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Ela canta, pobre ceifeira
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,
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Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
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Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz à o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p'ra cantar que a vida.
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Ah! canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!
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Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
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Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
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Tema
Desejo de ser inconsciente como a ceifeira , “Ah, poder ser tu, sendo eu!\Ter a tua alegre
inconsciência,”
Ceifeira:
“pobre” e duma “anónima viuvez”
Julga-se “feliz”
Símbolo de harmonia, inconsciência e tranquilidade.
Canta
incerta voz
Alegre inconsciência
O Canto:
Era suave, “ondula como um canto de ave”( a voz)
“Alegre” porque talvez ela se julgasse feliz, mas ela era “pobre” e a sua voz “cheia
de anónima viuvez”.
Inconsciente -a ceifeira canta “como se tivesse… razões para cantar”. Não as tem.
Encanta e prende o poeta
Dor de pensar
O poeta sente a “dor de pensar” e deseja libertar-se dela
Dor de pensar é um factor que invade a mente do poeta e o impede de viver
plenamente a vida, ou seja, a extensão dos seus sentimentos é constantemente
diminuída pela vastidão do seu pensamento
“Pensa que a vida só vale a pena ser vivida quando vivida sem pensamento”
“Mais feliz é aquele que vive na ignorância”
“Ah, poder ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência, / E a consciência disso!”.
"Isto"
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Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
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Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
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Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
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Reflexão:
Neste poema o sujeito poético utiliza a imaginação, deixando de parte todas as emoções.
O poeta neste poema compara todas as suas emoções a um terraço, esta comparação
permite salientar a separação entre as sensações e as emoções.
Basicamente, este poema foi escrito como resposta á falta de compreensão, por parte dos
leitores, do poema “Autopsicografia”. Como tal, no ultimo verso do poema, o sujeito poético
dirige-se aos leitores para salientar a ideia de que a eles caberá um sentir diferente de
poeta, isto é, cada leitor terá a liberdade de sentir o poema como quiser, seja com
emoção, ou seja. Com inteligência.
A relação existente entre os dois poemas “Autopsicografia” e “Isto” tem como tema comum
o fingimento poético, funcionando ambos como uma espécie de arte poética, nos quais o
sujeito poético expõe a sua teoria da poesia como intelectualização da emoção.
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Resumo do trabalho
Análise do poema "Gato que brincas na rua" de Fernando Pessoa, realizado no
âmbito da disciplina de Português (12º ano de escolaridade)...
"Gato que brincas na rua"
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Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
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Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
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És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
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Reflexão:
Neste poema o sujeito poético revela tristeza e desolação por não conseguir abolir o viço
excessivo do pensamento. O poeta afirma que gostaria de ser a ceifeira, com a sua “alegre
inconsciência” – gostaria de sentir sem pensar; mas paradoxalmente, gostaria também de
ser ele mesmo, ou seja, ter a consciência de ser inconsciente – o que ele deseja é unir o
plano do sentir e o plano de pensar
A relação existente entre os dois poemas existentes no tema “a dor de pensar”
apresentam um tema central idêntico: “a dor de pensar” provocada pela intelectualização
do sentido. “Ceifeira” e “Gato” são símbolos de uma alegre inconsciência, enquanto
Pessoa afirma para si uma espécie de trituração mental que o conduz a parte alguma – “o
que em mim sente, ‘stá pensado!”
"Autopsicografia"
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O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
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E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
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E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
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Reflexão:
Neste poema Fernando Pessoa fala da teoria do fingimento poético, pois um poema não
traduz aquilo que o poeta sente, mas sim aquilo que o poeta imagina a partir da
recordação do que anteriormente sentiu. O poeta é, assim, um fingidor que escreve uma
emoção fingida, pensada, por isso fruto da razão de da imaginação e não a emoção
sentida pelo coração, que apenas chega ao poema transfigurada na tal emoção trabalhada
praticamente.
O leitor não sente nem a emoção vivida realmente pelo poeta, nem a emoção por ele
fingida no poema, sentido apenas o que na sua inteligência é provocado pelo poema –
assim, a poesia, segundo Fernando Pessoa, é a intelectualização da emoção.