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Narcisismo
Adeus
Sem
É um arrepio abstrato
Arrepio arredio
Inane do contato
Mas compacto.
Ausente na pele
Epiderme, pelo-mato
Mas presente de fato
Foi-se no sentido
Esbanjou no olhar, no ouvido
Caso foi papel
Cutucou o olfato
E ao não ser palpável
enfim, provocou seu tato
Chorou
É poesia
E o que se dizia, é verdade, acolchoei minha letra com um punhado de insanidade. Não é cria,
é motim, essa libido-escrita pelo que vai além. Cadê? A mim não se subjuga, já disse, ela não é
escrava, é fuga. Corri atrás dela, noite e dia incansavelmente procurando nela uma rima, me
disse que não tinha: ofereceu-me sua bruma. E me perdi. Me perdi nela na confusão da letra
com a qual brigo e me desfaço e depois da briga, e haja de briga das unhas que cravei nela,
sobra tinta, mas de mim sobra só o bagaço. Sim, é o que se dizia: que não havia jeito para fazer
dela esposa, para eu ser dela e ela ser minha. Essa é amante infame, corri atrás dela no sol, na
chuva, no capim, nas vielas de Roma, e numa cama bagunçada. Até no meu gato, quando se
aconchega em mim, como se eu fosse sua almofada. A procurei para traze-la ao meu peito,
mas fui lacaio para minha amada. Corri, de novo para pedi-la em casamento, penso: se a
surrupiar, encontra-la adormecida, ou distraída no seu assento, ensimesmada em pensamento
na sua vestimenta infinita, na sua boca jamais mordida, no cansaço da nossa corrida, haverá
esperança, de acalentar meu lirismo, de apaziguar minha inanição, de prender seu dedo casto
numa aliança. Me ama. Peço. Não me responde, ela corre até que eu caia em lama, postiço.
Olha como fiquei: apatetado por ela, me apetitei dum bocado de porquê. E agora é meu
pesadelo e também meu fado, me chame de odiado, sou escravo desse cansaço, da procura
incessante é que congraço, pois só uma vez a desejei como amante e não desejei outra, se
tornou paixão perpetuamente. A alcancei num deserto, mas de muitos almejos desmaiei.
Espraiado no nada, frívolo pra ela, enquanto a via dançar belíssima com sua sombra, e ela...
sorria? Era a sinestesia do milagre, era a verdade na miragem, ela era meu quadro, e eu era
paisagem? Passou por mim, sem ter cruzado, era calor, era frio, era todo tipo de enfado,
gorjeou uma canção impossível durante sua passagem e já babado que eu estava, pusilânime,
me apavorei, pois eu sempre corri atrás dela e nunca me aproximei e agora eu quase morto,
ela vem até aqui para fazer de mim o que eu nunca a tornei? Pois, sim. Sem vulto, macho ou
fêmea, eterna ou efêmera, nunca cobriu o sol, pois nela mesmo era luz, era também sombra,
era pó. E se desfez. Nunca foi minha, mas de mim ela se afez. Sonho feérico do qual acordei
mais uma vez, visão da qual me cismo pois dela nunca despertei. É sentido, é niilismo, é
verdade e também obscurantismo, é a confluência do partido e o indizível destraduzido, é o
mar, é o ocaso lido. Agora entende minha tortura? Não é a paixão pueril pela vida, não me
apaixonei pela despedida, nem me encantei pela procura. Sim, o que se dizia é verdade, e o
que se dizia continua sendo minha realidade, e também minha ilusão, confia, apaixone-se por
todo tipo de loucura, mas nunca tente amar a poesia.
Ego
O ego, o ego é grande, elefante. É de marfim, é de tatuagem, é de batom, é de mim. O ego
sente, é cabelo bonito arrumado no pente, é calçado fino, é cinco anos de aparelho, é sorriso
de mil dentes, o ego é carente de atenção, as vezes feroz, no demasiado complacente.
O ego cabe na palma da mão, de tão frágil que ele é, mas pede pra maquiar as unhas, o cabelo,
e o coração, o ego é exigente, e sempre tira o ego do são. O ego é indeciso; o ego é logo! As
vezes narciso, outras vezes é afogo. O ego é tudo que o ego diz que não é: descrente, mal-
educado, invejoso, cagado. Não, isso não! O ego milita para o necessitado, o ego admira os
outros e sua gente, o ego é sempre bem-comportado, o ego é perfume... você sente?
O ego é choro de repente. O ego é pavor! É enorme mas tem medo de rato, o ego é tolerante,
mas intolera o abstrato. O ego não pode ser achismos, tem que ser fatos! O ego é orgulhoso, o
ego é impiedoso, ele tapa os ouvidos, pois no ego e sua opinião, não há espaço para o
duvidoso.
O ego é surto, nunca curto; demorado. É desassossego, é narcótico pro anestesiado, é placebo
doentio pro ego ferrado.
Ah, o ego, ele é MARAVILHOSO. Segure-o firme na mão, trate de deixar o ego bem
aconchegado. O ego é tremente, porém é espadaúdo e se incha no seu jeito de ser, seja jeito
pungente, de prego, crivado tão profundo no apego, que se faz impossível desapegar. Prega
um quadro na parede, uma linda pintura de si, o ego também é pintor. Define os traços, define
as cores, e deveras, define o humor.
A rua é um atrativo
Disse a vadia com seu sorriso altivo.
Teclado
Para que eu dessinta a rapidez com a qual me sinto:
Revolvo até o aroma do absinto
Escrevo, teclo, recalco o dedo, longo ou seja; sucinto
Quando teclo, relevo, portanto minto
Mas se escrevo, teclo, o recalque intimo
do pesar que é tinto
nascimento
O mundo morre; duas vezes morre para antecipar outro intervalo
Eu nasço nesse desfecho, mas nasço morto e cresço ao avesso
Gangorra
Não é vida, não é mundo, não é nem deus, é tudo -
[A quinta-essência do sentido
A nuance do descolorido
A razão no enlouquecido]
É diminuto se traduzido!
É eterno se reduzido!
“O perfeito é tão cândido...”
Mas há casto sem libido?
“Sou vivido, sou vasto! ”
Mas há o múltiplo sem vosso indivíduo!
“Não há barulho no silêncio”
Mas há silencio no ruído?
Percebe? É tudo, mas também não:
É híbrido, é homogêneo e também é foragido
É análogo compreensível, ao que deveras incompreendido
É a metade do ilimitado; é de estrelas só um punhado
É a verdade no fingido; é o vivido nas novelas
É na inercia principal, de quem sempre tem corrido
É antítese da tese, naquele urdir jamais tecido
É fosforo aceso; é palitinho carcomido
É a chama que não é mais
Mas meu cigarro tem ligado
E não há cigarro na minha mão,
mas de fumaça estou envolvido
Sobre a incógnita do desvão
Será gangorra no infinito?
É quase tudo, mas não é tão
Já sei!
É:
Minto
Compro um punhado de ansiedade
Ao custo de buscar notoriedade
Barbaridade, ceder ao instinto
Inexistir
Imperpetuemos, até que nos tornemos algo diferente
Serei oposto do que um dia fui, permanente.
Sou impermanência.
Mas havemos de carimbar a marca da nossa existência?
Impertinente.
Não fui jubilo de vida. Sou prova da insistência.
E assim persisto, e de não ser - consisto.
E haja d’isto: serei persistência
Poesia do sonambulo
E para que seja análogo ao primor que és, a beleza que lhe condiz. Darei eu quaisquer palavras
de consolo, para que encontre o conforto numas rimas que nada digam, ou ao menos
contemplem, ou numas narrativas que pouco resumem, ou abrangem tão pouco, que
mentem? Seria afetação do meu sentido, e indecência para contigo, e sua obra, e o que lhe
devo, e como lhe é devido. Para que retome, no tempo poente, antes de se pôr, se for me
dado o honorifico, de ser-lhe contiguo, no aspecto, no riso, no passo. Que não torne o costume
uma elegia, nem o teclado sobrecarga do meu anseio, que molde ao invés, com paciência e
ternura, o que é resguardado por trás do olho, feito bruma de lembranças na compreensão
infindável da sua pessoa. Personificação essa, que não caberá a nenhum escrito, pois é deveras
impossível tarefa, trazer a letra tudo o que foste, és, e sempiterna, terá de ser. Ser, tão
opacamente vislumbro, não é resumo, nem é sumariado na maior das enciclopédias. Ser, é,
transcendente e volátil, até quando deixa de. Quanto mais você, fonte do que me é mais
precioso, náiade, guardiã dos rios da minha brandura, e sol iridescente, que me é luz até nas
trevas espessas, deste furioso terral, ao qual me trouxeste, quanto mais você, serás enigma
dum perpetuo desvendar, que tão avassaladoramente palpito, no retinir da minha tecla, não
hei de desvelar, nem após sua morte.
Pajem
Meu pajem é muito amaneirado. Tenha sido ele afetado por mim, o pela carga do meu
armado, tenha sido afetado ele pela minha afetação. Pois em mim há um pouco dele, e nele há
trepidação. Prefere vinhos à nossa guerra, prefere nossos momentos de libação. É labaredas
na nossa fogueira, dança conjunta da noite tarda, noite vil que não espera. É primor quando se
trata de ligar meus incensários. Meu pajem é corredor, quando se trata de escolher meu
vestuário. Não se importa se sou pobre ou perdedor. Não leva em conta se o que carreia
consigo é tinta, caneta ou pincel. Meu pajem adora minha poesia e sabe ser régio dum rei do
papel. Eu e meu pajem somos frutos da falta do que é espontâneo, mas quando estamos
juntos dançando na fogueira, somos quinta-essência do que é mais genuíno. Eu sou do meu
pajem, e meu pajem não é de mais ninguém.