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Vai, minha tristeza Que coisa linda

E diz a ela que sem ela não pode ser Que coisa louca
Diz-lhe numa prece Pois há menos peixinhos a nadar no
Que ela regresse mar
Porque eu não posso mais sofrer Do que os beijinhos que eu darei na sua
boca
Chega de saudade Dentro dos meus braços os abraços
A realidade é que sem ela Hão de ser milhões de abraços
Não há paz, não há beleza Apertado assim, colado assim, calado
É só tristeza e a melancolia assim,
Que não sai de mim Abraços e beijinhos e carinhos sem ter
Não sai de mim fim
Não sai Que é pra acabar com esse negócio
De você viver sem mim
Mas se ela voltar Não quero mais esse negócio
Se ela voltar De você longe de mim...
Vamos deixar desse negócio
De você viver sem mim…

(JOBIM; MORAES, 2008)

O Poeta É bem certo que tu, meu coração,


Ninguém contempla as cousas, Participas de toda a Natureza.
admirado. Tens montanhas na tua solidão
Dir-se-á que tudo é simples e vulgar... E crepúsculos negros de tristeza!
E se olho a flor, a estrela, o céu doirado,
Que infinda comoção me faz sonhar! As cousas que me cercam, silenciosas,
São almas, a chorar, que me procuram.
É tudo para mim extraordinário! Quantas vagas palavras misteriosas,
Uma pedra é fantástica! Alto monte Neste ar que aspiro, trêmulas,
Terra viva, a sangrar como um Calvário murmuram!
E branco espectro, ao luar, a minha
fonte! Vozes de encanto vêm aos meus
ouvidos,
É tudo luz e voz! Tudo me fala! Beijam os meus olhos sombras de
Ouço lamúrias de almas no arvoredo, mistério.
Quando a tarde, tão lívida, se cala, Sinto que perco, às vezes, os sentidos
Porque adivinha a noite e lhe tem medo. E que vou flutuar num rio aéreo…

Não posso abrir os olhos sem abrir Sinto-me sonho, aspiração, saudade,
Meu coração à dor e á alegria. E lágrima voando e alada cruz...
Cada cousa nos sabe transmitir E rasteirinha sombra de humildade,
Uma estranha e quimérica harmonia! Que é, para Deus, a verdadeira luz.

(PASCOAES, 1912, p. 32)


CANÇÃO DA FELICIDADE

Felicidade ! Felicidade ! Não ter quimeras, não ter cuidados


Ai quem ma dera na minha mão ! E contentar-se com o que é seu,
Não passar nunca da mesma idade, Não ter torturas, não ter pecados,
Dos 25, do quarteirão. Que, em se morrendo, vai-se prò Céu !

Não ter talento ; suficiente


Morar, mui simples, nalguma casa Para na vida saber andar,
Toda caiada, defronte o Mar ; E quanto a estudos saber sòmente
No lume, ao menos, ter uma brasa ( Mas aí somente ! ) ler e contar.
E uma sardinha pra nela assar …
Mulher e filhos ! A Mulherzinha
Não ter fortuna, não ter dinheiro, Tão loira e alegre, Jesus ! Jesus !
Papéis no Banco, nada a render : E, em nove meses, vê-la choquinha
Guardar, podendo, num mealheiro Como uma pomba, dar outra à luz.
Economias prò que vier.
Oh ! grande vida, valha a verdade !
Ir, pelas tardes, até à fonte Oh ! grande vida, mas que ilusão !
Ver as pequenas a encher e a rir, Felicidade ! Felicidade !
E ver entre elas o Zé da Ponte Ai quem ma dera na minha mão !
Um pouco torto, quase a cair. (NOBRE, s. d., p. 51)

SAUDADE

Saudade, saudade! Palavra tão triste, Saudades, e canta, na torre deu a hora
E ouvi-la faz bem: Da sua novena:
Meu caro Garrett, tu bem na sentiste, Olhai-a, d· ares de Nossa Senhora,
Melhor que ninguém! Quando era pequena.

Saudade da virgem de ao pé do Saudades, saudades! E ainda que


Mondego, Saudades de tudo: conta
Ouvi-las caindo da boca dum cego, (E sempre a bordar)
Dos olhos dum mudo! Que linda! ìQuem canta seus males
espantaî
Saudades de aquela que, cheia de E eu vou-me a cantar…
linhas, De agulha e dedal,
Eu vejo bordando galeıes e andorinhas (NOBRE, s. d., p. 64)
No seu enxoval.
SONETOS
Falhei na vida. Int! Ideais caÌdos!
Torres por terra! As árvores sem ramos!
Ó meus amigos! Todos nós falhamos...
Nada nos resta. Somos uns perdidos.

Choremos, abracemo-nos, unidos!


Que fazer? Por que não nos suicidamos?
Jesus! Jesus! Resignação... Formamos
No mundo, o claustro pleno dos vencidos.

Troquemos o burel por esta capa!


Ao longe, os sinos mÌsticos da tropa
Clamam por nós, convidam-nos a entrar:

Vamos semear o pão, podar as uvas,


Pegai na enxada, descalçai as luvas,
Tens bom corpo, irmãos! Vamos cavar!
(NOBRE, s. d., p. 137)

Ó Virgens, que passais, ao sol poente


Pelas estradas ermas, a cantar
Eu quero ouvir uma canção ardente,
Que me transporte ao meu perdido lar.

Cantai-me nessa voz adolescente,


O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formosura, o luar!

Cantai! Cantai as lÌmpidas cantigas!


Das ruÌnas do meu lar desaterrai
Todas aquelas ilusıes antigas

Que eu vi morrer num sonho, como um ai...


Ó suaves e frescas raparigas
Adormeci-me nessa voz... Cantai!
(NOBRE, s. d., p. 128)

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