fiéis a Magnus e adoram destruir sonhos
uma sombra, essa sombra era a sombra de um broto, deste broto e matar qualquer um que cruze o caminho deles. Todos os anjos
nasceu um bebê, que foi acolhido e criado pelo casal de kimbulos. morreram, hoje só se sabe dos mestiços, como elfos, fadas, duen-
Este bebê era o futuro rei, o Kim Magnus. Ele foi se fortalecendo des, gigantes e os perigosos vampiros e criaturas das sombras, como
tanto, mas tanto que teve poder suficiente para viajar sobre os ou- os demônios, os fantasmas e zumbis, mas estes não nos fazem mal
tros mundos. Ele foi enganando e mentindo para os grandes kim- algum, porém são bastante desprezíveis. Zee, sua mãe o ama tanto,
bulos mestres, obtendo cada vez mais sombras e poder suficiente mas tanto que a cada sorriso seu há luz, e a luz sempre vencerá as
para tomar todo o nosso mundo, matando Zedom, seu próprio trevas e esse é sua maior chance de vencer este ano: o amor. E seu
pai. Dali ele cuspiu nuvens, nas quais nasceram criaturas obscuras pai, mesmo tendo morrido, foi um kimbulo que cuidou do vidro;
que tomaram nosso mundo. Essas criaturas, chamadas de Sortu- e vidro é pedaços de um coração e tenho certeza que formam um
nus, alimentavam-se dos sonhos bons de Adão e Eva, fazendo com espelho em sua alma, um espelho que nunca, nunca se quebrará.
que eles deixassem os lados do mau os tomarem por inteiro. Mas Você, Zee, é o beijo de bronze de sua mãe em um espelho. Este é
ele não sabia que do olho que Zedom chorou aquela lágrima não o maior presente que sua família tem, tenho certeza que sempre
poderia ser destruído então, daquele olho se fez brotar uma árvore, os dará orgulho tanto como homem, quanto com kimbulo. Na
a árvore das luzes com maçãs douradas como proteção de Zedom dúvida, seu maior poder mágico é o amor, e isto vale mais que as
para todo o nosso mundo e graças a essas maçãs estamos hoje lágrimas de ouro magico do próprio olho de Zedom. Você é gran-
aqui. A luz foi tão forte e poderosa que Magnus se tornou apenas, de e será mais ainda assim que estiver totalmente kimbolizado. A
e novamente, a sombra de nosso mundo controlado pela luz dessa primeira mordida em sua maçã provará isso. Até lá “Genesum”.
árvore. Alguns kimbulos em nosso mundo acreditam e são fiéis a E grandes corvos começaram a formar com suas penas o
Magnus e são os Magnistas, kimbulos dominados e adoradores nome de Kimbulândia.
das trevas. Diz a lenda que apenas um kimbulo nascido em um Zee ficou extremamente impressionado que aquilo tudo exis-
broto de jasmim com o coração mais puro dos mundos pode sal- tisse, não passava por sua cabeça que tudo isso fosse real.

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– Encontraremos tudo isso aqui, em pleno Egito, senhora? E seus amigos, onde eles poderiam estar? Por que tantas pergun-
– Oh, sim, senhor Zee, claro que encontraremos. tas sem resposta? Nada o confortava naquele momento, apenas
Eles entraram em uma livraria formada por vários tijolinhos os latidos e zumbidos de suas criaturas encantadas que ele trazia
de fogo, saíram dali com punhado de pacotes com todos os livros consigo. Naquele momento, as portas de sua cabine abriram-se e
da lista e, por fim, passaram por um bazar trazendo consigo um Zee arregalou seus olhos. Não acreditava no que estava vendo ali
pequeno cão roxo, peludo e pequenino, que cabia na palma da mão. na sua frente. Era nada menos que seus amigos. Loryn que estava
– Você vai se chamar Futrica – disse Zee ao simpático e salti- absolutamente linda e, agora, magra, com luvas negras extrema-
tante cãozinho. mente luminosas. Douglas Miller estava com o capuz de suas ves-
Traziam também um grande besouro rubi engaiolado que fa- tes cobrindo a cabeça e dizendo:
zia inúmeros zumbidos. Bilba Dark murmurou: –Zee, Zee, nosso amado Zee.
– Levita. E Otavio Oliver, que recebeu o amigo com um grandioso sor-
E o tapete levitou carregando, Zee e todos os seus pertences, riso. Zee não imaginava que seus amigos também eram kimbulos,
desaparecendo sobre o céu até a ponta das patas da esfinge, onde até se lembrar do pacto de sangue ao qual Merlin havia se referido.
havia vários garotos e garotas todos vestidos com uniformes boni- – É muito bom ver vocês – disse Zee sorrindo e muito,
tos e engraçados com o emblema de um Dragão e com as costas e muito feliz.
capuzes em forma de vel. Todos estavam à ponta de um gigantesco – É muito bom te ver também! – disse Loryn com os olhos
balão carmim com várias cabines. Todos espetaram seus dedos na cheios de lágrimas que rolavam como chuva sobre a madeira da
ponta de uma roca, que dizia em auto e bom tom “Jovens Kim- cabine.
bulos, sangue, por favor”. Zee sentiu uma picada dolorosa em seu Eles colocaram suas luvas, abriram seus livros na página 10 e
dedo indicador e correu pra uma cabine vazia no gigantesco balão. murmuraram:
A cabine tinha cortinas estreladas que cantavam: “Kim-Kim-Kim –“Gagal”.
Kimbulândia é assim”. Logo, camas surgiram do chão e eles deitaram-se. Loryn dei-
Bilba Dark voltara a ser uma sombra. Ao longe, viam-se os tou-se junto a Zee, acariciando seus cabelos até o menino ador-
últimos garotos e garotas kimbulos entrarem no balão, mas, mes- mecer. A viajem só estava começando naquele gigantesco balão
mo assim, Zee sentia-se muito, muito solitário; a única coisa que com todas aquelas cabines cheias de kimbulos de vários anos.
se passava por sua mente naquele momento era como sua família Eles estavam indo nada menos que para Firenze, na Itália, rumo à
estava, se realmente aquilo tudo não era mais um daqueles sonhos Kimbulândia, onde seriam devidamente kimbolizados. As estrelas
estranhos e que seria da sua lição do professor Oscar. Será que cobriam o céu e a vegetação se tornara cada vez mais verde, os
toda aquela vida em seu mundo fora deixada para trás? Será que pinheiros ali era absolutamente lindos. Morcegos multicoloridos
nunca mais ele voltaria? Para onde aquele enorme balão o levaria? voavam sobre os corredores, corvos e os animais dos alunos faziam

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vários e vários ruídos. A garota percebeu que não havia passagens pelo ambiente,
Na manhã seguinte, o sol batia com força sobre a face ave- nada comum. De repente, apareceu uma menina que se transfor-
ludada de Zee. Douglas deu um grande bocejo e disse que estava mou em fumaça e foi sugada pelos tubos de ar deixando os quatro
com muita, muita fome. Atrás das camas havia um armário cheio de boca aberta.
de panetone com pedaços de frutas cristalizadas, luvinhas de abó- – Precisamos virar fumaça, é óbvio, pessoal – disse Douglas.
bora do restaurante Abóbora Mágica, guarda-chuvas de chocola- Zee abriu um dos seus livros no qual encontrou um selo com
te nos sabores amor, amizade, saudade e alegria e refrigerante de a seguinte inscrição “Forma de Davi” e, ao murmurar isso, eles
pêra. Os garotos brincaram a tarde toda, sem sair de suas cabi- transformaram-se rapidamente em um monte de vapor azul que
nes, treinando alguns encantamentos com suas luvas. As luvas de foi sugado por um cano na loja de brinquedos. Um lápis com ca-
Doug eram de raiz de ameixas amarelas; as de Otávio eram de pelo beça de Pinóquio disse algo como:
de girafa; as de Loryn, de pó de chifres de mamute impregnadas – Idiotas Kim.
em um tecido negro bastante reluzente. Os meninos foram pairar sobre um monte de poeira em cima
Naquela mesma tarde um rapaz com cara de bulldog entrou. de um armário em um hotel. Todos estavam descendo uma escada
Era ninguém menos que Erick Vilarinho, o inimigo número um em um alçapão, havia um porão ali e uma kimbulo negra absolu-
de Zee Griston. Todos os quatro não tinham a mínima ideia de tamente linda e elegante que dizia:
como ele parara ali, nem de como um bobão daquele fosse um – Rápido, garotos, rápido, antes que os vejam.
kimbulo. A sombra dele, na opinião de Zee, com certeza era um Todos escorregaram em um escorregador de mármore em um
palhaço assassino. Ele fez aparecer um monte de espinhas com grito exaltado e caindo sobre um monte de algodão verde.
uma magia estranha saídas de suas luvas azuis no rosto de Loryn. – Essa é uma das três passagens para Kimbulândia, alunos.
Doug tentou colocar gelo, mas Otávio abriu seu livro e disse um Essa escola foi fundada há séculos com o seguinte propósito: kim-
encantamento “Nuc Nuc” e a pele da jovem e bela kimbulo voltou bolizar todos os alunos. Por trás dessas paredes de mármore está
ao normal. situada a grande mesa Kim, onde todos vocês encontrarão seus
Já era noite mais uma vez e eles tinham total certeza de que amigos e professores. Seus bens serão levados ao sonho do primei-
estavam chegando. Ao longe, já se via Roma; Firenze não ficava ro dia para o quarto de cada um de vocês e nada, nada de magia
tão longe dali. O balão desceu exatamente à meia-noite. As ruas obscura é aceita aqui. Os portões já foram selados e a Grande
estavam desertas naquela cidade com muros de pedras e todos os Árvore de Zedom espera vocês para definir para qual turma serão
garotos e garotas estavam correndo para dentro de uma loja de levados cada um de vocês. As turmas dividem-se entre Lumina-
brinquedos. Os quatro amigos foram juntos. rius e Americus. Cada kimbulo aqui presente morderá sua maçã
– Estranho – disse Loryn. e se sentará junto aos grandes kimbulos que aqui estão. Qualquer
– O que é estranho? – perguntou Otávio. irregularidade aqui será monitorada pelo grande olho e, por fa-

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vor, jovens alunos, cuidem de suas criaturas, nada de travessuras to deu um violento sorriso e correu para sentar-se à redonda mesa
e pegadinhas catastróficas. Iremos agora até a Sala Primordial e, central, uma mesa linda com um grande porco e uma maçã ver-
cuidado! Se saírem da linha, levarão uma expulsão. Por favor, não melha à boca. Cumprimentando todos os kimbulos do penúltimo
arranquem o gramado do saguão e meu nome é professor Linde ano de uma maneira como se quisesse fazer amigos influentes.
Frow, de Kimbologia Egípcia – disse um kimbulo de meio metro O pequenino professor gritou o próximo nome, “Douglas
com vestes negras como as escadarias em mármore ali presentes. Miller”, e o garoto extremamente assustado aproximou-se muito
Os alunos seguiram o pequenino kimbulo até o saguão de devagar do degrau maior da escada. Ali, e com uma leve mordida
iniciação perante a Grande Árvore de Zedom. Uma menina en- em sua maçã dourada, viu-se escorrer uma gota bronze de seu olho
graçada dizia a sua amiga: esquerdo. Houve um som e a neve mágica que sempre caía do teto
– Comprei a coleção completa de Regina Crash, a kimbulo que não escondeu a palavra “Luminarius”.
tem as canções mais poderosas deste século do pop magic. Kimbulândia era dividida em dois grupos: os Americus e os
Outros alunos mastigavam chocolates que deixam a língua Luminarius. Os Americus eram extremamente poderosos e inte-
em forma de pedra. Pelo caminho, Zee percebia como Loryn es- ligentes, nunca repetiam o ano, encorajavam-se a praticar encan-
tava encantada com os truques de mágica em maquiagem e com tamentos perigosos e sempre traziam consigo seus cães; diferente
sua boneca falante. Era apenas um feitiço. O chão do gigantesco dos Luminarius, que veneravam os felinos e eram fiéis e incríveis,
saguão já se via ao fim daquela gigantesca escada em mármore em mesmo que alguns tenham certo hábito de tropeçar nas armadi-
forma de espiral. A grama do local fazia cócegas pelo solado dos lhas dos Americus, os Luminarius nunca levavam um desaforo
sapatos dos alunos, o teto era um gigantesco espelho central e as para casa, nem no Mundo Kim e nem fora dele, sempre compe-
paredes do enorme salão circular eram todas em mármore, rodea- tiam entre si no kimboll e essa era a forma de se kimbolizar rapi-
das por vidraças negras. Isso fez Zee lembrar-se de seu pai, que era damente, enfrentando-se.
um kimbulo Vidraceiro. Doug deu um berro alto e incomodante Logo, o jovem Doug sentou-se à mesa redonda ao lado de al-
apontando para seus amigos e os tantos outros que ali estavam. guns pequenos garotos do segundo ano saboreando morangos ja-
A Grande Árvore era uma árvore grande e muito linda, com poneses, fritas e entre outras milhares de delícias do mundo todo
folhas em forma de corações e torta de tantas maçãs douradas. que se concentravam ali, naquela redonda e gigantesca mesa. Agora,
Cada maçã havia o nome de um kimbulo. As maçãs estavam flu- o professor apanhara mais uma maçã em uma de suas mãos, uma
tuando com uma magia estranha. Linde Frow apanhou a primeira maçã muito dourada, grande e absolutamente viçosa que trazia con-
maçã com o seguinte nome: Erick Vilarinho. O kimbulo todo sor- sigo o seguinte nome: Zee Griston.
ridente deu um passo a frente, apanhando a maçã em uma de suas O menino sentiu calafrios por todo corpo, sua mão suava
mãos e dando-lhe uma forte mordida. De seus olhos escorreu uma como toda a sua pele por baixo do uniforme. Ele sabia que tinha
grande lágrima prateada formando a palavra “Americus”. O garo- acabado de chegar o seu momento. Ele parou e começou a lem-

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brar-se do seu antigo mundo e a pensar naquele que agora estava
vivendo, como se pudesse sair correndo e não fazer aquilo, poder,
por uma vez, acordar e aquilo tudo voltar a ser apenas um sonho.
Entretanto, não hesitou, colocou-se à frente e deu uma forte mor-
dida na maçã misteriosa.

2
As Lágrimas de Ouro

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A
íris e pupilas de Zee haviam sumido completamente. O
pequeno Zee estava agora girando sobre o ar e gritando,
como se houvesse uma imensa dor e fraqueza, como se
aquele fosse o seu último suspiro, mas um suspiro de morte. De
repente, seu corpo se abriu ao ar, como se estivesse formando uma
estrela e seus olhos começaram a lacrimejar inúmeras gotas doura-
das, ouro líquido. Depois de vários giros, a grande árvore sacudiu-
se e o garoto, antes de cair daquela altura, ouviu alguém murmurar
um feitiço em alto e bom tom. “Liderius” acabara de ser lançado
ao corpo do menino e havia saído das mãos de uma kimbulo velha
de vestes violetas com os cabelos muito grandes que chegavam a
arrastar sobre o gramado do saguão. Era ninguém menos que Rose
Marry, a professora sênior do colégio. Ela disse bem alto:
– Afastem-se – e aproximou-se do pequeno Zee Griston que
estava caído no chão, sem defesa alguma.
Logo as lágrimas de ouro começaram a se mover rapida-
mente, formando a letra “Z” por todo o rosto de Zee e então
se ouviu alto, como em alto-falantes, “Luminarius”. O garoto
levantou-se devagar ajeitando seu uniforme e saiu correndo até
a mesa redonda. Todo o salão parou congelado, olhando para
Zee Griston, como se algo estivesse errado, como se ele tivesse
feito alguma coisa incorreta. Todos os professores começaram a

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cochichar coisas como “impossível, impossível”. “O que poderia vez, bem cheia e alaranjada, como naquele sonho no qual os ovos
ser impossível?”, perguntava-se Zee em seus pensamentos. se quebravam em um saco de papel. Mesmo o barulho de Bimbo,
Então ele acabara de lembrar o que Bilba Dark havia lhe fa- o besouro, não foi suficiente para fazer o dono das lágrimas de
lado sobre Zedom e a lenda do fruto proibido. A história do filho ouro dos Luminarius se incomodar, visto que Zee Griston acabara
lendário que, segundo o que Bilba havia contado, seria o filho do de dormir.
Deus do Mundo Kim. Zee Griston começou a entender, mesmo O sol nascera. Zee estava contorcendo-se por toda a cama,
assustado com todos aqueles olhares. Algo lhe fazia sentir-se bem criando forças para levantar-se quando ouviu um barulho alto
e feliz de estar do lado dos Luminarius, que para ele representava que o incomodava vindo dos corredores da área lateral dos outros
o lado do bem no Mundo de Kim e em Kimbulândia. Seus amigos quartos. Era o fiscal dos Luminarius dando batidas estrondosas
com certeza nada sabiam sobre a história que Bilba havia lhe con- às portas de todos os quartos, batidas realmente fortes. O garoto
tado. Todos estavam sorridentes naquele momento, como se nada correu, tirando todo seu pijama de corações, indo até seu banhei-
pudesse abater tanta alegria. A magia em Kimbulândia naquela ro, onde observou um forte jato de água cair de um chuveiro que
noite mágica caia do teto formando o emblema de um gigantesco tinha a forma de um peixe de metal que soltava uma água quente,
dragão. Todos estavam agora felizes e presentes naquela noite sur- quase escaldante, de sua boca. A pasta de dentes tinha sabor de
real, que ficaria para sempre na memória de Zee. Mas o que havia amendoim e todas as toalhas eram invisíveis. Era hora de ir para
por trás daquelas lágrimas? E o que significa “Z”, além de ser a a aula de Controle do Tempo. Zee vasculhara todas as suas coisas
inicial do nome de Zedom e de Zee Griston? O que mais poderia procurando seu par de luvas e sua ampulheta. Havia combinado
haver por trás deste grande mistério? de se encontrar com seus amigos perto da escultura do Conde
– Para os aposentos! – gritou uma escultura do Rei Salomão. Drácula, próximo da escada giratória no primeiro andar. Quan-
Para os aposentos! do chegou lá, não havia ninguém; provavelmente eles tinham se
E todos foram, enfileirados, descendo todas aquelas escada- atrasado. Longe, ao meio das pilastras de mármore da gigantesca
rias em forma espiral até os quartos da ala dos Luminarius. Cada catedral, Zee viu algo brilhante surgindo, nem imaginava um ho-
aluno tinha seu próprio quarto e todos os seus pertences já haviam mem tão brilhante e com vestes tão engraçadas.
sido levados a cada aposento da enorme catedral redonda, que – Olá! – disse o garoto com um olhar duvidoso.
mais parecia o grande Coliseu romano. No quarto de Zee havia –Olá? Como me diz olá por Zedom? Sabe quem sou eu,
lindas cortinas nas vidraças e em torno de toda sua cama, estam- garoto?
padas com vários sóis, estrelinhas e átrios amarelos sobre o azul – Hum... Não. Quem é e o que é o senhor?
royal do tecido; o estofado do colchão era extremamente macio, – Sou o gênio Kasmín. Vivo em Kimbulândia desde antes
como se afundasse em uma nuvem e, ao longe, via-se todo o bos- de o senhor nascer, exatamente há trinta séculos. E não me peça
que e florestas incrivelmente exuberantes. A lua estava, mais uma para realizar nenhum desejo, pois não posso; aliás, nenhum gênio

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neste lugar pode, pois aqui existem encantamentos muito, muito daqueles feitiços, sua Kim lunática.
poderosos que nos permitem apenas viver aqui e nada mais. – Hey, Doug! Não acha mesmo que vou perder tempo com co-
O gênio muito gordo e vermelho saiu procurando uma de elhas, não é mesmo? Acho que você anda usando alguma daquelas
suas namoradas que, segundo ele, havia sida presa em uma esfera drogas mágicas com aqueles meninos do quinto ano.
por um dos alunos da Americus. Não era só isso que existia de Zee pediu para os amigos pararem de brigar. Todos já esta-
diferente naquela escola, à noite ouvia-se uivados na floresta de vam 3 minutos atrasados e isso, para uma aula que relativamente
Gregório e, segundo alguns alunos, a encanação da escola era in- era sobre tempo, era realmente muito, muito importante.
terligada com a do Vaticano e lá havia um bando de zumbis, mas Todos os alunos entraram na sala e sentaram em suas carteiras
graças aos encantamentos dos professores, nenhum deles jamais de madeira, que tinham forma de lua minguante. Em seguida,
conseguiu passar pela segurança. Através dos vidros dava para ver ouviram uma porta fechando e um kimbulo com vestes de sangue
vários meninos do último ano fotografando as belíssimas sereias entrou pela porta. O ambiente era sombrio, totalmente obscuro
no Rio das Fadas dos Dentes. Dizem que no fundo do rio, as fadas e muito frio.
dos dentes depositam os dentes de leite de todas as crianças dos – Meu nome é professor Will Stik e, esse ano, serei o profes-
Mil Mundos, com a intenção de que um dia as crianças as liber- sor de Magia do Tempo. Todos com suas ampulhetas. Abram seus
tem. As sereias balançam suas caldas e sorriem felizes para as fotos. livros, agora.
Quando chega o inverno, elas viajam para longe à procura de um O kimbulo lançou um olhar muito misterioso e hostil a Zee
lugar mais agradável e depois retornam. Griston, como se houvesse algo de errado com a presença do garo-
Toda a comida do castelo é a base de caça e é preparada na to naquela aula, mas, ao decorrer da aula sobre objetos e artefatos
gigantesca cozinha mágica de Kimbulândia e tudo, tudo com a capazes de interferir no tempo do passado, presente e futuro, o
ajuda de anões escoceses que devem tributo e lealdade à escola por pequeno Zee percebeu que o professor o ignorava, fazia com que
permitir que eles mantenham suas minas no subsolo do castelo, de ele se sentisse insignificante ali, como um nada. Zee parou para
onde extraem muito ouro e vários tipos de pedras preciosas vendi- pensar. Será que isto era porque, após ter mordido aquela maçã e
das a alto preço a sonhadores do mundo real. O Rio das Fadas dos suas lágrimas terem derramado ouro, havia se tornado uma ame-
Dentes serve como campo aquático para o maior jogo no mundo aça, diferente, anormal? O professor fez com que Zee se sentisse
Kim, o kimboll. Ao longe, Zee via alguns Luminarius treinando de uma forma negativa durante toda a aula, como se ele fosse di-
contra os Americus quando apareceu Otávio com a cara cheia de ferente do resto da turma.
marcas do travesseiro e pasta de dentes na gravata de seu unifor- Erick Vilarinho se deu muito bem com o professor. Os dois
me. Em seguida, Doug e Loryn também apareceram discutindo eram iguaizinhos. Em alguns segundos o professor kimbulo fez
sobre o sumiço de certo coelho chamado Bilde. sua ampulheta rodopiar, voltando todos ao começo da aula. Se
– Você, Lolo Plomp, pegou a Bilde e desapareceu com algum não fosse por todos os encantamentos naquela escola, Griston vol-

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taria até aquele momento e jamais teria mordido a maçã. Seus – Consolem? O que é isso, Zee? – perguntou com curiosidade
amigos evitavam tocar no assunto. Agora, com certeza, todos os Loryn. – Escutem. A Consolem é uma loja estranha e obscura que
três já sabiam exatamente o que realmente acontecera na noite an- eu vi no centro de Kim quando fui com Bilba Dark comprar meus
terior e o porquê do grande espanto dos professores e dos alunos materiais. Ela me disse que eles são praticantes de feitiçaria das tre-
mais velhos. Ao sair da aula, Zee encontrou um bilhete rabiscado vas, proibidas pela policia de Kim. Eles praticam rituais, evocam
com uma magia misteriosa, que não parecia coisa de um aluno, espíritos maus, entre outras coisas. O pior de tudo é que nenhum
com as seguintes inscrições: deles possui alma; são capazes de matar qualquer um que cruze o
caminho deles. A maioria está na prisão de Kim; o resto está livre
Ao lágrimas de ouro, cuidado. por aí, adorando e cultuando Magnus, um feiticeiro que enganou
As trevas já sabem que a lenda é real. os grandes kimbulos e deixou os nossos mundos dominados por
Apenas T.C. pode viver. caos e trevas. Ele matou Zedom e com certeza vai me matar tam-
Z. Morrerá. bém – disse Zee com muito medo e aflição.
Ao Sortunus. – Impossível, Zee, Magnus morreu. Após a árvore, ele jamais
retornou, ele é controlado por uma prisão de todos os poderosos
O garoto saiu correndo ao encontro de seus amigos, assusta-
Kimbulos e Alquimistas do bem inclusive o próprio Merlin . E
do. Como poderia haver algum traidor na escola? Como poderia
outra, você é a lenda, o filho de Zedom. A lenda não é mais apenas
alguém ameaçá-lo de morte em seu primeiro dia de aula? Assus-
lenda. A lenda morreu. Agora é realidade. Você chorou lágrimas
tado, ele abriu a porta da gigantesca biblioteca rodeada de gênios
de ouro. O filho de Zedom é você, tem que ser você. E enquanto
ranzinzas e duendes e deu um grito:
estivermos aqui, nossos sonhos estarão protegidos por essas pa-
– Loryn, Loryn.
redes. Ninguém, nenhum kimbulo das trevas pode te atacar. E
A menina ficou boquiaberta ao ver o bilhete. Como alguém
para te atacar, terá que nos atacar também – disse Loryn muito
poderia matar seu melhor amigo? E ela sem poder fazer nada. Mas
confiante.
não era só isso. Otávio trazia seu besouro e, junto com ele, uma
– “Chamanum”! – murmurou Doug com suas luvas e o bilhe-
revista com Zee Griston estampando a capa com a seguinte ins-
te se queimou por inteiro.
crição: “Será Zee Griston a Lenda de Zedom e do mundo Kim?”
A tarde se passou e Zee não conseguia tirar de sua mente
– É claro! Agora sei o porquê do aviso na minha porta. Al-
aquela mensagem deixada naquele pedaço de pergaminho. Algo o
guém deve ter mandado mensagens para a imprensa de Kim,
assustava. Visões estranhas o perturbavam, como quando aquele
todo o nosso mundo já sabe das lágrimas e do “Z” em meu rosto.
grande Z cobriu sua face no galpão principal. Os kimbulos fe-
Como não percebi? Agora aquele bando de kimbulos que eu vi
chando as cortinas na Consolem, tinha medo de que sua família
na Consolem virão atrás de mim.
estivesse correndo algum perigo, medo de que os kimbulos do mal

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fizessem algum mal a sua mãe ou sua avó que ele tanto amava. Mas em seu prato, existia apenas o reflexo das cinco pequeninas luas
não era só isso que o preocupava. As aulas estavam extremamente que iluminavam o saguão. Seus amigos comiam sem parar. Pouco
difíceis, além do mais, ele nem tinha ideia de como começar a depois, Zee e seus amigos recolheram-se para seus quartos, mas a
mexer com o tempo e ele ainda tinha que decorar 330 encanta- insônia de Zee Griston era inquietante. Nada se ouvia ou dizia em
mentos em uma semana para as primeiras provas dos principian- Kimbulândia sobre os últimos acontecimentos. Sua cama estava
tes para professora Rose Marry que, por acaso, era uma kimbulo quente e confortável, quando ele ouviu um estranho rangido em
incrível na opinião de Zee Griston. Deu-lhe uma bola aquática da uma das portas dos corredores da ala dos Luminarius. Zee calçou
marca Fidelius a melhor do mercado Kim. suas pantufas de coelho e saiu caminhando sobre o corredor.
Na visão de Griston, Kimbulândia era uma grande cidade, Tudo estava escuro, não dava para ver nada, apenas era possível
nada diferente de Cansville. Ao longe, viam-se várias lojas nas ouvir os passos de Zee Griston, que seguiu caminhando e desceu
quais os alunos podiam comprar objetos irados para as aulas e a gigantesca escada de espiral até uma porta grande, muito grande
outros mantimentos para suas criaturas fantásticas. Loryn estava de metal enferrujado. Ela estava entreaberta. Quando entrou, o
se divertindo muito no Salão de Gilda Matilda, onde todas as menino viu ali, desacordada no chão, sua amiga Loryn rodeada de
kimbulos não saíam, sempre ficavam lindas com penteados e vi- velas negras que formavam uma grande estrela, um pentagrama.
suais extremamente exóticos e ousados. Os cinco dragões da Ará- Sua amiga estava presa e amordaçada por cordas vermelhas que
bia acorrentados por correntes mágicas e alguns encantamentos prendiam seus pés, mãos e boca. Ela estava desacordada e com
que passavam longe dos conhecimentos dos alunos do primeiro um corte em seu antebraço, com a seguinte inscrição “As Trevas
ano protegiam os terrenos de toda a propriedade de Kimbulân- acharão e destruirão Zee Griston”. O menino saiu assustado e,
dia de qualquer ataque ou kimbulo das trevas. Doug e Otávio gritando, subiu até o corredor do quarto dos professores, batendo
estavam empolgados colecionando cards de criaturas Kim, como forte em uma porta de madeira. Dali saiu a professora Rose Marry
Carubras, que são metade coruja, metade cobra; e Gnorcegos, os que, assustada, logo perguntou:
gnomos vampiros. – O que faz fora de seu quarto, senhor Griston?
A chuva estava forte naquela noite e pelas vidraças do grande – Senhora, os Sortunus acharam minha amiga. Precisa ver o
Galpão da enorme estrutura redonda viam-se vários raios batendo que fizeram com ela. Ela esta na sala negra, perto da ala dos Ame-
forte no coro dos gigantescos dragões acorrentados, que estavam ricus. Professora, há traidores nesta escola.
muito irritados e lançavam várias bufadas de fogo céu afora. A – Deve estar tendo pesadelos, senhor Zee, mas irei ver o que
comida estava deliciosa, mas Griston mal tocou em sua sopa de está acontecendo.
couve e carne. Os kimbulos professores, ao centro, esbaldavam-se Quando eles chegaram ao encontro da senhorita Loryn Sca-
com vinho português. As canelas de Zee já doíam de tanto o garo- tena, a professora ficou extremamente assustada. Apanhou seu par
to dar batidinhas no metal colado na madeira da gigantesca mesa; de luvas, murmurou “Aprumus Foul” e a garotinha desacordada

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acordou muito assustada. Logo todos os professores já estavam ali Na manhã seguinte, a professora retirou Zee, Doug, Loryn e
e junto com eles vários alunos de pijamas. Todo mundo achou que Otávio da aula de Transformação Hospitalar à base de Arco-Íris
Zee havia praticado tal magia negra Kim dentro dos terrenos de Líquido e os levou até sua sala, dizendo que precisava falar seria-
Kimbulândia. mente com os quatro. A sala era linda, cheia de aquários e luzes
– Quem lhe fez isso, senhorita? – perguntou, espantada, a incandescentes com um carpete de flores por todo o chão.
professora Judite Dingol. – Bem, jovens senhores, eu preciso alertá-los de um perigo
– Bem, eu não sei, senhora. Estava saindo da livraria per- terrível. Eu e mais alguns professores examinamos aquele sapato
to do Salão com algumas meninas e encontrei este sapato. Senti e ele pertence ou pertenceu a ninguém menos que Terenzo Cra-
como se estivesse sendo seguida. Depois do jantar, fui para meu ck. Certamente vocês jovens do primeiro ano não sabem quem é
quarto e ouvi uma garotinha pequena me pedindo ajuda contra Terenzo Crack; ele é o maior Kimbulo das Trevas, totalmente ma-
o gênio Silvano Hilme e ela me trouxe ate aqui. Quando vi, ela ligno e um magnista que assassinou vários kimbulos. Impossível
havia se transformado em um grande espectro negro com luvas de ser capturado e muito menos destruído, ele é muito rápido e
de carne, murmurou algumas palavras esquisitas, me prendeu em pratica magias muito, muito poderosas; todas, é claro, à base de
torno deste círculo de velas, fez aparecer um punhal de suas luvas, Alquimia Negra, tudo dentro da Goétia. Ele deve ter descoberto
escreveu isto que está em meu braço e sumiu como vento. Depois, sobre as lágrimas através de algum Americus, sendo ele um antigo
eu dormi. Só me lembro disso. kimbulo desta turma. Ele é quase imortal. A senhorita Scatena
Todos os professores ficaram extremamente assustados com teve muita sorte dele não ter bebido todo o seu sangue, que é o
as revelações da garotinha e acharam muito misterioso e intrigante que ele faz com a maioria de suas vítimas pelo mundo afora. O
o fato deles terem ido atrás da senhorita Scatena e, na opinião do Governo Kim já está devidamente avisado sobre o ocorrido e nossa
próprio Zee Griston, já era óbvio que os Sortunus Magnistas já escola está recebendo a polícia de Kim, enviada pelo grande olho
sabiam sobre as lágrimas de ouro e viriam atrás dele, mesmo em de Zedom, que presumo queira protegê-lo, senhor Griston, pois a
Kimbulândia. A professora Judite Dingol fez todas as pequeninas lenda acaba de se tornar realidade. O senhor é o filho proibido de
luas iluminarem o ambiente daquela sala e ela avistou um sapa- Zedom, o único o dono das legítimas e sagradas lágrimas de ouro
to caído perto da janela da sala negra. Tal sala era usada apenas dos Mil Mundos Kim. Cuidado é tudo que peço aos quatro, pois
por professores para treinamento avançado de proteção contra as um pacto de amizade envolvendo sangue os tornam iguais. E um
trevas. O solado do sapato encontrado era aveludado e continha jeito fácil de atacar o senhor Zee seria destruir e aniquilar primei-
a seguinte inscrição: “Consolem”. Todos os professores e muitos ros seus amigos ou sua coragem – disse a kimbulo.
alunos sabiam que ali nos terrenos de Kimbulândia existiam al- – Mas se todos eles já sabem, senhora, eles vão nos pegar. Não
guns kimbulos praticantes da alta magia negra e eles voltariam temos como nos defendermos precisamos de ajuda. Antes de vir
atrás de Zee Griston. Mas quem seriam e o que queriam? à escola estive com Merlin; ele disse que estava morto, mas que

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ainda exercia seus ofícios e que se ele pudesse, nos ajudaria – disse havia acontecido. O velho kimbulo ouviu calado até o fim e, em
Zee aflito. seguida, disse:
– Meu caro, Merlin está e sempre estará aqui e em todo lu- – Meus jovens, eu já imaginava que suas jornadas acabaram
gar. Mas é impossível que o senhor tenha estado com ele, pois ele de começar desde que vi seus olhos brilhantes ao meio das minhas
só aparece para kimbulos da Confederação Governamental Kim; areias. Senhor Griston, bem, em nada posso lhe ajudar, a única
não para devaneios de um garoto de doze anos. Mas, se isto for ajuda que posso te dar é um presente de natal. Então, vamos lá.
verdade, a coisa é bem mais séria do que presumia. Zee Griston, Para o Griston, tenho um travesseiro ouro djin que o ajudará em
aproxime-se. suas aventura contra todo esse bando de kimbulos das trevas que,
A kimbulo trouxe um sol, que na verdade era um espelho a essa hora, já estão a sua busca; à senhorita Loryn Scatena posso
com luzes em seu contorno, e colocou em frente ao garoto. Logo, conceder um pouco do meu poderoso spray de arnica mágica; ao
com um forte, empurrão o garoto foi parar caído às margens de senhor Otávio Oliver, um cubo de cristal com nuvens tibérias, as
uma ilha toda em pedras brancas, onde as ondas do mar batiam mesmas usadas por sua avó, senhor Griston; e ao calado Douglas
com força em seus pés, molhando todas as suas calças. Ao topo Miller, um arco que eu mesmo usei em vários combates contra
da ilha havia uma casinha de madeira e um lindo bosque, cheio o Sortunus Vendramine em algumas de minhas batalhas na ju-
de borboletas e gnomos jardineiros que cuidavam das árvores de ventude. Agora, por favor, preciso tirar minha soneca da tarde. E
sabugueiro repletas de abelhas. Zee subiu e logo atrás dele viu os peçam para a professora Rose Marry não me incomodar, digam a
seus três amigos tentando sair da água. Os quatro foram juntos ela que já estou morto, sou apenas uma lembrança kimbulo e não
até a casinha; havia uma porta de pau muito velha com uma placa um policial de Zedom. Ah, senhor Zee é bom o vê-lo e, mais uma
“faça um desejo”. Zee, então, aproximou-se e disse: vez, boa sorte, rapaz.
– Desejo ver o kimbulo Merlin. Os quatro saíram correndo da casinha e foram até as margens
E a porta se abriu. Estava novamente dentro da casa pequena de pedra na ilha. Eles se jogaram na água tão salgada e, quando
e aconchegante do velho e simpático Merlin, mas agora com seus perceberam, estavam totalmente secos e de volta à sala da profes-
amigos. O kimbulo, continuava a se mover em sua cadeira de sora, trazendo com eles os presentes recebidos do velho kimbulo
balanço e agora levava à boca um cachimbo com fumo, que lem- morto Merlin. Zee voltou para aula e deixou cair bastante arco-íris
brava muito o da avó de Zee. Os quatro ficaram observando o am- líquido em uma das páginas de seu livro. Uma página parda que
biente por alguns momentos e, em seguida, Zee começou pedindo dizia claramente: “Objetos para uso em aventuras perigosas” e, em
licença ao velho senhor kimbulo que, antes de ouvir mais alguma uma das figuras dos objetos estava ali um travesseiro, como aquele
palavra do pequeno Zee Griston, ofereceu-o uma generosa xícara que acabara de ganhar do próprio Merlin naquela mesma tarde.
de chá de erva cidreira. Os garotos, agradecidos, recusaram e, logo Após o jantar, Zee foi para seu quarto e deitou-se. Ao apagar
em seguida, começaram a contar ao kimbulo sobre tudo o que as pequeninas luas que iluminavam o aposento, percebeu que o

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travesseiro brilhava intensamente. O menino não hesitou, colo- vou consigo seu mais novo livro que, pra ele, trazia mensagens ne-
cou o travesseiro em sua cama exageradamente macia e deitou-se, cessárias para colocar fim a todos aqueles tormentos que estavam
fechando os olhos com muita força. Então, Zee foi parar em um tirando a felicidade de seus olhos, os quais já não estavam brilhan-
vilarejo, onde nevava fortemente, a neve cobria todas as suas vestes do mais. Após mastigar seu prato com feijão doce, bacon, ovos
e fazia muito frio. Apanhou suas luvas brilhantes e murmurando a fritos e batatas e suco de laranja, Zee abriu o livro e na primeira
palavra “prefunde” fez aparecer um lindo e quente casaco de pele página havia a seguinte mensagem: “Para o Lágrimas de Zedom,
de urso. Ali, naquele local, ele viu um rapaz sendo atacado por com amor, papai.”
um kimbulo vampiro. Nenhum deles podia vê-lo, mas ele aproxi- Zee não acreditava no que acabara de ler. Aquele livro havia
mou-se mesmo assim para ouvir a conversa. O Kim vampiro dizia pertencido ao seu pai, que não estava mais ao seu lado. Não parou
claramente: de pensar um instante em como seu pai já sabia que ele era o filho
– Terenzo Crack retornará e aquele maldito garoto será ex- de Zedom. Como tal coisa poderia ter acontecido? Pensou Zee.
purgado de Kimbulândia em breve, seu imbecil. Entregue-me o Mas Zee imaginava que uma coisa era certa; ele havia acabado de
selo de Raum e o pouparei. ganhar um mais novo grande amigo: Merlin, que o presenteou
O outro, com muita dor, respondeu à altura: com aquele magnífico travesseiro de sonhos absolutamente reais
– Jamais, seu assassino. Eu nunca entregarei o selo e nem direi e mágicos.
com quem está. Zee é a esperança do meu mundo, ele é o Garoto – O que é isso? – perguntou Otávio.
Proibido, filho de Zedom. Ele destruíra todos vocês, malditos sor- Então Zee contou aos seus amigos tudo o que acontecera.
tunus, e quando isso acontecer, sorrirei, mesmo que esteja morto Eles ficaram ouvindo em seu quarto, sem acreditar que aquilo
ao lado dos fiéis a Zedom e Merlin. tudo realmente tivesse acontecido. Todos se abraçaram e olharam
O vampiro kimbulo rapidamente sugou todo o sangue do o céu fora da vidraça, lembrando e rindo, de alguma maneira, fe-
rapaz kimbulo e o vampiro Kim foi-se embora em meio à neblina lizes por terem conseguido fugir do professor Oscar em Cansville,
daquele vilarejo. Zee aproximou-se do corpo do rapaz moreno de mas assustados com os perigos e outras coisas que nunca passaram
vestes verdes que estava caído sobre a neve e magicamente apare- por suas cabeças. Porém, uma coisa se mantinha firme, os ZLOD,
ceu um livro com as palavras “Os Olhos do Armagedom” escritas aquela amizade, uma vez jurada ser eterna, agora se fortalecia a cada
na capa. Zee apanhou o livro e saiu correndo, fugindo de alguns segundo perante tantos encantamentos e perigos em Kimbulândia.
kimbulos que acabavam de chegar trazendo com eles tochas de Eles tiraram uma câmera fotográfica mágica e retrataram aquele mo-
fogo extremamente violetas. Zee tropeçou e acordou novamente mento com um sorriso feliz, emoldurando a foto sobre as paredes
em seu quarto em Kimbulândia com aquele misterioso livro em de mármore nos aposentos de cada um deles, com a seguinte frase
suas mãos. reluzindo sobre seus rostos: “Magicamente amigos para sempre.”
No dia seguinte, Zee acordou cedo e foi para a cantina. Le- Todos os alunos da Luminarius e Americus acompanhados de

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seus cães e gatos encantados seguiram o professor Alejandro Volps e Zee nem havia começado a ler o misterioso livro que achara na-
que lecionava História Kim. Caminharam até o bosque dos perdi- quele povoado sobre aquele sonho encantado. O dia seguinte era
zes e dali se teletransportaram, dentro de um baú velho e antigo, o grande dia de Kimboll e todos da turma estavam muito excita-
até um cemitério em Roma, em uma excursão para observarem a dos, pois kimboll era o melhor jogo do mundo. Todos os meninos
tumba do antigo imperador romano Júlio Cesar. Depois, foram e meninas estavam totalmente malucos com suas bolas aquáticas
até Paris, ao encontro do velho morto Leonardo da Vinci, que e Zee notara que o campo aquático mágico já estava sendo prepa-
morava no subterrâneo de um restaurante perto do museu Kim rado para o primeiro jogo. Os novos jogadores seriam escolhidos
Louvre Mil. Ali o kimbulo nada dizia, mas estava fazendo uma entre Luminarius e Americus para jogar os 14 jogos daquele ano..
pintura engraçada acima de vários entulhos em uma sala ilumina- Otávio estava muito ansioso e esperava ser o centroavante com
da a velas de lua. Ao olhar nos olhos de Zee Griston, o pintor fa- todas as suas forças; já Zee ficaria muito feliz sendo apenas um
moso kimbulo começou a usar cores do marrom ao verde em sua goleiro. Enquanto Doug amarrava os cadarços de seus tênis ao
pintura, como os olhos de Zee Griston que, rapidamente, notou caminho de seu quarto ficou surpreendido com dois garotos do
que o kimbulo estava pintando um escravo com uma rocha em terceiro ano brigando por causa de um apito de Merlin. Um garo-
suas mãos e na rocha, que era muito bonita, havia agora a forma to era da Luminarius e o outro da Americus; um deles dizia:
de um lindo cavalo se movendo, levando consigo as cores do olhar – Seu idota, vou acabar com você. Eu serei o juiz, ok?!
de Zee Griston. O outro dizia:
Logo em seguida, eles foram a mais um lugar; foram para – Hey, Frank, não mesmo. Acha que não sei que vai roubar
as lindas praças em Lisboa, viajando, mais uma vez, pelo mági- para os Americus? Tenho certeza que este ano o juiz será um pro-
co teletransporte a baú. Ali já anoitecera. As esculturas dos belos fessor, caso não tenha notado, hoje estava à mesa Armênio Milbe, o
leões dourados se abriam dando lugar para uma porta de grades. maior juiz de kimboll, otário. O próprio juiz do último jogo entre
O professor disse às alunas kimbulos que a menina que usasse o Corinthians Kim e o Liverpool Kim, acha mesmo que um pateta
com maior habilidade o encanto “Limon” e preparasse a melhor como você tem alguma chance? Volta pra Índia chorando, paspalho.
limonada ganharia uma bela tiara cheia de pedras reluzentes como Doug saiu limpando o mousse de maracujá de suas vestes e
presente. A senhorita Loryn Scatena rapidamente aproximou-se tentando entender que jogo era esse que, por incrível que pareça,
e disse bem alto “Limon Gargadus” e uma enorme jarra apareceu fazia com que ele se lembrasse muito do futebol no seu antigo
com uma deliciosa limonada de limão china. Toda a turma de Lu- mundo. Agora, bolas aquáticas para Doug e para os seus amigos
minarius e Americus se deliciou tomando a limonada em copos de até parecia bem refrescante, como aqueles comerciais de pasta de
madeira. A garotinha saiu dali naquela noite com uma linda tiara dentes que ele costumava ver na TV em sua casa, que já nem se
de pedras, que eram mais lindas que próprios diamantes. lembrava mais. E assim a noite passou. Nada de travesseiro mági-
Novamente eles retornaram ao colégio. Já era hora do jantar co naquele momento para Zee, e, por incrível que pareça, esse dia

46 47
tinha sido tão agradável que o garoto com pijama curto e meias
nem parou para pensar em kimbulos das trevas, ataques e aqui-
lo tudo que o menino havia passado. E, por mais uma vez, Zee
Griston e seus incríveis amigos adormeceram na linda e redonda
catedral de Kimbulândia, rodeada por dragões guardiões e encan-
tamentos inúmeros de proteção. A noite era calma com flocos de
neve caindo lentamente naquele Natal; toda a enorme catedral
estava enfeitada com uma gigante árvore cheia de bolas de cris-
tal, enfeites de corvos, corujas, sol, e ao topo da linda árvore, um
enfeite com o olho de Zedom brilhando com uma perfeita luz
dourada; a neve caia por kimbulândia, marcando como mais uma
lembrança feliz vinda junta com presentes para todos a beira da
árvore. Papai Noel, ao longe, já ia acenando para todos em seu
lindo trenó voador.
3
O Fenomenal Kimboll

48
U
m longo tempo se passou. As aulas, para Otávio Oli-
ver e seus cabelos encaracolados, estavam sendo ótimas.
Todos os quatro amigos haviam acumulado notas altís-
simas, tudo estava calmo, a escola de Kimbulândia estava cada
vez mais divertida e varias amizades já haviam se formado. Loryn
não desgrudava de Ganine Hill, uma menina do Havaí; Douglas
e Zee Griston tinham também se tornado bons amigos de Danilo
Bianucci, filho de Carlos Holms, o atacante do Real Madri Kim,
um jogador kimbulo fantástico no mundo da magia, além de ser
muito rico. Danilo estava realmente treinado e confiante para a
seleção dos jogadores de Kimboll para o primeiro ano.
– Hey, Doug, você já tem seus tênis de kimboll?
– Tênis? Que tênis?
– Tênis. Nossa, você quer jogar kimboll sem nem ter os me-
lhores pares de tênis mágicos? Eu, claro, já ganhei do meu pai dois
pares da marca Fidelius.
Zee ouvindo calado lembrava-se de que essa era a maior mar-
ca para produtos mágicos para kimboll. Ele tinha ganhado uma
bola dessa mesma marca.
– Bianucci, espere – disse Zee, ao chamar o novo amigo.
– Diga-me mais sobre esses tênis.
– Nossa, vocês são mesmo dois alunos muito mal informados.

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Se quiserem mesmo saber sobre kimboll vamos lá pra fora. por cima de um vulcão e têm que aprisionar um demônio em suas
– Certo! – disse Bianucci com o olhar de um garoto experien- bolas profissionais de fogo, e não uma sereia. Então, para nós é
te no assunto. um jogo muito fácil, mas os testes só selecionarão para o time os
Danilo, juntamente com Zee e Doug, foi para fora da escola. alunos excepcionalmente excelentes, como eu – disse Bianucci se
O menino de traços orientais trazia consigo uma caixa de fósforos sentindo o máximo.
que fazia um barulhinho intrigante. De repente, ao pararem em O aluno continuou:
cima do piso quadriculado às margens do Rio das Fadas, o meni- – Ah! E se os Americus acertarem a bola com muita força em
no retirou com dois dedos um par de tênis muito engraçados com algum de vocês, pode haver um grande estrago dependendo da
asas, como All Star vermelhos alados incrivelmente lindos. Logo magia que estiver ao fundo da bola, ok? E quanto ao tênis, posso
em seguida, ele os colocou e começou a flutuar, depois, retirou dar um par paro Zee, já que é o famoso Lágrimas de Ouro da Lu-
uma bola de água que rapidamente foi atraída para perto de seus minarius; e Doug, não se sinta mal.
pés, como um imã. pressionou Em seguida, apanhou a bola, que Doug olhou com cara de quem não fizesse parte do mundo,
ficou flutuando na palma de uma das suas mãos, sem nem precisar já Zee ficou muito feliz com seu par de tênis Fidelius. Os dois
tocá-la. voltaram para a cantina e ficaram falando sobre o jogo por horas.
– Bem, vou dizer apenas uma vez, gravem bem em suas cabe- Loryn pouco se importou, lançando alguns olhares que mostra-
ças. Meninos, o kimboll se resume, basicamente, em fazer kolls, vam a opinião dela de como achava que aquela conversa era boba.
um koll, no kimboll, pode ser feito com seus pés ou mãos. Apenas Otávio estava mesmo muito interessado em Herbokim. Trazia
os pés tocam as bolas aquáticas, suas mãos terão luvas mágicas com ele um vaso de ramos de Tamburão, para trato de rins en-
tornando impossível ultrapassar cinco centímetros. Cada time feitiçados, Zee parou e virou-se para seu lado esquerdo. Ao longe,
luta entre si. No kimboll, é permitido que os jogadores de times via-se uma jovem kimbulo extremamente linda com cabelo cas-
diferentes se agridam, mas nunca se deve tocar em nenhum jogar tanhos, com um brilho que nem a lua continha, e grandes olhos
do próprio time. Quando um time ultrapassa os 14 kolls uma das castanhos. Zee ficou bobo e com as pernas bambas. Nunca havia
sereias pula na arena aquática e foge. O time que primeiro conse- visto uma menina tão linda na vida. Ela o deixou totalmente bobo
guir aprisionar a sereia dentro da bola, após os 14 pontos, vence. e desconcertado, mas ela passou reto e não deu nada além de um
Mas cuidado, há anos as sereias vêm ficando cada vez mais ariscas olhar, como se não o notasse ali. Loryn, sua amiga, percebeu e
e defensivas e são capazes de desamarrar os tênis dos kimbulos logo disse:
jogadores, fazendo os beber muita água enquanto tentar amarrar – Essa, Zee, é Marina Capucci, a princesinha da Americus. A
os tênis novamente. Eu mesmo já fui parar na enfermaria depois mãe dela é redatora do Realirum Kim, um jornal cheio de menti-
de beber litros de água. Os jogos de times famosos nas grandes ras que, inclusive, saiu falando sobre o dia da sua iniciação – disse
cidades Kim são muito, muito mais perigosos, pois lá eles jogam a garota em tom de ciúme.

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Zee nem ouviu muito o que a amiga havia falado, pois estava haviam sido ditos e Erick havia acabado de ganhar o lugar de ata-
tão encantado com Marina Capucci que podia ver corações salti- cante central, junto com outros dois de olhares males. Agora era a
tando sobre sua cabeça, nada mais mágico que aquela paixão. hora de dizer o nome dos escolhidos para os Luminarius. Danilo
O dia da seleção para os jogadores do primeiro ano havia che- Bianucci saiu dando saltos de alegria: tinha acabado de ganhar o
gado. Todos estavam aos pisos quadriculados em volta do Rio das lugar de centroavante. Os nomes foram sendo ditos e, no último
Fadas. De um lado, toda a turma da Americus, inclusive Erick que, instante, quando Zee achou que já havia terminado, ouviu o pro-
definitivamente, odiava cada vez mais Zee Griston. Agora era pior, fessor gritar em alto e em bom tom:
pois, sendo um kimbulo, ele podia totalmente usar truques de ma- – Zee Griston. Atacante.
gia para fazer Zee e seus amigos se darem mal. De repente, ao fundo Zee não acreditou no tinha acabado de ouvir. Era o mais novo
do rio saiu um tubo e lá dentro estava Armênio Milbe que, em um atacante da Luminarius. Erick o olhou com um olhar de ódio e
sussurro baixo, disse: desprezo; já seus amigos correram e lhe deram um abraço forte e
– “Legiti” – e a correnteza do rio parou por completo. caloroso, mas mesmo muito feliz em ganhar essa oportunidade,
Ele fez aparecer duas pontes que ligavam as duas margens do Zee estava com bastante medo de que algo desse errado. Zee nun-
rio e dividiu-se em dois: um para cada lado. Os dois (ou o mes- ca foi bom em esportes e a única coisa em que ele era bom, era em
mo) retiraram uma enorme vara grossa de amora e saíram dando corrida, mas isso não ia ajudá-lo muito, visto que era um jogo no
tapinhas nos traseiros e costas de cada um, ajeitando a postura de qual se flutuava sobre um campo aquático paralisado, rodeado de
todos ali, tanto dos Luminarius, quanto dos Americus, que lan- toda escola e de um punhado de sereias líderes de torcida.
çavam um olhar desafiador aos seus oponentes. O kimbulo pediu Voltando para dentro dos enormes aposentos na enorme ca-
a todos para que colocassem seus tênis e apanhassem suas bolas tedral, Zee foi dar ração para Futrica, que já estava grande e muito
aquáticas. Doug nada tinha; Erick deu gargalhadas até levar uma sapeca. Depois, ele sentou-se em sua cama. Estava calmo e sem
forte varada na cabeça, dada pelo bravo professor Armênio. pensar em muitas coisas. Foi folheando algumas das páginas do
Em um instante, a maioria dos alunos tinham seus corpos livro que encontrara naquele estranho vilarejo certa noite durante
fora do chão e suas bolas grudaram como imãs em seus pés e aquele sonho para o qual fora levado por um travesseiro que havia
mãos. O professor disse tudo o que o jovem Bianucci já havia dito recebido de presente de Natal do próprio Merlin. Era um livro ve-
sobre kimboll. Todos os alunos do primeiro ano ouviram em to- lho com algumas simbologias estranhas que Zee jamais havia vis-
tal silêncio, muito encantados com o maior jogo do mundo. Uns to. Dentro do livro havia vários capítulos sobre alquimistas, entre
queriam fazer kolls, outros queriam mesmo ser goleiros. As horas outras coisas. Em uma parte do livro Zee notou a palavra Zedom
foram passando e o professor avaliou um a um. Saiu e voltou em e os perigos da Goétia para o Rei Salomão. Zee Griston começou
seguida com um grande pedaço de pergaminho com a lista dos a ler aquelas inscrições que diziam claramente:
jovens escolhidos do primeiro ano. Todos os nomes da Americus “Goétia é escrituras e uma religião sagrada, muito perigosa

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usada, primeiramente, pelo Rei Kimbulo Primordial Salomão, do mundo pelo próprio Zedom. O Kimbulo que encontrar este
também chamada de “A arte de Uivar”. Certa vez, Rei Salomão selo terá muita riqueza e muito poder absorvido das trevas graças
conseguiu aprisionar dentro de um anel 72 demônios que eram à própria presença de Magnus vinda das sombras medonhas de
usados pelos Sortunus, Kim das trevas. Estes obrigavam os demô- todos os pesadelos Kim dos Mil Mundos.”
nios os escravizados a fazerem tudo, tudo o que qualquer kimbulo Zee saiu correndo e foi ao encontro de seus amigos. Mostrou-
desejasse, como, por exemplo, conseguir ouro, Gold Dreams, be- lhe tudo o que estava no livro. Todos os quatro ficaram de cabe-
leza e gigantescas fortunas do mundo da magia. Rei Salomão foi los em pé e muito assustados, imaginando que aquelas histórias
abençoado por Zedom, que deu-lhe total poder para aprisionar resultariam em pesadelos. Zee não pensou muito e rapidamente
todos os 72 demônios neste anel, chamado Anel de Zedom, po- evocou Bilba Dark, que resmungou e saiu de uma vez despregada
rém, após a morte do Rei Salomão, que teve todo seu sangue suga- do solado dos sapatos de Zee. Bilba ouviu tudo o que o garoto
do por um velho e poderoso kimbulo vampiro, o Conde Drácula, disse e resmungou muito de sono. Disse a Zee e seus amigos que
o anel foi roubado, indo parar em mãos erradas, como de kimbu- não se preocupassem, pois Kimbulândia havia encantamentos su-
los das trevas. Entretanto, nenhum desses kimbulos foi capaz de ficientes, invocados pelo próprio Rei Salomão, para proteger Zee
escravizar qualquer demônio, nem mesmo usando magia negra de de qualquer ataque das trevas. Disse-lhes também Geometri era
alto grau. A única maneira seria encontrar os 72 selos escondidos matéria do segundo ano e não coisa de meninos de doze anos do
pelo próprio Rei Salomão ao redor do mundo. O Rei teve bastante primeiro ano. Zee então contou o que havia acontecido a Loryn.
cautela em relação a cada selo; apenas 5 selos foram encontrados e Disse que Terenzo Crack teve acesso à escola e voltaria atrás dele,
todos estes selos eram de Merlin que, após sua morte, deixou um pois sabia das lágrimas de ouro. Contudo, a fada da sombra nada
deles cair nas mãos do maligno magnista sortunus Terenzo Crack, mais disse, pois estava absolutamente sonolenta e voltou a se reco-
o próprio assassino de Merlin. Terenzo vem se mantendo vivo há lher aos pés de Zee Griston.
séculos, mas isto é provavelmente mais uma lenda no mundo dos Todos eles passaram a noite assustados e imaginando os peri-
kimbulos.” gos que corriam. Na volta para os quartos, quando os quatro re-
Zee entendera porque Merlin queria que ele achasse esse li- tornavam para seus aposentos, não viram ninguém pelo caminho,
vro. Agora tudo se encaixava e nem passava por sua cabeça como porém, avistaram uma grande sombra. Todos se aproximaram e
esse livro havia pertencido ao seu pai, ou o que Terenzo Crack pegaram nas mãos uns dos outros e de trás de uma parede surgiu
faria quando o encontrasse; se iria matá-lo, ou, pior, sugar a sua um gigantesco e horroroso Gárgula que não hesitou em abrir suas
alma. Zee continuou a sua leitura na parte em que o livro se referia asas e ir em direção a Zee Griston, que correu o máximo que pôde.
a Raum. Zee acabou caindo e o Gárgula o segurou pelo pescoço, quase o
“Raum é o demônio da Goétia de número 45. Muito difícil estrangulando e dizendo:
de ser aprisionado em um anel e seu selo está quase escondido – Agora é seu fim, Zee Griston.

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Doug rapidamente apanhou o arco que havia ganhado de momento, Zee estava sentindo uma dor sem remédios, uma dor
Merlin e atirou uma gigantesca flecha de fogo azul rumo ao coro que, pra ele, apenas sua alma sentia, então, Zee fechou seus olhos
do gárgula, que não sentiu nadinha. Loryn apanhou seu spray completamente nu e pediu a Zedom que lhe desse alguma chan-
de arnica mágica e jogou nos olhos do Gárgula, que soltou Zee ce, alguma saída. Isso, na opinião do garoto, eram todo os seus
Griston no chão. Depois, quebrou uma vidraça e saiu voando sonhos, toda a magia Kim que poderia viver em seu sangue cor-
noite afora. rendo em suas veias, o amor por seus entes queridos que jamais
Zee e seus amigos estavam totalmente desconsertados. Após sairiam de dentro do seu coração.
aquele terrível ataque, tinham plena certeza de que aquilo tudo Os dias se passaram rápido, rápido demais e agora era a hora
tinha a ver com o maligno Terenzo Crack. Alguém de dentro da da estreia de Zee Griston e de toda a turma do primeiro ano no
escola e alguém da loja Consolem estavam conspirando a seu fa- primeiro jogo de kimboll. Zee estava extremamente nervoso. Seus
vor. Na opinião de Doug, era Erick, que sempre os odiou e agora amigos tentavam animá-lo, mas era difícil. Depois daquilo tudo
odiava mais ainda quem era dos Luminarius. Mas, na opinião de que ele sentia, ainda tinha mais aquele jogo para ganhar para os
Zee, isso era coisa de alguém realmente perigoso, como um inimi- Luminarius, que estavam todos em total histeria, agitados e em-
go Kimbulo que devia odiar sua família, ou pior, que podia odiar polgados, gritando e cantando:
seu pai e até ter matado ele. – Kim. Kim. Kim. Kimboll se joga assim. Kim. Kim. Kim,
Tudo voltou a ficar confuso e assustador para a mente do seu anzol se joga assim.
pequenino Zee Griston. Nem o kimboll tinha espaço devido a Loryn e todos os meninos estavam com bandeiras e camisetas
tamanhos acontecimentos. Como quatro kimbulos de doze anos do time da Luminarius. O Olho de Zedom estava extremamente
enfrentariam tamanho poder? Será que Terenzo Crack já havia brilhante, tanto quanto o sol. Agora era hora de Zee se prepa-
tido alguma oportunidade de matar Zee Griston e seus amigos? rar. Suas vestes eram basicamente óculos de aviador com proteção
Zee não podia mais falar sobre aquilo com nenhum professor; não contra a beleza das sereias, que já estavam liderando todos os lados
queria complicar a vida de seus amigos e nem fazê-los serem ex- do Rio das Fadas, e seus tênis mágicos da Fidelius. Suas vestes mais
pulsos, pois não era culpa de nenhum deles que aquelas lágrimas pareciam malha de surfistas totalmente justas ao corpo. Logo,
douradas tivessem marcado a face de Zee Griston perante todo o todo o time seguiu as pontes do rio. Do outro lado, Zee olhou
mundo Kim. encarando com firmeza e coragem os olhos obscuros de Erick, que
Zee sentou-se em seu banheiro e chorou a noite toda sentin- com certeza não pensaria duas vezes em acabar com Zee.As pontes
do muito medo e dor só de imaginar que poderia perder alguns de foram ficando invisíveis, até desaparecerem por completo, e o pro-
seus amigos ou fazê-los sofrer ele. Era uma dor que nem as gotas fessor juiz daquele jogo, Armênio Milbe, deu o soar barulhento de
de água que saíam da boca daquele chuveiro de peixe, nem qual- dragão de seu apito. Começou o jogo.
quer poder mágico conseguiriam tirar de seu coração. Naquele A bola aquática passa às mãos de Augusto Torm, da Ameri-

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cus, que passa para Erick, que da uma forte bolada bem no peito problemas, as meninas que conseguiam fazer tal feito eram sempre
de Zee, que saiu rodopiando pelo ar quase caindo nos braços de presenteadas com alguma joia rara ou com as famosas folhas dos
uma sereia de cabelos azuis. Zee logo volta ao jogo, dribla Erick, pergaminhos perdidos de Nefertite.
pega a bola e passa para Danilo Bianucci, que faz um belo koll pra Um vento gelado entrava pelas janelas, apagando as velas de
os Luminarius. O jogo se estendeu e quase toda areia da ampu- lua no quarto de Otávio, onde os quatro estavam se divertindo
lheta já havia caído. O placar já estava 14 a 13 para os Americus, com um jogo de copo irlandês. Os arrotos dos anões dos pubs do
que estavam à solta tentando pegar a bola e aprisionar uma das oeste da Irlanda exalavam um encanto que fazia os copos girarem,
duas sereias que estavam totalmente dominadas pelos jogadores servindo como uma maneira de se comunicar com os espíritos,
da Americus. Então, Havanna Nil fez o décimo quarto ponto para que respondiam charadas adolescentes como, por exemplo, quan-
os Luminarius. Naquele momento, venceria o time que primeiro do se deu o primeiro beijo. Era um jogo muito engraçado.
conseguisse prender a sereia na bola aquática. Zee ficou acordado até tarde revirando incansavelmente as
Zee deu um mergulho de ponta, sumindo da arena. Enquanto páginas do livro misterioso, que já o ajudara a descobrir tanto so-
todos imaginavam que ele se afogara, ele retornou, voando, segu- bre assuntos antes desconhecidos por ele. Quase no meio do livro,
rando uma belíssima sereia de cabelos de fogo por sua cauda relu- ele deparou-se com certas inscrições em uma língua diferente, algo
zente. Mandy Lima lança a bola e Zee lança a sereia contra a esfera parecido com Latim. Zee arrumou seu gorro de crochê azul e re-
de água, que absorveu a sereia por completo, gerando uma grande parou que no rodapé do livro estava escrito: “Contra T.C.”. Gris-
luz amarela que logo iluminou todo o estádio com letras gigantes- ton sabia que essas eram as iniciais do nome de Terenzo Crack. Se
cas: LUMINARIUS VENCEU. Erick cuspiu nas sereias de tanta fosse seu pai quem tivesse anotado aquilo, então aquelas páginas
raiva. Zee e toda a turma dos Luminarius estavam muito felizes e eram extremamente importantes. Ali estava escrito:
traziam com eles um troféu de ouro com o nome de Zee marcado “O mito da Caverna Kim. Certa vez, kimbulos aprisionados
com data e hora: “Ao prestigioso dos Luminarius, Zee Griston”. em uma caverna não conseguiram fugir dali nem usando encanta-
No dia seguinte, todos os alunos e professores vieram presti- mentos muito poderosos, até que um dia um kimbulo conseguiu
giar Zee pelo magnífico jogo e sua perfeita captura da sereia com escapar. Este kimbulo, deixando levar-se pelo poder e trevas, usou
cabelos de fogo e cauda reluzente. Mesmo com toda essa felici- sombras para confundir e castigar o resto do seu povo, que foi
dade pelo primeiro – e perfeito jogo, Zee e seus amigos ainda largado na caverna, junto a sombras de animais e dragões sobre o
estavam tomando bastante cuidado, atentos às futuras ameaças fogo, que faziam com que kimbulos de todas as idades, raças e na-
que poderiam aparecer novamente nesse mundo que, para eles, cionalidades definhassem perante às imagens, que nada mais eram
era loucamente mágico demais. que um truque do maligno para escapar. Vivendo, ao longe, uma
Zee ficou inquieto na aula de Magia Egípcia Kim. Mal con- vida de poder e riqueza, após morder sua maçã e contar mentiras
seguia fazer Bastet beber em sua tigela de leite; já Loryn não teve para legiões de todo o mundo. Na caverna, nada se tinha; apenas

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tortura, fome e uma forte gravidade. Ninguém até hoje sabe como Folheando mais uma vez seu misterioso livro durante uma de
esse kimbulo escapou de lá ou quantos prisioneiros – tanto física suas aulas, Zee descobriu que ele continha, em uma de suas 500
como mentalmente – ainda existem lá. Isso é um mito até hoje no páginas, uma réplica pequena do grande Olho de Zedom. Ao abrir
mundo da magia Kim.” o livro nessa página específica, o Olho flutuava como uma bola de
Zee ficou imaginando durante horas e se lembrou da caverna basquete, como uma estrela, sendo possível tocá-lo com as mãos,
abaixo do monte do morro de cupim, na qual havia caído quando como um brinquedo. Isso era muito, muito lindo para Zee que,
esteve com Bilba Dark pela primeira vez. Pensou que isso teria à noite deitava-se e imaginava como seria se seu pai estivesse ali,
algo a ver com Terenzo Crack. Por que tal mensagem? Zee ima- para que Zee pudesse dividir aquilo tudo com o amado pai. Com
ginou um mistério surgindo ali. Seria Terenzo Crack o kimbulo muita veneração, Zee fazia orações a Zedom onde dizia a baixo
que conseguiu escapar da caverna? Isso fazia bastante sentido na para “Para lapidação de kimbulos do bruto ao puro – Zedom.”
mente de Zee, pois só um kimbulo com tais poderes para quebrar Zee mantivesse inquieto em sua cama, como se alguma coisa
os encantamentos da caverna poderia penetrar até Kimbulândia e o incomodasse e o fizesse sentir tamanha insônia. Embaixo de sua
atacar Loryn. E também, só alguém poderoso assim poderia man- cama, seu travesseiro luminoso brilhava tanto quanto antes e mes-
dar avisos e comandar aquele terrível Gárgula. Zee colocou o livro mo fazendo o máximo de força pra não voltar a usá-lo, a proble-
dentro do seu criado-mudo de cerejeira e adormeceu. mática cabeça de Zee o fez retirar o travesseiro debaixo da cama,
No dia seguinte, não se falava em outra coisa no colégio de jogando Futrica para o lado e o colocando-o novamente sobre sua
Kimbulândia a não ser a fenomenal vitória dos Luminarius sobre cama macia.
os Americus, que estavam sendo vaiados por todos os corredores da
catedral circular. A nova febre do momento eram os famosos Skates
Flutuantes, que a maioria dos alunos usava do lado de fora do co-
légio, flutuando sem parar sobre os pisos quadriculados em preto e
branco, derrapando sobre alguns pedaços de grama. Uns até faziam
manobras iradas pelo ar e arrancavam todas as orquídeas falantes
do jardim do jardineiro Alfredo Banks, que já estava bastante irri-
tado e com o rosto todo vermelho de tanto correr atrás dos alunos.
Zee aprendeu que arco-íris líquido servia para bastantes coisas, por
exemplo, poderia ser usado para fechar ferimentos, como antídoto
e que só era encontrado na boca de elfas da Bélgica, que trabalha-
vam muito para isto, fornecendo o líquido em grandes lotes para os
maiores Hospitais das grandes capitais do mundo Kim.

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4
A Coroa Alada
Z
ee ajeitou o macio e brilhante travesseiro sobre sua cama
e se deitou delicadamente de barriga para cima, sentindo
um ar frio passando pelo seu umbigo. De repente, viu
uma luz tomar todo o ambiente em seu quarto. Ele havia acabado
de parar em uma sala em forma pirâmide, contornada por fogo de
ponta a ponta e ali estava um baú de madeira, quase da mesma cor
de seu criado de cerejeira. Zee aproximou-se e foi quando surgiu
uma criatura mediana, um gato com asas de pássaro e enorme
olhos esverdeados usando um chapéu marrom.
– O que é você? – perguntou Zee bastante intrigado.
– Meu nome é Roberto Bolas-de-Tricô, e você, quem é? –
perguntou também o Gato com um olhar de curiosidade.
– Meu nome é Zee, senhor, Zee Griston. Sou da Luminarius.
– Oh, sim. Venero os Luminarius. Mas o que o senhor faz
aqui em meus aposentos? Apenas uma pessoa vem aqui, jamais
outra – disse o gato firmemente.
– Bem, senhor Roberto, eu cheguei aqui através de um pre-
sente mágico que ganhei do próprio Merlin. Não imaginei que
iria parar aqui. Onde estou?
– Aqui é a América, senhor Griston. Está no subsolo de Nova
Iorque. Vigio este lugar há séculos.
Zee não imaginava estar em Nova Iorque. Sempre foi seu so-

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nho conhecer essa cidade e pra ele, estar ali era realmente um pre- maligno Magnus. Você é o Kimbulo Proibido, o broto de Lotus,
sente, ou melhor, mais um presente mágico de Merlin. que vai derramar em nosso mundo a total luz contra as trevas –
Em um piscar de olhos o enorme baú começou a sacudir e disse o gato muito impressionado.
Zee caiu no chão, sentindo dores imensas em seu peito. Come- Zee estava bastante assustado com aquilo tudo que havia
çou a chorar e surgiram novamente lágrimas douradas de seus acontecido. Pensava em como lavaria ou faria para sumir com
olhos. O gato Roberto assustou-se e começou a voar sobre a sala aquela marca, pois tinha apenas doze anos e isso não era idade
em forma de pirâmide. Das lágrimas derramadas por Zee um para um garoto ter uma marca ou uma tatuagem. Em sua cabeça,
objeto começou a se formar, após algum tempo levitando no ar, pensava que estava ferrado. Em questão de um suspiro, o pequeno
o objeto tomou a forma de uma grande e dourada chave antiga Zee voltara para sua cama quentinha em Kimbulândia, mas agora
em ouro puro. trazendo com ele uma marca impossível de ser apagada ou retira-
– Oh, senhor Griston. Você é o dono do baú. Por que não da, uma marca que, segundo o gato Roberto, havia sido deixada
me disse antes? – murmurou o gato querendo, de alguma forma, pelo próprio grande Olho de Zedom.
chamar atenção. Zee correu para o banheiro, esfregando a tatuagem com mui-
Os dois ficaram em frente ao baú. O gato apanhou a chave ta força, usando buchas das plantas de Kimbulândia, mas, mesmo
que levitava sobre o ar na sua frente e abriu o baú. Dentro do esfregando com muita força, a marca continuava a levitar em sua
baú havia veludos por todo parte e, abaixo do veludo retirado pele, como um feitiço, e nada fazia com que aquilo desapareces-
pelo próprio gato, havia uma magnífica e linda coroa de Duque se. Zee Griston correu até o quarto de seus amigos e contou-lhes
cravejada com pedras brancas como gelo. A coroa continha asas, tudo o que havia acontecido. Eles usaram alguns encantamentos
uma auréola e um pedaço de pergaminho com a seguinte palavra: de limpeza corporal, entre outros para remover inscrições em peles
“KING”. O menino aproximou-se, agachando-se perto do baú e de animais, mas, mesmo assim, a marca não pôde ser removida
observando de perto tal objeto, que começou a levitar da mesma da pele do garoto. Zee, agora mais do que nunca, estava muito
forma como a chave que abrira o baú. preocupado.
Todo o pijama de Zee queimou-se e a coroa agora havia se No dia seguinte, todos foram para a aula de Herbokim com
transformado em um desenho, algo como uma marca ou tatua- a professora Raimunda Zolou. Começaram a fazer suas orquídeas
gem, que impregnou nas costas de Zee Griston, marcando-o a fer- falantes cantarem o hino de Kimbulândia:
ro e fogo, sem que ele sentisse um pingo de dor. Abaixo da coroa
alada, voando em suas costas como uma tatuagem em movimen- “Kim Kim Kim
to, estava uma fita de pergaminho com aquela inscrição. Kimbulândia é assim
– Senhor Zedom o escolheu. Escreveu seu próprio nome em Kim Kim Kim,com Zedom estamos sim
sua pele e o presenteou com sua coroa, usada antes da traição do Kimbulândia,

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Kimbulândia nossa amada Kimbulândia da escultura de São Judas. Nas aulas de Espiritologia todos esta-
Os Gnomos são amados, vam aprendendo sobre dons e premonições. Com a professora
Há Dragões enfeitiçados, Jean Baby, aprendiam sobre encantar espíritos e se prevenir con-
Kim Kim Kim tra acidentes sobrenaturais. As aulas de Química Kim também
Kimbulândia é assim.” estavam sendo bastante interessantes. O professor Jacob Morgan
havia pedido para toda a turma preparar um refresco de damas-
As orquídeas estavam, aos poucos, cantando juntamente com cos Ogros no laboratório giratório; Otávio teve um ataque de
todos os alunos ali presentes. Loryn estava encantada com a can- gases após ingerir o seu próprio refresco.
ção que se referia a tudo que ela mais amava: magia. Os quatro Ao entardecer, a turma do primeiro ano seguia para a Acade-
estavam cada vez mais diferentes, mas ainda, um tanto iguais. mia de Ginástica Kimbulo, aula que era orientada e acompanhada
Douglas estava se saindo um grande trapalhão; Otávio era um pela professora fada Inês Volps. Todos usavam uma espécie de fita
bom aluno, mas estava servindo como alvo de piada para os alu- na cabeça e tinham que contorcer seus corpos como geleia. Para
nos da Americus, que adoravam colar suas vestes nas cadeiras e conseguir isso, os alunos tomavam um suplemento mágico à base
colar bilhetes como: “Otavio, o otário Kim”; Loryn só fazia devo- de ossada de Dinossauros Carnívoros. A academia era repleta de
rar as páginas de revistas de Celebridades Mágicas, sonhando um casulos de marimbondos africanos.
dia em se tornar uma Kim Famosa, ela adorava cantar e treinava Em uma dessas aulas de Ginástica Kimbulo, a professora no-
sempre que podia; já Zee estava se concentrando cada vez mais em tou pela regata negra de Zee uma marca estranha que se movia
encantamentos que o ajudassem a se defender de algum ataque de nas costas dele. Zee não teve outra escolha a não ser mostrar à
Terenzo Crack e à noite sempre ficava horas lendo seu livro, “Os professora a sua marca. A professora ficou muito assustada e, ba-
Olhos do Armagedom”, que já tinha o ajudado bastante. lançando suas asinhas de fada, levou o pequeno Zee até a sala da
Já era Maio e a primavera havia chego nos terrenos de Kimbu- professora Rose Marry que, usando suas luvas prateadas e dizendo
lândia. As flores estavam lindas e se comunicavam entre si, acor- “mogibara”, despiu, em um passe de mágica, o tórax e as costas de
dando a escola com lindas canções junto aos galos, que cantavam Zee por completo. Rose queria todas as explicações de como Zee
às seis da manhã todos os dias. O Grande Olho de Zedom brilha- carregava tal símbolo impregnado em sua pele, mas o garoto esta-
va no céu fortemente. Algumas meninas da Americus ficavam to- va totalmente assustado; não podia dizer à professora que andava
dos os dias à beira do Rio das Fadas tomando sol junto às sereias. se aventurando por aí dentro de um livro. Então ele disse:
O romantismo também estava no ar. Meninos e meninas – Bem, professora, foi um feitiço que um aluno da Americus
do último ano se beijavam loucamente e trocavam carinhos às do quarto ano me jogou, não sei o que é isso.
escondidas por trás do corredor dos Santos. Douglas jurava ter – Volte pra sua aula, senhor Griston. E saiba que estarei de
visto Loryn com Danilo Bianucci trocando cartas amorosas atrás olhos bem abertos, vigiando cada passo do senhor.

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– Ok, professora. reiro e guardião da realidade Kim e apenas ele, no confronto final
– Ah! E se estiver envolvido com magia negra, senhor Zee dos Mil Mundos Mágicos, pode derrotar o Dragão Caído sobre as
Griston, voltará para casa dentro de um frasco de acetona antes trevas Magnus.”
do outono. Zee entendera agora o porquê de suas lágrimas, da chave e de
O menino ficou com muito medo, imaginando sua mãe en- sua marca. Ele agora compreendia que teria o poder único para
contrando-o ao fazer as unhas. Ele sabia que, agora mais do que enfrentar os kimbulos do mau e proteger Kimbulândia e todo o
nunca, era hora de tomar bastante cuidado, pois tempos que já universo mágico de Kim contra o mal. Mas ele não tinha nada de
eram difíceis estavam começando a ficar cada vez mais difíceis na especial, nenhum poder que o fizesse diferente dos seus amigos e
escola durante aquela primavera. de nenhum outro aluno daquela escola, mesmo com todas estas
Zee sentiu sua marca coçar a noite toda e não conseguiu dor- evidências, ele se sentia ainda um menino normal e mal compre-
mir. No outro dia, adormeceu na aula do professor Will Stick que endido, tanto neste como em seu antigo mundo.
lhe deu um forte beliscão no braço. Contudo, um sentimento de coragem e esperança o tomava
Erick Vilarinho havia arrumado uma maneira de colocar por inteiro. O amor e a confiança em seus entes queridos o fa-
vários alunos da Americus contra Zee. Todos eles estavam agora ziam sentir-se um kimbulo muito poderoso. Talvez essas coisas
fazendo zombarias e piadas de mau gosto em relação ao dia da ini- fossem seu escudo e sua arma, pois nenhum Sortunus do mal ha-
ciação de Zee e, sempre que passava pelos Americus, era recebido via conseguido se aproximar dele ou fazê-lo algum mal até aquele
com trombadas de ombros muito forte e dolorosas. Meninos do momento. Naquela mesma noite, Zee pegou uma jarra cheia de
primeiro ano não tinham chance nenhuma de enfrentar os gran- água benta e acendeu uma vela de Sol muito vermelha. Apanhou
dalhões do quinto e sexto anos que agora não desgrudavam do suas luvas e fez algumas conjuras que eram ensinadas embaixo das
senhor Vilarinho. páginas do livro:
Certa noite, Zee havia se empanturrado com bastante sashi- “Eu, Zee Griston, ordeno às trevas a se punirem entre si, se
mis e continuava a folhear seu livro, “Os Olhos do Armage- castigarem entre si. Zedom me lapide, me proteja, lace o mal e
dom”, quando viu um título que dizia claramente: “A coroa do destrua meus inimigos”.
apocalipse”: A vela despejou um pó, como purpurina, totalmente alaran-
“A coroa do apocalipse é nada menos que o conjunto de san- jado. Zee colocou o pó em torno de toda sua cama e guardou o
gue dos antigos anjos guardiões após suas mortes pelos malignos resto em um pote com estampas de abacaxi. O garoto sabia que
Sortunus. A Coroa do Apocalipse, reza a lenda, irá coroar o afor- Zedom o protegeria, sabia que o amor de sua família e de seu
tunado príncipe, filho legítimo de Zedom, dando-lhe, com amor, pai, que não estava mais entre ele, também o ajudaria. Naquele
seu exército mágico de luz e total poder celestial. É uma coroa momento, porém, a coisa mais importante pra ele era a união e
abençoada pelos Mil Mundos Kim. O dono desta coroa é o guer- a verdade da amizade eterna que havia sido jurada em um pacto.

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Ele sabia que aquela amizade era eterna e que ela ligava-os a seus – Sim, este é o último.
amigos de forma mágica e sincera. – Desta vez não irá mais jogá-lo sobre os telhados de sua casa,
Os dias se passaram e certa noite Zee e seus três amigos esta- senhor Griston.
vam comendo no restaurante “O Gato que Ri”, dentro de Kim- – Não, não vou – disse o menino sentindo muita dor ao fun-
bulândia. A comida estava deliciosa, todos eles estavam rodeados do de sua boca.
de alunos da Luminarius e todos tomavam suco de morangos – Bem, devo lhe conceder um desejo, senhor Griston.
e comiam um delicioso frango assado, quando Zee começou a O menino ficou imaginando o que pediria à Fada Dourada,
sentir sua coroa nas costas queimar. Ele estava tendo um forte então ele disse:
e profundo Dejavù, e tal Dejavù não passava. Zee, então, disse – Eu gostaria de descobrir tudo sobre Terenzo Crack.
para os seus amigos o que estava acontecendo, mas nenhum de- A Fada se foi. Zee fechou os olhos e ouviu uma doce e suave
les disse nada, pois apenas Zee estava tendo este Dejavù. Tudo o voz, como a de sua mãe, começando a contar-lhe uma história:
que acontecia, as portas batendo, as pessoas entrando e saindo, “Era uma vez um menino rude e invejoso que sempre roubava
os cachorros latindo terreno afora, tudo aquilo ele tinha a certe- e trapaceava em Kimbulândia. Tal menino sempre estava cativan-
za de já ter visto. Zee fez o máximo de força possível para aquilo do e conquistando todos os professores. Sobre este menino, nada
passar, mas não passou. as pessoas sabiam; apenas que era um garoto estranho, ranzinza
Ao chegar a seu quarto, estando sozinho, sentou-se à cama e e criado por velhas irmãs kimbulos. Abandonado por sua mãe,
arrancou sua camiseta com apenas uma das mãos. Logo, tesouras o garoto de nome Terenzo Crack cresceu amargurado e possuído
douradas começaram bater com força por todas as suas coisas che- por sentimentos ruins, que, ao decorrer de sua vida, levaram-no
gando a quebrar sua ampulheta, que era usada nas aulas do profes- para o lado das trevas. Terenzo matou muitos kimbulos e seguiu
sor Will Stick. Rastejando pelo chão, o garoto começou a apertar juntando ao seu lado um exército de esqueletos dominados por ele
os dentes. Naquele momento o último dente de leite de Zee pula por feitiços proibidos. Sempre procurado pela polícia Kim, Teren-
de sua boca e, de repente, o forte Dejavù acaba. Zee apanhou zo teve como sua última vítima Joe Griston e, pelo que se sabe, ele
seu dente com as mãos cheias de sangue e o observou. Deitou-se possui o selo de Baal, que lhe deu a ele poderes extraordinários no
muito suado, sem nem mesmo tirar seu jeans. Colocou seu dente mundo dos Magnistas.”
sobre o criado, ao lado de um par de óculos Ray Ban e foi quando A voz doce se foi. Zee estava com raiva, enfurecido, choran-
uma Fada encantada com vestes completamente douradas entrou do e esperneando. Ele conhecia agora o assassino de seu pai. A
como um fantasma pelas paredes de mármore. única coisa que ele queria era encontrar Terenzo Crack e matá-lo
– Olá, senhor Griston. com suas próprias mãos. Ele entendeu o porquê do livro. O li-
– Olá – disse Zee. vro sabe que seu pai foi um kimbulo bom que lutou com todas
– Vejo que tem consigo seu último dente de leite. as suas forças para proteger o Mundo Kim das trevas e sabe que

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a presença de seu pai era o poder suficiente para se vingar do Adquirem o brilho da lua,
maligno sortunus que tirou uma infância feliz dos olhos de Zee. Seu sorriso afrodisíaco
Olhando para o céu, Zee ficou imaginando quanto seu pai Torna-me cada vez mais pura.”
pôde ter sofrido nas mãos deste assassino e também pensou a razão
dele matar seu pai e não ele. Se ele realmente sabia que Zee era o Zee achou os poemas lindos e estava feliz nas aulas ao lado
dono das lágrimas de ouro, por que ele não o atacou? Então, Zee de seus amigos que, agora no outono, estavam tão kimbolizados
lembrou-se da bolha do grande cão no quarto 45. Aquilo era um quanto as folhas mágicas que caiam das gigantescas árvores de eu-
encantamento certamente deixado por seu pai para protegê-lo. O calipto campos afora do terreno. As folhas exalavam um perfume
cão vem protegendo-o dentro de uma bolha desde os seus três anos. incrível que era carregado pelos ventos, que batiam em suas peles
Proteger de qualquer sortunu magnista Sua mãe, agora na visão de lisas por debaixo de toda aquelas roupas quentes usadas para se
Zee, era a mulher mais corajosa do mundo. O bronze dos batons aquecerem do frio que fazia na Itália durante aquele outono.
de Keila Griston nada mais era o amor por sua família e por toda a Zee observava mais uma vez a garota linda e sorridente, Mari-
Luminarius. na Capucci, que agora, por incrível que pareça, olhava-o também,
Zee caiu em um sono profundo e seu único sonho durante a um pouco constrangida, mas olhava.
noite foi o de poder girar nos braços de seus pais após uma feliz – Oi – disse Zee com as mãos suando frio.
e passageira noite de Natal, na qual ele havia ganhado um sino a – Oi, Zee – respondeu a menina com os olhos grandes e bri-
pilhas de seu pai e depois, foram a um parque e desceram sobre a lhantes, segurando uma caneca com chá de cebola para gripe.
radical e grande montanha russa. – Como vão as aulas? – perguntou Zee para a menina da
Na manhã seguinte Zee contou sobre a Fada e seu dente e so- Americus que já estava no segundo ano.
bre Terenzo Crack para os seus três amigos. Eles ficaram bastante – Estão bem, estou adorando as aulas. Bem, preciso ir, Zee –
impressionados em saber que Zee ainda tinha um dente de leite disse a garota, observando suas amigas chamando-a.
e também estavam certos de que Terenzo Crack era um kimbulo – Até logo, Marina. A gente se vê por aí.
muito mau caráter. Loryn trazia consigo um livro de poemas e – Até. Ah, Zee, você foi ótimo no kimboll, torci muito por
com um voz calma começou a recitar um para Zee tentando, de você – e saiu.
alguma maneira, confortá-lo e fazer seu amigo sentir-se mais feliz, A garota, com suas veste longas, estava junto de suas amigas,
já que ela agora sabia o que aconteceu ao pai de Zee. cochichando e olhando para Zee, que estava totalmente tímido,
imaginando se elas sabiam que ele estava apaixonado. Ao longe,
“Vampiro da noite perto da biblioteca, Zee esbarrou em uma garota, Jessica Rardy,
Que petrifica meu olhar, do primeiro ano da Luminarius. Era uma menina diferente. Ti-
Seus cabelos cor de mel nha cabelos lisos e castanhos e algumas sardas pelo rosto. A garota

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recolheu seus livros caídos pelo chão com a ajuda de Zee e, antes
de sumir pelos corredores, Zee ouviu:
– Hey, garoto Zee, espere um segundo.
Zee foi até a garota que estava muito tímida. Ela aproximou-
se e perguntou:
– Fiquei sabendo que você tem uma tatuagem. É verdade?
– Não, eu não tenho, e não gosto de falar sobre isso. Desculpe
– disse Zee muito incomodado em saber que os alunos da escola
estavam todos falando dele e sabendo tanto de sua vida.
Com certeza alguém na aula de Ginástica Mágica havia es-
palhado o boato sobre a marca. A marca brilhou a noite toda nas
costas de Zee Griston como um lindo lampejo azul incandescen-
te. Era uma marca que ele desconhecia. Uma marca que ele iria
agora carregar para o resto da vida e, quem sabe, para o resto da
morte também. 5
O Funeral

78
O
s gatos da Luminarius miavam por toda a catedral. Zee
estava se levantando mais uma vez, iluminado por seu
abajur laranja que ficava em cima de seu criado mudo
de cerejeira, quando uma magia vendou seus olhos por completo.
Então o garoto ouviu:
– Feliz Aniversario, Zee! – o garoto mal se lembrava de que já
era Domingo de Setembro, dia do seu aniversário.
Seus amigos estavam cheios de esparadrapos por todos os de-
dos depois de ralarem toda a mão nas folhas dos milharais de Kim-
bulândia. Todos foram para fora da escola e sentaram-se embaixo de
uma grande árvore de Pinheiro. Loryn havia usado magia e colorido
seus cabelos e os de Zee de azul bebê. Estavam deliciando-se com o
maravilhoso bolo de limão e biscoitos de chuva que eles haviam pre-
parado. Otávio fazia alguns desenhos para o amigo; desenhos que
se movimentavam. Um dos desenhos era dos quatro amigos juntos
e felizes sobre o Olho de Zedom. As meias velhas e surradas de
Doug cheiravam muito mal, fazendo todos os meninos tamparem
o nariz. Logo chegou Erick Vilarinho que estava incomodado com
a felicidade dos outros alunos. Zee murmurou “Burriculus” e um
grande par de orelhas de burro apareceram sobre a cabeça do aluno
trombadinha da Americus. Ele realmente não estava com sorte.
O livro de Zee estava na grama, embaixo da grande árvore e,

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de repente, de dentro das páginas do livro apareceu a inscrição: der a razão daquilo tudo. Algo o fazia pensar que aqueles kimbulos
“Para o brechó A-Minha-Avó-Tinha.” Os quatro correram para quisessem vê-lo maluco, mas Merlin não o colocaria em tal perigo.
dentro do quarto de Zee, apoiaram o livro dourado contra parede Assim, ao escurecer todos se sentaram em volta da lareira, comeram
e em um feixe de luz fez com que os quatro fossem parar em uma várias cenouras cruas que estavam em uma cesta e ficaram obser-
rua com uma grande escultura de Poseidon. Eles foram para a por- vando fixamente uma esfera de água com golfinhos que dançavam,
ta da loja da qual três meninas haviam acabado se sair com roupas mais um presente de Merlin para Zee que chegou através de seu
de crochê. Um velho à porta disse: besouro com o seguinte bilhete:
– Apenas o senhor Griston.
Zee Griston entrou na loja, olhando a porção de objetos e “Nunca deixe de sonhar e acreditar
roupas diferentes que lá havia, como fantasias e óculos para mer- Em seus sonhos, Zee Griston.
gulho. O senhor de face muito severa nada mais falou a Zee. Em Ah, e boa sorte. Merlin.”
seguida, surgiu uma garota baixa e de cabelos da cor de chocolate.
Zee estava muito feliz. Este tinha sido o melhor aniversário
– Olá, senhor Griston, sou Caduca K. Sou sua figurinista hoje.
de sua vida. Uma vez por ano cada aluno podia usar o telefone ti-
– Figurinista? Para que preciso de uma figurinista?
grado, que era sempre vigiado pelo grande cão de pedra. Zee ficou
Logo depois, outro Kimbulo apareceu. Ele estava com um
muito feliz em ouvir a voz da sua mãe, da sua avó e até ficou feliz
colete de botões e tinha cabelos grisalhos, também usava óculos
em ouvir os resmungos de seu padastro, que nem imaginava o que
com armações completamente douradas. Ele fazia várias pergun-
estava acontecendo; ele achava que Zee estava em Aclimação, na
tas à Caduca K, por exemplo, se ela aprovava certas roupas em
casa de parentes, estudando em outro colégio.
Zee. Durante um dos momentos em que Caduca descia as escadas
A esfera que Zee ganhou de Merlin veio junto com uma bol-
de madeira da loja para pegar mais caixas, o senhor de cabelos
sa, dessas que se usam de lado, na qual estava escrito: “A bolsa do
grisalhos, chamado Frans Bilte, colocou em um dos dedos de Zee,
mestre”. Era uma bolsa feita à base couro de dragão. Loryn havia
sobre suas luvas, um anel com a cabeça de um leão e disse em
pesquisado na biblioteca sobre a tal sinistra bolsa e, segundo ela,
seguida:
aquela bolsa protegia o kimbulo fazendo-o seguir seus instintos e
– Feliz aniversário, senhor Griston.
aflições do coração, ou seja, ela ajudava quando o kimbulo real-
– Obrigado – respondeu o garoto.
mente precisasse. A única coisa que Zee havia retirado de sua bolsa
Após provar todas aquelas roupas e figurinos, sem ter a mínima
até aquele momento havia sido o seu skate flutuante, mas era mui-
ideia de o porquê daquilo tudo, Zee saiu porta afora ao encontro de
to difícil se equilibrar e Zee levou vários tombos.
seus amigos. Todos os quatro deram as mãos, apertando fortemen-
Loryn colocou um lindo girassol sobre os cabelos e todos os
te, e voltaram para o quarto de Zee Griston.
alunos da Luminarius seguiram em frente para a aula de Controle
Zee ficou horas observando aquele anel prateado, sem enten-

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de Seus Signos. Zee estava tentando controlar o seu, que era um manteve-se atenta
Grifo vermelho e luminoso muito feroz. Todos ficaram babando Contra futuros episódios dolorosos para o nosso mundo,
ao ver o pequeno Zee usar o feitiço “Signum Triplo”, que o permi- que ainda
tia assustar a grande fera com um chicote de fogo. Chora essa lamentável perda.”
Ao sair da aula, Zee ouviu dois garotos da Americus falando
sobre o “Grande Banho de Sangue da Última Guerra em Kim”. Zee não acreditava no que tinha acabado de ouvir. Seu pai
Ele ficou muito curioso sobre o assunto, então naquele mesmo foi nada menos que um grande herói que morreu para proteger
dia, na aula da professora Rose Marry, ele e seus amigos pediram sua família e as leis sagradas de Zedom. Ele era o kimbulo mais
para a professora falar sobre o assunto. Segundo ela: incrível do qual Zee já tinha ouvido falar. Não entendia como sua
família e ele próprio ainda estivessem vivos. Na opinião de Zee,
“Os grande sortunus saídos dos vales da morte todo esse banho de sangue é algo incomum em qualquer mundo
Entraram em milhares de residências de kimbulos e o fez lembrar-se das Guerras Mundiais com muita, muita dor.
Honestos, para roubar, matar e saquear. Todos seguidos de Seu Como um kimbulo pode matar e sacrificar outros kimbulos, pas-
líder, Terenzo Crack, o sanguinário. Todos sando por cima das leis de Zedom por poder e dinheiro? No Mun-
acompanhados de vários do Kim, poder e dinheiro eram basicamente sonhos em forma de
alquimistas e kimbulos das trevas extremamente papel, como papel higiênico ou algo do tipo. Zee pretendia ser um
Poderosos. As famílias que resistiram acabavam mortas kimbulo honrado e honesto, como seu pai havia sido e queria dar
E a maioria acabava passando para o lado das trevas orgulho para sua família, que a cada dia estava sendo mais sincera
Por medo. A última família escondida no Brasil resistiu e com ele em relação ao mundo Kim.
Não se entregou ao exército de assassinos, Durante a manhã, Otávio e Douglas estavam se divertindo
eram os...os...Griston! na cantina com um pião que tinha uma espécie de aranha presa
A Guerra só teve fim quando Terenzo Crack dentro. O pião girava sobre a madeira onde Zee e Loryn se lambu-
conseguiu o que estava zavam com torradas com requeijão e mel. Estava tudo delicioso e
Procurando, que é o que ninguém sabe. quando tomaram seus copos de leite com café, seus rostos ficaram
Ele banhou-se em sangue marcados com bigodes, que nem ele e, muito menos ela, que era
Inocente, e Zedom enfureceu-se, fazendo com uma garota, poderiam ter.
que todas as espadas Zee correu apanhar sua mochila para a sua aula de Magia Para
E armaduras das tropas malignas derretessem Alunos do Primeiro Ano, quando, mais uma vez teve uma imensa
a imensidão dos vontade de revirar aquele seu livro que já o havia levado a tantas
Corpos dos inocentes. Após isso, a polícia de Kim aventuras. Exatamente na página 75 havia outro rabisco: “Aqui

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reza a morte”. O garoto não pensou duas vezes e, mesmo sabendo mãos, não só por justiça, mas também por vingança.
que poderia perder a sua aula, mergulhou dentro daquelas enor- Zee não comentou nada com seus amigos sobre o que havia
mes páginas amarelas. Estava em sua casa, em Cansville, em um visto, pois aquele sentimento frio, que agora estava entranhado
funeral. Seu pai estava deitado sobre um caixão de madeira negra, dentro dele, não era algo que o pequeno kimbulo desejaria dividir
havia várias margaridas em torno dele e um véu cobrindo sua face nem com seus melhores amigos, nem com ninguém.
por baixo de um vidro. As aulas estavam cada vez mais surpreendentes e fascinantes
Zee instantaneamente começou a derramar lágrimas que ago- para Douglas e os outros. Zee estava se saindo bem. Havia deco-
ra eram apenas lágrimas comuns, lágrimas de um garoto que es- rado todos os feitiços para os professores e sabia que esses feitiços
tava sentindo muita dor em ver a perda de um ente querido. O poderiam ajudá-lo muito caso tivesse que se proteger ou atacar Te-
corpo estava sendo velado e ali estavam sua mãe, aos prantos; sua renzo Crack. Na mente de Zee, Terenzo estava ali mesmo, dentro
avó, bebendo, para não sentir a dor daquela perda; seu tio Jozé de Kimbulândia, esperando o momento certo para atacá-lo, mas
da Gaita; e sua tia Fiínha. De repente, sua casa foi tomada por alguma coisa o impedia.
kimbulos encapuzados e com vestes vermelhas como sangue, que Zee Griston perdeu horas e horas tentando descobrir o que
traziam suas mãos uma espécie de espada e cartola. Eles levaram realmente impedia esse famoso e poderoso kimbulo inimigo de
o caixão com o corpo de seu pai e Zee que estava ali apenas como matá-lo. Sempre via a face de Merlin em sua memória, como se,
um voyeur os seguiu. mesmo distante, Merlin estivesse usando algum encantamento
Eles entraram em um galpão e fecharam as portas com cor- para protegê-lo. Zee não estava nem um pouco preocupado com
rentes e cadeados. Nada mais se via do lado de fora. Eles levaram sua proteção. Ele só queria mesmo olhar nos olhos do assassino de
o corpo do pai de Zee Griston. Os kimbulos das trevas levaram seu pai. Queria poder enfrentá-lo e mostrar para o Mundo Kim
não só a vida, mas também o corpo de Joe Griston para dentro do que ele não era apenas um menino de doze anos, como havia dito
mundo do mal, como aquele mundo que Zee havia visto na Feira a professora Rose Marry. Zee queria mostrar que tinha coragem
dos Queijos na loja Consolem. suficiente perante o olho de Zedom. Queria mostrar que estava
Naquele instante, o menino voltou para seu quarto choran- kimbolizado e pronto para aquele confronto.
do, gritando e com raiva, sabendo que todos esses kimbulos esta- Loryn trazia consigo um bilhete sigiloso de Marina Capucci,
vam livres e soltos, destruindo e continuando a ferir corações das que dizia:
pessoas. O mestre de todos, o kimbulo que carregava o punhal e
a cartola era visível para Zee. Ele era ninguém menos que Terenzo “Zee Griston, cuidado!
Crack. Mesmo sabendo que não era certo, nem permitido, Zee Algumas pessoas nesta escola
não conseguia tirar o ódio e a raiva que sentia de Terenzo Crack. Não são confiáveis. Fique alerta.
Ele queria acabar com esse maldito kimbulo com suas próprias Confio em você, e sei que é o

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Kimbulo proibido. Pessoas vam suas flautas e violinos mágicos. Eles eram os músicos que
Estão reunindo forças treinavam para um musical que logo seria apresentado no palco
Para atacá-lo. Fique próximo dos principal da área de St. German. A melodia, incrivelmente linda,
Amigos e destrua este bilhete. fez Zee lembrar-se de quando tinha cinco anos e sua mãe cantava
Com carinho, Marina Capucci.” uma canção bonita, mas assustadora. Loryn já havia decorado
essa canção e, ao perceber o menino olhando para os músicos,
O menino sabia que a garota havia ouvido alguma coisa den- começou a cantar, abraçando fortemente o amigo:
tro da ala dos Americus. Zee sabia, também, que muitos alunos
da Americus vinham de famílias que haviam sido magnistas e que “Boi, boi, boi. Boi da cara preta,
estavam ao lado de Terenzo Crack na Guerra Kim, na qual o jo- Pega esse menino que tem
vem Zee Griston perdeu seu pai. Mas o que Zee não entendia era Medo de careta. Boi, boi, boi.
porque Marina Capucci, que era da Americus, estava tentando Boi que é perneta, vá embora logo
ajudá-lo. Alguns sentimentos passavam pelo coração de Zee e, por E não mexa a sua cabeça!”
um instante, ele teve a leve impressão de que a garota também es-
tava nutrindo algum sentimento por ele, mas, até então, ele escon- Zee começou a rir de sua amiga, que cantava muito mal. Ela
deu bem. Antes daquele bilhete nada aconteceu entre eles além ficou muito irritada e deu-lhe um forte cascudo na cabeça. Loryn
daquele “oi”. era uma menina muito especial. Tinha dois irmãos e vivia em uma
Erick Vilarinho andava vigiando os quatro amigos naquelas casa legal com seus pais. Sua mãe era muito severa com a garota
semanas, como se quisesse achar algum ponto fraco ou irregulari- e sempre exigia dela trabalho e ajuda para cuidar dos irmãos, que
dade, para poder entregá-los ao conjunto de professores. Com cer- eram pequenos e muito travessos.
teza ele ficaria muito feliz em ver os quatro voltando, de uma vez Doug tinha apenas um irmão, Gustavo, que sempre se metia
por todas, para Cansville. Ficaria feliz em vê-los voltando direto em encrencas e não dava muita importância para o garoto, mas os
para Torminel, rodeados de redações gigantescas do professor Os- pais de Doug eram bem legais. Sua mãe tinha uma loja de roupas
car, Mas os quatro estavam na vigia e não usaram nem o travessei- no mundo deles e seu pai trabalhava em uma marmoraria.
ro e, muito o menos, o livro pra fugir dos terrenos de Kimbulân- Otávio era adotado e sua mãe, Anita, o amava muito, mas
dia. Zee estava extremamente grato a Marina pelo aviso e queria ele sempre se queixava de alguma coisa. O garoto achava que
alguma chance de se aproximar e agradecer pelo gigantesco favor. ela dava mais amor paro seu irmão, Marcos, mas isso era uma
Por todo o piso quadriculado às margens do Rio das Fadas grande besteira.
havia vários alunos do Conservatório de Música. Eles estavam Zee, por sua vez, era filho único, mas tinha vários primos e
tocando uma linda canção como o hino de Kimbulândia. Usa- primas. Era bem amigo de Arthur, seu primo de onze anos, e eles

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sempre se deram muito bem. Arthur tinha uma piscina legal em de Ciências Mágicas. Doug estava muito decepcionado e triste.
sua casa e eles, na infância, divertiam-se muito com enormes ca- Enquanto tomava seu suco de manga, mal olhava para Zee e os
minhões de madeira que ganhavam da avó. Mas aquele era o outro outros. Ao andar, levou vários tropeções, graças a feitiços para sa-
mundo. O mundo em que Zee estava vivendo agora era diferente. caneá-lo lançados por Erick e seus novos amigos da Luminarius,
Ele ficava feliz em saber que trazia com ele três partes daquele Willian “Cabeça de Martelo” e Karina “Macho-fêmea”, apelidos
mundo: seus melhores amigos eram uma parte, e as outras duas que o próprio Doug havia colocado.
partes estavam entranhadas dentro do coração de Zee. – Nossa, vocês souberam da suspensão dos garotos dos sexto
Ao olhar o céu à noite, Zee sempre via o rosto de seu pai junto e sétimo anos, da Luminarius?
ao dele, bem no alto, como no dia em que seu pai deu-lhe um esti- – Não – respondeu Otávio para Loryn.
lingue de presente que havia sido feito por ele mesmo. Zee amava – Willer Lesco e Felipe Cordeiro tomaram garrafas e garrafas
cavalos, segundo sua mãe tinha vários, e também sempre andava de rum e estavam nadando nus entre as sereias no Rio das Fadas.
de charrete, Antes de dormir, Zee sempre ficava imaginando como A professora Rose Marry os mandou direto para a casa. Eles eram
seria legal pescar e andar a cavalo com seu pai. Queria, com todas da África do Sul.
as suas forças, estar ao lado do seu amado pai novamente, mas – Loryn! – chamou Zee.
isso era apenas um sonho, pois seu pai estava morto. Agora ele era – Como pode os alunos desta escola virem de várias partes do
como Merlin, uma mera lembrança dentro do coração galopante mundo todos falarem a mesma língua?
e transparente de Zee Griston. – Há é o feitiço de kilíngue que permite que você ouça qual-
– Hey! O que está fazendo? – perguntou Loryn a Douglas. quer palavra em seu idioma, ou seja, tudo o que você diz, eles
– Ah, estou participando da Feira de Ciências Kim. ouvem no idioma deles. Se você falar em Inglês ou Espanhol, eles
– Nossa, e o que é isso? podem entender em Latim ou Português. Segundo a professora
– Isto é nada menos que o meu projeto: uma réplica da Ár- Jaiane Lopes, de Linguagens da Magia, essa magia antiga é uma
vore de Zedom, com acerolas prateadas no lugar de maçãs. das grandes ideias que Merlin teve quando ainda estava vivo.
– Isso não parece mesmo com a Árvore de Zedom, Doug. – Quando eu vivia em Cansville e não sabia que era Kimbulo,
– Como não? Veja só. queria ser aeromoça, mas agora sonho intensamente em lecionar
Douglas pegou uma das acerolas prateadas e deu para Otá- aqui mesmo, em Kimbulândia, em um futuro próximo – disse
vio. O menino instantaneamente começou a ficar com furúnculos Loryn a Zee.
por todo o corpo, indo parar direto na enfermaria. Otávio ficou – Só se for dar aula de Vodu – disse Doug, ainda irritado por
por lá uns três dias e, mesmo depois de três dias, mal conseguia ter se saído mal com seu projeto.
se sentar. Estava enfurecido com o amigo, que não tinha se saído – Garoto besta! – respondeu a menina, muito brava.
nada bem, levando um grande “MF”, de muito fraco, na Feira Naquela noite Zee teve um grande pesadelo. Via o rosto de

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seu pai novamente naquele caixão e quando ele se aproximava,
percebia os olhos de seu pai ainda abertos, porém, paralisados
como uma estátua, daquelas que vivem nos museus. Zee queria
tanto que seu pai aparecesse para ele, mesmo que fosse uma lem-
brança, como Merlin.
Zee não intendia o porquê de poder falar com Merlin, que já
havia partido, mas não com seu pai, que também já estava morto.
Zee decidiu contar tudo para seus amigos, que se sentiram muito
mal com essa história. Otávio, que sempre foi muito medroso,
achava que eles eram não só kimbulos das trevas; achava que o
fato dos kimbulos do mal terem buscado o corpo do pai de Zee
no velório fazia parte de algum ritual macabro, coisa que passava
longe dos entendimentos de magia que eles haviam aprendido até

6
aquele dia.
Loryn, Otávio, Douglas e Zee só estavam começando uma
grande trajetória de aventuras, medos, perigos e riscos mortais no Lady Escorpião
Mundo Kim em meio a luz e trevas. Os quatro deram as mãos e
disseram:
– Assim que vou olhando para trás. Amigos são demais. Você
ainda não viu. Somos, sim, amigos de verdade. Pura raridade, os
ZLOD são assim.
Quando terminaram de dizer aquelas palavras, surgiu entre
eles uma grande luz, meio violeta, meio verde, marcando com
total amor e magia aquela amizade intocável, poderosa e muito,
muito verdadeira. Foi aquela amizade que fortaleceu o brilho dos
olhos de Zee Griston após ele ter presenciado o sombrio funeral
de Joe Griston.

92
Z
ee estava observando o ninho de alguns cisnes no meio do
imenso milharal de Kimbulândia. Ele usava uma boina
cinza, de aspecto italiano, e suspensórios estrelados soltos
pelo seu jeans quando notou um duende de pele amarelada apro-
ximando-se dele.
– Olá, senhor Griston. Sou Mocco, um duende. Trabalho na
cozinha de Kimbulândia.
– Olá, Mocco, prazer em conhecê-lo.
– Vim de Portugal, senhor. Cheguei há dois meses e fiquei
sabendo de várias histórias sobre o senhor. Fiquei sabendo tam-
bém de suas valiosas lágrimas a Zedom. Isso agora é uma lenda,
como tantas outras, senhor. Os duendes bebês estão pedindo
para suas mães contarem a história da noite de sua iniciação. Já
tem até contos infantis sendo vendidos em várias livrarias e fã-
clubes estão sendo formados em todo o Mundo Kim. As jovens
kimbulos andam histéricas, senhor, à procura de pôsteres mági-
cos, etc...
Zee ficou surpreso que, em tão pouco tempo, já estivesse tão
famoso; no fundo, ele não queria isso. Algo estava fazendo-o ama-
durecer rápido demais; tão rápido que ele já havia se esquecido das
coisas que costuma fazer em seu antigo mundo. O duende Mocco
era muito simpático, tinha a face enrugada e a voz rouca.

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O garoto já estava atrasado para sua aula com o professor Eros, Psique e Pam nos Mil Mundos Kim dariam ao filho o poder
Will Stick, que ficava mais chato a cada dia que passava. O pro- de chorar as lágrimas de ouro como fruto proibido do Olho de
fessor continuava lançando olhares incomodantes em direção a Zedom, sendo o filho o único capaz de enfrentar as trevas e os
Zee e, agora que descobrira sobre sua marca as costas em forma magnistas fiéis às sombras.
de coroa alada, ele estava ficando cada vez pior. Certa aula, Zee Após uma breve pausa, o professor continuou:
notou uma pintura estranha, bem diferente, perto de uma janela – Não pense que este seja você, senhor Griston, que, pelo que
de madeira que tinha marcas de patas de ganso. Zee esperou to- vejo e levando em conta suas notas em minha aula, não é diferente
dos os colegas de classe saírem com suas ampulhetas porta afora de nada, nem de ninguém. Agora, por favor, saia. E pare de usar
e perguntou ao professor: tanto este maldito perfume amadeirado. Não o use em minha aula,
– Professor, do que se trata aquela pintura que antes não es- sou alérgico a essas porcarias vendidas na “Magicus Fragrance”.
tava ali? Zee não havia usado perfume nenhum, com certeza isso tinha
– Por que devo dar-lhe alguma explicação, famoso senhor Zee sido obra de Erick Vilarinho, que estava com metade da cabeça
Griston? – perguntou o professor de uma forma absolutamente para fora da porta. O garoto ficou pensando horas e horas sobre
insinuante. aquela história. Agora fazia todo sentido. Sua mãe sempre dizia
– Bem, sou aluno e gostaria de aprender o máximo possível, que gostaria de ser médica e seu pai venerava cavalos, cabritos,
professor, apenas isso e nada mais – respondeu Zee à altura. bodes, todos esses tipos de animais. A história de Eros fazia com
O professor de vestes vermelhas como sangue e cabelos cor que ele entendesse a marca e sua vontade de sempre estar no colo
de poeira fechou um livro grosso, que parecia ter mil páginas, e de sua mãe quando criança.
aproximou-se da pintura, começando a falar sobre ela: Zee estava se diferenciando cada dia mais dos outros meni-
– Isto é a imagem de Eros, Pam e Psique – disse o professor. nos. Tornara-se mais confiante e astuto. Conjurava feitiços pode-
– O senhor poderia me falar sobre eles, professor? rosíssimos nas aulas, impressionando todo o primeiro ano. Já esta-
– Pois, bem... Eros é um querubim, o último restante da clas- va tirando notas altas como as que tirava no colégio de Torminel,
se dos anjos, que foram todos aniquilados dos dois mundos. Ele é em Cansville, e seus amigos estavam aprendendo muito com ele.
fruto de Psique, que era, basicamente, meio mulher e meio deusa, Aos olhos da professora sênior Rose Marry, Zee representava um
representante da Medicina Psicológica Mágica em nosso mundo. aluno exemplar, dando muito orgulho à escola, tanto nas aulas,
Ela deu à luz a Eros, que sempre a presenteava com coroas de quanto no kimboll, o maior jogo do Mundo Kim.
flores das margens de um lago do antigo Éden. Pam era o pai, Zee não conseguia mais se enxergar em outro mundo que não
metade kimbulo, metade bode. Eles viviam, e ainda vivem, em fosse aquele. Tudo estava indo de vento em popa. Nada mais havia
perfeita harmonia nas histórias, pinturas e lendas. Segundo uma ouvido sobre Terenzo Crack, que, para Zee, estava escondido e
história para crianças, a família que representasse a imagem de com medo de enfrentá-lo. Acima do grande escudo de Kimbu-

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lândia havia as inscrições sagradas do Colégio: “Quaerite Zedom mou-se bem devagar, dando passos silenciosos, tentando não fazer
aspectum, somnia vestra in magia.”. Tudo escrito em letras verme- nenhum barulho. Ali estava uma mulher sentada em uma cadeira.
lhas e mágicas sobre o metal em ouro bem grande no galpão prin- Ela tinha cabelos compridos muito negros.
cipal. Após Zee comer todo o seu jantar, correu para seu quarto e A mulher virou e Zee conseguiu ver os olhos dela, que eram
mais que depressa abriu seu livro “Os Olhos do Armagedom”. A muito verdes. Ela arregalou os olhos em direção a Griston e disse:
parte de dentro da capa estava mudando do vinho para o negro e – Entre, menino, entre.
Zee mergulhou história adentro. Zee aproximou-se e ela perguntou:
O garoto foi parar em um povoado kimbulo cheio de casas – Você sempre tem a audácia de entrar em residências priva-
flutuantes com chaminés engraçadas e muitas corujas violetas. Zee das sem ser convidado?
estava dentro de um fusca velho e vermelho, que não ligava. Ele – Não, senhora, é que a porta estava aberta.
saiu do fusca e foi caminhando reto, vestindo suas luvas reluzentes – Sente-se – disse a kimbulo, que era muito magra e boni-
mágicas. No final da rua havia um portão de grade entreaberto. O ta, porém, sombria. Suas unhas eram muito grandes e vermelhas
garoto percebeu uma espécie de gato saindo das sombras de um pé como sangue.
de pitanga. Era um gigantesco Tigre de Metal que disse: – Qual seu nome, rapaz?
– Suba. – Meu nome é Zee, senhora, Zee Griston.
O garoto subiu sobre o grande felino que era extremamen- A mulher jogou pela janela um pombo que parecia estar sen-
te gelado, tão gelado quanto a neve que caia naquele momento. do devorando a sangue frio e começou a estrangular o menino.
O animal rodeou todo o quarteirão até parar em uma casa toda – Sabe quem sou eu, Zee Griston? Sou Lady Escorpião, irmã
de madeira. A casa parecia abandonada. Zee desceu do Tigre de de Terenzo Crack. Há tempos venho buscando tê-lo em minhas
Metal e o animal sumiu floresta adentro. O menino caminhou mãos para matá-lo. Graças aquela sua maldita mãe sou obrigada
lentamente até a porta principal da casa, que era escura, feita de a me alimentar de animais sujos e rastejantes, pois ela me amaldi-
madeira velha e com cercas de arame farpado. çoou com uma magia vaga chamada “bondade”. Imundo Griston,
Zee estava sozinho e com muito medo. Nunca estivera em você terá o mesmo fim patético de seu pai e será agora.
um lugar tão medonho em sua vida, nem imaginava o que pode- A maligna Lady Escorpião fez todas as unhas de uma de suas
ria haver naquela estranha casa, que flutuava sobre uma espécie mãos formarem um escorpião da cor de um rubi e do tamanho
de neblina. O garoto aproximou-se da porta e, com muita, deli- da palma de sua mão. O escorpião rapidamente rasgou a camiseta
cadeza abriu a maçaneta. Ao entrar na casa, passou por uma sala de Zee, próximo ao peito e grudou em sua pele. O garoto caiu no
muito escura, mas cheia de velas, com alguns pombos caídos no chão de dor e tortura.
chão, como se tivesse sido devorados por algum animal. Dentro Quando percebeu, estava de novo em seu quarto. Sentindo
de um dos quartos uma luz branca e forte lampejava. Zee aproxi- muita dor, saiu rastejando até a porta do quarto de Otávio, que

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ficou muito assustado em ver o amigo naquela situação. Otávio lhe dito. Ele sabia que ela fora apenas um refresco do que ainda es-
apanhou seu cubo com nuvens tibérias e um pouco de arco-íris tava por vir. Terenzo Crack não lhe colocaria apenas um escorpião
líquido. Aproximou o cubo ao peito do amigo e o objeto quadra- cheio de trevas; ele o mataria e ainda iria a seu velório. Zee estava
do abriu-se como uma pequenina caixa de vidro, fazendo aparecer definitivamente pensando em treinar alguma magia mais perigo-
uma pequenina nuvem azul. A nuvem começou a chover sangue sa, mesmo que negra; algo que o ajudasse a enfrentar no mesmo
fazendo com que o escorpião impregnado se transformasse em nível o temido kimbulo do Mundo da Magia.
suor. O ferimento no peito de Zee estava feio e profundo e estava Então, Zee entrou na sala negra, na qual sua amiga havia sido
próximo ao seu coração, que estava sendo tomado por veneno. atacada da outra vez e lá encontrou vários objetos estranhos, como
Otávio derramou um pouco do líquido que estava em um pe- medalhões, pêndulos, facas e algumas armaduras que certamente
queno frasco de vidro sobre a pele de Zee, então, o ferimento e os professores haviam tomado dos alunos da Americus. Quando
veneno do escorpião rubi sumiram por completo. menos esperava encontrou um livro de capa marrom com páginas
No dia seguinte, Zee e seus amigos prometeram para si mes- negras. Zee levou o livro para seu quarto e leu o título: “Feitiços
mos que nunca mais usariam aquele livro, que já havia se tornan- Mortais”. Um dos feitiços era o tal “Injetus”, que pode ser conju-
do perigoso demais. Loryn estava dando fortes batidas nas costas rado por luvas feitas à base de insetos, tais quais escorpião, aranha,
de Otávio, pois ele acabara de tomar vários goles de água batizada, abelha e gafanhoto negro. Esse feitiço envenena a alma do kimbu-
que era água de gênios e não de kimbulos. O garoto vomitou todo lo, levando à morte em um único suspiro. É um dos feitiços pre-
o seu almoço e eles seguiram para a aula do professor Lafaiete feridos dos sortunus e um dos mais letais, causando dor por duas
Cosi, que lecionava Cosmologia. Era uma aula muito estranha. horas, mesmo após a morte. É sempre usado em casos de vingança
O professor era bonito, tinha os cabelos penteados para o entre famílias kimbulos, etc.
lado e fazia suas alunas suspirarem. Ele estava pedindo que to- Zee ficou imaginando o que Terenzo Crack sentiria caso ele
dos os alunos estimulassem seu cosmo interior perante o Olho de usasse aquele feitiço contra o kimbulo do mal. Zee queria justiça.
Zedom. Segundo ele, essa era a magia mais poderosa no mundo E queria que o assassino de seu pai e a irmã dele, aquela assassina,
Kim. Ele trazia consigo um par de luvas alaranjadas, que estavam sofressem como os Griston.
cortadas nos dedos. Ele exigia que todos os alunos usassem aquelas No outro dia, Zee escondeu o livro de seus amigos embaixo
luvas durante aquela aula. do colchão; não queria que nenhum de seus amigos soubessem
Zee achou as luvas muito maneiras. Mas, para ele, as conjuras que ele estivera praticando magia negra dentro de Kimbulândia.
ao cosmo e ao universo era besteira. Porém, para o professor, o Ele sabia que isso poderia afetar, e muito, a amizade dos quatro
poder do cosmo era a única maneira de enfrentar Gênios do mal, amigos, que estava indo tão bem e continuava forte, baseada no
que serviam todos os desejos de kimbulos das trevas. amor e na sinceridade, como sempre.
Zee estava pensando bastante no que Lady Escorpião havia – Zee!! Socorro!!!. – gritou Loryn

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– O que foi, Loryn? vio se queimou todinho, como um churrasquinho.
– Meu banheiro está cheio de vaga-lumes venenosos. A escola de Kimbulândia estava estremecida. O desfile de Na-
O banheiro de Loryn estava cheio de vaga-lumes que mais zaré Hilms, uma das maiores estilistas dos Mil Mundos dos Kim-
pareciam vespas. Eles estavam espalhados por todo o vaso sanitá- bulos, acabara de ser anunciado. Todas as alunas e alunos Kim
rio e box. Zee não sabia o que fazer, nem como lidar com aquele estavam fazendo testes. Loryn estava felicíssima de ter sido sele-
tipo de inseto, então, ele apontou suas mãos vestidas com as luvas cionada para o tal desfile de Moda Mágica.
luminosas e disse: Todas e todos os jovens modelos kimbulos estavam deslum-
– Injetus. brantes. Usavam botas de couro luminosas e capas estreladas muito
Os vaga-lumes, que eram muito perigosos, caíram todos ao glamorosas. Os chapéus em veludo chamavam e roubavam a aten-
chão, batendo as asinhas mesmo depois de mortos. Loryn ficou ção de todos. Todas as alunas estavam magras, pois tinham usado
espantada e com pena dos insetos, que tinham doze centímetros. um feitiço estranho para prenderem seus espartilhos. Os garotos
Ela nunca havia ouvido nada sobre a maldição “Injetus” e, como usavam coletes e calças de couro de dragão e outras calças com cor-
estava muito curiosa, perguntou a Zee onde ele havia aprendido das de múmias. Agora Zee entendia o porquê de Caduca K tirar
tal feitiço macabro. O garoto disse que tirou isso de sua cabeça. suas medidas no brechó da loja A-Minha-Avó-Tinha, em Paris.
A garota acreditou, achando que tinha a ver com a marca miste- O último a entrar na passarela coberta por luas e estrelas era
riosa de coroa alada que ele agora levava em suas costas. ninguém menos que Zee Griston, que mal sabia desfilar ou dar
Zee estava muito triste em ter que mentir para a amiga, mas sorrisos para as câmeras. Com fortes empurrões ele foi lançado
não podia dizer a verdade, pois isso poderia deixar ela e seus outros à passarela e, mesmo bem desengonçado, conseguiu se sair bem.
dois amigos com medo dele. E já bastava o medo que o garoto esta- Erick Vilarinho, por sua vez, estava se sentindo o máximo, sem
va sentindo de si próprio. notar que havia alface nos seus dentes da frente; ele estava posan-
Vários garotos da Luminarius haviam feito uma roda e esta- do para as fotos, sem saber que no outro dia todos os jornais de
vam jogando um jogo diferente, no qual se usava baralhos má- Kimbulândia estampariam esse vexame.
gicos. O jogo era definido de maneira simples: o kimbulo que Loryn e Marina Capucci estavam incrivelmente lindas Zee.
matasse o coringa vivo do outro, vencia e tinha que pagar 50 estava impressionado com Nina – era assim que ele chamava a
Gold Dreams para o adversário. Douglas estava empolgado jo- linda e nova amiga da Americus. Ele também estava encantado
gando contra Otávio, que havia acabado de perder para o amigo. ao ver as botas de fadas que Loryn estava usando. A última garota
O coringa simplesmente pulou da carta e começou a dançar. De- a entrar vinha vestida com uma curta saia de penas de pombos
pois de se apresentar, o oponente devia massacrá-lo ou ele daria fazendo Zee sentir calafrios ao lembrar-se de Lady Escorpião e de
tempo para que o outro oponente massacrasse o outro coringa. sua última aventura através de seu complicado livro mágico.
Doug usou o feitiço “chamanum” e o coringa do baralho de Otá-

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7
A Banda Mágica
D
o lado de fora das janelas nos campos da grande Kim-
bulândia o temporal estava forte, fazendo com que os
quatro amigos se reunissem no quarto de Zee, divertin-
do-se com o jogo “mágica ou consequência”, que fazia com que
os pequenos kimbulos revelassem segredos. Na vez de Doug, ele
virou-se para Zee e fez uma pergunta intrigante.
– Zee, mágica ou consequência?
Zee respondeu:
– Mágica.
– Existe algo que já escondeu de seus amigos?
Zee, sem perceber, respondeu que não. No mesmo instante
uma mágica fez com que o livro que o garoto escondera embaixo
de seu colchão pulasse para o chão, no mesmo lugar os quatro
haviam feito uma roda em torno da lareira.
– Zee, você escondeu isso de nós? – disse Loryn.
– Não, vocês não entenderam – disse Zee.
– Entendemos sim. Você não confia nos seus melhores ami-
gos – disse Doug olhando para Otávio.
Os três saíram muito desapontados do quarto de Zee, que
ficou a noite toda se sentindo muito mal por ter mentido para seus
amigos, que agora estavam tristes com ele. O garoto desejou com
todas as forças que amanhecesse logo. No caminho para a aula

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da professora Rose Marry o garoto disse que só havia feito aquilo A música havia se tornado um sucesso. Em pouco tempo to-
para preservar todos eles e pediu desculpas sinceras. Os três deram dos estavam ouvindo em seus fones encantados. Zee e seus amigos
um sorriso franco e perdoaram o amigo. estavam se preparando para o show que aconteceria em um ter-
– Hey, Zee. Olha o que encontrei – disse Otávio. reno vago, perto do restaurando “O Gato que Ri”. Loryn havia
Otávio tirou do quarto uma guitarra louca. A madeira bri- separado jaquetas verde limão para todos, e as costas unicórnios
lhava como fogo e ele disse que sabia tocar. O som era irado! Algo relinchando as calças seriam todas douradas e, aos pés, os tênis de
como o som de um dragão bufando de cócegas. Loryn teve uma kimboll.
ideia genial: os quatro deveriam formar uma banda. E assim sur- O grande dia chegou. Todos os alunos da Luminarius esta-
giu a banda “Magics”. vam presentes e alguns poucos da Americus. No palco de cristal
Eles encontraram um trailer perto do milharal e começaram estavam eles, arrebentando os autofalantes florais. Todos gritavam
a ensaiar todos os dias. Zee ficou com o vocal sônico, Loryn com histéricos e pulavam animadíssimos com o som encantado dos
a bateria de cogumelos vermelhos, Otávio com sua guitarra de “Magics”. Zee estava loucamente feliz em saber que, agora sim, o
fogo e Doug com um pandeiro de meia lua encantado. Os ensaios seu sucesso vinha de seu suor e não da mídia mágica de Kim.
estavam ficando cada vez mais quentes. Zee estava cantando mui- Em pouco tempo, a banda fez tanto sucesso que já havia se
to bem e Loryn estava fazendo as letras das músicas. Eles sabiam tornado famosa em todos os Mil Mundos Kim, mas a ideia dos
que iriam estourar em toda a escola a partir do primeiro show. A quatro largarem os estudos e se aventurarem na estrada da música
música de abertura do show deles já estava sendo criada. Danilo mágica era impossível. Os estudos vinham em primeiro lugar. O
Bianucci estava colando vários folhetos por toda Kimbulândia e, novo sucesso acabara de ser lançado, o hit era chamado “Demô-
então, surgiu a canção mágica de número um: nios podem chorar”:

“Somos os Magics, somos os Magics. “Hey, hey, hey.


Vamos saltar como fogo de dragão Demônios podem chorar.
Soltando pó de fada pelo saguão. Hey, hey, hey.
Viramos anjos na multidão, Sereias vão cantar.
Giramos forte como um pião. Há, há, há.
Solte o cosmo do seu coração, Zedom vai nos amar.
Junte-se a nós em nosso balão, Podemos, sim, virar uma
Um carrossel de elfos ou um furacão. Epidemia.
Chore arco-íris ou vire um anão...” Somos, sim, o vírus
”Da magia...”

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O espírito da juventude havia tomado toda a escola. Agora tanhas, passando pelas nuvens.
Zee e seus amigos eram nada menos que os meninos mais desco- No dia seguinte, após o almoço, uma garota saiu aos berros
lados de todo o colégio de Kimbulândia, impressionando alunos pela cantina do colégio. Era Jéssica Rardy.
e professores. Esse espírito dominava por inteiro os corações dos – Monstros! Monstros! Eles estão vindo!
adolescentes que não escondiam o tamanho fanatismo pelos “Ma- Segundo Jéssica, havia vários monstros saídos dos pântanos
gics”. Zee estava muito contente, mas alguns alunos da Americus, de Lailorville, uma cidade ali perto. A garota chorava e estava
influenciados por Erick Vilarinho, fizeram uma forte denúncia ao muito aflita com os terríveis monstros. Todos os professores fe-
conjunto de professores e a professora Rose Marry foi obrigada charam as portas da escola e mandaram os alunos esconderem-se
a proibir todos os shows e a divulgação da banda que agora era nos quartos, mas Zee achou muito suspeito, visto que essa cidade
sensação. não era tão perto assim de Kimbulândia. Então, ele e seus amigos
As noites estavam cada vez mais chatas. Restaram-lhes apenas esconderam-se em seus quartos ouvindo, ao longe, fortes batidas
as aulas, agora que o maior hobbie dos meninos haviam sido retira- no corredor da ala da Luminarius. Os monstros nada fizeram, ape-
do, graças aqueles bobocas da Americus. Zee e seus amigos ficaram nas deixaram uma pele com inscrições a sangue.
os finais de semana tentando se distrair com suas sombras, mas isso
não era o suficiente para eles depois de terem passado por aquela “Kimbulândia, Kimbulândia.
experiência incrível. A última coisa que a professora disse foi: Nossa amada Kimbulândia.
– A fama, meus caros talentosos e queridos alunos, é muito Do pântano fomos enviados
comilona e ela chega a devorar a alma das pessoas, tendo vários Para alertar ao que fomos encarregados.
casos de ataques ferozes no mundo da magia. Quem sabe, talvez Essa escola agora guarda a nossa ameaça.
um dia, quando estiverem com seus cards de maior idade, possam Sabemos que Zee Griston
voltar a fazer seus shows. Até lá, nada de música alta pelos corre- Quer nos levar a extinção.
dores deste colégio. Entreguem-no a nós
A música fazia muita falta para eles, pois aquela estava sendo E não haverá devastação.
a chance dos poderosos amigos se manterem mais unidos, como Sempre fomos pacíficos
em um único sopro de mágica. E não queremos conflitos,
Todavia, Zee e seus amigos não se deixaram abater pelo acon- Apenas exigimos o nosso
tecido. As lembranças boas e felizes que haviam passado os do- Inimigo... Nada mais,
minavam. À noite, dava pra ver uma tribo distante de kimbulos Nada menos.
índios mágicos tocando as músicas deles e fazendo seus rituais de Gratos, Monstros do Pântano de
chuva distantes dali, bem longe, descendo pelas cachoeiras e mon- Lailorville.”

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Os garotos só viram o imenso recado deixado à pele de animal interligados, pois os todos estavam com uma imensa vontade de
no dia seguinte. Todos na escola olhavam calados para Zee, como ver Merlin novamente. Toda vez que estão ao lado do grande kim-
se ele estivesse andando por aí com os cadarços desamarrados. Ele bulo é como se fosse Natal, o ar muda para melhor e sempre se
jamais fez mal algum a nenhum monstro. Ele nem sabia que eles sentem felizes, aconchegantes e com um ótimo astral.
existiam, mas ele tinha plena certeza de que alguém estava por trás Todos os alunos do colégio estavam totalmente envenenados,
disso. Ele achava que Terenzo Crack estava por trás disso tudo, sussurrando sobre Zee e mantendo-se sempre afastados. Zee Gris-
só para poder pegá-lo depois das mãos nojentas dos monstros e ton agora era alvo de perseguição não só pelos alunos da Americus,
matá-lo de uma vez por todas. mas também pelos próprios Luminarius, que estavam assustados e
A professora Rose Marry e os outros professores do comitê sem saber o que fazer em relação ao recado dos terríveis Monstros
haviam garantido a Zee total proteção, não por ele, mas pelas leis do Pântano, que haviam deixado aquelas inscrições enormes cheias
sagradas no Mundo Kim e pelo Grande Olho de Zedom, que de sangue e lodo pelo colégio.
estava sempre ali, observando tudo e pronto a punir qualquer um Zee e seus amigos estiveram, mais uma vez, na presença de
que praticasse o mal. Merlin, levados pelo espelho da professora Rose Marry. Eles foram
Zee saiu durante a tarde. Estava muito triste e confuso, e tudo escondidos, sem que ela soubesse. Merlin estava risonho e muito
estava pesando em sua cabeça. Encontrou no vale uma gigantesca alegre agora ao lado de seu cão, o Mr. J., que agora pertencia a
árvore, na qual se encostou para ouvir o piado das corujas. Naque- Merlin. Zee ficou imaginando porque Merlin e seu pai haviam
la mesma árvore havia uma porta invisível, quase impossível de ser deixado o cão arrotar bolhas sobre ele quando ele tinha 3 anos de
vista. Ela estava quase toda tampada por folhas e ramos. idade. Na casa de Merlin existiam várias coisas muito interessan-
Zee tirou alguns dos ramos e abriu a porta, entrando em uma tes, como um lindo gato muito negro trazido em uma das grandes
passagem secreta que tinha saídas para vários locais. Ele ficou in- viagens de Merlin à Pérsia.
trigado e encantado em saber que agora poderia escapar com seus Merlin ficou horas e horas contando histórias de seus pa-
amigos sem que nenhum aluno da Americus os visse. Quando rentes afastados e de suas batalhas contra os terríveis sortunus da
Zee mostrou aquele lugar para seus amigos, eles seguiram uma Alemanha. Merlin adorava vinho espanhol. A ideia dos grandes
das muitas estradas das passagens subterrâneas e foram parar em obeliscos teria saído dos sonhos que o velho e inteligentíssimo
um jardim um tanto diferente, com um lago cheio de crocodilos kimbulo tivera na infância. Merlin gostava das fadas e mantinha
bebês e golfinhos azuis. várias delas nos jardins de sua residência. Elas enfeitavam as flores
Zee despiu-se por completo e subiu sobre um dos golfinhos, e as hortas cheias de almeirão, repolho e alfaces gigantescos. To-
divertindo-se para valer, enquanto Loryn ficava de olhos tapados dos estavam passando uma tarde incrível ao som de uma fabulosa
atrás de um toco serrado devidamente por algum anão lenhador. flauta mágica que Merlin assoprava muito bem.
Naquele momento, os corações dos quatro amigos pareciam estar O senhor apanhou um vaso de barro e encheu com cinzas de

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seu cachimbo e com sal e salsas. Colocou cinco ovos de galinha e Zee colocou a máscara em sua face e como uma forte nebli-
ateou fogo, fazendo com que o vazo borbulhasse, cozinhando os na tomando seu corpo, ele havia se transformado em sua amiga
ovos, que tiveram a cor de suas cascas alteradas do branco para o Loryn. Eles haviam acabado de encontrar uma máscara mística
azul. Todos comeram e tudo estava absolutamente muito saboro- que permitia que eles se transformassem em qualquer pessoa, até
so. A chaminé de Merlin era tomada por chamas vermelhas que no próprio Merlin. Zee usou a máscara várias vezes para ir até a
exalavam fumaças acinzentadas céu afora perto das montanhas casa de Merlin, usando a forma física da professora Rose Marry.
com picos cobertos de neve, em várias e várias colinas por ali. Ele sabia que como havia sido a bolsa que o havia presentado com
Os coelhos falantes andavam por todos os aposentos e estavam tal objeto, não haveria mal algum em usar a máscara em prol de
sentindo-se muito incomodados pela chaga do cão fila, Mr. J., que, coisas boas. Quem sabe ele até poderia usar a máscara para des-
segundo eles, estava os perseguindo. Zee contou a Merlin sobre os truir, de uma vez por todas, o assassino de seu pai, Terenzo Crack,
“Magics” e também sobre as aulas. Merlin disse que já tinha ouvido que, segundo Merlin, não passava de um covarde que tinha medo
o último vinil que os garotos lançaram em uma feira na Noruega e de mostrar o rosto aos olhos do Mundo Kim, pois tinha medo de
ficou triste tentando consolar os garotos sobre o acontecido. ir para a prisão de Réguas e Compassos, em Kimcerol, a prisão de
Todos voltaram para a sala da professora Rose Marry, dando maior poder contra magia das trevas do Mundo Kim.
de cara com Jéssica Rardy, a garota que havia alertado a todos so- Zee e seus amigos estavam saboreando mershamoras, uma es-
bre os monstros. Eles pediram para a amiga da Luminarius guar- pécie de cogumelos de amoras um tanto suculentos, quando Zee
dar segredo e a menina concordou dando um sorriso de alguém sentiu sua marca nas costas brilhar intensamente. Zee e seus ami-
que estava feliz em fazer algo prestativo. gos correram para dentro do box do seu banheiro. Havia alguém
Todos os discos haviam sido queimados na grande lareira vio- os espionado em seu quarto. Não poderia ser nenhum aluno da
leta do Saguão principal. Agora, mais do que nunca, os “Magics” Americus, pois os grandes santos da ala dos Luminarius não per-
haviam acabado e os amigos estavam infelizes, como se todo aque- mitia a entrada de nenhum deles naquela ala. Os quatro saíram
le trabalho com a banda mágica não tivesse valido nada. do banheiro e encontraram, pendurada à porta, uma fita de cabelo
Zee apanhou sua bolsa e seguiu com seus amigos até o vi- de alguma das meninas da Luminarius. Com certeza era alguma
larejo do Mine Trolls para alimentar alguns pôneis alados. Eles enxerida do último ano.
comiam cenouras gigantes que Zee retirava de sua bolsa mágica. Zee, Loryn, Doug e Otávio ficaram atentos. Agora, mais do
Em uma das vezes, ao colocar a mão na bolsa à procura de mais que nunca, pararam de confiar em outros alunos, até mesmo da
cenouras, Zee sentiu a forma de um objeto de metal. Retirou tal Luminarius, pois se havia espiões em sua turma, o perigo estava
objeto da bolsa e deparou-se com uma máscara de bronze muito cada vez mais próximo deles. E nem livros mágicos, nem bolsas
engraçada, como uma máscara daquelas de carnaval, usadas em mágicas e muito menos marcas sobre a pele os ajudariam a enfren-
seu antigo mundo. tar o mal que os quatro sabiam que estava ali sobre os enormes

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pisos quadriculados terreno afora daquela catedral.
Nas aulas de Magia Egípcia, os alunos estavam aprendendo
sobre magias sagradas carregadas há milênios. Algumas destas ma-
gias e objetos formavam uma lista em uma das páginas do livro do
pequenino professor:
– Brincos de serpentes trocadoras de almas;
– Leite de Rathor, a vaca deusa;
– Anéis de Nefertite;
– Olhos de Hórus;
– O cinturão de Anúbis;
– O colar de Cleópatra;
– A bola de cristal da Deusa Ísis; e
– A chave de Num.
Segundo o professor, esses objetos eram relíquias e o kimbulo
que obtivesse esses itens, entre outros, poderia obter grande po-
der, tanto na defesa, quanto no ataque. Para Zee tais objetos eram
8
mais que necessários, mas Loryn nem deu muito atenção. O que A ave de Rá
ela queria mesmo eram algumas ameixas da própria Afrodite para
produzir elixir do amor, talvez ela estivesse querendo conquistar
alguém. Doug queria um pouco de ramo de algodão do Deus
Mercur, para poder ficar um pouco mais belo.

116
Z
ee estava na cantina saboreando seu mingau de maisena,
quando Erick passou dando uma grande gargalhada insi-
nuante. Então, Doug disse:
– Não coma! – mas Zee já havia engolido.
Erick Vilarinho tinha jogado um pouco de areia do tempo
roubada da sala do professor Will Stick. Zee, com muita raiva,
tentou vomitar, mas não conseguiu. À noite, Zee deitara-se em
sua cama enfurecido por saber que Erick estava tentando enve-
nená-lo com areia do tempo. Seu quarto estava uma tremenda
bagunça e Zee estava com tanto sono, que nem notou que estava
com a cabeça apoiada naquele misterioso presente de Merlin: o
travesseiro mágico.
O sol estava forte, mas Zee não estava forte. Ele não estava
mais em Kimbulândia. Acabara de acordar em meio ao deserto,
coberto de areia, areias como aquelas que havia visto no Egito.
Ele não tinha dúvidas de estava exatamente ali. O dia passou e
Zee não havia comido nada, nem mesmo uma gota de água havia
descido em sua garganta. De repente, ao longe, ele viu uma mi-
ragem. Saiu correndo, aproximou-se e encontrou uma pequenina
ilha em meio àquele imenso deserto, que, aquela altura, já estava
totalmente escuro, com o céu coberto de estrelas.
Zee agachou e, com as mãos, bebeu bastante água retirada do

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pequenino lago daquele deserto. Ao amanhecer, Zee seguiu cami- mesmo tempo.
nhando. Vestia roupas antigas, uma túnica transparente cobria seu Os dois estavam com suas luvas e entraram na grande arena
nariz e boca e sobre um cinto estranho que ele vestia estava um de areia escura. O Faraó fez aparecer de suas mãos uma lança de
punhal. Ao longe, Zee avistou as grandes pirâmides do antigo Egi- metal. Todos os servos da pirâmide tinham as suas cabeças raspa-
to. Ele sabia que por ali mesmo estava o Subterrâneo Deserto dos das e estavam gritando em favor do Faraó.
Queijos. Ao aproximar-se, vários kimbulos com vestes muito raras – Rá, Rá, Rá!
e antigas prenderam-no e levaram-no para dentro da pirâmide. Lá – Rá, Rá, Rá!
estava um trono de ouro e, sentando ao trono, estava ninguém Segundo eles, aquela enorme águia representava o espírito de
menos que o antigo Faraó Amon-Rá. Rá, ali presente perante o Olho de Zedom. O Faraó era jovem e
– Quem é você? – perguntou o Faraó. lindo e tinha a pele bronzeada e dourada, assim como a de Zee.
– Sou Zee Griston. Aluno de Kimbulândia. Naquele momento, o Faraó correu em direção ao garoto, que se
– Como ousa entrar em minha pirâmide? Quer roubar meu abaixou e fez aparecer de suas luvas um enorme chicote de fogo,
trono milenar? igual ao que viu certa vez. O Faraó ficou espantado com tamanha
– Não, senhor Faraó. Estava perdido, devo ter viajado pelo magia e atirou a afiada lança em direção ao garoto, que conseguiu
tempo. Um menino chamado Erick colocou areia do tempo em escapar do ataque por um triz. Zee girou seu chicote e prendeu os
meu mingau e assim vim parar aqui. pés do Faraó, que deixou sua lança e ficou pendurado de cabeça
– Eu sei o que veio buscar. Quer o olho de Hórus para você, para baixo. Todos os escravos ficaram espantados pensando que
mas para que eu lhe entregue o olho, terá que lutar contra mim, um pequeno garoto forasteiro tivesse derrotado o grandioso Faraó.
em minha arena. Vamos para lá agora. E saiba que apenas com Após a derrota do Faraó kimbulo, as servas de cabeças raspa-
sangue derramado poderá levar o que veio buscar – disse o Faraó das e pele escura trouxeram uma pequena almofada com o olho
firmemente. esquerdo do Faraó que, rapidamente, transformou-se em um olho
Todos os guardas da grande pirâmide levaram Zee Griston de ouro: o olho de Hórus. Zee apanhou o olho em suas mãos e ele
para um lugar com areia rodeada por Quimeras de Fogo. Servas transformou-se em uma película com uma lente de contato que
passaram óleo e uma espécie de creme dourado por todo o corpo acabou grudando no olho esquerdo de Zee Griston, que começou
do Faraó Amon e de Zee. Eles estavam se preparando para a ba- a enxergar o ambiente como meio-dia, meia-noite e logo toda sua
talha. As luvas mágicas que o Faraó usava eram vermelhas. Havia visão voltou ao normal.
uma grande águia sobre as pilastras da arena; a mesma águia gran- A ave dourada que rodeava o Faraó diminuiu e foi se aco-
de e dourada pairava nas costas do Faraó. modar aos ombros de Zee. Ele acabara de ganhar sua mais nova
– Está pronto, ladrão? – perguntou o Faraó. companheira, Rá, ou a ave que continha o espírito de Rá. Zee sor-
– Estou! – respondeu Zee Griston com bravura e medo ao riu feliz imaginando que Erick havia lhe dado um presente, mes-

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mo sem querer. O garoto estava sendo saudado e aplaudido por No dia seguinte, Zee e seus amigos seguiram para a aula de
toda aquela legião e, após a batalha, todas as escravas lhe serviram História da Arte Kim, na qual aprendiam sobre ninfas e Deuses
maná, uma espécie de arroz doce, e uma grande taça cheia de vi- do Olimpo, como Dionísio e Afrodite. Segundo a professora
nho de caracol, que tinha um sabor parecido com suco de abacaxi. Matilda Santa, os kimbulos sempre se apegaram a esses deuses,
Zee deitou-se em um templo e ao amanhecer estava nova- como Athena, que trazia consigo a coruja, um dos símbolos do
mente em Kimbulândia, agora com uma ave e o olho de Hórus mundo de Kimbulândia. Todos naquela aula haviam ganhado
em sua visão, que lhe permitia ver o mundo de uma forma mais lindos broches prateados com a figura de uma pequenina coruja
mágica e poderosa. de Athena.
Zee correu e bateu nos quartos de seus amigos contando tudo Eles tinham que decorar a oração Mundial Kim para orar na
sobre Rá, o Faraó e também as grandes quimeras e os gigantes de aula de Religião Mágica. A oração dizia:
fogo. Eles ficaram muito fascinados com cada detalhe da história
de Zee, que fez essa louca viagem pelo tempo, voltando no passa- “Onde houver trevas,
do graças à sabotagem de Erick Vilarinho. Haverá luz.
Seus amigos estavam tentando entender como Zee estava en- Onde houver fome,
xergando o mundo agora, já que trazia em seu olho esquerdo o Haverá mágica.
olho de Hórus. Eles correram e colocaram a máscara mágica dos Onde precisar de Zedom,
Trolls, indo até o encontro de Merlin, que ficou muito intrigado Encontrará a maçã.
com a história, mas nem um pouco surpreso. O olhar de Mer- Onde precisar de fé,
lin não escondia o carinho que o velho kimbulo, que amava seu Encontrará aves.
cachimbo, estava sentindo por Zee. O garoto queria muito que Esta oração é selada pelo Papa
seu pai estivesse ali para ouvir esta história. Zee sabia que podia Crowley Cipriano.
derrotar Terenzo Crack, pois já tinha derrotado o Faraó, um dois Em nome de Zedom,
maiores e mais poderosos kimbulos dos tempos milenares. Em nome do grande
Zee ficou a noite toda acariciando sua águia dourada, que se Olho Guerreiro
divertia muito comendo os ratos que Zee havia conseguido dentro Fix. Bíblia De Zedom.”
do Laboratório Mágico na aula de Química Kim. Ele não enten-
Zee fez sua oração ao noitecer perante uma vela de lua e pediu
dia muito aquela ave que agora estava com ele. Era uma ave inte-
que sua família estivesse protegida e sua amizade com seus ami-
ressante, que podia ficar grande e depois pequena e que não era de
gos, cada vez mais brilhante e forte. Zee orou a Zedom e ao Papa
seu tempo. O nome dela agora era Amorá. Amorá estava apegada
Crowley Cipriano que, segundo o que a professora dizia, sempre
a Zee tanto quanto Futrica e o besouro mágico.

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que a fé estivesse com um kimbulo, Zedom o protegeria contra as Kimbulo Proibido, Zee acreditava que isso era possível.
trevas, e isso era o que ele mais precisava naquele momento. Ele vinha do Brasil, assim como seus amigos. Segundo as his-
tórias que sua avó contava, os ancestrais de Zee haviam vindo da
“Quando os trovões Europa na época das Guerras Mundiais que, para o menino, nada
Cairam sobre o Mundo Kim, mais eram que guerras causadas por Hitler e sua tamanha sede
Um grande dragão de fogo por poder e sangue. Entretanto, ao se aprofundar no assunto, Zee
Fora lançado ao mar. acabou descobrindo que Hitler também era um kimbulo mag-
Um dragão dominado por sombras, nista sortunu declarado, que sujou o nome de Zedom e destruiu
Denominado Magnus, várias famílias inocentes, tanto do mundo dos homens, quanto no
Que devorou a alma de todos os anjos mundo dos kimbulos. Tal kimbulo, dominado por sonhos cheios
Sobre toda Babilônia, de horror e terror, despejou sangue em torno dos Mil Mundos.
Devastando as terras médias, Zee se divertia muito ao ver sua ave dourada voando sobre o
Degustando a bondade dos céu, deixando um forte rastro de magia milenar sobre o ambiente.
Corações dos nobres guerreiros A visão era tão bonita quanto um pedaço de pergaminho ou as cha-
Nas cruzadas, até sobrar mas nas bibliotecas de Alexandria, estampadas em vários quadros
A última família que se da catedral redonda ali em Firenze, aos olhos da escultura de Davi.
Manteve forte. Zee, agora com o olho de Hórus em suas vistas, estava relen-
A família dos Arqueiros Kimbulos, do algumas das páginas de seu livro “Os Olhos do Armagedom”.
Que sempre foi fiél a Zedom O livro, agora, mostrava várias inscrições que antes não estavam
Até Magnus e os sortunus ali. Tudo estava estranho, com as letras em um idioma diferente,
Serem derrotados.” algo como uma linguagem élfica. Zee apanhou seu dicionário e
traduziu um parágrafo que dizia:
Esta era a página que Zee acabara de ler em “O Eterno Apoca-
lipse Kim”, episódio que durou muitos séculos. Zee estava entran- “Às margens das cachoeirasProibidas, surge o mal
do muito na área de religião e seus amigos estavam incomodados nascido de um ramo
com tamanho interesse do amigo sobre essas histórias macabras. De capim cuspido ao oeste
Seria ele um integrante da família dos Arqueiros? Pelo que ele sa- Nas terras de Tronvor.
bia, ele poderia ser, pois essa era uma família nobre que estava no Esse mal venerava o metal.
mundo há séculos e, depois de ver tamanha coragem e fidelidade Certa vez ele conseguiu penetrar na
de seu pai a Zedom e suas lágrimas de ouro referentes à lenda do Coroa de um Rei

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Que, percebendo o mal que estava ali, Zee não sabia, mas acabara de dar à luz, ou às trevas, ao próprio
Atirou sua coroa no oceano mal que estava, agora, de volta em seu mundo em forma de um
E enlouqueceu. bebê das trevas. Merlin disse para Zee que ele devia voltar à escola,
A coroa nunca mais foi vista, pois ali não era mais seguro. O menino não entendeu e perguntou o
Dizem que ela estivera porquê daquela situação. Zee queria respostas sobre aquilo e a razão
Guardada em terras pela qual o Kimbulo estava tratando-o com tanta rejeição.
Distantes. Uma coroa alada Zee não conseguia entender o que realmente era aquilo que
E maligna, que fora havia saído de dentro dele. O bebê das trevas Magnus. Como ele
Usada por Zedom no poderia ter saído de dentro de Zee? Para Merlin, aquilo nada mais
Mundo da Magia.” era que o ódio e trevas que Terenzo Crack havia plantado no garoto
propositalmente dia-a-dia. Zee estava tão confuso com os últimos
Zee ficou assustado, pois ele sabia que se tratava de sua marca
acontecimentos, que não estava percebendo que dentro dele esta-
nas costas, deixada após a visita à sala secreta do gato voador Rober-
va habitando tal criatura do mal. Talvez fosse isso que havia feito
to no subterrâneo da cidade de Nova Iorque. Zee não notou nada
com que ele mentisse para seus amigos da outra vez. Pouco tempo
maligno em sua marca e nem poderia, pois as últimas descobertas
depois, seus amigos já estavam sabendo do ocorrido e ficaram pre-
sobre a morte de seu pai deixaram-no com ódio e dor suficientes,
ocupados com Zee. Queriam saber se ele realmente estava bem e
fazendo com que ele quisesse apenas destruir Terenzo Crack, que
queriam levá-lo ao hospital, mas Zee se recusou.
matou seu pai e arrancou a luz de uma criança de três anos que era
– Você tem que tentar tirar isso da sua cabeça, Zee – disse
Zee Griston.
Loryn.
Zee e seus amigos foram até Merlin. Zee pediu que o mestre
– Isso, Zee. Você não pode achar que é sua culpa que uma
não contasse a ninguém sobre o que ele leu naquele livro. Merlin
criatura sinistra tenha voltado para o nosso mundo – frisou Doug.
ficou intrigado e levou o menino até o fogo, iluminando sua mar-
Mas Zee não parava de pensar e de se culpar nem por um
ca com um pedaço de brasa de lenha próxima à lareira. A marca,
segundo se quer. Estava tendo sonhos terríveis com aquela cena,
que antes era uma simples tatuagem luminosa, agora estava obscura
na qual estava abaixado e vomitando aquela água preta aos pés
e cheia de magia das trevas. Merlin tirou uma semente grande de
de Merlin que, pela primeira vez, pareceu assustado e impressio-
alguns potes de farinha e fez Zee engolir. Zee mastigou aquela se-
nado com algo.
mente, que tinha um sabor próximo ao de chá de boldo, e, em um
segundo, vomitou um jato de piche, que se movia como se estivesse
vivo dentro dele. Daquele jato formou-se um bebê imundo, que
sumiu como fumaça.

126 127
9
O Cadáver da Princesa
O
s olhos do menino não escondiam o medo. Queria que
o mundo sumisse e que nada daquilo tivesse aconteci-
do. Era muito raro para Zee, que sempre foi um garoto
muito calmo, estar, naquele momento, que o mundo explodisse.
Em sua mente, passavam vários flashes, imagens de seu pai sendo
levado de um velório, sua primeira viagem no balão mágico, sua
primeira aula de magia, o encontro com seus amigos na cabine e
também o pacto de amizade que eles haviam feito.
Zee estava refletindo sobre toda a sua vida, sobre aquelas lá-
grimas de ouro e aquele “Z” desenhado em cores douradas por
sua face. Para ele, o mundo da magia podia, às vezes, ser tão
incrível, mas, ao mesmo tempo, tão doloroso quando se tratava
de sentimentos. Contudo, Zee ainda acreditava nele mesmo e
nunca poderia desistir ele tinha sua honra sua coragem e o mais
importante seus amigos.
Zee e seus amigos ficaram até tarde decorando feitiços de
Grimórios do século XVII. Eles estavam fascinados com a chave
mágica de Salomão, “A chave menor de Salomão”, que permitia a
invocação e evocação de anjos e demônios, na qual, mais uma vez,
estavam os 72 demônios da Ordem Goética:

Os 72 Espíritos:

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– Agares – Foras
– Vassago – Asmoday
– Samigina – Gaap
– Marbas – Furtur
– Valefor – Marchosias
– Amon – Stolas
– Barbatos – Phenex
– Paimon – Halphas
– Buer – Malphas
– Gusion – Raum
– Sitri – Focalor
– Beleth – Vepar
– Laraie – Sabnock
– Aligos – Shax
– Zepar – Vine
– Botis – Bifrons
– Bathin – Vual
– Saleos – Hagenti
– Pierson – Crocell
– Marax – Furcas
– Ipos – Balam
– Aym – Alloces
– Neberius – Camio
– Glasya – Murmur
– Lebolas – Orobas
– Bune – Gremory
– Ronove – Ose
– Berith – Amy
– Astaroth – Orias
– Forneus – Vapula

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– Zagan “Princesa Pantera, minha amada filha.
– Valac Merlin!”
– Andras A moça era ninguém menos que a filha de Merlin ou pelo
– Haures menos era o seu corpo deixado ali, naquele lugar, como uma lem-
– Andrealphus brança boa de alguém que já se foi. Zee tocou as mãos da tal prin-
– Cimejes cesa que levemente abriu seus olhos, que eram tão azuis quanto sa-
– Amdusias firas. No mesmo instante, ela ficou rodeada de rosas azuis, como as
– Decarabia de seu vestido, com inúmeras borboletas transparentes encantadas.
– Seere – Olá! – disse a princesa.
– Dantalion – Olá! – respondeu Zee com um olhar carinhoso.
– Andromalius – Você me ama! – disse a princesa Pantera.
– Baal – Bem, acho que todos te amam né! – respondeu Zee.
– Eu sei que morri – disse ela. Mas porque está aqui?
Zee saiu noite afora procurando um lugar no qual pudesse re- – Sou amigo de seu pai. – disse Zee chorando.
fletir sobre os últimos acontecimentos. Correndo com suas vestes – Ele mandou você?
e seu capuz estrelar, ele entrou novamente na árvore que dava saí- – Não. Ele nem sabe que estou aqui.
da para as passagens secretas, indo parar em um local com paredes – Qual seu nome?
de barro a sua volta e um balde. Ao olhar no fundo do balde, ape- – Meu nome? Meu nome é Zee Griston, senhorita.
nas se via o rosto de uma mulher. Zee mergulhou dentro do balde, A princesa lançou a Zee um olhar profundo e penetrante,
caindo em um quarto secreto com paredes de mármore, como as como se aquele fosse o mesmo que ela dera na hora de sua morte,
de Kimbulândia. Ele sabia que aquilo era um quarto secreto da e de seus olhos azuis, como o azul mais lindo do mundo, caiu uma
escola, selado e escondido por alguém. lágrima, que escorreu levemente sobre seu perfeito rosto caindo e
Deu alguns passos e luzes se acenderam, revelando uma cama caiu no chão, brotando uma linda flor de vidro.
toda de cristal com uma mulher fortemente linda e loura, com – Pegue-a – disse ela.
um vestido de princesa, como as princesas dos Contos de Fadas Zee abaixou-se com os olhos cheios de água, como se o mun-
que Zee tanto ouvira. O garoto aproximou-se e notou que ela do estivesse acabando naquele momento. A flor de vidro quebrou,
não estava dormindo pois não respirava mais estava morta era um cortando as palmas de suas mãos, que começaram a derramar go-
cadáver. O menino ficou enfeitiçado pela beleza da moça, que tas de sangue.
chegava a ser hipnotizante, Em volta da cama da moça havia uma As gotas caídas sobre o lindo e perfeito vestido da moça de-
placa de metal que dizia: ram forma a uma frase sobre as suas delicadas mãos encantadas:

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“Use o anel Cabeça de Leão”. Ela fechou seus olhos e caiu nova- – Não, eu sei que não perdi. Não posso ter perdido!
mente em seu sono profundo, em sua viagem, a princesa voltou a – Mas porque precisa tanto deste anel, Zee?
viajar ao lado da morte. Zee apanhou um véu de aparência turca Zee então contou tudo sobre Pantera e o que havia aconte-
e cobriu a mais bela face que já havia visto em toda a sua vida e se cido no quarto estranho em que ele estivera. Seus amigos ficaram
foi, voltando novamente para o barro nas passagens perdidas em intrigados em saber que alguém, , pudesse ter acordado da morte
meio a tantas estradas escondidas. e dito a ele pra usar aquele anel estranho. Zee percebeu que seus
O garoto saiu correndo pela porta da árvore e voltou para o amigos estavam achando que ele estava mentindo ou ficando lou-
quarto, lembrando-se da face da Princesa Pantera, a mulher mais co, mas, mesmo assim, o garoto não parou de procurar. Imagi-
linda que ele já havia visto. Zee vasculhou todo seu quarto, mas nou se Futrica ou, quem sabe, Amorá, sua ave, pudessem ter pego
não conseguiu encontrar o anel que havia ganhado no brechó A- o anel por brincadeira e levado para longe. Dentro de sua bolsa
Minha-Avó-Tinha. Ele não se lembrava onde tinha guardado o mágica, nada havia e também, nada embaixo do colchão; apenas
anel. Para Zee, achar aquele anel muito importante. Pantera ja- aquele livro cheio de magia negra.
mais revelaria isso a qualquer um se não fosse realmente impor- Achar esse anel estava se tornando uma obsessão, ele queria
tante, tão importante a ponto de ser acordada da morte. saber o que havia com aquele anel. Com certeza algo que explicas-
Zee já havia se cansado de tanto procurar pelo anel perdido. se o que tivera acontecido quando estava com Merlin, algo sobre o
Ele tinha plena certeza de que estava na gaveta de seu criado de bebê que sumiu como fumaça na sua última visita à velha casinha
cerejeira, ao lado de sua cama. Depois de muito procurar, o garo- do kimbulo.
to saiu perguntando para seus amigos se algum deles havia visto Zee então abriu seu livro e forçou, com muita pressão, suas
o anel, mas nenhum deles se lembrava de nada. Aliás, no dia em vistas, já que agora ele estava com o olho de Hórus, que poderiam
que Zee foi até o brechó A-Minha-Avó-Tinha, ele entrou sozinho ajudá-lo em sua busca pelo anel perdido. Instantaneamente sua
na loja; seus amigos não haviam se quer tocado naquele estranho visão mudou. Era como se o pequeno kimbulo estivesse enxer-
anel de metal prateado com a cabeça de um leão. gando com uma visão raio-X. Ele podia ver através das paredes e,
– Será que alguém entrou aqui, Zee, e roubou o seu anel? – de repente, viu algo reluzir. Era um pequeno pedaço de metal que
perguntou Doug. estava dentro do seu banheiro, perto do box. Zee aproximou-se e
– Não, é impossível. Sempre deixo a porta trancada e nunca ali estava o anel, no fundo do vaso sanitário. Com um pouco de
entreguei minha chave para ninguém, você sabe disso. nojo, o garoto enfiou uma de suas mãos dentro do vaso e retirou
– Acho que o Douglas pode ter razão, Zee. As coisas não aquele que, agora, era não apenas um anel comum, mas um valio-
costumam sumir assim aqui em Kimbulândia – disse Loryn. so objeto que trazia a história de uma moça encantadora que agora
– Quem sabe você não o perdeu por ai. Deve ter deixado cair não estava mais entre os vivos. O anel trazia, também, o olhar e
pelos bolsos de suas vestes – repetiu a menina. memória de Pantera.

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Pouco tempo depois, o garoto tomou um banho com um jato “Quando o kimbul0 desiste da
bem quente de água, ensaboando todo o seu corpo, e deitou-se na Luz, seu coração se torna
cama. Colocou o anel em sua frente e ficou olhando para ele por Apenas um medalhão,
vários minutos, tentando entender que mistérios ele esconderia e E um medalhão pode ser destruído.
o que de surreal poderia haver nele para Pantera ter lhe sobre ele. A luz nunca pode morrer
Quando Zee ganhou aquele anel, tudo foi muito rápido. Como as trevas nunca podem
Ele lembrava-se apenas de estar rodeado de objetos em uma loja Se retorcer. Zedom perdoa
Kim durante um de seus passeios pelas páginas adentro de seu Em torno de um olhar justo.
livro mágico. Os antigos anjos apoiam
Antes de tocar no anel, Zee chamou seus amigos e contou- Quem a eles recorrerem
lhes que havia encontrado o anel. Todos ficaram aliviados em sa- Em suas orações.
ber que a busca incansável do amigo havia terminado. A magia existe para ajudar
– O que está esperando, coloque o anel! – disse Otávio. Os filhos do Deus maior
– Isso, Zee, coloque o anel! E os corpos podem se fechar
Todos estavam esperando, loucos para saber o que se escondia Para as trevas, basta
ali, mas o garoto estava muito intrigado. E se fosse uma armadilha O kimbulo relaxar a sua alma
de Terenzo Crack, como aquela da vez em que ele fora parar na Ao colo de Zedom, que é o único
casa da irmã do perverso kimbulo, Lady Escorpião? E se tudo o
Pai que ama e cuida,
que Zee tivesse visto no quarto de Pantera fosse mais uma das mil
Mesmo nas horas de tormenta
e uma magias das trevas? Ele pensou e pensou e, por fim, disse:
E dor...”
– Bem, verei o que tem no anel, mas só amanhã.
– Não, Zee. Estamos muito curiosos, veja agora – disse Loryn Disse Papa Crowley Cipriano em uma das páginas da Bíblia da
realmente muito ansiosa. Magia Kim. Zee leu tudo o que estava escrito ali e então adormeceu.
– Definitivamente, não. Preciso descansar. Acho que foi mui- Na manhã seguinte, Zee acordou em meio à tamanha bagunça
to até agora. Minha cabeça está cheia e, antes de saber o que o anel que se encontrava ali ao seu redor. Loryn ajudou-o a arrumar tudo
guarda, preciso estar prevenido. Quem sabe? Poderia ser um ata-
com o feitiço “Vitalus” e, um segundo, tudo estava novamente em
que. Depois do que anda me acontecendo, estou com o pé atrás
seus devidos lugares. Loryn destacava-se bastante dos meninos. Ela
em tudo que envolva magia e artefatos misteriosos. Não quero
sempre acariciava Zee e estava presente quando ele mais precisava.
parar no Egito de novo e ter que lutar com Faraós.
O garoto sentia o seu lado mais família com a amiga, que se mos-
– Ah, se prefere assim, tudo bem – decidiram seus amigos ao
trava como uma verdadeira irmã que ele nunca tivera. Ela, além de
mesmo tempo.

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bonita e muito meiga, adorava escutar o que Zee tinha a dizer e aju-
dá-lo em tudo que ele estivesse precisando. E Zee nunca imaginara
que Kimbulândia seria o local em que ele mais precisaria de amigos.
A hora de descobrir o que o misterioso anel, que tinha a ca-
beça de um leão de boca aberta, escondia estava chegando e Zee
sabia que era um momento decisivo. Que segredo poderia haver
por trás daquele objeto que Pantera havia mencionado?

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O Encantado Anel Cabeça de Leão

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Z
ee se aproximou do anel e colocou-o em um de seus dedos
indicadores. Estava sozinho, sem a presença de nenhum
de seus amigos. Ao seu redor, o clima estava muito gélido
e o céu acinzentado. Por um instante, Zee sentiu a felicidade dei-
xar seu coração. O garoto encarou o chão com seus fortes olhos
castanho-esverdeados. Um grande círculo de terror formou-se
abaixo dele no piso de mármore, ali em Kimbulândia. Miados de
gatos foram ouvidos por todo o ambiente, quando apareceu um
pedaço de pergaminho em frente ao garoto no qual estava escrito:
“Pigmaleão mágico de Gobllins Monks.”
Logo o pergaminho virou pó e Zee Griston começou a sentir
palpitações, tudo começou a se misturar, da mesma forma quan-
do uma borboleta entra em estado de metamorfose. O menino
retirou o anel e seguiu corredores adentro até encontrar seus ami-
gos. Todos experimentaram o poder do anel e então foram para a
biblioteca pesquisar. Ficaram lá por várias horas, até que acharam
um livro que dizia:
“Pigmaleão mágico é a magia que kimbulos usam para en-
contrar uma direção ou o que precisam, é como uma bússola. É
indicado para quando o kimbulo tem seus pensamentos confusos
dentro de seus sonhos e de sua realidade. Muito perigoso, a maio-
ria dos objetos com o poder de pigmaleão, se mal usados, podem

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levar o kimbulo à prisão, pois, aos olhos dos Governos de Zedom daqui, em campos de amazonas e elfos guardiões.
no Mundo Kim, estes objetos são armas que kimbulos das trevas – Na hora exata ele deve ser executado.
usam para encontrarem suas vítimas.” – Após a cerimonia das três luas negras do aniversário dele,
Zee sabia que Pantera e o próprio Frans, que havia lhe dado mate o seu genitor e traga para mim seu coração.
aquele anel, queriam que ele encontrasse algo; alguma coisa desa- – Está bem, meu amo, farei o que pediu.
linhada, algo escondido e que precisasse da intervenção do jovem – Escute, Terenzo, tome muito cuidado. Este é o menino
kimbulo. Talvez até para encontrar Terenzo Crack, que podia estar monstro de Zedom banhado em bondade, o nojo para nosso
escondido, reunindo forças para atacar Zee a qualquer momen- mundo. Não deixe nenhum rastro, quero eu mesmo beber todo o
to. Zee não usou mais o anel, já bastava tamanha munição que seu sangue e colocar seus olhos na balança das trevas. E quanto à
tinha em suas mãos: lágrimas de ouro, travesseiro, bolsa mágica, família dele, mate todos.
olho de Hórus, o livro das trevas, além de uma mascara mística. – Mas, Éol, e se o olho de Zedom nos pegar?
E agora, aquele intrigante anel que, para ele, era uma espécie de – Até lá estarei com os 72 selos e o anel de Salomão. Isso nos
radar, como se a pessoa que o usasse, fosse transformada em um blindará contra o maldito Olho de Zedom.
morcego, agindo por seu novo sentido. Zee retirou o anel e, tremendo de medo, arremessou-o longe.
Zee havia guardado uma frase muito importante de Merlin Ele estava entendendo tudo agora. Terenzo trabalhava pra alguém
“Faze o que queres, desde que não faça mal a ninguém.” bem superior a ele e esse alguém estava controlando toda a si-
E isso era realmente o que ele estava fazendo: o bem, pois tuação desde o dia do seu nascimento. Para eles, ser bom é uma
não queria nem ódio, nem trevas dentro de seu coraçãozinho grande monstruosidade. Pantera queria que Zee visse que estava
de doze anos. Zee observava seu anel em cima da mágica mesa lidando com algo que ia além do seu entendimento e Merlin havia
de luz em seu quarto. Tentava não sentir vontade de usá-lo e se assustado com o vômito negro porque sabia que aquilo era obra
tentava entender o que aquele estranho objeto estivera querendo desses grandes kimbulos das trevas, que nem ousavam mostrar o
lhe mostrar. Então, após certa hora, ele não podia mais esperar rosto. Zee sentiu-se extremamente encrencado. No dia seguinte,
e colocou o anel. Zee recebeu uma carta de Merlin, que dizia claramente:
Outra vez, a sensação de um radar sobre sua cabeça voltou. “Meu caro Zee, estou em uma viagem longa pelas monta-
Ele estava caminhando em um corredor imaginário, cheio de por- nhas do sudeste da Ásia e leste da Escócia, à procura de Harpias,
tas, e a porta de número 968 estava aberta. Lá havia vários kimbu- Ciclopes, elfos arqueiros e um grande número de kimbulos guer-
los que não podiam vê-lo. Era como uma vaga lembrança, deixada reiros. Estou reunindo uma tropa para enfrentar um mal que se
no passado. Um deles dizia: aproxima. Fique perto dos amigos e saiba: amor é a lei, amor sob
– Éol, nasceu o filho Monstro! vontade. E boa sorte! Merlin.”
– Sim, Euríale, nasceu. O garoto está guardado bem longe O garoto ficou muito aliviado em saber que Merlin já estava

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tomando medidas severas contra as trevas que estavam se aproxi- cada dia que passava, estava mais linda e Otávio, mais inteligente,
mando. Seus amigos estavam muito instáveis, as aulas e suas notas estava agora obcecado pela linguagem élfica. Doug estava mais
estavam caindo e agora, a obsessão dos quatro amigos era feitiços valente e esperançoso em relação ao kimboll.
de ataque e proteção. Eles sabiam que iriam enfrentar kimbulos Zee sentiu-se muito mal ao presenciar aquela conversa. Algo
terríveis, além de bestas sanguinárias. Eles haviam aprendido bas- dentro dele dizia que aqueles kimbulos do mal estavam aproxi-
tante sobre isso e o mais importante: mando-se cada vez mais rápido. Mas ele também tinha total cer-
“Não há Deus além de Zedom! O único que sabe que todo teza de que, quando aquele momento chegasse, ele, seus amigos,
kimbulo é uma estrela.” os professores, Merlin e seus soldados estariam à frente dele, como
De 1 a 36 alunos de Kimbulândia olhavam Zee de forma um escudo de amor, para lutar e proteger o Mundo Kim em fide-
diferente. Agora ele não era mais um kimbulo, e sim um ícone lidade a Zedom.
do mundo da magia. Também pudera, além de poderoso, ele era – Hey, Zee, já fez a sua redação sobre Cosmologia? – pergun-
nada menos que o Kimbulo Proibido, o filho sagrado de Zedom. tou Doug.
Sobre réguas e compassos, a Geometria Mágica nunca se enganou – Não, e você?
e nunca se enganará, ele encarnava nada menos que o poder e a – Bem, não acho essa aula muito interessante – disse o garoto,
justiça no Mundo Mágico Kim e todos o amavam. Havia outra rindo da matéria.
frase que estava sempre em sua mente: Na aula de Biokim, lecionada pelo professor Leônidas LaVey,
“Todo kimbulo perante Zedom tem liberdade e poder sufi- eles estavam aprendendo sobre os chamados “Elementais”, que já
ciente para se mover e amar como quiser, desde que plante semen- haviam sido descritos pelo professor como criaturas terríveis.
tes mágicas do bem, pois dessa forma, a luz sempre germinará em “Os elementais são criaturas terríveis
montes generosos na colheita da vida.” E perigosas. Eles podem usar magia de qualquer elemento,
Sempre foi assim nos dois mundos que ele havia conhecido Como água, ar, fogo, terra, metal, eletricidade e até as plantas.
e esses valores nenhum kimbulo das trevas arrancaria de dentro Eles podem matar rapidamente
dele. Tudo no colégio ia como antes, os alunos da Americus sem- Qualquer kimbulo que, por ventura, incomode-os.
pre implicando com os da Luminarius, as aulas a cada dia com Eles vivem em tocas pelo mundo
uma surpresa nova, o que para Doug era muito cansativo. Zee se Afora. Os mais antigos são chamados de Lords Elementais
mantinha concentrado e ansioso por mais alguma mensagem de Pelas várias naturezas deles, de diferente tipos de elementos.
Merlin, que naquele momento já deveria estar na Escócia, recru-
tando soldados Kim para o confronto contra o mal. Mal que Mer- Nunca são encontrados juntos, mas também não há nenhum
lin havia presenciado em sua própria casa, com os vômitos de Zee Conflito aparente entre eles.”
e o bebê que desapareceu como uma fumaça suja e negra. Loryn, a – São terríveis, os elementais, não acha? – disse Loryn.

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– Com certeza são terríveis, espero que nenhum deles cruze De proteção. Faça tudo que estiver aqui
o nosso caminho. Neste bilhete. Procure pó de tijolos,
– Bem, turma, agora coloquem suas luvas. Ensinarei um fei- Um caldeirão de ferro e uma vareta de pitangueira.
tiço poderoso contra a maioria dos elementais – disse o professor Acenda um fogo e adicione bastante pena de
LaVey. Corvo com saliva de duende e água benta.
E o professor continuou: Deixe ferver por meia hora. Você e seus
– Quando se encontra um tipo qualquer de elementar, ele amigos devem ficar dentro
pode estar invisível ao olho nu e para atacar ele com certeza ira De um círculo do pó de tijolo.
usar pedras, rios, trovões e até sua fogueira se estiver acampando, Depois, jogue cuspe seu e de seus amigos no caldeirão.
eles não escolhem quem vão atacar, apenas atacam tentando pro- Mexa o líquido do caldeirão e, por fim,
teger seus ovos que guardam em sua boca, o primeiro feitiço que Diga as palavras:
devem usar é este. – explicou LaVey franzindo a testa. ‘Zedom pervoaron’.
-Elementus caudados, mas este não é um feitiço simples ,para Este é um ritual de proteção,
usa-lo o kimbulo deve cruzar seus dedos com suas luvas como se Assim terei mais tempo até
estivessem dizendo eu te amo na língua dos mudos com as duas Voltar. Fique atento, ninguém pode ver este
mãos ,assim desta maneira. – mostrou o Kimbulo Ritual. Boa sorte.
Após demonstrar, o professor voltou a explicar: Merlin.”
– Basta dizer em voz alta, em frente ao Elementar, “Elemen-
tus Caudados” que o elementar fugirá para longe. Então, fiquem O garoto correu ao encontro de seus amigos e todos foram
atentos caso vejam fogueiras ou relâmpagos surgirem do nada, para o vale, levando com eles tudo o que Merlin havia dito no bi-
pois essas coisas não aparecem do nada sobre a terra. Fiquem aten- lhete. Os quatro estavam com medo de serem vistos e acusados de
tos, garotos. estar praticando rituais de magia negra, mas, mesmo assim, o ritu-
A turma saiu cedo da aula de Biokim e foi para a cantina al de proteção era preciso ser feito, já que as forças do mal estavam
almoçar. O almoço estava delicioso e todos se deleitaram com a vindo ao encontro de Zee, ali mesmo dentro de Kimbulândia.
sobremesa, que estava divina, um verdadeiro manjar dos deuses. Loryn fez um grande círculo em volta do enorme caldeirão
Ao chegar em seu quarto após o almoço, Zee deparou-se com de ferro e colocou todo o pó de tijolo. Quando a saliva de duende
mais uma mensagem sobre sua cama. Era de Merlin e dizia: começou a borbulhar, ela jogou várias penas de corvo e os qua-
tro amigos cuspiram dentro do caldeirão. Depois, eles falaram ao
“Zee, você não está seguro. mesmo tempo e por várias vezes: “Zedom pervoaron, Zedom per-
Precisa fazer um ritual mágico voaron, Zedon pervoaron”.

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De dentro do caldeirão saiu um campo de luz muito roxa que, segundo os livros, eram mortais. Doug havia aprendido a
que jogou os quatro longe, fazendo escorrer sangue de seus nari- profetizar algumas coisas na aula de Espiritologia que, pra ele, era
zes. O ritual estava feito, agora os quatro estavam temporariamen- algo tão fascinante quanto as onças pintadas e animais exóticos
te protegidos contra qualquer mal que pudesse aparecer por ali. que ele adorava.
Merlin é o kimbulo mais poderoso e inteligente, na opinião deles
e, enquanto ele estivesse ao lado deles, eles estariam sãos e salvos.
Zee, mais uma vez, sentia-se melhor, como se aquele ritual tivesse
mudado por completo o seu humor.
Pelos corredores, Zee estava sendo muito paquerado pelas alu-
nas ciganas da Espanha, que sempre estavam lindas com suas pe-
drarias sobre suas vestes. Elas eram inteligentíssimas e tinham certo
dom para mágica. Loryn as odiava, pois as jovens ciganas sempre
excluíam a garota e andavam apenas com outras ciganas. Elas eram
muito populares e ousavam ao vestirem-se com sais rodadas e pro-
vocantes e sempre traziam um olhar mágico e poderoso, como se
estivessem dando tiros nas nuvens com os olhos. Em suas testas,
sempre traziam uma estrelinha adesiva e nunca davam bola para os
alunos mulçumanos, pois, segundo elas, eles eram muito brutais,
mas Zee era muito interessante para estas meninas, que veneravam
seus lindos gatos persas. A maioria delas era da Luminarius e elas
sempre usavam perfumes florais, que ficavam por todo o saguão.
Zee e seus amigos estavam agora usando pulseiras mágicas de
olho-turco para se protegerem de maus olhados, que vinham com
frequência dos Americus. Para eles, aquele ritual de proteção era
incrível, mas ainda não se sentiam totalmente seguros para confiar
nos alunos do colégio.
Os quatro estavam se divertindo muito com seus animais; a
dourada ave de Zee gostava muito de voar e caçar ratos quando
amanhecia. Loryn sentia muito nojo; a garota tinha asco de ratos
e os odiava muito, tendo vários pesadelos com ratazanas peruanas

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11
O Segredo de Joe Griston
G
orgonos estavam devastando os campos de Kimbulândia.
Eles eram metade homem, metade dragão e soltavam fo-
gos pela boca. Estavam sempre junto aos monstros dos
pântanos. Eles adoravam roubar e causar enormes incêndios em
trens, povoados e, agora, na escola. Os professores todos haviam se
reunido e, usando grandes feitiços, espantaram os Gorgonos para
longe dali. A escola estava em pânico, sem ter a mínima ideia do
que Merlin estava planejando para combater o mal que rodeava o
céu da Escola Kim.
– Nossa, ainda bem que a professora Rose Marry é ótima com
feitiços, nunca vi uma kimbulo tão poderosa – disse Otávio com
a boca cheia na cantina.
– É, ela é realmente boa! – disse Loryn concordando com seu
amigo.
Os modestos duendes sapateiros estavam por toda a catedral.
Zee não ousou usar aquele intrigante anel novamente e seus ami-
gos estavam loucos para usar o telefone mágico tigrado para entrar
em contato com suas famílias.
– Zee, já ouviu falar dos cavaleiros templários?
– Já. Eles eram kimbulos praticantes de várias magias e to-
talmente fiéis a Zedom. Li naquele livro do mal – respondeu o
garoto a Otávio Oliver.

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Loryn estava muito ocupada lendo uma apostila para uma • Anel: representa a nobreza. Pode ser de qualquer metal Kim.
das provas, que já se aproximavam, sobre ferramentas para kim-
O mais indicado é o que seja de prata
bulos iniciantes:
E que possua uma ou mais pedras.
• Livro: representa a sabedoria; Cores indicadas de pedras:
Preta, vermelha, branca ou verde.
Nele são escritos fundamentos,
• Faca ou punhal: sem representação.
Inúmeras formas de rituais Kim,
Tratados para kimbulos, pactos a Zedom e receitas Utilizada para diversos fins,
De trabalhos de magia e feitiços. O cabo deve vir sempre na cor branca,
O idioma kimbulo varia conforme a importância, Independente do material.
Significado ou tipo de assunto. Pode ser em Hebreu, • Adja: não faz parte das ferramentas,
Latim, Português ou símbolos de significados
Importantes dentro da magia. Contudo, se for do interesse do
kimbulo iniciado, ele poderá
• Chicote: representa o poder dominador.
Utilizar este instrumento em alguns rituais.
Pode ser de qualquer material, mas a preferência Pode-se utilizar tantos Adjas quanto desejar,
É todo de couro. Desde que o número de “bocas cantando”,
• Espada: representa o poder de defesa e ataque Kim. Somadas, não tenham uma quantia par.

Pode ser de qualquer metal e • Caldeirão: utilizado para queimar incensos ou fazer poções.
O tamanho pode variar, desde pequena, • Luva Mágica: usada para direcionar energias mágicas.
Usada por antigos kimbulos romanos, • Sombra Kim: usada para dissipar e varrer energias negativas.
Até grandes, utilizadas nas forças • Magia para iniciantes Kim.
De Zedom atuais.
Zee estava preocupado com a demora de Merlin, que já há
• Corda: representa o poder de segurança, algum tempo não entrava em contato. Os dias estavam passando e
Apoio ou autocontrole. ele queria fazer algo de útil. Não podia se arriscar usando seu anel
Pode ser de qualquer material novamente, mas podia usar o travesseiro mágico, o qual estava
E deve dar duas voltas na cintura. guardado em seu criado-mudo. À noite, quando todos na enorme
A mesma deve ser utilizada para apoiar a espada na cintura. catedral redonda foram se deitar, Zee foi se aventurar, mais uma
vez, em seu encantado travesseiro de luz amarelada aos fios.

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Zee estava agora em um tormento de alguém que ele não abraço em seu amado pai. Os garotos agora estavam aprendendo
conhecia. Ele apenas ouvia: como identificar “os maus agouros dos bons agouros”, que era um
tipo de magia normal no dia-a-dia. Os agouros eram lançados sem
– Este trevo sela o meu segredo para proteger meu filho. o kimbulo murmurar nenhuma palavra por qualquer um consiga
Mesmo que eu morra, das mágicas artes de fazer ouro, se aproximar. Loryn tinha bastante dúvidas sobre tipos de talismãs
Entrego como segredo absoluto meu fruto, meu que pudessem proteger o kimbulo dos chamados “maus agouros”,
único filho, ao meu então, ela conseguiu uma lista com alguns deles:
Deus único e sagrado. Zedom que o proteja e o abençoe perante
às luzes e derrotando as trevas. Que nenhum kimbulo consiga – Dente de Sabre
Atacá-lo por doze anos. Aqui, o meu sangue torna – Olho vítreo
meu único filho – Olho turco
Como o vidro encantado, que sempre fiz com – Trevo de quatro folhas
tanto amor, perante – Figa
Os mil mundos Kim. – Pé-de-coelho
– Estrela-do-mar
O garoto havia presenciado um ritual, uma lembrança dei- – Caveira da cabeça de rato
xada no passado pelo seu próprio pai, que o entregou em mantos – Cristal roxo
de ouro a Zedom, para guardá-lo e protegê-lo das sombras. Claro – Mini pirâmide
que a família de Zee nunca soubera deste ritual de amor, pois este – Pentágono japonês
era o maior segredo de Joe Griston, o pai de Zee, que se foi após – Folha de louro
ser morto pelos poderes do mal. O garoto estava sentindo a falta – Folha de macaco
de seu pai mais do que nunca. – Cabelo do pé de duende
Ele não havia perdido apenas um ente querido, mas seu herói – Cadeado mágico
e tudo o que uma criança acredita. Zee estava compreendendo – Chupeta roubada de bebê
que seu pai era um kimbulo do bem e de amor. Seu coração era – Grampo de Cabelo de Fada
habitado apenas por luz, tendo ele próprio se entregue para salvar – Relógio de Zedom
a vida de seu único filho, que tanto amava. Mesmo morto, ele – Urina de Pônei
estaria em um jardim perfeito, rodeado de anjos e flores e Zee – Tapete de pelo de gato preto
tinha certeza que um dia veria o lindo sorriso de seu pai de novo. – Apito de Harpia
E neste dia, ele não faria nada além de dar um forte e amoroso – Cruz quebrada

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– Flor de lótus em cristal borrados de preto e com tênis de skatista flutuante.
– Anel de Papa Zee estava esperando mais alguma notícia de Merlin que não
– Chaveiro de borboleta ou unicórnio entrava em contado há semanas. Os jogos de kimboll também
– Pimenta de dragão estavam quentes entre os alunos do terceiro ano, que se saiam
– Chave antifantasma muito bem. Zee estava agora imaginando se estaria vivo até se
– Sapato de crocodilo formar um kimbulo totalmente kimbolizado. Ele não sabia o que
– Bolsa de sucuri queria ser no futuro, pensava em dar continuidade no trabalho do
pai ou em ser um eletricista, pois o garoto não tinha intenção de
Loryn era obcecada por todos esses objetos a ponto de fazer abandonar as raízes do seu antigo mundo. Mas isto, nem a magia
uma enorme coleção. Zee não se importava muito, pois sabia que o permitia descobrir.
apenas um talismã não seria capaz de derrotar Terenzo Crack que, Seu futuro só seria feito a partir daquele presente que, até aque-
com certeza, estava perto dele. le instante, era cheio de surpresas, tão surpreendente quanto um
No domingo, os quatro montaram uma barraca e chamaram jato de fogo saindo da boca de um Gorgono. À noite, Zee sempre
uma menina, Patrícia Menguer, também da Luminarius. Eles acen- pensava no segredo de seu pai que tanto amava. Ele sempre deixa-
deram uma fogueira, comeram pizza no vale, cantaram e também va flores no vale, pois sabia que seu pai costumava ir lá enquanto
contaram muitas piadas iradas. Patrícia estava totalmente afim de estudava ali em Kimbulândia, e lamentava em saber que seu pai
Zee, que não deu muita bola. Ela era uma menina ruiva e que curtia não tivera permissão de fazer a magia da “eternidade para sempre”,
muito rock mágico. Ela era também uma grande amiga de Loryn, usada por Merlin, magia que permitia nunca morrer. Essa magia
e estava fazendo de tudo para aproximar-se dos quatro. Ela sempre era exclusiva para kimbulos que prestavam serviço ao governo de
vestia vermelho que, segundo ela, era sua cor favorita, e sempre ti- Zedom e leis eram leis. Mas de alguma forma, a lembrança de Joe
nha seus olhos borrados de preto. Ela parecia muito confiável, mas Griston nunca sumiria do cheiro dos serenos do Mundo Kim. Zee
mesmo assim, Doug, Zee e Otávio não se abriam muito com a ga- desejava apenas paz e uma vida calma e harmoniosa.
rotinha louca que os cutucava com um espeto de bambu, como se Um circo havia chego aos terrenos de Kimbulândia. Era um
estivessem com pulgas pelo seu corpo. circo cheio de palhaços kimbulos trapezistas, muitos animais, como
Patrícia era veneradora da lua e gostava de ser chamada de leões e elefantes, um kimbulo mestre de espetáculos e várias tendas
Paty Moon. Segundo ela, seu pai era construtor de ancoras mági- de diversão. Todos os alunos estavam se divertindo bastante. Zee e
cas para navios de kimbulos piratas e a família dela vivia se mu-
seus amigos entraram na Tenda do Espanto, onde havia vários pe-
dando para vários países. A garota disse que já havia morado no
rigos inofensivos, como fantasmas e monstros encantados, que não
Chile, Japão, Estados Unidos e África do Sul. Ela comia muito rá-
faziam mal algum a nenhum aluno. Quando eles saíram, foram a
pido e em instantes havia devorado vários pedaços de pizza. Loryn
uma fila para pegar pipoca doce.
estava aproximando-se muito da menininha descolada com olhos

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Doug avistou uma Tenda do Futuro. Zee e seus amigos corre-
ram para lá. O circo ficaria apenas um dia no colégio e eles queriam
aproveitar bastante. Na tenda mal iluminada havia um gato e, sobre
a mesa, uma enorme bola de cristal, com várias cartas de tarô. Uma
kimbulo vidente com um enorme gorro negro sobre a cabeça apare-
ceu e os convidou a se sentarem. Zee foi o primeiro. Sentou-se bem
à frente da kimbulo vidente, chamada Madame Zara.
– Sente-se, menino, sente-se – disse a senhora.
Zee sentou-se à mesa tossindo por causa da fumaça forte de
Alecrim que exalava na barraca cheia de velas coloridas. A senhora
pediu a mão de Zee para observar as linhas da vida daquele jovem
garoto que estava assustado, mas, ao mesmo tempo, nem acreditava
muito nestas coisas.
– Vamos, vamos, vamos. O que vejo? Ah, sim, aqui. Esta é a
linha de sua vida, meu rapaz.
Instantaneamente a senhora de cabelos brancos arregalou os
12
olhos. Ela estava com um olhar de enorme espanto. O Beijo
– Por, Zedom, meu rapaz! Vejo sim, está aqui, o mal, o mal, o
senhor vai morrer. Está aqui, uma morte terrível banhada em san-
gue! Saia de minha tenda agora! – gritou a vidente, muito assustada
com o que tinha acabado de ver nas linhas da mão esquerda de Zee.
O garoto foi para seu quarto sozinho. Preferiu ficar só, pen-
sando no que aquela senhora havia dito e imaginando se real-
mente aquele seria seu fim. Agora ele deveria ter coragem, para
ter uma morte corajosa e honrada. Preferia morrer como seu pai,
morrer por lealdade a Zedom e às pessoas que ele amava.

162
Z
ee Griston estava extremamente aterrorizado com as pre-
visões de Madame Zara sobre seu futuro. O garoto sen-
tia que não lhe restava muito mais tempo, precisava viver
cada segundo como se fosse o último, pois talvez no amanhã ele
não estivesse mais naquele mundo. Ele tinha plena certeza de que
seria vítima de Terenzo Crack e das obras das trevas. Ele agora de-
veria fazer tudo o que tinha vontade, antes que fosse tarde demais.
Para ele, a vida e a morte eram sempre uma caixinha mágica de
surpresas, cheia de sorte e azar.
Loryn disse para o amigo não pensar naquilo e não se sentir
mal, pois aquela Madame Zara era mais uma das muitas charlatãs
que existiam tanto no mundo da magia, como fora dele. Mesmo as-
sim, Zee não conseguiu parar de pensar. O garoto já nem tinha mais
expectativas em relação a Merlin. Para ele, a busca do velho kimbulo
a tentar ajudar, mais poderia ajudar mantendo seus amigos a salvo.
Todos estavam passando a tarde em um dos pomares da escola
colhendo acerolas. Zee abaixou sua cesta e lhe veio um sentimento
ruim, como se alguma coisa estivesse para acontecer. O garoto
nunca tinha esses pressentimentos e ao tomar banho ele observava
a água escorrer lentamente sobre seu corpo. Aquilo que Zee estava
sentindo talvez fosse o que os kimbulos do mal quisessem que ele
sentisse: medo e dor.

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Mesmo com toda aquela pressão, ele estava indo a todas as colocou seus braços sobre o ombro do garoto. Eles fecharam os
aulas de cabeça erguida. Observava, de longe, os outros estudan- olhos deixando a magia pairar, como a primavera, e começaram
tes. Uns alunos se divertiam, outros estavam concentrados em a dançar ao som romântico e doce que estava tocando ali. Ao
uma profunda leitura, e seus amigos, brigando por um simples encostarem seus rostos um no outro, Zee deu a ela um especial
corvo. Certo dia, na biblioteca, Zee estava de cabeça abaixada e beijo. Um beijo de um garoto de doze anos que estava amando
com sua mente vazia, sozinho, tentando não compartilhar o que pela primeira vez, fazendo cair flocos de neve por toda a sala. A
estava sentindo, quando uma garota, muito linda de saia jeans menina descolou seu rosto e sorriu levemente.
rasgada e cabelos sedosos com franja, aproximou-se. – Guarde isto, Zee. É meu presente de coração para você e
– Olá, Zee – disse a garota. saiba que, aconteça o que acontecer, eu sempre, sempre vou te
– Olá, Nina. O que está fazendo aqui? – perguntou o garoto amar, mesmo que todos digam que este amor é proibido. Eu ja-
à Marina Capucci, que deu um sorrisinho tímido. mais esquecerei este momento, seus lábios são macios e têm cheiro
– Bem, notei que estava sozinho. Achei que gostaria de con- de morango.
versar sobre armas forjadas por ferreiros ou sobre destino, acredita Zee calou-se e ficou muito tímido. Nunca havia beijado uma
nele? – perguntou a garota. garota antes, muito menos uma garota tão linda e especial como
– Bem, não muito. E agora com as coisas que têm me acon- Marina Capucci, que agora era seu primeiro amor. O menino foi
tecido, prefiro não acreditar. para seu quarto e a desenhou em um pedaço de pergaminho. O
– Zee, tudo na vida é destinado, assim como eu estou destina- garoto desejava que aquele momento ficasse guardado para sem-
da a estar aqui agora, e fui destinada a te mandar aquele aviso para pre dentro dele. Ele estava sonhando com o próximo encontro,
você tomar cuidado. Senti que pessoas ruins estavam a sua volta. o que diria pra menina que havia roubado completamente seu
Bem, agora preciso ir – disse a garota. coração adolescente. Deitado em sua cama, ele não conseguia, era
– Por que não fica aqui comigo? – perguntou o garoto. como se estivesse em órbitas. Ficou pensando em como os olhos
– Mas, Zee, eu sou da Americus. Pensei que isso fosse um dela brilhavam e no perfume da pele dela, que era macia e que ele
empecilho a nossa conversa e amizade. não queria ter parado de tocar;
– Isso não é um problema comparado ao que eu sinto por Algo nele o mutilava. Sim, era o amor. Para Zee, ela era a
você – respondeu o garoto. perfeição. Se o vento arranhasse a face de Marina, Zee odiaria o
A sala da biblioteca estava vazia e de algum lugar, como se vento. Se o sol tocasse com fervor sobre a pele dela, Zee odiaria o
Zedom quisesse, começou a tocar uma linda musica romântica. sol. Se alguma rosa perfurasse ou arrancasse uma gota de sangue
A garota abaixou o rosto, tímida, e olhou novamente para Zee, de sua amada, Zee odiaria as rosas. Pela primeira vez na vida o
em total silêncio. Ela tinha um olhar de total inocência e amor. garoto descobriu o fervor e o borbulhar da paixão dentro dele,
Zee tocou delicadamente o rosto da menina que, em segundos, esquecendo-se por completo das aulas e dos kimbulos do mal.

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Ele só queria ver, mais uma vez, os cabelos dela iluminados plicou Doug.
pelas velas, como uma obra prima esculpida pelos anjos e por Ze- – Calma, pessoal, não briguem. Foi na Nina. Eu não espera-
dom, mais valiosa que qualquer magia. O amor estava fazendo va, nunca havia dado um beijo antes, foi como se todas as estrelas
com que Zee tivesse uma noite incontrolada, enlouquecedora. caíssem. Eu fiquei nervoso e calmo ao mesmo tempo e, quando
Ele dormia inocentemente e sonhava com o beijo, ou selo, que vi, já tinha acontecido.
destruiu seu esqueleto naquela noite que, para Zee, chamava-se – Wow, Zee! Ela é uma gata – disse Otávio.
“noite do amor”. A noite mais inesquecível desde que chegara à Loryn ficou com uma enorme cara de quem estava com ciú-
Kimbulândia. Em sua mão, com grafite e na presença da forte mes do amigo e logo foi perguntando como a menina se portou
chuva da madrugada, Zee rabiscou a seguinte inscrição “Zee e na hora do beijo.
Nina para sempre”. – Ela não fez nada. Nos atraímos do nada, como um imã.
Marina Capucci havia conseguido um espaço dentro de Zee, Rolou muita química, mas foi só um beijo. Fiquei pensando, na
um espaço como o de Loryn, Otávio e Doug. Agora ela era into- verdade, sonhando com ela a noite toda. Não consigo tirá-la dos
cada e uma pessoa com a qual Zee agora se preocupava também. meus pensamentos. Acham que estou apaixonado?
O garoto não queria ver sua doce e querida paixão nas mãos de – Sim – responderam os três ao mesmo tempo.
nenhum kimbulo das trevas. Ele faria o que fosse preciso para Zee escreveu uma carta com alguns poemas. Um deles dizia:
protegê-la e, naquele momento, não queria, não estava a fim de
morrer, não. Naquele momento, estava decidido a ser feliz e nem “Napoleão com sua espada
Terenzo Crack, nem ninguém tiraria a felicidade do dono das lá- Conquistou uma nação,
grimas de ouro, o legítimo filho de Zedom e o kimbulo proibido. Marina Capucci com sua magia
Zee Griston, esse era o seu nome. Conquistou meu coração. Zee, para sempre seu.”
Na manhã seguinte, Zee chamou seus amigos dizendo que
O garoto levava o bilhete na mão, quando foi pego por Erick
tinha que contar uma coisa muito séria.
e mais três alunos da Americus na ala deles. Os garotos jogaram
– Pessoal, escutem o que eu vou dizer, é muito importante –
Zee na parede e tomaram-no o bilhete. Zee tentou retomá-lo,
disse Zee para seus amigos com uma cara ótima.
mas foi impossível, eles já haviam lido tudo o que estava escrito
– Conta logo, Zee, estamos muito curiosos – resmungou Otá-
ali. Os garotos da Americus entregaram Zee e Marina aos pro-
vio, louco para saber o que o amigo tinha a dizer.
fessores que os proibiram de se encontrarem novamente. Agora
– Bem, como vou dizer? Está bem. Pessoal, noite passada dei
havia se tornado realmente um amor proibido: a amada da Ame-
meu primeiro beijo.
ricus e o sofredor da Luminarius. Os alunos estavam fazendo
– Nossa, Zee, em quem? – perguntou Loryn intrigada
piadas e zombando deles pelos corredores da catedral circular.
– Na professora Rose Marry que não foi, né, sua boba – im-

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Marina ficou muito envergonhada e com medo de sua família estranho, era tudo o que ela queria.
descobrir, mas, mesmo assim, a paixão pelo garoto crescia dentro – Você é tudo para mim, Nina.
dela a cada segundo. Era como se ela precisasse de Zee para res- – E você é minha vida, Zee. Te perder seria como perder a mim
pirar. A garota estava pensativa nas aulas e para ela, assim como mesma.
para Zee, o mundo havia parado naquele beijo que, mesmo sendo – Desejo ficar ao seu lado para o resto da minha vida e até
proibido, era inevitável, pois o sentimento era forte demais. Zee depois dela – disse o garoto.
prometeu amor eterno e ela só queria dizer que também o amaria Eles se separaram e voltaram para o colégio. Estavam com
para sempre, pois o amor é a maior magia e está nunca morrerá, medo de serem vistos, pois estavam quebrando as regras. Era como
mesmo separados, estariam juntos e mesmo de longe, bastaria um se estivessem metralhando, com magia, as proibições. Não tinham
olhar, que valia mais que todo Gold Dream do mundo. mais domínio sobre aqueles sentimentos, apenas agiam pelos ins-
À noite, Marina saiu escondida e foi até o quarto de Zee. Ele tintos que os faziam ligarem-se um ao outro, formando um coração
não acreditava no que estava vendo. Sua maior paixão ali, na fren- em um beijo.
te dele, em seu quarto. A menina disse que era muito perigoso ela Eles não estavam fazendo mal ao mundo, ninguém os enten-
estar ali no quarto dele, então, eles combinaram de se encontrar dia. Por suas veias circulavam doses exageradas do veneno do amor.
em uma floresta um pouco longe do colégio. Zee sabia que eles Zee queria saber que magia era aquela que o deixava enlouquecido,
podiam usar a árvore com as passagens secretas para chegar até a em estado de transe, sem controle e vulnerável a um sentimento que
floresta. Para eles, essa era por uma boa razão, pois os momentos ele jamais soubera que existisse. Mas Zee sabia que, mesmo sentin-
que passariam juntos valeriam qualquer risco do mundo. do esses turbilhões dentro dele, precisava colocar a cabeça no lugar
Após as aulas os dois foram para floresta, deitaram-se entre as e voltar ao mundo. Precisava se preparar para as provas e para o que
flores e ficaram observando o pôr-do-sol. Zee estava totalmente ele não sabia que estava se aproximando. Zee estava tão nocauteado
encantado, Marina ficava linda deitada sobre um campo de flores. dentro do peito, sem respirar, apenas voando em direção aquilo que
O amor e a paixão os dominavam. Eles estavam embriagados com era perfeito e aqueles momentos que se esqueceu de tudo o que
o ambiente e com aquela sintonia mágica que havia entre eles. Zee havia acontecido com ele até aquele momento.
passou horas colocando inúmeras flores nos cabelos da menina, Zee não tinha mais o que dizer aos seus amigos. Para ele, o
que observava os pássaros cantarem para eles. Aquele era o segredo amor e Nina era tudo que existia no mundo naqueles dias espe-
que eles estavam guardando dentro de seus corações, eles podiam ciais e mágicos. Seus amigos estavam muito preocupados, pois o
sentir o respirar um do outro. O céu formava lindas imagens que garoto havia se esquecido por completo dos perigos; eles sabiam
eram desenhadas pelas nuvens. A garota estava se sentindo frágil que aquele romance estava tirando o amigo do seu estado normal,
e viva, com medo do perigo de estar ali e, ao mesmo, tempo feliz mas, mesmo assim, nenhum deles ousou se intrometer. Loryn não
de estar amando um menino que, mesmo parecendo isolado e conseguia esconder o ciúme; talvez, dentro dela existisse, pelo ami-

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go, um sentimento escondido e nunca dito. Ela estava destruída,
querendo chorar e dizer pra ele “lembre-se de seus amigos!”, mas
não teve coragem para isso.
Zee e Nina continuavam a se encontrar às escondidas e nada
de Merlin entrar em contato. Naquele momento era como se
Doug, Otávio e Loryn estivessem no controle e Zee estivesse fora
de si. Aquele menino centrado e que sempre tomava a liderança,
agora só mergulhava nas águas do amor, afogando-se, morrendo
mil vezes e adorando viver aquilo tudo. A magia, para ele, era to-
talmente pequena perto do que estava sentindo.
– Zee, você não está normal, não presta atenção nas aulas, fica
no mundo da lua. Não quero me intrometer na sua vida, mas acho
que esses encontros estão mudando você – disse Doug.
– Mudando o quê? Estou normal, sempre estive. Não posso
fazer nada contra Terenzo e a Marina me ajuda a fugir da realidade
13
– tentou explicar Zee. A Boneca Ventríloquo
– É esse o problema. Você foge da realidade quando está
com ela e você precisa voltar Zee, ainda mais agora – disse Loryn
muito preocupada.

172
L
oryn continuava confusa com o comportamento do amigo,
que estava se arriscando a andar de patins com Marina às
escondidas. Merlin, enfim, mandou uma mensagem para
os quatro alunos da Luminarius que dizia:

“Caros e jovens amigos,


Fiquem alerta. O perigo está à solta
Pela escola. Não se esqueçam com
Quem estão lidando. Sejam prudentes.
Em breve estarei de volta com uma tropa
Preparada para enfrentar Terenzo Crack.
Já sei que ele está infiltrado entre vocês,
Onde vocês menos esperam. Zee, mais uma vez,
Boa sorte. Merlin.”

Os quatro, principalmente Zee, voltaram a colocar os pés no


chão, ficando todos de olhos bem abertos a tudo e todos ao redor
deles.
As notas das provas haviam sido entregues pelo professor Lin-
de Frow. Doug havia tirado notas medianas, como Zee e Loryn. Já
Otávio estava soltando fogos de artificio mágicos por ter se saído
muito bem em varias matérias, inclusive em Cosmologia e História

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da Arte Kim. Zee não estava muito vibrante e triste pelas notas só – O que quer de mim, maldito? – gritou a menina.
pensava mesmo em o pior que pudesse vir perante a tal presença de – Quero que engane seu amiguinho, o nojento Zee Griston.
Terenzo Crack e seu relacionamento com Nina, que agora andava Terei prazer em recebê-la do lado bom, minha querida, o meu
lhe mandando varias cartas e lenços com seu perfume doce e floral. lado, um lado que jamais teria a chance de conhecer. O poder, a
Loryn saiu da aula de Kimbologia Egípcia e foi sozinha para glória, a vitória das sombras contra a luz. Imagine você: rica, po-
seu quarto. Lá, tudo estava normal. Várias revistas com manequins derosa, imbatível, assim como eu, dotada de artes que esta escola
de vitrine na capa e muitos livros sobre “Como se maquiar usando medíocre jamais lhe ensinará sobre o olho imbecil de Zedom. Terá
magia”. Ao lado de sua penteadeira havia uma boneca, a menina o mundo aos seus pés. A única coisa que preciso de você é que
estava se arrumando para encontrar seus amigos na cantina quan- entregue algo a Zee. Ele não iria confiar em ninguém mais, além
do observou algo de muito estranho em seu quarto. A boneca de uma amiga, alguém próximo e que, pelo que sei, tem um pacto
ventríloquo, que ficava ao lado de sua penteadeira, havia sumido, de amizade.
como magia, indo parar em cima de sua cama. A menina ficou – Nunca! Jamais trairei meu melhor amigo, prefiro morrer.
surpresa, mas tinha certeza de que era apenas um de seus amigos Mate-me, se é o que pretende, pois esperar isso de mim é o mesmo
lhe pregando alguma peça. A boneca sumiu novamente, a menina que esperar o nada. E não suje o nome de Zedom com sua boca
subiu na cama, abaixo e, lá estava ela, a boneca, embaixo da cama. imunda de um traidor do seu próprio mundo. Você é uma vergo-
– Boneca louca, pare de me assustar – falou a menina para a nha e todos os que o seguem também. Isso sim é tudo de nojento
boneca. que vemos.
– Você está assustada, Loryn? – respondeu a boneca ventrílo- – Pois bem, menininha imbecil. Vejo que o Gárgula e meu
quo com voz de homem círculo de morte não foram suficientes para você aprender de que
– Você fala? Como pode falar? Não usei magia agora – disse lado a balança pesa.
Loryn à boneca. – Foi você! Eu sabia.
A boneca foi andando e aproximando-se. Loryn havia notado A boneca começou a levitar e abriu a boca, em questão de
que os olhos da boneca, pintados à mão, estavam muito estranhos, segundos começou cuspir tiros de agulhas. De repente, porta se
como se existisse algo de mal neles. abriu e ela ouviu: “Valiun Maldicion”. Zee havia acabado de arre-
– Eu não vou te machucar, Loryn, não precisa ficar assustada. messar um forte feitiço violeta em direção à boneca ventríloquo,
Não sou uma boneca indefesa, se é o que está pensando – disse a que começou a pegar fogo. Os quatro amigos estavam tremendo
boneca em um tom sombrio. de medo. Zee contou à Loryn que eles estavam ouvindo a conver-
– Quem é você, então? sa por detrás da porta. As agulhas estavam caídas no chão.
– Sou Terenzo Crack e estou aqui no corpo desta maldita bo- Antes de tocar a pequena Loryn, que abraçou Zee com todas
neca para pedir uma coisa. Aliás, pedir não, obrigar. as forças do mundo, os quatro correram e encontraram com o pro-

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fessor Will Stick em um dos corredores. Os garotos contaram tudo – Foi Marina Capucci, uma menina de cabelo castanho e
o que havia acontecido, mas de nada adiantou; o professor não franja, do segundo ano. Ah, ela é da Americus – finalizou Jéssica
acreditou em nada. Então eles enviaram uma mensagem a Merlin, sem saber muito sobre o que se tratava.
contando o que Terenzo Crack tinha feito. Doug disse à amiga que Zee paralisou por um instante e ficou arrasado. Não acredita-
ela estava bem grandinha para brincar de bonecas e que ele nunca va no que tinha acabado de ouvir. Não acreditava que aquilo que
gostou dos olhos verdes e medonhos da boneca ventríloquo. era perfeito, agora acabara de se transformar em puro terror. O
Eles estavam muito tensos e em total pânico. Se Terenzo con- garoto e seus amigos ficaram calados por horas, imaginando o que
seguiu atacar uma estudante através de uma mera boneca, ele es- realmente havia acontecido.
tava por ali e, em breve, mostraria sua cara. Eles também sabiam – Você acha que ela tem alguma ligação com um kimbulo das
que, da próxima vez, o ataque não seria um Gárgula, uma boneca trevas, Zee? – perguntou Otávio.
ou um círculo do mal, mas sim feitiçaria das trevas de alto grau. – Bem, eu não acredito. Claro que não. Ela não.
Zee agora estava mais aflito do que antes, seu medo e sua coragem Zee estava assustado. O anjo que lhe dera o primeiro beijo
haviam dobrado. Loryn teve muita sorte, se Zee demorasse mais poderia ser um monstro, sem ele saber. Era como se o mundo
um minuto para entrar no quarto dela, ela já estaria morta. Mas, acabasse de desabar por inteiro na cabeça do garoto. Ele antes não
mesmo que morresse, ela sempre seria leal aos seus amigos, pois sabia o que era um beijo e, muito menos, o que era uma enorme
como dito uma vez, “ZLOD: amigos para sempre”. Essa frase, decepção. O garoto não podia esperar. Então, ao anoitecer, encon-
para os quatro, era mais que sagrada, era indestrutível. trou-se com Nina, que estava normal, meiga e linda como sempre.
Zee queria, de todas as maneiras, que a amiga lhe contasse de – Nina, se eu te fizesse uma pergunta, você seria totalmente
quem ela havia ganho a boneca. A menina, trêmula e com muito sincera comigo? – perguntou o garoto para a menina.
medo, disse que Jéssica Rardy havia lhe dado como um presente – Claro, Zee. Claro que sim, que pergunta é essa?
na primeira noite em Kimbulândia. Os quatro correram pelo co- – Olha, sei que deu uma boneca ventríloquo para Jessica Rardy
légio à procura de Jessica Rardy. Encontraram-na jogando baralho no início das aulas, onde conseguiu essa boneca?
mágico com algumas meninas da Luminarius no pátio principal. – Ganhei. Alfredo Banks, o jardineiro do colégio, encontrou
– Jéssica, onde conseguiu aquela boneca ventríloquo que deu a boneca caída no jardim, aí ele me deu, mas achei-a muito feia.
para Loryn na primeira noite na escola? Então, vi uma menina passando e dei para ela, mas porque essa
A menina, muito assustada com a forma com que fora abor- pergunta, Zee?
dada, logo respondeu. O garoto nada respondeu. Estava completamente aliviado em
– Bem, eu ganhei e fiquei com medo dela, aí dei para Loryn. saber que sua maior paixão não tinha nenhuma relação com Teren-
– E quem foi que te deu essa boneca, Jéssica? – perguntou Zee zo Crack. Sorriu e, antes que a garota ficasse com alguma dúvida,
mais uma vez. ele lhe deu um doce beijo sobre o luar cheio de estrelas cadentes.

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Zee revelou o que sabia a seus amigos, que agora ficaram ma- Eles traziam com eles a boneca ventríloquo, totalmente quei-
tutando como e quem havia colocado aquela terrível boneca no mada. Os três entraram no quarto do garoto, que já estava quase
jardim do colégio. Na opinião de Doug tinha sido Erick Vilarinho, pegando no sono, e mostraram-no outra coisa.
pois o garoto era da Americus e muito perverso, sempre estava à – Zee, observe, aqui, as costas da boneca.
espreita, tentando prejudicar os quatro amigos. Loryn achava que – Tire o vestido queimado e olhe – disse Doug.
não, pois qualquer objeto que fosse relacionado à magia negra já Zee observou as costas de madeira onde estava escrito:
teria sido rastreado entre os pertences dos alunos no primeiro dia “Pertence à Que-Luz”
de aula. Era bem mais complicado do que os quatro imaginavam. – “Que-Luz”, quem é “Que-Luz”? – perguntou Zee.
Zee e Nina não voltaram a tocar em assuntos bizarros. Eles – É isso que não sabemos, Zee. Não sabemos quem é essa
preferiam viver o romance mágico que tinha sabor extremamente “Que-Luz”, mas pode ter certeza que ela está envolvida no que
proibido com cores cristalinas. Eles estavam se conectando cada aconteceu. Com certeza deve ser alguma aluna da Americus.
vez mais, ensinando um ao outro as milhões maneiras de se amar e Deve ter sido ela quem jogou a boneca de propósito no jardim
de se demonstrar afeto e carinho. Zee se sentia o máximo ao estar para alguém pegar. Foi ela, deve estar trabalhando dentro da es-
do lado dela, como estar voando sobre um pônei alado, ao final de cola para Terenzo, aposto – disse Loryn.
uma linda aurora encantada. – Só tem uma maneira de descobrir quem é essa garota – disse
Zee foi para seu quarto e ficou lembrando-se de como era a Zee com um olhar de firmeza.
vida em Cansville antes de conhecer aquele novo mundo surreal e – Como? – perguntou Otávio.
fantástico no qual estava vivendo, antes de conhecer magia, o amor – Usando o livro “Os Olhos do Armagedom” – disse Zee para
e a paixão que, para ele, eram a coisa mais louca que existia. Mas ele os três amigos.
sabia que não podia desviar seus pensamentos, tinha que descobrir – Mas, Zee, pode ser uma armadilha de Terenzo. Não se lem-
quem estava por trás daquelas armadilhas, tinha que descobrir o bra do dia em que foi parar na casa da tal Lady Escorpião? É muito
que Terenzo Crack queria que sua amiga Loryn entregasse para ele. arriscado. E imagina se algum professor souber que está usando
Tinha que descobrir qual seria esse terrível plano que tinha a inten- um livro desse tipo dentro da escola? Ficaria de suspensão ou coisa
ção de eliminá-lo do mundo. O garoto ficou pensando por horas, pior – disse Loryn segurando o rosto de Zee com as duas mãos.
deitado, olhando para o teto. De alguma maneira ele tinha as peças – É o único jeito se quisermos ajudar Merlin e por um fim
desse quebra-cabeça, mas não sabia como montá-lo. De repente, em Terenzo, vamos ter que arriscar. Não tenho nada a perder. É a
ele ouviu um barulho, alguém estava batendo em sua porta. mim que ele quer e não vocês, eu vou sozinho, Vocês ficam aqui
– Nossa, o que querem a essa hora? – perguntou Zee para os me esperando. Se eu não voltar, mandem um besouro enviar uma
amigos. mensagem a Merlin. É tudo que podem fazer – disse Zee com um
– Zee, precisa ver isso. – disse Loryn. olhar decisivo.

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– Não. Se nosso melhor amigo for, iremos também, ou você
por acaso se esqueceu do nosso juramento? Esqueceu-se do nosso
pacto de amizade eterna? Não seja tolo! Se você morrer, preferi-
mos morrer lutando ao seu lado, porque você tem a nós e nunca
Zee, nunca, te deixaremos só. Seremos leais e amigos até o fim,
mesmo que seja um fim doloroso – disse Doug.
Os quatro se abraçaram e derramaram lágrimas de amizade
verdadeira. Mesmo sabendo que o perigo podia separá-los, eles
não se deixaram abater pelo medo, pois a esperança e a amiza-
de deles eram mais forte que tudo. Naquele momento havia em
torno deles um laço não só de sangue, mas de luz, que brilhava
muito refletindo nas enormes vidraças dos aposentos, uma forte
luz alaranjada, o brilho do sentimento de amor entre amigos ver-
dadeiros, os ZLOD.
14
A Que-Luz

182
O
garoto apanhou seu livro de páginas douradas e os três
saíram como um pião. Numa das páginas que se abrira,
eles foram parar em cima de uma charrete em um lugar
muito frio. Em questão de segundos, usando o feitiço “roupalius”,
eles fizeram aparecer gorros e agasalhos que estavam aquecendo-os
por completo. A charrete os levou até a porta de um local estranho
com enormes anjos esculpidos em pedra, na entrada havia uma
placa que dizia “Instituto para Kimbulos com Doenças Mentais”.
Eles estavam às portas de um sanatório. Loryn apanhou um objeto
de seu bolso, uma espécie de localizador mágico.
– Nossa, gente, viemos parar na Rússia – disse a garota bas-
tante preocupada.
– Rússia? Não podia ser o banheiro dos professores? Estamos
encrencados – resmungou Doug.
– Isto é um sanatório, certo? – perguntou Doug.
– Pode apostar que sim – respondeu Otávio olhando para os
portões do Instituto.
– Mas como vamos entrar e achar essa louca, a tal de Que-Luz?
– Sei um feitiço de amolecer metal, venham – disse Doug.
Os quatro se aproximaram das grades e Doug murmurou
usando suas luvas: “exmetal” e as grades dos portões se transfor-
maram em cordas de borracha. Os quatro passaram tranquila-

185
mente pelas grades flexíveis e caminharam com passos leves na – Oi, senhora. Não somos Jenifer. Meu nome é Zee Griston.
calada da noite. A kimbulo era muito magra e tinha cabelos negros com fios
– E agora, como vamos entrar sem sermos vistos? – pergun- grisalhos na altura dos ombros. Ela sentou-se na cama coçando
tou Zee. fortemente a cabeça, como se estivesse com caspa ou piolhos, e os
– Só tem uma maneira, Zee, temos que nos passar por enfer- olhou com um olhar de medo.
meiros – respondeu Loryn. – Quem são vocês, malditos? – perguntou Que-Luz, dando
A garota vestiu suas luvas mágicas e disse as palavras “face do fortes coçadas na cabeça e entortando sua boca, que já era muito
diabo” e apareceram em suas mãos quatro jujubas coloridas. A torta.
garota entregou uma a cada um e disse: – Desculpe-me por vir até aqui. Somos alunos de Kimbulân-
– Olha, pessoal, isso aqui é um feitiço para camuflagem. É dia, você já estudou lá, lembra-se, Que-Luz? – perguntou Zee.
como um elementor. A gente vai virar pedra, parede ou coisa pior. – Sim, eu me lembro, mas minhas irmãs me trouxeram para
É a única maneira de não sermos vistos. Partiremos daqui, pelo esse hospital depois, depois... – a kimbulo não terminou de falar.
chão, e vamos até leito de internação dessa Que-luz, ok? – con- – Depois de quê, Que-Luz, depois de quê? – perguntou Zee
cluiu a menina. com muita pressa e com medo de que entrasse alguém no quarto.
Eles comeram as jujubas, que eram extremamente doces, e – Não conheço vocês, vão embora. Acham que eu não sei que
em um instante suas roupas começaram a virar pedra, como as querem me atirar pedras – gritou Que-Luz.
do chão em que eles pisavam. Em instantes apenas suas cabeças – Não, Que-Luz, não vamos atirar pedras, somos amigos, fi-
formavam um volume baixo, imperceptível, movendo-se entre as que tranquila. Só precisamos saber o que aconteceu com a sua bo-
escadas, indo até o lado interno do hospital psiquiátrico. Eles se neca ventríloquo, uma boneca que pertenceu a você – disse Loryn.
moveram por vários leitos até que, em uma parte escura onde a luz – Quem lhes deu Sofie? Ela é minha, devolva-me – pediu
acendia e apagava, leram as seguintes informações: Que-Luz.
“Mariz Lourdes, vítima da maldição vira-coco. – Ela não era mais uma boneca, ela era Terenzo Crack. O que
Problemática e inofensiva. Prefere ser chamada de Que-Luz. você sabe sobre ele?
Atenciosamente, Dr. Davis Fond.” – Não, não, ele está vindo novamente. Diga que estou dormin-
Os garotos entraram no quarto e aos poucos suas formas fo- do, diga que morri – disse Que-Luz chorando.
ram voltando ao normal. Eles estavam observando a biruta deitada – Não, ele está dentro da escola, presumimos. Só precisamos
sobre a cama. Os garotos se aproximaram e cutucaram a kimbulo saber qual é a sua ligação com ele, apenas isto – disse Doug.
lunática de leve que, deitada, logo perguntou: – Ele é mal. Ele matou uma de minhas irmãs e foi a irmã
– É você, Jenifer? Trouxe café com limão? Estou gripada, pre- dele, a Lady Escorpião, quem jogou a maldição vira-coco em
ciso disso – falou Que-Luz com uma voz muito estranha. mim e fiquei assim, como se tivesse tido um derrame. Ela e ele

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são muito maus, eles queriam que eu contasse qual era o ende- conseguirem arrancar alguma informação do Gênio Kasmín, que
reço de um amigo do colégio, o Joe Griston. Eu não contei e aí, era quase impossível de ser encontrado.
fiquei assim. Só o que me lembro é isso, mais nada. Mas se me – Ele sempre some, Zee, e se não o acharmos? – perguntou
tirarem daqui, eu limpo toda a casa de vocês em troca de um Otávio.
punhado de tomates e uma barra de sabão, o que acham garotos? – Desculpe, mas estão falando de Kasmín? – perguntou um
– Certo, já entendemos. Desculpe-nos, Que-Luz, mas te- garotinho muito gordinho de cabelos castanhos bem encaracolados.
mos que ir agora. Somos amigos, em breve talvez poderemos – Quem é você? – perguntou Zee.
ajudá-la, vamos deixar os tomates e o sabão para você – disse Zee – Ele é o Oto Broks, da Luminarius, Zee. É um ótimo jogador
muito comovido. de baralho mágico, mata o coringa muito rápido – disse Doug.
– Zee, se você for realmente um Griston sei quem sabe de – Prazer, Oto. Mas o que sabe sobre o Kasmín? – cumprimen-
muita coisa e pode te ajudar. O idiota, o gênio de Kimbulândia, tou e perguntou Zee, com expectativa.
Kasmín. Ele sabe de tudo, procure ele, tenho certeza que ele sabe – Eu sei os lugares em que ele flutua pela escola. Se quiser,
de algo, os gênios sabem de tudo, basta dar para ele uma rolha de posso ajudá-los a procurá-lo, o que acham? – falou o menino com
garrafa. Não se esqueça. uma enorme vontade de andar com Zee e seus amigos.
Otávio murmurou “Coliplicks” e apareceu um pacote com to- – Está certo, então. Se você sabe, começaremos a procurá-lo
mates e sabão à beira da cama da senhora. Ela sorriu com muita amanhã. Hoje tenho que ver a Nina, sabe tenho um encontro,
felicidade, mostrando enormes pés-de-galinha em sua face. Então, mas não diga nada para ninguém, certo, Oto?
os garotos se foram e voltaram para cima da cama de Zee, saídos de – Claro, não vou falar nadinha. Minha boca é como um zíper,
dentro do livro. Zee. Somos amigos, agora? – perguntou o garotinho gordo.
– Agora sabemos que Lady Escorpião é irmã legítima de Te- – Sim, claro que somos! – respondeu Zee com um sorriso
renzo e que Kasmín sabe de algo e pode ajudar – disse Zee. sincero.
– Mas, Zee, será que é seguro o que aquela lunática da Que- Zee havia se atrasado um pouco. O campo florido ao longe
Luz nos disse? Será que podemos confiar? – perguntou Doug. mostrava lindas colinas e, de perto, Zee foi surpreendido por mãos
– É no que podemos acreditar agora, Doug. É tudo que te- que tamparam seu rosto.
mos. – respondeu Zee olhando as sereias se pentearem no Rio das – Adivinha quem é? – perguntou uma voz suave.
Fadas pela vidraça de seu quarto. – Nina! – acertou Zee.
A madrugada obscura tomou o colégio de Kimbulândia. Toda Eles se deitaram entre as flores e deram um beijo secreto com
a escola estava adormecida. A lua era confidente e as estrelas, teste- seus lábios quentes. Suas respirações estavam ofegantes e em suas
munhas. Na manhã seguinte, os quatro amigos encontraram-se na barrigas havia borboletas. O cheiro do romance e o fogo do ro-
cantina para o café da manhã. Zee estava planejando um jeito de mance voltaram novamente, laçando-os e prendendo-os junto a

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tanta beleza e magia que havia ali, naquele surreal vale. Os aman- serem separadas por épocas milenares deixadas para trás, como as
tes do destino perfurando os sentidos um do outro com a maior páginas dos livros. Eles estavam ali por um único motivo: estar ali.
magia existente, amor e amor, apenas amor. Zee estava conseguindo sentir na pele os sentidos de sua amada.
A presença de Marina tornava Zee mais forte e corajoso, dava Ele sentia gigantescas overdoses de carinho, deixando ao deserto
uma graça para seu ego e força para as asas da coroa que ele tra- dos sonhos, poeira multicolorida.
zia, como uma tatuagem, em suas costas. Como eram perfeitos As horas passavam muito rápido, como um relâmpago, quan-
aqueles momentos para Zee. Ela era delicada e, ao mesmo tempo, do eles estavam juntos e Zee sempre voltava para a aula com pássa-
selvagem e provocante pra uma menina tão jovem. Zee pensava, ros coloridos voando em seus pensamentos. Não podia definir que
será que o que estavam fazendo era tão proibido assim? Namorar, sensação era aquela. Eles eram jovens e destinados a se amarem tão
passando por cima das leis do colégio, ficando sempre em estado intensamente, como uma magia antiga, o amor nunca explicado,
de hipnose angelical, como se estivessem sendo acertados, a cada apenas sentido desde o começo dos Mil Mundos. Não importava
segundo, por vários querubins, cupidos escondidos sobre as emol- para o garoto que sentimento era aquele, pois era igual à chuva,
duradas nuvens em mosaico acima de suas cabeças. Eles estavam apenas caia quando era hora de cair, molhando seu coração que
pensando, o que era aquilo? Que fortuna era aquela que o amor sempre se dissolvia ou ficava muito alagado com a saudade. Sau-
lhes permitia ter tão isoladamente, como uma madrugada em seu dade, que é uma palavra rara em algumas línguas, mas que, para
silêncio e uivar de lobos? Quem eram e o que eles foram? Eles es- os que não sabiam, podiam apenas dizer “Sentir falta de alguém
tavam pensando. Amor era o que lembravam, amor. especial”. E assim ele definia os momentos e palpitações em seu
Mas uma antiga lembrança veio até Zee. A perda de seu pai. peito. Escrito em um salgueiro apenas inicias Z e M rodeado por
Para sua mãe, um romance muito forte que se quebrou e, se Zee um coração marcado vento a fora escondido no vale que agora se
um dia também fosse embora, o que seria de sua doce Nina que, chamava o Vale dos amores essa era a vida as aventura e amores de
para ele, significava sua existência, assim como significavam seus Zee Griston ou apenas Z lagrimas de ouro.
amigos? Ele não queria ir se deitar nos braços da morte e muito
menos ter que deixar de tocar com os lábios os lábios de sua amada.
Zee não queria entregá-la para o beijo da escuridão profunda. Nem
no mundo da magia a morte era definida. O isolamento do espírito
e a fome pela carne, ao se fecharem os olhos para o vazio eterno.
Zee só queria deitar-se naqueles braços que lhe faziam tão
bem. Era como se se deitasse em um colchão de pétalas de rosas: o
perfume, a maciez, o carinho... Que especial, aquilo era um espe-
lho, como a paixão de almas gêmeas que se encontraram depois de

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15
Revelações de Kasmín
O
s quatro amigos se arrumaram e foram se encontrar com
Oto, que havia marcado com eles no segundo piso, per-
to da escada em espiral. Os quatro ficaram meia hora
plantados à espera do garotinho, que demorou muito a aparecer.
– Olá, pessoal, me atrasei?
– Não muito – disse Doug sem graça.
– Então, Oto, por onde devemos começar? – perguntou
Loryn.
– Atrás da Academia de Ginástica da professora Inês Morgan.
Já vi Kasmín comendo várias asas de formigas por lá – disse Oto
falando muito rápido.
Os cinco foram para trás da Academia, mas nenhum sinal de
Kasmín que, segundo o jardineiro, nem havia passado por lá. Eles
foram procurar nos corredores perto da sala de Cosmologia, mas
Kasmín também não estava lá. De repente, depararam-se com um
barril perto da cantina. Um velho barril de rum em madeira. O
barril estava vazio. Zee abaixou-se e deu um pontapé no barril.
Então eles ouviram:
– Pelas areias da Arábia. Quem ousa chutar a minha casa? –
perguntou o gênio muito irritado.
– Casa? Isso é uma casa? – perguntou Loryn dando garga-
lhadas.

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– Sim, senhorita, aqui é minha casa, e não ouse me incomo- parar em uma tigela. Rapidamente, o musculoso gênio de pele mui-
dar. Não sou seu escravo, menina irritante! – respondeu Kasmín to luminosa preparou um piquenique dentro do barril que chama-
em um tom muito hostil. va de casa. Zee correu para seu quarto ver se realmente era verdade
– Kasmín, desculpe-me, já nos encontramos uma vez. Lem- que alguém havia colocado uma carta de baralho em sua gaveta.
bra-se de mim? – perguntou Zee. Chegando a seu quarto, Zee encontrou pegadas de água por
– Por todas as lâmpadas, é claro que me lembro. Sou um gê- todo chão indo diretamente rumo ao seu criado de cerejeira. Lá
nio, ou não percebe a fumaça e brilho em minha pele, rapaz? Sim, dentro, em meio às páginas de seu enorme livro, estava um corin-
eu me lembro! – disse o gênio. ga que dançava pelo papel, fazendo estripulias, como uma carta
Zee começou: comum de baralho mágico. Zee, muito assustado, observou a car-
– Estivemos com uma senhora, o nome dela é Que-Luz, e ela ta e a colocou no bolso, tentando imaginar quem havia entrado no
nos disse para procurar você, Kasmín. O que sabe sobre Terenzo seu quarto e deixado uma simples carta. Ele realmente não imagi-
Crack? nava o que significava aquilo, um sinal? Uma ameaça? Aquilo era
– Sei que ele é um kimbulo muito poderoso, capaz de matar uma charada e apenas ele poderia descobrir do que se tratava.
qualquer um com um piscar de olhos. É dono de sabedoria inco- – Mas, Zee, isso não é nada – disse Loryn.
mum para mágistas normais e é muito perigoso – disse Kasmín – Claro que não é nada, Zee. Apenas uma carta de um jogo
deixando todos muito assustados. Kim, só isso, não há o que temer – concluiu Oto.
– E, por acaso, sabe de algo recente sobre ele? – perguntou – Mesmo assim, acho que deve destruir isso, Zee – disse
Zee novamente. Loryn.
– Isso é um interrogatório? Não sou obrigado a responder – Por enquanto, não. Antes eu preciso saber o que significa
nada a ninguém – disse Kasmín. isso – decidiu Zee.
– Nem se esse alguém tiver uma tigela cheia de asas de formi- Todos foram para seus quarto e Zee ficou sozinho, deitado em
gas? – perguntou Doug com um ar de esperteza. sua cama, observando a carta que agora, na visão do garoto, guar-
– Está bem. Direi o que posso dizer. A última vez que vi dava um enorme mistério. O menino observava a carta fixamente.
Terenzo, ele estava querendo que uma carta de baralho mágico Ele se virou e sentiu um imenso sono tomar todo o seu corpo.
chegasse até o senhor Zee Griston. A carta era um coringa. Ele Estava bocejando e se espreguiçando todo quando ouviu um ba-
pediu isso para um aluno e, pelo que vejo com meus olhos cósmicos rulho. Zee não imaginava de onde vinha o barulho, que parecia de
de gênio, este aluno acaba de colocar a carta em sua gaveta, no seu um metal tocando na madeira. Ele sentou-se novamente em sua
quarto, senhor. Agora, por favor, as asas de formiga. Trato é trato – cama e apanhou a carta. O coringa, no mesmo instante, parou de
disse Kasmín. dançar, paralisado, como se estivesse observando o garoto.
Doug usou o feitiço “rispinik” e várias asas de formigas foram – Olá – disse uma voz duplicada.

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– Quem está aí? – perguntou Zee muito assustado. se foi. Poderá a ver os mortos e ter toda a liberdade que sua mente
– Olá – repetiu a voz duplicada. suportar. Não quer?
O garoto percebeu que quem estava falando com ele era o co- – Isso é verdade? – perguntou Zee, que tinha uma enorme
ringa da carta de baralho, e muito intrigado observou a carta mais vontade de reencontrar seu pai.
atentamente. Quando, de repente, as mãos do coringa saíram de – Sim, muito seguro. Palavra de coringa. Leve, rapaz, leve.
dentro da carta e deram um forte puxão, levando Zee para um O coringa colocou o pêndulo as mãos de Zee, que agradeceu
lugar branco, como uma sala branca cheia de ecos e totalmente e pediu para voltar. Novamente, ele estava sobre a sua cama e o
vazia. Uma bola vermelha começou a pular e veio em direção a coringa continuou com aspecto de uma inofensiva carta de bara-
Zee. Magicamente, a bola se transformou no coringa que agora lho mágico. O garoto foi correndo encontrar com Doug, Loryn
tinha uma forma humana, com o rosto pintado de branco, como e Otávio. Eles ficaram fascinados com o pêndulo e também tran-
o de um palhaço, calças de lycra e sapatos de coringa, vermelhos, quilos, pois sabiam que não havia nenhum perigo. Doug usou o
como seu chapéu e vestes. feitiço “multiplus” e o pêndulo multiplicou-se, ficando um pên-
– Devo fazer uma reverencia ao senhor – disse o coringa. dulo para cada um deles. Otávio estava louco para experimentar,
– Como vim parar aqui? Onde estou? – perguntou Zee muito nunca soubera de algo que tivesse tal poder.
nervoso. – Vou usar o pêndulo esta noite – disse Otávio empolgado.
– Ora, ora, ora. Está onde deveria estar, no seu quarto, mas – Eu também. E você, Zee, não vai usar? – perguntou Loryn.
dentro da carta de baralho em que humildemente vivo, rapaz – res- – Vou, vou sim. Esta noite – respondeu o amigo.
pondeu o coringa com um olhar de raposa. Todos foram para a aula de História Kim com o professor
– O que quer de mim, coringa? Alejandro Volps. Ele estava contando a história de vampiros atra-
– Eu? De você? Nada! – disse o coringa dando inúmeras gar- vés dos séculos:
galhadas. – Na verdade, tenho algo para lhe presentear, não é todo – Os vampiros estão existem há séculos. Eles não se mistu-
dia que recebo visitas. Tenho isto aqui. ram jamais com lobisomens. Alimentam-se de sangue humano,
O coringa tirou de suas meias um objeto de cristal, um pên- mas, pela nossa lei, vampiros são totalmente proibidos de atacar
dulo muito bonito. kimbulos. Existem algumas maneiras de se defender deles. Es-
– Um pêndulo? Não preciso de um pêndulo. –disse Zee. queçam alho e crucifixos, isso, para um vampiro kimbulo, não
– Meu caro rapaz, isto não é um pêndulo normal, este aqui adianta nada. Os vampiros quando sentem cheiro de sangue de
tem poderes secretos, é na verdade um pêndulo de sonhos bons. morcego, sentem-se fracos e quase desmaiam. Em muitas lojas de
Com essa belezinha aqui você vai poder conhecer todas as maravi- perfumes há fragrâncias com essência de sangue de morcego, mas
lhas dos Mil Mundos, viajar em seus sonhos mais profundos, ter como saber quando eles estão à espreita? É simples, eles sempre
riquezas, prazeres muitos amores e, também, reencontrar quem já espirram com o cheiro de erva de gato, portanto, sempre levem

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consigo uma dessas ervas e perceberão quem é um vampiro. Eles fundo. Todos na enorme catedral circular já haviam se deitado. O
sempre andam sozinhos, no seu próprio isolamento. São sedentos garoto estava precisando relaxar, mesmo que em seus pensamen-
por sangue adolescente, na verdade, esse é seu alimento favorito, tos, pois, ultimamente, estava levando uma vida arriscada. Mesmo
pois é fresco e, ao mesmo tempo, quente. Eles são mortos-vivos e tendo a alegria que seus amigos e sua amada, Zee emoldurava uma
temem ramos de roseiras silvestres – explicou Alejandro sobre os foto no quadro da vida, estampando a figura um garoto corajoso,
tais sanguinários. sensível e, o mais importante, transparente e de coração puro.
Mas Zee pouco estava se importando com vampiros, para ele
a presença de Crack era tudo de horrível que poderia existir. Ele
agora tinha um pêndulo de sonhos bons e não tinha a menor ideia
de como realmente funcionava aquele objeto, mas, naquela noite,
ele e seus amigos iriam descobrir. Zee garantiu uma cópia de seu
objeto para Nina também. Se viajaria em sonhos, seus amigos e
sua namorada deviam vir junto.
– Nina, olha isso aqui. É um pêndulo de sonhos bons – in-
formou Zee.
– Nossa, Zee, que legal. Como conseguiu? – perguntou a me-
nina olhando, encantada, o objeto.
– Ganhei em um jogo – disse o menino sem dar muita expli-
cação.
– Ótimo, mas, como usamos? – perguntou novamente a me-
nina segurando sua cópia em uma das mãos.
– Quando for se deitar, enrosque no braço e durma. Só isso.
Bem, acho que é só – disse o menino sorrindo para Nina.
– Te vejo em meus sonhos, então, Zee – disse docemente
Marina.
Zee sorriu e foi para seu quarto. Tomou um banho muito
quente, colocou seu pijama e deitou em sua cama com o pêndulo
de sonhos bons entrelaçado em suas mãos.
– Que realmente me traga sonhos bons – disse Zee.
O garoto adormeceu. O quarto manteve-se em silêncio pro-

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16
O pêndulo dos sonhos bons
Z
ee foi parar em um campo com a grama baixa, isolado do
mundo. Levantou-se e ficou deslumbrado com a paisagem.
Não acreditava no que estava vendo, a beleza era tanta que
fugia de seus olhos. O pêndulo realmente funcionara. Ele corria
pelo capim e por um bosque maravilhoso, como se estivesse no pa-
raíso. Em questão de segundos, estava no topo de uma montanha,
da qual podia pular e voar sobre a neblina secreta de um sonho lin-
do. Podia voar pelo céu e ir parar no oceano, mergulhando despido
por águas cristalinas sem se afogar. Estava longe do mundo e de
qualquer perigo, pois o perigo não existia nesse sonho.
Zee estava desfrutando de prazeres que nunca haviam sido
descobertos. Mesmo sabendo que aquilo era um sonho, o sabor
das frutas, a natureza, tudo era muito real. Ele podia ser um anjo
com asas inquebráveis e, ao mesmo tempo, um elfo caído sobre o
orvalho das belíssimas vegetações que o rodeavam.
– Loryn! – gritou Zee para a imensidão.
Não obteve resposta.
– Doug! Otávio! Nina! – voltou a repetir Zee, à procura de
alguém dentro de suas imaginações.
De repente, uma linda ciranda se envolveu ao seu redor. To-
dos estavam ali, todos os seus amigos e sua amada.
– Chame, Zee, chame seu pai – disse uma voz de eco para Zee.

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– Pai, pai, pai! – Zee chamou freneticamente. o vento gelado sobre sua face, envolvido pelo gigantesco azul do
Quando o garoto caiu em nuvens, girando seu corpo em len- céu, ou podia voar alto, tão alto, aproximando-se da lua girando
çóis azuis, seu pai veio voando. Tinha cabelos castanho-escuros e com a gravidade, viajando em um sonho por planetas desconheci-
estava muito feliz. Segurou a mão de Zee e eles voaram até che- dos descobrindo criaturas jamais vistas aos olhos das pessoas que
garem a uma linda cachoeira. Zee não acreditava que aquilo tudo nunca experimentaram os limites de seus sonhos, aquele era o seu
fosse verdade, tudo era incrível demais para sua realidade. mundo agora esse sonho longo que era uma vida interminável e
– Pai, você está aqui! – disse Zee chorando ao olhar os olhos extremamente desejada, repleto de qualquer coisa que sua mente
do pai. o permitia ver e tocar, tudo era concreto vivo, ele não sabia o que
– Sim, filho, estou. Eu amo você, nunca te deixei – disse Joe estava acontecendo, mais estava vivendo isso tudo com adrenalina
para o filho. O pai de Zee estava chorando muito e abraçou o filho e sentimentos poderosos.
fortemente. Loryn estava sendo fotografada por holofotes de todo o mun-
Estavam todos ali. Seus amigos, sua mãe, sua avó e seu ama- do. Aquele era seu sonho. Estava em meio a pétalas de flores com
do pai, viajando em um sonho lindo e secreto. Zee estava viciado um vestido de princesa e uma linda carruagem brilhante ao som
naquilo tudo, não queria sair daquele espaço encantado jamais. de violinos, longe de madrastas e pensamentos ruins, abraçada
Aquele era o mundo que Zee queria viver para sempre. A felicida- e protegida por Zee que, para ela, era seu anjo, esculpido pelo
de era tanta que ele não continha as suas inúmeras lágrimas, que próprio Zedom. Ela se aquecia em nas asas daquele anjo seu lindo
naquele momento eram de felicidade. Ao mesmo tempo em que sonho de menina. Um mundo cor de rosa, mas mais misterioso
estava com seus amigos, podia estar com seus pais; ele não queria que o próprio sorriso de Monalisa. Um salão cheio de lindas fadas.
mais saber que significava aquele pêndulo, só queria saber do que A garota podia ser o que quisesse dentro daqueles sonhos trazidos
estava vivendo. pelo pêndulo. Podia ser uma sereia com cabelos estonteantes ou
– Nunca me deixe só, papai – disse Zee para a imagem de seu uma fada com asas cobertas por purpurina. Como Zee, ela havia
pai à sua frente. quebrado os seus limites, descobrindo as belezas nos jardins de sua
– Não te deixarei, filho. Eu e sua mãe te amamos e estamos alma, coberto por lâmpadas e seus cabelos como um tapete em seu
aqui – disse Joe Griston novamente para Zee. pequenino globo celestial.
A mãe de Zee estava linda, jogada ao vento e ao sol, com Otávio estava rodeado de pessoas que o observavam como se
um vestido florido, como uma manhã de primavera. A magia que ele fosse a própria escultura de Davi. A coragem transformava seu
Zee havia descoberto em Kimbulândia era pequena para aquela olhar em fogo, dando-lhe toda a glória do mundo. Ele se sentia,
nova magia que ele estava sentindo. Mergulhava sobre corais se- pela primeira vez, lindo, forte e belo, rodeado de meninas pedin-
gurando estrelas do mar em suas mãos, ele podia ser tudo o que do um único e precioso beijo. Otávio estava no núcleo terrestre
imaginasse. Podia voar nas costas de um dragão branco sentindo vestido de laranja, sua cor favorita, sendo o melhor kimbulo do

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mundo. Brilhante, inteligente, sendo prestigiado, como um rei Estava protegido dos perigos, iluminado pelo sol que deixava seus
em seu mundo, em seu trono pessoal, com poderes que ele jamais cabelos como fios de ouro, deitado em cobertores de luz, cortan-
soubesse que existiam. Estava de mãos dadas com o universo, be- do uma imensa alegria com uma espada de luz imaginária. Seus
bendo toda a alegria da fonte de suas emoções e deixando sua mar- pensamentos levavam-no para um mundo nunca descoberto, uma
ca pelo mundo, como um simples respirar. Estava embriagando-se poesia montada sobre um leão feroz em meio a um campo dou-
com o despertar de uma nova aurora, o amor por seu secretíssimo rado e épico.
mundo era o que dominava seu espírito, que agora galopava fe- Naquele momento, devorava trovões como um Deus em seu
rozmente como um corcel. Este era seu espírito, o espírito livre Olimpo, tendo a força de um gigante, flutuando como um falcão,
que relinchava para um sonho que, como o de Zee e o de Loryn, colocando seu planeta na palma de suas mãos ao som de uma
prendia-o fortemente. canção tocada pelo vento, como um músico invisível rodeado por
Doug estava dentro de um jogo, como os jogos de video- folhas canadenses. Estava em seu mundo peculiar, no qual só en-
game. Era um herói forte, implacável, dono do seu jogo. Estava travam as pessoas mais especiais e queridas para ele.
derrubando Erick Vilarinho e qualquer oponente que estivesse em – Zee, não devíamos já ter acordado? – perguntou Loryn.
sua realidade, trancando por completo as portas de seu mundo – Sim, acho que sim – respondeu Zee.
misterioso, cheio de tapetes vermelhos, deslumbre, luxo, glamour, – Loryn, vamos voltar. Já deve estar de manhã. Temos que
riqueza, ouro, flashes e celebridades. Ele subia e descia, fazendo voltar para aula. Vamos retirar os pêndulos – disse Zee.
manobras perigosas em uma bela Panamera azul de grande luxo, Eles retiraram os pêndulos. Otávio e Doug estavam em transe
acompanhado de modelos belíssimas, e protagonizando o seu fil- profundo, mas Loryn conseguiu arrancar os pêndulos dos amigos.
me, seu longa metragem. Estava rodeado de maquiadores e re- Os quatro estavam de volta ao mundo real. Estavam em Kimbu-
cebendo prêmios de melhor jogador de kimboll. O sorriso mais lândia, em suas camas, em seus quartos, sem acreditar que todas
caro do mundo da magia estava estampando a revista Magic Peo- aquelas coisas realmente tivessem acontecido, mas tendo noção
ple. Este era seu universo. Voar e saltar sobre tabloides midiáticos, que aquilo tudo, os sabores, os lugares e os cheiros eram totalmen-
além de estar ao lado de seus amigos, ele tinha dinheiro, fama e te reais em seus sonhos.
tudo o que um jovem garoto sonha. Doug estava vivendo em um – Nossa, Zee, eu estava super. Não acredita nas coisas que fiz
mundo onde era preciso de senha pra entrar, um espaço futurísti- – disse Otávio muito feliz.
co com robôs, todos com seu rosto, tocando sua musica favorita, – Eu sei, eu estava lá com meu pai e com vocês, depois fui
jogado em uma pista de dança. parar em lugares com paisagens maravilhosas, incríveis. – contou
Zee estava nadando em uma lagoa, escondido do mundo, en- Zee encantadíssimo.
tregando-se por completo às mãos da mãe natureza. Abria a boca – Agora eu nunca mais vou esquecer aquele vestido, aquela
e comia flocos de neve, que tinham sabor de sorvete de morango. carruagem. Era tudo tão perfeito, tudo que eu mais queria, exa-

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tamente como aconteceu – falou Loryn com os olhos brilhando. Era uma liberdade que ele nunca havia experimentado, era, para
Eles ficaram no mundo dos sonhos durante toda a aula de ele, um meteoro que havia caído em seus sentidos, tomando sua
Magia do Tempo. O professor Will estava muito bravo com eles, vida e seu amor e paixão pela vida.
suspeitando que eles estivessem fazendo algo de errado.
– Zee, eu não sei o que você e seus amigos estão fazendo e
não me deixe descobri que é magia das trevas, pois, se for, os qua-
tro serão banidos da escola para sempre! – informou o professor
severamente.
Zee não estava com medo. Não podia haver magia negra nas
coisas maravilhosas que ele e os amigos estavam vivendo em suas
aventuras pelos sonhos. E para eles, era só isso o que importava:
serem felizes independente de tudo. Havia perigo, mas a sensação
era tão boa que todos eles estavam loucos para que chegasse à noi-
te para voltarem para dentro dos sonhos.
– Zee, e a Nina? Só me lembro de tê-la visto na hora que en-
contramos com você, depois ela desapareceu – disse Otávio.
– Talvez ela não tenha muitos sonhos ou tenha acordado –
falou Zee para o amigo.
Zee encontrou com Nina e perguntou o porquê de menina
ter desaparecido dos sonhos.
– Mas, Zee, eu não estava lá. Eu não usei o pêndulo ainda –
disse Nina ao garoto.
Zee estava certo de que era ela sim que estava na ciranda den-
tro dos sonhos mágicos, mas não entendia o motivo de sua amada
continuar a dizer que não esteva lá. Isso não importava. A feli-
cidade em reencontrar o pai, mesmo que em um sonho, era tão
grande que Zee não estava se importando com nada, apenas com a
lembrança do seu pai e das lágrimas de alegria que caíram do rosto
de seu ao rever o filho. Para Zee, aquilo era muito real e ele tinha
que fazer aquelas coisas de novo, ter aquela liberdade novamente.

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17
Um romance perfeito
Z
ee voltou ao seu sonho mágico como espelho líquido. Ele
estava em uma piscina segurando as mãos de sua ama-
da, Marina Capucci, que usava um vestido de neblinas
negras. Ela estava absolutamente linda, sua silhueta mostrava o
corpo de uma menina-deusa, incrivelmente bela e apaixonante aos
olhos de Zee.
– Leve-me, leve-me com você para o infinito de suas fantasias
– disse Nina com uma voz agora um pouco diferente, parecendo
uma mulher.
– Levarei-te onde quiser ir, meu amor – Zee respondeu com
carinho a sua sempre muito desejada Nina.
Eles sumiam pelas sombras de uma noite cheia de areia, ilu-
minados pela lua, rolando por areias frias e quentes que o amor
lhes permitia sentir a flor da pele.
– Zee, quero estar ao seu lado para sempre! – disse uma nova
Marina.
– Sempre estará comigo, Nina. Eu amo você mais que tudo
nessa vida. – respondeu Zee, com muito amor nos olhos, para a
menina.
Eles estavam sentindo o amor mais forte do mundo na ponta
de um iceberg. Estavam aquecendo um ao outro com beijos que
um sonho não poderia revelar a ninguém. O frio não conseguia ser

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o vilão de tal paixão tão poderosa. A chave para vários sentimentos – Sabe o que é, Zee, devemos colocar os pés no chão e não
que eles sentiam apenas eles possuíam. Estavam trancados em um viver de sonhos. Aquelas coisas não são verdade, prefiro estar com-
mundo sem limites, sem fronteiras. Então, eles saíram voando em pletamente no nosso Mundo Kim. Aliás, se te pegarem usando o
um lindo cavalo branco alado, rumo à felicidade, deleitando-se pêndulo, será expulso – disse Loryn novamente.
com a juventude e amor que aqueles momentos continham. Cada – Mas você não tem ideia do que estou sentindo. Estou muito
toque, cada abraço sobre o lindo cavalo alado era especial para feliz, estou me sentindo livre pela primeira vez na vida.
Zee, que estava abraçado com a sua amada sob um céu lindo. Os quatro andavam rumo à aula de Cosmologia quando Zee
– Quero tatuar seu nome em minha alma, Zee – disse Marina. encontrou Nina. Ele deu um grande sorriso.
– Você já esta gravada eternamente em mim, Nina – concluiu – A noite foi incrível, Nina – disse Zee.
Zee. – Noite, Zee? Que noite? – perguntou Nina.
– Me abrace forte e tire minha dor, Zee – finalizou a garota. – Ah, vai me dizer que se esqueceu de que estávamos no so-
Eles não perceberam o sol sair em seus sonhos e foram parar nho? – disse Zee para a menina.
deitados sobre na Torre Eiffel. Depois, ficaram girando no carros- – Não, Zee, não estávamos. Eu não usei o pêndulo, fiquei
sel que, a cada volta, mostrava uma fotografia, imagens com sa- com medo, sabe. Desculpe – disse Nina.
bor de morangos ou simplesmente amor, romance, calor e muito, – Então, se não era você, quem era?
muito fogo. Zee ficou muito intrigado. Marina disse que não esteve com
– Nina, precisamos voltar. Está tudo perfeito, mas temos ele em sonho algum, ele não entendia então o que aconteceu. Ele
aulas. ficou pensando que pudesse ser o pêndulo. Estava muito pensati-
Zee retirou o pêndulo e acordou daquele sonho mágico. Ar- vo. Um mistério rondava a cabecinha de Zee. Quem estava com
rumou-se muito rápido e correu para a aula de Kimbologia Egíp- ele no sonho? Se não era Marina, quem era, então?
cia. Foi o último a entrar na sala do professor Linde Frow, que o – Loryn, aconteceu uma coisa muito estranha – disse Zee.
lançou um olhar de desgosto. Seus amigos já estavam lá. – O que, Zee? – perguntou Loryn.
– Como se atrasou? – perguntou Loryn dando cutucadas – Olha, noite passada tenho certeza que a Nina usou o pên-
em Zee. dulo. Estava lá com ela, fizemos um monte de coisas, mas ela disse
– Estava sonhando com a Nina. Fomos a Paris – cochichou que não usou o objeto por medo. Se não foi ela, quem estava lá?
Zee. – Zee, eu não sei, mas pode ser perigoso. Isso é muito estra-
Zee contou para seus amigos tudo o que fez com Nina. Eles nho – disse Loryn mexendo no cabelo.
ouviram com cara de sono. Zee decidiu descobrir o que realmente havia acontecido. Ele
– Eu não estou mais usando o pêndulo – disse Loryn. e os amigos combinaram de usar o pêndulo pela última vez, para
– Por quê? – perguntou Zee. descobrir o que estava havendo de tão estranho. Zee deitou-se na

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cama e colocou sua cabeça no seu travesseiro mágico que havia ga- dado, sem fazer nenhum barulho. Na sala havia várias fitas cassetes
nhado de Merlin, deixando o pêndulo enroscado em suas mãos. De e uma TV fora do ar, com chuviscos na tela. Zee colocou uma das
repente, o garoto caiu com as costas em um chão muito duro e em fitas em um aparelho de vídeo e na tela apareceram os amigos e
questão de alguns minutos seus amigos também foram parar lá. ele. Todos os sonhos estavam gravados nas fitas. Alguém estava
– Zee, onde estamos? – perguntou Doug. monitorando tudo o que eles estavam fazendo durante o tempo
– Bem, não sei, acho que é uma estação de metrô abandonada. que eles usaram o pêndulo.
– Não estou gostando disso Zee. Isso não parece mais um – Zee, alguém estava aqui nos observando. Isso é magia negra
sonho – disse Loryn muito assustada. e muito, muito forte – disse Loryn.
– Como sabe, Loryn? – perguntou Otávio. – Claro, pessoal, é o Crack, só pode ser. Ele enganou a todos
– Porque eu esfolei meu braço, garoto. – disse a menina aos nós com a carta de baralho e nos trouxe até aqui. Isso é uma ar-
berros. madilha. Corram!
– Muito estranho, tem um mapa ali, podemos ver onde esta- Os quatro saíram correndo por um túnel que dava para fora
mos – falou Zee. do metrô, mas, quando iam atravessar a enorme passagem, um
Mapa de localização do Metrô Estadual – Estação Brigadeiro campo de força os jogou para dentro novamente, como se tives-
– Já tive uma camiseta com esse mapa, Zee. Estamos na es- sem levado um empurrão.
tação de metro estadual. Precisamos sair daqui. Tirem o pêndulo. – Não, não, não. Nem pensem em fugir – disse Marina Ca-
Os garotos retiraram os pêndulos, mas de nada adiantou. pucci.
– Zee, não estamos conseguindo. Não funciona mais – disse – O quê você... Você mentiu? – perguntou Zee abismado.
Loryn muito aflita. – Acha mesmo que eu iria amar alguém tão sujo e podre
– Então o jeito é sairmos usando as escadas mesmo, vamos. como você, Zee Griston? Acorde, idiota! – falou a menina com
Eles subiram por uma escada rolante quebrada sobre as ruínas uma voz medonha.
de uma velha estação de metro abandonada. Quando eles chega- – Eu só te atrai para te entregar para o maior kimbulo das tre-
ram ao piso de saída havia uma sala muito estranha. Zee observou vas, Terenzo Crack. Está com medo? É bom estar – disse a menina
a porta, que estava entreaberta, como se alguém tivesse acabado novamente dando uma forte gargalhada.
de correr. – Você é mentirosa e nos enganou. Leve a mim e deixe meus
– Esperem, pessoal. Ali naquela sala acho que tem alguma amigos irem embora – disse Zee enlouquecido.
coisa. – Não vou perder a chance de matar quatro coelhos com um
– Não, Zee, vamos embora. É perigoso ficar aqui. E se não feitiço só, idiotas – disse a menina, com um tom de agressividade,
conseguirmos voltar? – falou Doug com medo. aos quatro amigos.
Zee e seus amigos entraram na sala misteriosa com muito cui- – Bandida – disse Loryn.

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– Chega de elogios, paspalha. É hora de irmos para uma pai-
sagem mais à altura.
A kimbulo fez um grande furacão negro e os cinco sumiram.
Foram parar em uma espécie de sala, com uma enorme cratera no
chão. O lugar era iluminado por crânios humanos que seguravam
velas negras com as bocas. Zee e seus amigos deram as mãos e fica-
ram assustados com a escuridão da gigantesca sala mal iluminada.
– Eu chamo as trevas. Eu invoco as sombras mútuas dos Mil
Mundos. A carne que apodrece, o dono da sujeira mundana, filho
do nosso Rei Éol, o príncipe da maldade. Eu chamo, até mim nes-
ta sala, meu irmão Terenzo Crack. Ouça o ventre obscuro de sua
irmã, que se nutre do sangue de ratos em total fidelidade a Mag-
nus. Eu chamo a ti, meu anjo das trevas – disse a menina como se
estivesse em estado de transe.
– O que está fazendo, Marina? Pare com isso – disse Zee. 18
– Cale a boca, verme insolente. Cale-se, não me atrapalhe! – O confronto e os olhos do Armagedom
berrou a menina
– Somos amigos, lembre-se disso. Está dominada pelo mal,
acorde, Marina! Acorde por Zedom! Lembre-se que é uma pessoa
boa, lembre-se.
Mas a garota não parou.

220
E
m meio às sombras apareceu um menino com vestes ne-
gras como a escuridão que ali havia.
– Oto, o que está fazendo aqui?
– Não me chame de Oto com esse tom comum de um aluno
qualquer. Sou sobrinho de Terenzo Crack e de minha tia, que,
pelo que vejo, foi ótima em seu trabalho.
A menina Marina Capucci, que estava com uma expressão
muito estranha em sua face, em questão de segundos ficou en-
volvida por uma fumaça negra. A fumaça foi dando forma a uma
mulher vestida com ossos e pedaços de cadáveres, com as cabeças
presas em correntes. O vestido era bizarro e a mulher tinha as
mãos cheias de sangue e os olhos muito verdes.
– Lady Escorpião, é você? – perguntou Zee impressionado.
– Sim, queridinho, sou eu. Sua namoradinha foi só uma ma-
rionete, precisei dela para chegar até você. A essa hora, ela nem
sabe que estão aqui, Nem ela e nem aquele maldito Merlin sabem
– disse a obscura kimbulo com o olhar tomado pela escuridão.
– Somos uma fraternidade, Zee Griston. Trabalhamos para as
trevas e em minutos meu tio Crack destruirá você! – concluiu Oto.
– Mas como? Nós confiamos em você! Como pôde nos enga-
nar? – perguntou Doug
– Enganar? Quem vive se enganando são vocês, idiotas. Acre-

223
ditam mesmo no bem? Acreditam mesmo nas Leis de Zedom? – Mas se abrirá, irmã. Esse garoto é o filho legítimo de Ze-
Vão morrer cedo, os quatro! – disse Lady Escorpião. dom. Esses são os olhos, tenho certeza que são – respondeu Crack.
A cratera abriu-se ao meio e formou uma grande rachadura, O kimbulo se aproximou da balança, erguendo-a sobre sua
cheia de fogo, como o inferno. De lá saiu uma enorme sombra, cabeça.
que logo mostrou uma pessoa, um kimbulo com aspecto de mor- – Éol, dono da sagrada moradia das trevas, trago-te a vida aos
to-vivo, com toda sua pele apodrecida e olhos muito vermelhos e Mil Mundos. Ofereço-lhe os olhos de Zedom como prova de meu
enormes. O kimbulo usava com vestes feitas de pele humana. amor por ti e por todas as trevas existentes. Por nossas leis, sombra
– Olá, Senhor Zee Griston – disse, com uma voz monstruosa, ao mundo, venha Éol, venha! – Exclamou Crack para as trevas.
Terenzo Crack. Mas nada aconteceu.
– Não fale comigo, seu monstro. – gritou Zee. Zee, dormente de dor e totalmente cego, notou que havia um
– Monstro, eu? Acho que o único monstro aqui é o senhor, pedaço de vidro, um frasco. Loryn leu em silêncio. No frasco estava
que me enoja com seu sangue de puro. Tenho nojo de menino escrito:
bonzinho – repetiu Crack. Beba isso, Zee. Merlin
O kimbulo fez aparecer várias correntes do chão, prendendo – Beba, Zee, rápido. Beba – falou bem baixo Loryn para Zee.
Zee e seus amigos da cabeça aos pés, fazendo-os sentir muita dor. O garoto rapidamente abriu o frasco e, sem ver nada, engoliu
– Eu mutilei seu pai, Zee, depois, comi os seus restos mortais um líquido salgado com sabor de um soro, que se parecia muito
e agora vou fazer o mesmo com você. Mas, antes, temos negócios com lágrimas. Em questão de segundos toda a corrente que pren-
a tratar. dia seu corpo foi quebrada. O garoto estava em pé.
O kimbulo fez aparecer uma enorme balança negra, uma ba- – O que significa isso, moleque imundo?
lança das trevas. – Trevanun! – murmurou Lady Escorpião em direção a Zee.
– Lady, minha irmã querida, iremos arrancar os olhos de Zee O feitiço bateu em Zee e voltou contra a kimbulo, que rapi-
Griston, pois apenas Éol pode devorar tal sujeira, e nós ficaremos damente se rasgou como um papel.
com a carne, roeremos até os ossos dele e dos amiguinhos dele. – Eu, Zee Griston, sou o dono dos olhos do Armagedom,
A kimbulo aproximou-se com um punhal e arrancou os dois filho de Zedom. Riveron! – gritou Zee fortemente.
olhos de Zee, que tremeu e esperneou de dor. Sua face estava en- Os olhos que estavam na balança rapidamente voltaram para a
sanguentada e seus amigos gritaram violentamente ao ver o amigo face de Zee, que voltou a olhar nos olhos do grande assassino Crack.
perder os olhos. A kimbulo colocou os dois olhos na balança, à – É hora de acertarmos as contas, Crack. Você me fez muito
espera de que acontecesse alguma coisa. mal e não permitirei que destrua meu mundo – disse Zee.
– Há algum problema, Crack. Não está funcionando. Éol não O menino levantou a cabeça e de seus olhos castanho-esver-
chegou ainda, era para o portal estar aberto – disse Lady Escorpião. deados saiu uma forte luz dourada. Era a luz sagrada de Zedom

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saindo como um tiro em direção a Crack, que foi acertado no pei- pelo que vejo, mostra que ele é o pai e que finalmente resolveu
to, caindo sobre o chão como uma estátua de pedra, quebrando reconhecer o filho.
completamente. As correntes se soltaram e Doug, Loryn e Otávio Zee sorriu e ficou feliz. Pouco tempo depois, Merlin voltou
correram e abraçaram o amigo com muita verdade e carinho. com seus amigos. Estavam todos a salvo novamente na escola,
– Agora é a sua vez – disseram Otávio e Doug para Oto, que livres de Crack e do perigo.
correu. – Zee, antes de ir queria te dizer algo – falou o kimbulo.
– Volte aqui, seu covarde – disse Otávio. – Diga, Merlin – falou Zee.
– Profinideo – disse Doug. – Isso foi só o começo, o pior ainda está por vir, mas, até lá,
E Oto, o menino gordinho, transformou-se em uma revista está a salvo. Fique bem e, mais uma vez, boa sorte! – disse Merlin.
em quadrinhos, com sua cara de terror na capa.
– Se eu não estivesse com o presente de Merlin estaríamos
mortos. Nunca pensei que um travesseiro salvaria minha vida –
disse Zee muito feliz.
– Acredite – disse Loryn chorando.
– Hora de voltarmos – disse Zee.
Eles estavam no subterrâneo do Vaticano.
Zee voltou ao seu quarto e encontrou-se com Merlin.
– Zee, o que aconteceu? – perguntou Merlin, que estava com
enorme tropa em sua casa.
– Senhor, Crack morreu. Recebi as lágrimas que me mandou
e derrotei Crack e Lady Escorpião. Eles queriam trazer um tal de
Éol para o nosso mundo, mas antes disso acontecer, com a ajuda
de Loryn, Otávio e Doug, derrotei Crack.
– Que bom, Zee. Que bom que está a salvo. Vou trazer nossos
corajosos amiguinhos de volta para o colégio. Onde eles estão? –
perguntou Merlin.
– Acho que no Vaticano. Tenho certeza que é lá – respondeu
Zee.
– Zee, quero que saiba que não lhe mandei nada. Se essas lá-
grimas apareceram foi um presente de nosso Deus, Zedom, e isso,

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19
Um balão feliz
A
pós a morte de Crack, tudo ficou em paz em Kimbulân-
dia. Zee e seus amigos estavam felizes com suas notas de
final de ano, mesmo com algumas notas baixas, foi sufi-
ciente para que eles passassem de ano tranquilamente. Zee con-
versou com a verdadeira Nina, que ficou espantada em ouvir tudo
o que Zee lhe contou. A paz reinava sobre a catedral. Vários sapos
pulavam sobre o colégio, como tradição de final de ano letivo.
– É, conseguimos! – disse Zee.
– Sim, conseguimos – falou Loryn.
– Antes vivíamos no maior tédio em Torminel, agora conhece-
mos coisas que jamais imaginávamos que existia – concluiu Doug.
– Devemos prometer mais uma coisa, pessoal – disse Otávio.
– Amigos para sempre? – perguntou Loryn.
– Amigos para sempre! – disse Zee muito feliz.
Todos os alunos se preparavam para voltar para suas casas
e estariam de volta no próximo ano, para darem continuidade a
seus processos de kimbolização. Merlin despediu-se dos meninos.
Antes de liberarem os alunos, os professores fizeram uma celebra-
ção com o intuito de que alunos se mantivessem fiéis à escola e a
Zedom, em primeiro lugar.
Segundo a professora Rose Marry, onde houver luz, Zedom
estará lá, e Zee agora tinha certeza disso. A luz derrotou as trevas.

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Ele nem imaginava o que o futuro lhe preparava, mas, naquele
momento, ele e seus melhores amigos só queriam uma coisa: se
divertirem com a magia que eles haviam ganhado de presente.
Todos os alunos fizeram uma grande fila e foram ao encontro do
gigantesco balão que já os esperava.
– Zee, eu estou feliz em não ter te perdido – disse Nina.
– Você não vai me perder – respondeu o garoto.
– Zee, corra o balão vai subir – gritou Loryn.
O garoto foi correndo para dentro do balão e entrou em sua
cabine. O céu ficou repleto de grandes inscrições que diziam:
Nunca deixa de sonhar. Kimbulândia é assim!
E os quatro amigos foram embora pelo céu em um gigantesco
balão, um balão muito, muito feliz.
Essa é a primeira aventura do filho de Zedom, Zee Griston.

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Editor responsável
Thiago da Cruz Schoba

Coordenadora editorial
Flávia Stringa

Capa
Editora Schoba

Diagramação
Camila Gonçalves

Revisão
Rúbia Pravatta

Este livro foi impresso em São Paulo, em maio de 2013,


pela Pigma Gráfica e Editora para a Editora Schoba.
A fonte usada no miolo é Adobe Garamond Pro, corpo 13/17,5

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