Você está na página 1de 3

Ela canta,

pobre ceifeira
Fernando Pessoa
Ela canta, pobre ceifeira
(esquema interpretativo)

Ela canta, pobre ceifeira

Ela canta, pobre ceifeira, Ah, canta, canta sem razão!


Julgando-se feliz talvez; O que em mim sente ‘stá pensando.
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia Derrama no meu coração
De alegre e anónima viuvez, A tua incerta voz ondeando!

Ondula como um canto de ave Ah, poder ser tu, sendo eu!
No ar limpo como um limiar, Ter a tua alegre inconsciência,
E há curvas no enredo suave E a consciência disso! Ó céu!
Do som que ela tem a cantar. Ó campo! Ó canção! A ciência

Ouvi-la alegra e entristece, Pesa tanto e a vida é tão breve!


Na sua voz há o campo e a lida, Entrai por mim dentro! Tornai
E canta como se tivesse Minha alma a vossa sombra leve!
Mais razões p`ra cantar que a vida. Depois, levando-me, passai!

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"


Ela canta, pobre ceifeira
(esquema interpretativo)

CEIFEIRA ≠ SUJEITO POÉTICO

Canta sem Escuta e deseja ser


pensar ≠
como a ceifeira

Inconsciente ≠ Consciente, pensa

Alegre porque não pensa, por Sente pensando,


isso vive descontraída daí a presença da dor
O sujeito poético deseja o impossível:
ser como a ceifeira sem deixar de ser ele
(“Ah, poder ser tu, sendo eu”)

Presença das dicotomias


pensar / sentir
consciência / inconsciência
dor / alegria

Você também pode gostar