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Soneto de Fidelidade (Vinicius de Canção do Exílio (Gonçalves Dias)

Moraes)
Minha terra tem palmeiras,
De tudo, ao meu amor serei atento Onde canta o Sabiá;
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto As aves, que aqui gorjeiam,
Que mesmo em face do maior encanto Não gorjeiam como lá.
Dele se encante mais meu pensamento.
Nosso céu tem mais estrelas,
Quero vivê-lo em cada vão momento Nossas várzeas têm mais flores,
E em louvor hei de espalhar meu canto Nossos bosques têm mais vida,
E rir meu riso e derramar meu pranto Nossa vida mais amores.
Ao seu pesar ou seu contentamento.
Em cismar, sozinho, à noite,
E assim, quando mais tarde me procure Mais prazer encontro eu lá;
Quem sabe a morte, angústia de quem Minha terra tem palmeiras,
vive Onde canta o Sabiá.
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Minha terra tem primores,
Eu possa me dizer do amor (que tive): Que tais não encontro eu cá;
Que não seja imortal, posto que é Em cismar — sozinho, à noite —
chama Mais prazer encontro eu lá;
Mas que seja infinito enquanto dure. Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Soneto de Fidelidade (Vinicius de
Moraes) Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Sem que desfrute os primores
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no
Que não encontro por cá;
entanto,
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
Onde canta o Sabiá.
E abro as janelas, pálido de espanto…
Seiscentos e Sessenta e Seis (Mario
E conversamos toda a noite, enquanto
Quintana)
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em A vida é uns deveres que nós
pranto, trouxemos para fazer em casa.
Inda as procuro pelo céu deserto. Quando se vê, já são 6 horas…
Quando se vê, já é 6.ª feira…
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Quando se vê, passaram 60 anos…
Que conversas com elas? Que sentido
Agora, é tarde demais para ser
Tem o que dizem, quando estão
reprovado…
contigo?”
E se me dessem – um dia – uma outra
E eu vos direi: “Amai para entendê-las! oportunidade,
Pois só quem ama pode ter ouvido eu nem olhava o relógio.
Capaz de ouvir e de entender estrelas.” seguia sempre, sempre em frente …

E iria jogando pelo caminho a casca


dourada e inútil das horas.
Casamento (Adélia Prado) O Navio Negreiro (Castro Alves)
Há mulheres que dizem: Senhor Deus os desgraçados!
Meu marido, se quiser pescar, pesque, Dizei-me vós, Senhor Deus,
mas que limpe os peixes. Se eu deliro... ou se é verdade
Eu não. A qualquer hora da noite me Tanto horror perante os céus?!...
levanto, Ó mar, por que não apagas
ajudo a escamar, abrir, retalhar e Co'a esponja de tuas vagas
salgar. Do teu manto este borrão?
É tão bom, só a gente sozinhos na Astros! noites! tempestades!
cozinha, Rolai das imensidades!
de vez em quando os cotovelos se Varrei os mares, tufão! ...
esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas” Bilhete (Mario Quintana)
e faz o gesto com a mão.
Se tu me amas, ama-me baixinho
O silêncio de quando nos vimos a
Não o grites de cima dos telhados
primeira vez
Deixa em paz os passarinhos
atravessa a cozinha como um rio
Deixa em paz a mim!
profundo.
Se me queres,
Por fim, os peixes na travessa,
enfim,
vamos dormir.
tem de ser bem devagarinho, Amada,
Coisas prateadas espocam:
que a vida é breve, e o amor mais breve
somos noivo e noiva.
ainda...
Caderno de poesias (Clarice Pacheco)
Aninha e Suas Pedras (Cora Coralina) Caderno de poesias
é um belo lugar.
Não te deixes destruir…
Tantas coisas lindas
Ajuntando novas pedras
que eu gostaria de falar.
e construindo novos poemas.
Eu falo em forma de versos
Recria tua vida, sempre, sempre.
para todos poderem escutar.
Remove pedras e planta roseiras e faz
Agora você já sabe
doces. Recomeça.
por que os poetas passam os dias
Faz de tua vida mesquinha
escrevendo em seus cadernos de
um poema.
poesias.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de As ondas (Bruno Bezerra)
vir.
Esta fonte é para uso de todos os Ondas que parecem abraços
sedentos. Calorosos, afetuosos, apertados...
Toma a tua parte. Em verdade
Vem a estas páginas As ondas de Noronha
e não entraves seu uso Não são ondas, são abraços...
aos que têm sede. Que lavam a alma
De homens, arraias e barcos...
Traição (Ivone Boechat) Exausto (Adélia Prado)
Hoje, que as memórias se esvaem
e os amigos fogem de mim, Eu quero uma licença de dormir,
só tenho minhas poesias perdão pra descansar horas a fio,
como amigas sem ao menos sonhar
confidentes, a leve palha de um pequeno sonho.
mesmo assim, Quero o que antes da vida
impertinentes, foi o profundo sono das espécies,
sem rima e vazias a graça de um estado.
não inspiram a menor confiança: Semente.
elas também me traem. Muito mais que raízes.

Memória (Carlos Drummond De O poeta (Rainer Maria Rilke)


Andrade)
Já te despedes de mim, Hora.
Amar o perdido Teu golpe de asa é o meu açoite.
deixa confundido Só: da boca o que faço agora?
este coração. Que faço do dia, da noite?

Nada pode o olvido Sem paz, sem amor, sem teto,


contra o sem sentido caminho pela vida afora.
apelo do Não. Tudo aquilo em que ponho afeto
fica mais rico e me devora.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão Tomara (Vinícius de Moraes)

Mas as coisas findas Que a tristeza te convença


muito mais que lindas, Que a saudade não compensa
essas ficarão. E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Destino do poeta (Octavio Paz) Que não se desfaz

Palavras? Sim. De ar E a coisa mais divina


e perdidas no ar. Que há no mundo
Deixa que eu me perca entre palavras, É viver cada segundo
deixa que eu seja o ar entre esses Como nunca mais...
lábios,
um sopro erramundo sem contornos,
breve aroma que no ar se desvanece.
Também a luz em si mesma se perde.
Livros e flores (Machado de Assis) Fingimento (Ivone Boechat)

Teus olhos são meus livros. Nunca fui poeta,


Que livro há aí melhor, fingi que era para sobreviver.
Em que melhor se leia Existe alguma forma mais bonita
A página do amor? de enganar a si mesmo,
brincar de ser profeta,
Flores me são teus lábios. ser feliz, viver?
Onde há mais bela flor, Errei?
Em que melhor se beba Sem a menor falsidade,
O bálsamo do amor? tenho certeza de que nunca os enganei,
os amigos
fingiram gostar dos meus versos
Amor é bicho instruído (Carlos por solidariedade.
Drummond de Andrade)

Olha: o amor pulou o muro Amor em paz (Vinícius De Moraes)


o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar. Eu amei
Pronto, o amor se estrepou. Eu amei, ai de mim, muito mais
Daqui estou vendo o sangue Do que devia amar
que escorre do corpo andrógino. E chorei
Essa ferida, meu bem, Ao sentir que iria sofrer
às vezes não sara nunca E me desesperar
às vezes sara amanhã.
Foi então
Que da minha infinita tristeza
Os degraus (Mario Quintana) Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
Não desças os degraus do sonho E de amar em paz
Para não despertar os monstros. E não sofrer mais
Não subas aos sótãos - onde Nunca mais
Os deuses, por trás das suas máscaras, Porque o amor é a coisa mais triste
Ocultam o próprio enigma. Quando se desfaz
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso
mundo...

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