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Resumo – Português 12º ano

Matéria de 12 ano

Fernando Pessoa Ortónimo e Heterónimos (Poemas)

1- Temáticas:

 Teoria do fingimento poético;


 Intelectualização do sentir;
 Dor de pensar;
 A Infância como idade mítica de felicidade;
 Nostalgia da infância perdida;
 Fragmentação do Eu;
 Angústia existencial;
 Solidão;
 Sonho / Evasão;
 Frustração e tédio;
 Desencanto da vida (náusea de viver);
 A felicidade é efémera.

2- Linguagem e Estilo:

 Predomínio da quadra e da quintilha (como a poesia popular portuguesa);


 Versos curtos (2-7 sílabas);
 Rimas suaves e utilização de aliterações (musicalidade);
 Linguagem e sintaxe simples;
 Metáforas inesperadas e recurso a símbolos (ex.: gato e a ceifeira).

Ortónimo lírico:

Depois de uma fase de experimentação poética e a partir do poema ‘’ó sino da minha aldeia’’,
Fernando Pessoa inicia uma nova ‘’maneira’’, aquela que melhor o caracteriza.
Em poemas, normalmente curtos, muitas vezes em quadras ou quintilhas, transmite com
grande musicalidade a nostalgia de um bem perdido (um estado de perfeita harmonia interior), a ideia
de tédio e a náusea de viver.
Muitas vezes surge, inicialmente, uma imagem-símbolo que desperta a reflexão expressa na segunda
parte do poema. É o que acontece quando o poeta deseja ter a ‘’alegra inconsciência’’ da ceifeira que
canta, enquanto trabalha no campo, ou inveja a sorte do gato que brinca na rua ‘’como se fosse na
cama’’. A ideia de que nunca teve felicidade duradoura é, por sua vez, sugerida pela ave cujo canto
‘’leve, breve, suave’’ pára logo que o poeta se põe a escutar. O sonho é, por vezes, o único caminho que
o poeta encontra para fugir a uma realidade hostil.
Segundo alguns estudiosos, toda a obra de Pessoa é talvez a nostálgica procura de uma
‘’completude’’ do Eu, de um estado de perfeita harmonia interior, que se perdeu quando terminou a
inconsciência própria da infância. Depois, é a dor de pensar e a consequente fragmentação do Eu. Por
isso, a infância, como idade mítica de felicidade, surge em vários momentos da obra de Fernando
Pessoa.
Em suma, no lirismo de Pessoa ortónimo, há a expressão musical do tédio da vida e das
inquietações de um ser que se sente dividido e incapaz de encontrar a felicidade.
Resumo – Português 12º ano

Fingimento Poético:

Em, ‘’Isto’’ e ‘’Autopsicografia’’, Pessoa ortónimo expõem a sua teoria do fingimento poético.
‘’O poeta é um fingidor’’, isto é, é um racionalizador dos sentimentos, das emoções, recusando
a Autopsicografia ou o sentimentalismo espontâneo, como defendiam os Românticos. A poesia é, pois, o
produto do intelecto, o sentimento subordina-se á razão para poder alcançar a expressão poética. A dor
sentida é subordinada pela sor fingida, ou seja, representada no poema. ‘’Exprime-se é dizer o que se
não sente’’, a sinceridade imediata é impossível. Não é, por isso, de estranhar que ‘’ o sino da minha
aldeia’’, de que Pessoa fala nesse conhecido poema, não seja de aldeia nenhuma já que o poeta nasceu
em Lisboa. Quando muito ter-se-á inspirado no sino da Igreja dos Mártires, no Chiado, em pleno coração
da capital.

Fingimento poético(2):

Fernando Pessoa defende, a partir dos poemas ‘’Isto’’ e ‘’Autopsicografia’’, que fingir não é o
mesmo que mentir. Ou seja, Pessoa acredita que não há mentira no ato de criação poética.
Segundo a teoria defendida por Pessoa ortónimo, o fingimento poético resulta da
racionalização dos sentimentos e da intelectualização do sentir, pelo sujeito poético. Não basta para
haver poesia, a expressão espontânea da dor real. Não há poesia, não há arte, sem imaginação, isto é,
sem que o real seja imaginado de forma a exprimir-se artisticamente.
Assim, a poesia não está na dor experimentada ou sentida realmente, mas no fingimento
(intelectualização) dela. A criação poética assenta na complexa relação entre ‘’coração e razão’’, entre o
sentir e pensar.

Infância, idade mítica de felicidade (consciência e inconsciência / dor de pensar):

A infância é uma idade feliz porque o ser humano não tem consciência plena de si e do mundo
e por isso não tem conflitos, divisões dentro de si. O estado adulto de ser pensante é exactamente o
contrário. O pensamento, a consciência leva á divisão do Eu, à sua fragmentação e a unidade desse Eu é
um bem que nunca mais se alcança. Como muito bem diz Caeiro, ‘’pensar incomoda como andar á
chuva’’ ou, como afirma o ortónimo em poemas como ‘’Ela canta pobre ceifeira’’ ou ‘’Gato que brincas
na rua’’, seria bom ter a inconsciência da ceifeira e do gato porque isso seria sinonimo de felicidade.
Segundo alguns estudiosos, a obra de Pessoa é toda ela uma nostálgica procura da completude
do Eu, ou seja, de um perfeito estado de harmonia interior, cedo perdida e nunca mais encontrada. Por
isso a infância, como idade mítica de felicidade, é um tema recorrente, nomeadamente na terceira fase
de Álvaro de Campos.

Nostalgia da infância:

Do mundo perdido da infância, Pessoa sente nostalgia. Um profundo desencanto e angústia


acompanham o sentido da brevidade da vida e da sua efemeridade, isto é, o tempo é para ele um factor
de desagregação na medida em que tudo é breve, tudo é efémero. O tempo apaga tudo. Ao mesmo
tempo que gostava de ter a infância das crianças que brincam, sente a saudade de uma ternura que lhe
passou ao lado.
Frequentemente, para Fernando Pessoa, o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou,
antes se traduziu numa desilusão. Por isso, o constante descrença perante a vida real e de sonho. Daí,
também, uma nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância, único momento possível de
felicidade.
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Dor de pensar:
(Meus Apontamentos)

Fernando Pessoa é um indivíduo absolutamente cerebral, que submete a sensibilidade ao racional.


Assim, o excesso de lucidez leva-o a padecer de uma dor de pensar.
Obcecado pela auto-análise, meditando sobre a sua angustiada existência, admite que o pensamento
corrompe a felicidade de viver. Feliz é aquele que vive numa cândida inconsciência, sendo
inexoravelmente infeliz aquele que pensa. Dilacerado pela dor da racionalidade, não consegue fruir
instintivamente a vida: “Cansa sentir quando se pensa”. Esta dor surge igualmente no poema “Ela Canta,
Pobre Ceifeira”, nomeadamente nos versos “Ah, poder ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência,
/ E a consciência disso!”.
Em suma, a dor de pensar traduz grande insatisfação – e mesmo alguma dúvida – sobre a utilidade do
pensamento.
Ou
Fernando pessoa sente-se condenado a ser consciente, lúcido, a ter de pensar. O ortónimo considera
que o pensamento provoca a dor, teoria que alicerça a temática da “dor de pensar”. Na sequência da
mesma, o poeta inveja aqueles que são inconscientes e que não se despertam para a actividade de
pensar, como uma “pobre ceifeira”, que “canta como se tivesse mais razões para cantar que a vida”, ou
como “gato que brinca na rua” e apenas segue o seu instinto.
Assim, o poeta inveja a felicidade alheia, porque esta é inatingível para ele, uma vez que é
baseada em princípios que sente nunca poder alcançar – a inconsciência, a irracionalidade –, uma vez
que o pensamento é uma actividade que se apodera de maneira persistente e implacável de Pessoa,
provocando o sofrimento e condicionando a sua felicidade. Impedido de ser feliz, devido à lucidez,
procura a realização do paradoxo de ter uma consciência inconsciente. O poeta deseja ser inconsciente,
mas não abdica da sua consciência, pois ao apelar à ceifeira: “poder ser tu, sendo eu!/ Ter a tua alegre
inconsciência/ E a consciência disso!”, manifesta a sua vontade de conciliar ideias inconciliáveis.
Em suma, a “dor de pensar” que o autor diz sentir, provém de uma intelectualização das
sensações à qual o poeta não pode escapar, como ser consciente e lúcido que é.

O problema da fragmentação do eu e da perda de identidade

Para Fernando Pessoa é impossível encontrar a sua identidade e evitar tanto a fragmentação do
seu eu como o seu ser plural, caso não cesse a procura da resposta ao enigma do ser, o que o conduz à
infelicidade e angústia. Ao procurar desvendar tal enigma, tem de se confrontar com a sua pluralidade e,
logo, ao ser vários, não pode ser alguém em concreto e, assim sendo, é ninguém. Através deste simples
facto, é possível compreender o porquê de não saber quem é, nem saber se é ele que realmente existe.
Por sua vez, ao viver diferentes “personagens” sem saber quantas almas tem, o seu eu encontra-se
fragmentado e, consequentemente, não lhe é possível ser a totalidade dos fragmentos em simultâneo.
Face a isso, tão pouco lhe é possível voltar a ser a unidade, unidade essa que pode representar a
infância ou, em última instância, a felicidade perdida. Conclui-se, então, que o Eu fragmentado de
Pessoa e a sua perda de identidade não lhe permitem ser feliz e, embora os argumentos se baseiem nas
linhas de pensamento de toda a poesia pessoana, é impossível negar que são eles, em conjunto, que
justificam qualquer ponto de vista sobre o poeta
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Génese dos Heterónimos pessoanos


(origem das diferentes personalidades literárias que Fernando Pessoa assume na sua escrita:
Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos)

Fernando Pessoa explica, em carta a Adolfo Casais Monteiro, a origem dos seus heterónimos. A
origem mental desses heterónimos é, segundo diz, a sua tendência para a despersonalização e para a
simulação, tendência essa, aliás, que se manifesta, desde a infância, tendo criado aos seis anos o seu
“primeiro heterónimo”, um certo Chevalier de Pas.
Mais concretamente explica que, em 1914, quis fazer uma partida ao seu amigo Mário de Sá
Carneiro, “ criando um poeta bucólico de espécie complicada”. As suas tentativas não tiveram êxito,
mas, no dia 8 de Março, o dia triunfal da sua vida, quando estava quase a desistir, escreveu, numa
espécie de êxtase, os trinta e tantos poemas de O Guardador de rebanhos, surgindo assim Alberto
Caeiro. Sentiu, então, que tinha nascido em si o seu “mestre”.
Seguidamente, escreveu, também a fio, os seis poemas da Chuva Oblíqua, como se fosse o
regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Como Caeiro era o “mestre”,
resolveu arranjar-lhe imediatamente uns discípulos: sem interrupção nem emenda escreveu a Ode
Triunfal fazendo “nascer” Álvaro de Campos e, do falso paganismo de Caeiro faz ainda surgir Ricardo
Reis.
Para todos estes heterónimos Pessoa traça uma diferente história de vida. Esses heterónimos
são, na verdade, várias personagens dentro de uma só pessoa que deseja “sentir tudo de todas as
maneiras”, ver a realidade de diferentes perspectivas. Há, por isso, diversidade mas também unidade
neste poeta-drama, figura singular na Literatura portuguesa.

Alberto Caeiro
Pastor por metáfora, Alberto Caeiro é o “mestre” de Pessoa e tem ainda como discípulos Ricardo Reis
e Álvaro de Campos. Ele “ensina a saber ver” a maravilhosa variedade e beleza das coisas.
O rebanho de Caeiro é composto pelos seus pensamentos e os seus pensamentos são todos
sensações. Procura o Objectivismo Absoluto, recusa a metafísica, a filosofia, o pensar sobre as coisas
porque “o único sentido oculto das coisas é elas não terem sentido oculto nenhum”. “Pensar incomoda
como andar à chuva” e Caeiro prefere viver feliz como os rios e as plantas, integrado nas leis do
Universo, como um Descobridor das Sensações, ele que se assume como o ”Argonauta das sensações
verdadeiras”.
Para ele não há passado nem futuro, limita-se a existir. Os seus poemas são, por isso, marcados pela
espontaneidade e liberdade formal (irregularidade estrófica e métrica, geralmente sem rima), com
predomínio de nomes e verbos, portanto de vocabulário concreto, pouco variado, com repetições
frequentes. Encontram-se nos seus versos sobretudo o Modo Indicativo, muitas vezes no Presente, e a
Coordenação, forma mais simples de articulação das frases. Recorre muito à comparação com
elementos da Natureza (Ex: Como um girassol…)
No entanto, é o próprio Ricardo Reis que denuncia a simplicidade de Caeiro como sendo aparente. Na
verdade, Caeiro é um pensador que defende uma tese filosófica de recusa da filosofia. Pretende com
isso atingir aqueles que estão tão preocupados em procurar a essência das coisas que nem vêem a
maravilhosa e sempre variada superfície das coisas. Se relermos a sua poesia à luz desta ideia de Reis,
apercebemo-nos como ela é “argumentativa”, procurando convencer para uma nova forma de olhar o
que nos cerca.
E afinal poderemos concluir que o “ verdadeiro” Caeiro é um civilizado que pretende “aprender a
desaprender” para conseguir olhar a realidade novamente com a ingenuidade da infância, com o
“pasmo essencial” da criança para quem tudo é novidade e maravilha.
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Ricardo Reis
Criado num colégio de Jesuítas, Ricardo Reis é latinista por educação alheia e semi-helenista por
educação própria.
As suas influências clássicas reflectem-se nas formas poéticas (odes e epigramas), nas referências
mitológicas (Saturno, Adónis, Apolo...), nos latinismos e na sintaxe próxima da do Latim. É ainda através
do poeta latino Horácio que recebe as ideias de Epicuro, que procura transmitir na sua poesia,
revelando-se “um epicurista triste”. Segundo essas ideias, o tempo passa continuamente, não pára e
não volta atrás. A vida é precária e o Destino (força superior aos próprios Deuses) implacável e cego.
Resta-nos, por isso, gozar o momento (carpe diem), sem nos entregarmos a emoções, sejam boas ou
más, com a imperturbabilidade (ataraxia) dos jogadores de xadrez da antiga Pérsia que, embora a
guerra devastasse tudo e todos à sua volta, continuavam serenamente o seu jogo.
Quer gozemos quer não gozemos, o tempo passa. “Desenlacemos as mãos” ─ diz o poeta a Lídia ─
sabendo que, se quisessem podiam trocar beijos e carícias. É, porém, neste abdicar e voluntariamente
escolher a forma de passar a vida efémera, que o Homem consegue ser rei de si próprio. Por isso,
também, “tudo o que é sério pouco nos importe”: o poeta prefere rosas e magnólias, em vez de pátria,
glória e virtude, coisas que “os humanos acrescentam à vida” e que nada significam perante a
fugacidade do tempo.
Aprendamos, pois, com Epicuro e com a poesia de Ricardo Reis, a saber viver, vendo “o rio” passar,
sossegadamente, e procurando atingir a felicidade relativa feita de resignação e temperado gozo dos
prazeres que não comprometem a liberdade interior. O amanhã não existe, gozemos o momento.

Álvaro de Campos
Álvaro de Campos é o único heterónimo de Pessoa que apresenta uma evolução:
Fase decadentista (Opiário), fase sensacionista e futurista (Ode Triunfal, por exemplo) e fase de abulia e
tédio, a que alguns chamam fase intimista (Aniversário, Tabacaria, entre outros).
Na primeira fase, Campos é um saturado da civilização, desencantado da vida, com saudade de
um Oriente que não existe. Na fase sensacionista e futurista, influenciado por Marinetti e Whitmann,
canta a civilização moderna num estilo entusiasta, louvando a técnica, a perfeição das máquinas, num
desejo de Progresso, de Europa, de cosmopolitismo. Deseja sentir tudo de todas as maneiras, deixando-
se envolver pela vertigem das sensações.
No entanto, completamente diferente é a última fase de Álvaro de Campos, a chamada fase
intimista. Desiste das alienações das sensações, manifesta um “supremíssimo cansaço “existencial, uma
náusea de viver, tédio e abulia. Por isso ele é “companheiro de psiquismo” de Pessoa Ortónimo. Sente a
“dor de ser lúcido”, o que o leva a isolar-se dos outros, a não querer ser da “companhia”, a não querer
seguir padrões impostos. É novamente a infância como idade mítica de felicidade que recorda em
oposição ao presente, como acontece no poema Aniversário. Perante o real, que é “opaco”, Campos
sente estranheza e perplexidade. Parece não encontrar solução para a angústia que traz há séculos
consigo. Por isso não sabe como conduzir-se na vida, sentindo um mal-estar que lhe faz “pregas na
alma”.
Concluindo, Álvaro de Campos vai mudando a sua forma de sentir e daí as diferentes faces/fases
da sua expressão poética. Finalmente, o cansaço desta vida “prática e útil” leva-o a desejar estar
sozinho, “enquanto tarda o Abismo e o Silêncio”.
Resumo – Português 12º ano

Muito resumidamente:
Fernando Pessoa
“Ser múltiplo sem deixar de ser
um”

Pessoa Ortónimo Alberto Caeiro


“Mestre” dos outros
 Pastor por metáfora
 Sem instrução
 Tensão  Vive o campo
Sinceridade/ fingimento  Paganista existencial
Consciência/ inconsciência  Poeta da Natureza e da simplicidade (deambulismo)
Sentir/Pensar  Interpreta o mundo a partir dos sentidos –
 Intelectualização dos sentimentos Sensacionismo (Visão)
 Interseccionismo entre o material e o sonho, a  Interessa-lhe a realidade imediata e o real objectivo
realidade e a idealidade (palpável) que as sensações lhe oferecem
 Uma explicação através do ocultismo Nega a utilidade do pensamento, é antimetafísico

Ricardo Reis Álvaro de Campos

 Cidade moderna e industrializada


 Máquinas
 Medico culto  Invenções
 Forte preparação académica  1- Decadentismo – o tédio, o cansaço e a necessidade
 Cultura clássica (deuses – Fado, destino) de novas sensações
 Epicurismo: carpe diem – aproveitar o momento  2- Futurismo e sensacionismo – exaltação da força, da
sem excessos. – E disciplina estóica [estoicismo] – violência, do excesso; apologia da civilização
suporta o sofrimento de forma pacífica (sem industrial; intensidade e velocidade (a euforia
excessos, sem revolta). desmedida) – “Ode Triunfal”
 3- Intimismo – depressão, o cansaço e a melancolia
perante a incapacidade das realizações; as saudades
da infância

Epicurismo:

Consiste na filosofia moral de Epicuro (341 – 270 a. C.), que defendia o prazer como caminho da
felicidade. Mas para que a satisfação dos desejos seja estável, sem desprezar ou dor, é necessário um
estado de ataraxia, ou seja, de tranquilidade e sem qualquer perturbação.
O poeta romano Horácio seguiu de perto este pensamento de defesa do prazer do momento, ao
considerar o "Carpe Diem" ("aproveita o dia", "colhe o momento") como necessário à felicidade.

Estoicismo:

É uma corrente filosófica que considera ser possível encontrar a felicidade desde que se viva em
conformidade com as leis do destino que regem o mundo, permanecendo indiferente aos males e às
paixões, que são perturbações da razão. O ideal ético é a apatia, que se define como ausência da paixão
e permite a liberdade, mesmo sendo escravo.

Ricardo Reis:
Apesar deste prazer que Ricardo Reis procura e da felicidade que deseja alcançar, considera que nunca
se consegue a verdadeira calma e tranquilidade, ou seja, a ataraxia. Sente que tem de viver em
conformidade com as leis do destino, indiferente à dor e ao desprazer, numa verdadeira ilusão da
felicidade, conseguida pelo esforço estóico disciplinado.
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A Mensagem – Fernando Pessoa

1- Génese (origem)
Fernando Pessoa define-se a ele próprio como um “nacionalista místico, um sebastianista racional”.
Com efeito, já em 1902, na revista “Águia”, afirmara nos artigos sobre “a nova poesia portuguesa” que
Portugal havia de encontrar “uma India que não existe no espaço” e que a nossa raça procurará em
“naus construídas daquilo que os sonhos são feitos”.
Esta mesma ideia perpassa na Mensagem que surge muitos anos depois, em 1934. A Mensagem é uma
colectânea de poesias compostas em épocas diferentes embora haja entre elas uma unidade de
inspiração: exaltação e incitamento patrióticos. Depois do nascimento (“Brasão”), da realização ou vida
(“Mar Português”), a nossa raça chegou á fase de decadência ou morte (“Encoberto”). Mas sairá deste
“nevoeiro” para um novo nascimento e alcançará assim o Quinto Império. Portugal irá “cumprir-se”
através de um Império feito de valores espirituais, morais e culturais. Portugal será, usando as palavras
do próprio Pessoa, “uma potência criadora de civilizações”

2- Estrutura da Obra:
Resumo – Português 12º ano

A Mensagem é uma colectânea de poesias, publicada em 1934. Embora escritas em épocas diferentes, essas
poesias estão unidas pelo mesmo sentimento de exaltação e incitamento patrióticos: da fase de decadência em
que Portugal se encontra, a nossa raça saberá renascer e construir o Quinto Império, isto é, será uma “potência
criadora de civilizações”
A obra encontra-se dividida em 3 partes fundamentais o que corresponde á estrutura de um mito – teoria cíclica
das Idades. Desta forma, se transfigura a história de uma pátria como nascimento, vida e morte de um mundo.
Assim, a primeira parte é o “Brasão” onde se encontram os fundadores; a segunda parte é o “Mar Português”
que reflecte a época de realização ou vida, em que, como diz o poema “O Infante”, o mar se cumpriu; a terceira
parte é o “Encoberto” que refere a decadência, a desintegração, o fim das energias mas, ao mesmo tempo,
transmite a esperança do renascimento pátrio: “Ó Portugal hoje és nevoeiro! É a hora!”

1ª Parte: “Brasão”
 Estão, aqui, presentes os construtores do Império, míticos ou reais, que esboçaram a ideia de Imperio,
como D. Dinis, através da defesa dos ideais nacionais, apesar do sacrifício que isso impõe aos heróis
representados nas Quinas. Assim, a nação vai-se depurando no sentido do destino divino que lhe cabe
cumprir.
 Esta primeira parte abre com a citação latina Bellum sine belli (Guerra sem guerra), uma divisa que remete
para o nosso passado guerreiro, mas a guerra que a Mensagem apela faz-se sem armas convencionais; as
novas armas são o sonho, a resistência ao imobilismo, a inquietude humana, a ânsia do absoluto, a
vontade, a aceitação do destino, associadas ao espirito de missão. O herói desta guerra cumpre-se
cumprindo o destino que Deus outorgou para os Portugueses.
 A primeira parte encontra-se subdividida em cinco partes e está ligada ao estudo heráldico (arte ou
ciência que estuda os brasoes) do escudo e brasão portugueses
 São poemas com referência a heróis míticos – são heróis vencedores nalguns casos, ignorados noutros;
mas são a imagem de Portugal erguido á custa do esforço humano, embora com contributo de forças
sobrenaturais, pois Portugal está predestinado para grandes feitos.

2ª Parte: “Mar Português”


 Nesta parte canta-se o português que desvendou mundos, que venceu o mar e que criou um império
que, na sua componente material, deixa adivinhar o seu próprio fim. Permanece, contudo, exemplar a
ideia de descoberta, a febre de navegar, a atração pelo longínquo e pelo mistério, a ideia de
universalidade e o sonho, ingredientes indispensáveis à procura da unidade perdida.
 Esta parte abre com a divisa Possessio Maris (Posse do mar). É o ideal de ser português, celebrado na 1ª
parte que se realiza com a posse dos mares que a 2ª parte exalta. Com o mar aprendemos a encurtar a
distância que nos separa de nos mesmo e do nosso destino, algures perdido nesse porto sempre por
achar e que é preciso perseguir.
 O mar é símbolo da morte, morte que os portugueses sofreram para renascer/ressurgirem das cinzas
(“tudo vale a pena”) anunciando um novo ciclo – o Império espiritual
 Esta parte, que corresponde ao tempo de ação épica d’Os Lusíadas, encontra-se subdividida em doze
poemas, poemas esses dedicados á conquista, á posse dos mares, com destaque para as figuras do
Infante, Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Colombo, Fernão Magalhães, Vasco da Gama e, de novo, D.
Sebastião – personalidades dos descobrimentos ligadas a missão que Portugal tinha a cumprir.

3ª Parte: “Encoberto”
 “O Desejado” há-de revelar ao mundo dividido o Santo Graal, quando, sob a forma de Encoberto,
regressar para dar vida á nação, instaurando o Quinto Império, império da fraternidade universal.
 O título desta parte revela um sebastianismo de apelo e de certeza profética. Cumprida a missão
terrestre, verifica-se o fim das energias latentes – a morte – mas esta morte permite o ressurgimento
das cinzas. Esta ultima parte da Mensagem anuncia o regresso de Portugal á sua missão autentica,
reconhecida através dos símbolos do sebastianismo.
 A divisa Pax in excelsis (Paz nas alturas) abre a terceira e ultima parte, na qual se foca a resignação
infeliz de um povo, pois se já se cumpriu o mar, falta cumprir-se Portugal, falta realizar-se o Quinto
Imperio e com ele a harmonia universal.
 Esta parte subdivide-se em três partes com títulos igualmente simbólicos, pois o Portugal que hoje é
nevoeiro regenerar-se-á. Um novo Camões virá também para transformar o medíocre em grandioso e
guiar a Pátria no caminho da dignidade. Será essa a “Índia que não há”, mas que precisa de ser edificada
e só com a loucura e abnegação dos heróis será possível dar vida a esse sonho
Resumo – Português 12º ano

3- Classificação da obra:
Podemos caracterizar a Mensagem como:

Obra épica
 Género que visa a exaltação de feitos excepcionais e imortalização dos heróis
 Camões n’Os Lusíadas, canta o império real e os feitos do passado do povo português, porem…
 Pessoa canta a heroicidade do ser humano; é a epopeia da era que há-de vir, do sonho feito, da
“Índia que não há” – do novo império que está prestes a cumprir-se.
Obra Lírica
 Atitude introspectiva subjectiva expressa de forma lírica
Obra Simbólica
 “Percorrida por uma simbologia que não permite uma interpretação ingénua” dos poemas
Obra Mítica
 Enaltece a heroicidade do ser humano, através da espiritualidade progressiva, tirando partido
do mito sebastianista
 “Não é tanto o império terreno que ele canta, mas sim a Ideia Condutora, o que não existe no
mundo sensível (…) o mito” – Jacinto do Prado Coelho

Fernando Pessoa desejava ser um criador de mitos, mas o que fez foi reelaborar seculares mitos
portugueses, repensando-os e adaptando-os ao sei ideal. Um desses mitos é o Quinto Império.

4- Mito do Quinto Império

Já tinha sido anunciado por Bandarra e pelo Padre António Vieira

Paz e Fraternidade será a imagem do Éden Primordial. Mas este império não é no sentido guerreiro,
territorial ou material, mas no sentido de um Imperio de Espirito, da cultura e terá como cantar o Supra-
Camões (o próprio Fernando Pessoa). Camões foi o cantor do inicio do Imperio, Pessoa do sei fim. Para
além disso, o objectivo de Pessoa é perseguir uma “Índia que não há”, pois é importante que Portugal se
cumpra depois de desfeito o Imperio real. Portugal será grande em valores espirituais e morais, um
Imperio da Língua Portuguesa, do modo de ser português, um império desligado de tempo e espaço
reais.
Para conseguir chegar ate ele era necessário levantar a moral da nação, abatida pelo complexo de
inferioridade em que havíamos caído historicamente – segundo Pessoa só era possível levantar a moral
através da construção ou renovação e difusão de um grande mito nacional que, segundo ele, já o
tínhamos: o mito sebastianista.

5- O Mito Sebastianista

 O desaparecimento de D. Sebastião significou, para o país, a perda da identidade, da independência e,


por isso, enraizou-se no espirito nacional como instrumento de ação/ reação em momentos de crise
nacional.
 A figura de D. Sebastião diviniza-se, surgindo na imaginação do povo como um herói salvador que, à
semelhança de rei Artur, passa a viver oculto numa ilha para, em momento oportuno, poder libertar a
Pátria dos seus inimigos.
 Este Desejado é comparado a Galaaz, filho de Lancelot (um dos cavaleiros da Távola Redonda do Rei, o
melhor cavaleiro, o mais puro), porque a sua missão será também encontrar o Graal, símbolo da
verdade, da “Eucaristia Nova”, que neste caso será o Quinto Imperio. O desejado estaria nas ilhas
Afortunadas, que simbolizam a solidão e o mistério, á espera que os portugueses acordem para
regressar.
 De acordo com Pessoa, o Desejado é descrito em termos de cavaleiro templário e simbolizado em
termos rosa-crucianos (militar + religioso)
o Rosa: no centro da cruz (lugar do coração de Cristo), representa purificação, ascetismo,
superação dos desejos carnais.
o Cruz representa o salvador, a sua sabedoria, o conhecimento perfeito
 Pessoa viu em Sidónio Pais a figura do Encoberto
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Os Lusíadas - Luís Vaz de Camões

1- A estrutura externa
O poema está escrito em versos decassílabos, com predomínio do decassílabo heróico (acentos pa 6ª e
10ª sílabas). É considerado o metro mais adequado á poesia épica, pelo seu ritmo grave e vigoroso.
Surgem também alguns raros exemplos de decassílabo sáfico (acentos na 4ª, 8ª e 10ª sílaba).
· As estrofes são de oito versos e apresentam o seguinte esquema rimático – “abababcc” ( a este tipo
estrófico costuma chamar-se oitava rima, oitava heróica ou oitava italiana)
· As estrofes estão distribuídas por 10 cantos. O número de estrofes por canto vario de 87, no canto VII,
a 156 no canto X. No seu conjunto, o poema apresenta 1102 estrofes.

2- A estrutura interna

1. As partes constituintes
Os Lusíadas constroem-se pela sucessão de quatro fontes:
· Proposição – parte introdutória, na qual o poeta anuncia o que vai cantar (Canto I, estrofes 1-3)
· Invocação – pedido de ajuda as divindades inspiradores (A principal invocação é feita as Tágides, no canto I,
estrofes 4 e 5, ás Ninfas do Tejo e do Mondego, no canto VII 78-82 e, finalmente, a Calíope, no Canto X, estrofe 8)
· Dedicatória – oferecimento do poema a uma personalidade importante. (Esta parte, facultaria, pode ter
origem nas Geórgicas de Virgilio ou nos Fastos de Ovídio; não existe em nenhuma das epopeias da Antiguidade)
· Narração – parte que constitui o corpo da epopeia; a narrativa das acções levadas a cabo pelo protagonista.
(Começando no Canto I, estrofe 19, só termina no Canto X, estrofe 144, apresentando apenas pequenas
interrupções pontuais).

2. Os planos narrativos

Obra narrativa complexa, Os Lusíadas constroem-se através da articulação de três planos narrativos, não
deixando, ainda assim, de apresentar uma exemplar unidade de acção.
Como plano narrativo fuleral apresenta-nos a viagem de Vasco da Gama à India. Continuamente articulado a
este e paralelo a ela, surge um segundo plano que diz respeito à intervenção dos deuses do Olimpo na Viagem.
Encaixado no primeiro plano, tem lugar um terceiro, que é constituído pela História de Portugal, contada por Vasco
da Gama ao rei de Melindo, para Paulo da Gama e por entidades dividas que vaticinam futuros feitos dos
Portugueses.

3- Reflexões do Poeta – Críticas e concelhos aos Portugueses

Canto I  Insegurança / fragilidade da vida humana


Resumo do Canto:
Nestas estancias finais do Canto I, o poeta tece considerações suscitadas pelas ciladas de Baco, que
tudo faz para que a viagem á India não tenha sucesso. Ao chegar á Ilha de Moçambique, a armada portuguesa
é acolhida pelos mouros com quem trocam presentes. Mas, na verdade, Baco, preparando ardilosamente
uma cilada aos portugueses, disfarça-se de uma sábio mouro e instiga o regedor da ilha a destruir a armada.
Os lusos apercebem-se da falsidade e da tração que os espera e responde violentamente. É então que surge
um piloto mouro que, servindo de garantia de paz, oferece falsamente os seus préstimos para conduzir a
armada a porto “seguro”. Este falso piloto, instruído por Baco, conduzirá a armada até Quíloa., onde será
destruída, se não fosse a intervenção de Vénus. A deusa, com a ajuda de ventos contrários, afasta a armada
de Quíloa, mas o falso piloto, insistente, conduz as naus para a ilha de Mombaça, dizendo que aí encontraram
um povo baptizado e amigo

Posicionamento do poeta: críticas / conselhos:

O poeta interrompe a narração para expor as suas reflexões sobre a fragilidade da vida humana,
enquanto sujeita a inúmeros perigos e traições. É próprio da condição humana a precariedade da vida,
porém, a ambição do homem leva-o a subestimar as adversidades que se lhe apresentam, julgando-se
invencível e eterno. Tanto na história passada como na história presente, esta atitude do homem mantem-se
como uma característica imutável no seu comportamento.
No início do poema, Camões refere, orgulhosamente, o Homem como sendo capaz de ir além do que
«prometia a força humana» (Canto I, 1). Não será por acaso que esta reflexão surge no final do Canto I,
quando o herói ainda tem um longo e penoso percurso a percorrer.
Resumo – Português 12º ano

Canto II  Desejo de fama fácil

Partindo de alusões mitológicas, o rei de Melinde discorre sobre a oposição entre os que querem obter a
celebridade fácil, mesmo cometendo atos condenáveis, e os que ambicionam a perpétua glória por terem praticado
“obras tao dignas de memória. O desejo de fama fácil, ainda que efémera, tem sido uma atitude constante no
comportamento humano, o que justifica o caracter atemporal desta reflexão de final de canto.

Canto IV  Condenação explícita da cobiça / vaidade humana

Simbolismo do Velho do Restelo


Aquando das despedidas de Belém, o ambiente vivido no “porto da ínclita Ulisseia” é de dor e sofrimento,
porque mães, esposas, irmãs, velhos e meninos consideram aquela aventura marítima uma imagem sem retorno.
Entre esta multidão, ergue-se a voz de um velho, de “aspeto venerando” e “Cum saber só de experiencias
feito”, que se insurge contra esta aventura rumo ao desconhecido, pelos motivos que, a seguir, enuncia: a sedução
do poder, a cobiça sem sentido, a procura desenfreada da fama, o prazer enganador que se estimula co a avidez da
glória.
Para além destes motivos que se revestem de uma dimensão crítica atemporal e universal, as palavras do
velho apresentam, igualmente, um caracter que se associa às circunstâncias político-sociais subjacentes á primeira
viagem marítima para o Oriente. Desta forma, o velho do restelo perspectiva, então, essa procura insana da fama
como origem de abandonos e de adultérios, astuta e inegável devastadora de haveres, de reinos e de impérios,
embora sob o nome de ilustre e de sublime, atributos com os quais se ilude o povo ignorante, merecendo, no
entanto, ser desprezada, numa orientação oposta á do espirito épico
Para fundamentar os seus argumentos, o velho condena o primeiro navegador e apresenta exemplos da
mitologia crista e pagã que ilustram os efeitos nefastos da ambição desmedida e da procura falaciosa da fama:
 Adão, cujo pecado e desobediência às ordens divinas o levaram a ser expulso do paraíso e lançado
na “idade de ferro e de armas”
 Prometeu, cuja ambição desmedida o condena a um sofrimento eterno
 Faetonte, filho de Apolo, cujo desejo insensato de conduzir o carro que transportava o sol provoca
um desastre na terra, queimando-a e fazendo evaporar a água.
 Ícaro, cuja ambição de voar até ao sol o faz esquecer as recomendações do pai – a proximidade do
sol derreteria a cera das asas e fá-lo-ia precipitar-se no mar.

Porta-voz do bom senso e da prudência, ou daqueles que defendiam a expansão para o Norte de África, ou
condenação explícita da ousadia humana, o discurso do velho do Restelo encerra com palavras que caracterizam a
condição humana como “misera e estranha”, porque afronta os seus limites, ignorando fogo, ferro, água, calma e
frio. Não será este comportamento o de grande parte da humanidade que, cega pelo desejo de fama e obtenção de
lucros e poder, desrespeita os verdadeiros valores subestimando a vulnerabilidade da vida?

Canto V  Censura do Poeta aos que desprezam as Artes e as Letras

Vasco da Gama, que tinha iniciado no Canto III a narração da História de Portugal ao rei de Melinde,
conclui, no final do Canto V, a sua longa narrativa, fazendo o relato da viagem da armada portuguesa no atlântico,
destacando-se os episódio que sublinham as dificuldades da viagem, embora a rota já fosse conhecida,
nomeadamente o fogo de Santelmo, a tromba marítima, a aventura de Fernão Veloso que, numa das aguadas, é
atacado pelos indígenas, não perdendo, contudo, o humor e a fanfarronice típicos do perfil português, o encontro
com o gigante Adamastor, que dizimou muitos navegadores.

Posicionamento do poeta: críticas / conselhos


Neste contexto o poeta assinala que as palavras de Vasco da Gama traduzem a importância das navegações da
armada portuguesa, porém, não basta cometer tais feitos, é necessário ter o dom de os transmitir, através da arte da
escrita, tal como aconteceu com os mais notáveis capitães “Da Lácia, Grega ou Bárbara nação”, a quem não faltou
eloquência. A terra portuguesa produz, igualmente, “Cipiões / Césares, Alexandros e (…) Augustos”, mas aos heróis
portugueses falta-lhes tais dotes, tornando-os rudes e incultos.
Os grandes heróis da Antiguidade, como Octávio, César e Alexandre Magno, interessavam-se pela literatura e
pela arte, o que revela que as armas não são incompatíveis com o saber. Isto não acontecendo, desparecerão todos
aqueles que perpetuam, através da escrita, a heroicidade e o mérito dos grandes homens; a falta de registo leva
consequentemente, ao desaparecimento dos heróis.
O poeta, diante destas circunstâncias, conclui que Vasco da Gama deve agradecer às usas portuguesas o
intenso amor da pátria que as levou a dar aos seus descendentes fama e nomeada, através do canto épico.
Resumo – Português 12º ano

Adverte ainda que, apesar de haver heróis portugueses que possam não ser cantados, tal não acontece por
falta de valor, mas sim porque o culto das letras não é valorizado.

Canto VI  O valor da fama e da glória

A voz do poeta assume neste conjunto de estâncias uma dimensão verdadeiramente atemporal, uma
vez que se critica o facilitismo, a ociosidade e a valorização da aparência na conquista de uma efémera e falsa
glória. O episódio que motiva estas reflexões é a tempestade ocorrida entre Melinde e Calecut e que constitui
o ultimo obstáculo da armada portuguesa, antes de alcançar as terras da índia. Os perigos que os
portugueses enfrentam suscitam uma serie de reflexões de caracter didático.
Partindo de um discurso alicerçado em construções negativas, o poeta condena o caminho fácil da
fama e indica o verdadeiro trilho: força, perseverança, resiliência, capacidade de sofrimento e humildade.
Defende, pois, um novo conceito de nobreza, espelho de modelo da virtude renascentista. O poeta
acrescenta que, assim, se atinge a verdadeira glória, que despreza honras e dinheiro e que eleva os
verdadeiros heróis.

Canto VII  Crítica á desunião e á violência fratricida entre cristãos

O conteúdo da reflexão contida nestas estrofes é suscitado pela chegada dos portugueses á índia.
Apesar de ser um povo pouco numeroso consegue dilatar a fé cristã, á imagem da lição evangélica, segundo a
qual Cristo sempre ajudou os humildes e pequenos. Para reiterar a importância deste povo fiel aos princípios
da santa Cristandade, o poeta enumera os povos europeus e eus líderes que renegaram o espírito do
Cristianismo e se envolveram em guerras fratricidas:
 Os alemães revoltaram-se contra o Papa e criaram uma nova seita religiosa, o protestantismo.~
 Os ingleses fundaram o anglicanismo e envolveram-se em guerras religiosas contra os católicos.
 Os franceses renegaram os princípios dos seus antecessores que sempre lutaram contra os infiéis.
 Os italianos que, mergulhados em “vícios mil e no vil ócio”, se esqueceram do seu “valor antigo”

Após esta enumeração, o poeta chega ao verdadeiro objetivo da sua reflexão – criticar a desunião e a
violência fratricida entre os cristãos que impedem de tomar consciência do ideal que os norteia, ou seja, libertar a
divina sepultura e lutar contra a invasão muçulmana (espirito de cruzada, época dominada pelo medo da invasão da
europa pelos turcos)
Ironicamente o poeta acrescenta que se a ambição de possuir grandes domínios se sobrepõe à causa da fé,
então os europeus devem deixar-se entusiasmar pela conquista das “auríferas areias da Lídia”, pelos fios de ouro da
Assíria e pelas minas de ouro de África. É, pois, clara a crítica do poeta á inversão de valores.
Enquanto os povos de Leste da europa se lamentam por os seus filhos terem de aprender o Alcorão, outros
povos europeus continuam a guerrear-se entre si, o que causa, igualmente, ima incrédula perplexidade ao poeta,
levando-o a exortá-los. A reflexão crítica é concluída pela exaltação desta “pequena casa lusitana” que domina
África, Ásia e América “e se mais mundos houvera lá chegara”

Canto VII  Crítica do poeta aos opressores e exploradores do povo

O poeta lamenta não só os infortúnios que o destino o fez viver, os perigos do mar e da guerra, a experiencia
da pobreza, a falta de esperança, o naufrágio em que quase perdeu a vida, mas, sobretudo, a falta de
reconhecimento e a indiferença dos seus contemporâneos. Recorrendo mais uma vez á ironia, o poeta dirige-se às
ninfas, sublinhando que a indiferença dos senhores do Tejo para quem os canta constitui um mau exemplo.
Perante as musas, o poeta assume que apenas cantará os que arriscam a vida pelo seu Deus e pelo seu Rei e
que, perdendo-a, a aumentaram em fama. Por isso, de forma perentória, o poeta não cantará quem, contrariando as
leis divinas e humanas, for egoisticamente ambicioso, apenas desejando satisfazer os seus vícios e torpes desejos,
quem for demagogo e populista, quem explorar o povo e quem for desonesto.
Escutamos assim, a voz de um homem renascentista, consciente da realidade do seu tempo, mas também
com a intuição da falta de valores que impera e que, por isso, recusa o elogio gratuito, apesar dos proveitos que dai
podiam advir. Trata-se de uma voz intemporal, pela acuidade da crítica e pela exaltação aos verdadeiros valores.
Resumo – Português 12º ano

Canto VIII  Critica ao poder corrupto do ouro e do dinheiro e quem merce ou não ser contado

Este episódio é motivo para uma reflexão centrada em torno do poder corrupto do dinheiro. Partindo de
episódios da mitologia clássica que ilustram o fascínio pelo ouro e pela riqueza, o poeta faz considerações sobre a
fraqueza humana, perante o “vil interesse e sede inimiga / Do dinheiro, a que tudo nos obriga!”.
São inúmeras as situações ilustrativas do poder maléfico do vil metal evocadas pelo poeta: as mais
inexpugnáveis fortalezas tornam-se vulneráveis, os amigos, traidores, as almas mais nobres cometem vilezas, as
traições sucedem-se, as mentes mais puras corrompem-se, as consciências ficam cegas, os sábios depravam-se, as
leis são erradamente interpretadas, os decretos são feitos e desfeitos, os perjúrios espalham-se entre os homens e
os reis convertem-se em tiranos. Até aos sacerdotes, o ouro corrompe e seduz, embora com a aparência de virtude.
Numa época marcada pelo excessivo materialismo, pela supremacia do dinheiro em relação a outros valores,
as palavras de Camões revestem-se de uma particular acuidade, transformando-as num implícito apelo á
integridade, valor atemporal e universal.

Canto IX  Exortação do poeta a quantos desejarem alcançar a fama

As considerações do final do Canto IX aparecem inseridas no episódio da Ilha dos Amores, considerado o
momento culminante da divinização dos heróis, recebidos como deuses pelas ninfas sabiamente instruídas por
Vénus. Este processo de divinização dos nautas portugueses é construído ao longo da epopeia e culmina com o
premio preparado por Vénus, a eterna protetora dos portugueses. O relacionamento amoroso entre humanos e
divinos e as profecias de Tétis sobre os futuros feitos dos portugueses no Oriente.
Este momento do poema suscita considerações mais amplas que superam a simples narração de u episódio
de cariz amoroso e sensual. Assim, depois de referir que é a Fama que transforma os Homens em “Deuses,
Semideuses imortais “, o poeta apresenta conselhos para atingir a honra e a plenitude, um percurso alto e fragoso,
mas no fim doce, alegre e deleitoso.
Que conselhos são esses? Despertar do ócio, refrear a cobiça e a ambição, ser humilde, dar leis justas,
equitativas e imparciais, ser valente na luta contra os infiéis e aconselhar adequadamente o rei. Desta forma,
independentemente das circunstancias históricas, se construirá uma sociedade mais justa atingindo-se, então, a
verdadeira e mercada fama.
O poeta não deixa, simultaneamente, de sublinhar a importância da vontade na consecução dos nossos
objectivos, porque “quem quis, sempre pôde”

Canto X  Lamentação do poeta e exortação a D. Sebastião

O poeta encerra a sua obra, condenando o abandono a que em Portugal se votam as letras e exortando D.
Sebastião a continuar a serie de vitórias portuguesas em Marrocos.
Injustiçado por ver que está a “Cantar a gente surda e endurecida”, insensível á arte e mergulhada não no
amor á Pátria, mas sim “No gosto da cobiça e na rudeza / de uma austera, apagada e vil tristeza”.
Neste desencanto, há ainda uma centelha de esperança, quando, ao dirigir-se ao rei, “Senhor de vassalos
excelentes”, capazes de tudo enfrentar e tudo suportar, o poeta exorta a fazer renascer a glória portuguesa, através
de uma série de inventivas: favorecer todos os súbditos de acordo com a sua aptidão, aliviar o país de leis rigorosas,
valorizar o saber dos experientes, ter apreço pelos guerreiros que dilatam a fé e o império. Em suma, a sua
mensagem resume-se aos versos – “ Não se aprende, Senhor, na fantasia, / Sonhando, imaginando ou estudando, /
Senão vendo, tratando e pelejando”.
Perante a indiferença e o esquecimento a que esta votado, Camões não se inibe de apresentar os seus
atributos que, em muito poderão contribuir para a exaltação épica do rei e da pátria, e, na atualidade, para a
valorização do espirito empreendedor.Com “braços às armas feito” e com “mente às musas dada”, só falta ao poeta
ser aceite por D. Sebastião, de modo a que, ao cantar os seus feitos passe a ter o rei português como modelo em vez
de invejar a gloria de Aquiles.
Estamos, sem dúvida, perante o apelo de alguém que soube intuir um dos traços caracterizadores do
temperamento português: não saber viver sem sonho e sem glória, independentemente de se tratar de um período
de grande apogeu ou de grande decadência.
Dai que, num tempo sem brilho e glória, Camões pressentia o que Pessoa Verbalizava, quatro seculos depois,
de uma outra forma.
Resumo – Português 12º ano

Felizmente Há Luar! – Luís de Sttau Monteiro

Síntese Global da Obra Felizmente Há Luar! – Luís de Sttau Monteiro

A importância que esta obra assume no panorama da literatura dramática portuguesa não se limita ao simples
paralelismo entre um passado histórico revisitado e a intenção de intervir na contemporaneidade portuguesa dos
anos 60.
Sttau monteiro parte dos dados históricos fornecidos por Raul Brandão “A Conspiração de gomes Freire” para
construir um texto de apoteose trágica que mantem todo o vigor interpelante perante o leitor/espectador de hoje,
embora o objetivo inicial possa ter perdido a eficácia desejada, uma vez que se alteram os referentes históricos. No
entanto, os valores intrínsecos á carga dramática e os ideais defendidos pelas personagens são atemporais e eternos.
1. Os referentes históricos do tempo da história (1817) e do tempo da escrita (1961)

O tempo da história (1817) caracteriza-se pelos seguintes O tempo da escrita (1961) é marcado pelos seguintes
acontecimentos: acontecimentos:

 A ausência da família real do país  O início da Guerra Colonial em Angola, em 1961 – data de
 O exercício arbitrário do Poder por uma junta governativa publicação da obra
(Miguel Forjaz, Beresford, Principal Sousa)  As diversas manifestações de uma contestação crescente
 A intromissão inglesa (Beresford) a nível interno: greves, vigílias, movimentos estudantis
 A perseguição a todos os liberais  A oposição dos intelectuais ao salazarismo
 O descontentamento generalizado contra o rei, os ingleses  A censura
e a regência  Os movimentos de opinião organizados, de que se destaca
 Os permanentes focos de rebelião o grupo dos católicos progressistas
 Os indícios da revolução liberal

Século XIX – 1817 Século XX – 1961


Regime Monarquia absolutista apoiada pelo clero e Ditadura salazarista apoiada pela igreja e pelas classes
Político pela nobreza favorecidas; regime autoritário e dirigista, exaurido
economicamente pela sangria da guerra colonial
Organização Três classes sociais distintas – clero, nobreza Igreja, forças militares, alta e média burguesia e povo
social e povo
Condições Clero e nobreza economicamente Povo explorado e oprimido (aumento da emigração para o
sociais privilegiados; povo miserável e oprimido, em países europeus); restantes grupos sociais mais favorecidos,
virtude do desvio de dinheiros públicos para em virtude de uma orientação económica dirigista,
o Brasil protecionista e intervencionista
Estruturas de Forças militares e policiais comandadas pelos PIDE-DGS, forças militares que constituem o suporte de um
apoio ao oficiais britânicos; mecanismos de vigilância regime conservador, corporativo e repressivo
regime – denuncias
Estruturas Condenações arbitrárias e sem provas, cujo Tribunais controlados pelo poder politico
jurídicas paradigma é a execução do General Gomes
Freire de Andrade

2. Estrutura dual da peça

Falando de um presente a partir da evocação de um passado, a peça estrutura-se em dois atos:


 Os dois atos iniciam-se de forma idêntica; o discurso interrogativo de Manuel;
 A dupla intenção dessas interrogações: evocar a incapacidade de operar a necessária mudança
e anunciar o falhanço do projeto revolucionário por falta de politização das massas populares;
 O primeiro ato apresenta os mecanismos do Poder que controla a vida política portuguesa – o
poder político inseguro na sua legitimidade, mas arrogante e maquiavélico na sua atuação;
Resumo – Português 12º ano

 O segundo ato desloca a ação para o domínio do anti-poder, denunciando e confrontando as


maquinações do Poder

3. A ação

O desenvolvimento da peça faz-se em volta da figura sempre ausente do general Gomes Freire de
Andrade, mas tornada presente pelas referencias constantes das outras personagens. O assunto da peça
é histórico, real, acontecido. Tentativa de uma conspiração contra o poder totalitário absolutista e que
foi abafada pelo aparelho repressivo do poder.
A ação desenvolve-se do seguinte modo:
Ato I Ato II
 Indícios da preparação de uma conspiração  A consumação da repressão
 Procura do chefe dessa conspiração  A prisão e tortura do general
 Incriminação do general Gomes Freire através de uma  O julgamento fantoche – “Não lhe permitiram que
denúncia infundada e conveniente ao Poder escolhesse um advogado e nomearam-lhe um que já
 Preparação psicológica dos portugueses e da pátria tem a seu cargo a defesa de 12 presos”
para aceitarem a condenação do general  A execução do general: enforcado, decepado e
 Apelo ao “ardor patriótico” queimado na fogueira
 Anuncio antecipado da condenação de Gomes Freire

4. Espaço, luz e som (cenário)

Segundo Brecht, o espaço mais propício a revelar o “gesto social” – diálogo constante entre grupos
sociais – é o espaço da rua.
Na peça o espaço da rua desempenha duas funções diferentes:
 Acentuar as vivências do povo explorado e pedinte
 Estabelecer a ligação para o espaço do Poder, o espaço das grandes decisões

Este espaço caracteriza-se pelo despojamento, pela quase ausência de elementos cénicos, o que
contribui para a concentração do espectador na mensagem dramática e para a construção da atmosfera
trágica.
Essa ausência de elementos cénicos evidencia a importância e papel de:
 Luz – o espaço deve estar fortemente iluminado para manter os espectadores despertos e
vigilantes. A incidência e/ou ausência de luz sublinham os momentos fulcrais da ação e doa
comportamentos mais relevantes das personagens.
 Som – articulado com a luz, o som – vozes de multidão, rufar de tambores, sinos a tocar a
rebate – evidencia, de igual modo, os momentos de intensidade dramática

5. As personagens

É possível organizar as personagens em diferentes grupos, de acordo com a didascália inicial:

As personagens do Poder – “Três conscienciosos governadores do Reino”:


 O poder politico representado por D. Miguel
 O poder religioso na figura do principal Sousa
 O poder militar representado por Beresford

Os delatores (= os denunciadores):
 Andrade Corvo e Morais Sarmento, “dois denunciantes que honram a classe”, cuja
existência histórica se encontra comprovada.
 Vicente, “um provocador em vias de promoção”

As personagens do antipoder:
 General Gomes Freire de Andrade, a presença ausente
 Matilde de Melo, “a companheira de todas as horas”
 Sousa Falcão, “o inseparável amigo”
 Frei Diogo, o confessor e amigo do general
Resumo – Português 12º ano

O Povo:
 Manuel, “o mais consciente dos populares”
 Rita, “a mulher de Manuel”
 Os populares, “ o pano de fundo permanente”

Caracterização das personagens:

As personagens do Poder

D. Miguel  Pequeno tirano, inseguro e prepotente, revela-se um homem avesso ao progresso e insensível á
injustiça e á miséria. O seu discurso preconceituoso e profundamente demagógico constrói-se sobre verdades e
convicções falsas. Os argumentos do “ardor patriótico”, da construção de “um Portugal próspero e feliz, com um povo
simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no senhor”, são o eco fiel do
discurso político salazarista retrogrado e melífluo. D. Miguel e Principal Sousa são as duas personagens mais
execráveis de todo o texto pela falsidade e hipocrisia que veiculam.

Principal Sousa  Além da hipocrisia e da falta de valores éticos, esta personagem deixa transparecer que os
interesses particulares suplantam o bem comum. O Principal sousa simboliza, de igual modo, o conluio entre a igreja,
enquanto instituição, e o Poder, e a demissão da mesma em relação á denúncia das verdadeiras injustiças. Nas
palavras do principal Sousa reconhecer os fundamentos retrógrados da política do “orgulhosamente sós” dos anos 60
– “enquanto a Europa se desfaz, o nosso povo tem de continuar a ver, no céu, a cruz de Ourique”

Beresford  Personagem cínica e controversa que, desassombradamente, lidera o processo de Gomes Freire,
não como um imperativo nacional ou militar, mas apena motivado por interesses individuais: a manutenção do seu
posto e da sua tença anual.
A sua posição face toda a trama que envolve Gomes Freire é de distanciamento crítico e irónico. Revela
antipatia face ao catolicismo caduco e ao exercício incompetente do poder, que marcam a realidade portuguesa. A
sua presença contribui para acentuar as contradições no seio do Poder.
Alguns críticos literários consideram Beresford como símbolo do poder económico e dos monopólios
estrangeiros do Portugal da década de 60. Parece-nos esta interpretação um pouco exagerada, uma vez que, o
interesse económico de Beresford é meramente pessoal e, também porque a economia dos anos 60 não era, de uma
fora global, dominada pelo interesse económicos estrangeiros. Será, talvez, mais pertinente interpretar o papel de
Beresford como o de uma voz crítica e mesmo distante em relação á atuação decadente de D. Miguel e do P. Sousa.

Os delatores

Vicente  Elemento do povo, Vicente trai os iguais, chegando mesmo a provocá-los, apenas lhe interessando a
sua ascensão político-social. A sua atuação evidência dois momentos distintos: num primeiro momento, tenta
denegrir junto do povo o prestígio do general, assumindo-se como um provocador e agitador; num segundo
momento, assume um papel específico de denunciar o general a D. Miguel a troco da nomeação como intendente da
polícia.
Apesar da antipatia que as atitudes de Vicente possam provocar no público/leitor, não se lhe pode negar nem
lucidez nem acuidade, na análise que faz da sua situação de origem e da força corruptora do poder. Vicente é uma
personagem incómoda, talvez porque leve o espectador a olhar para dentro de si e a rever-se em alguns
comportamentos.

Andrade Corvo e Morais Sarmento  São os delatores por excelência, aqueles a quem não repugna trair ou
abdicar dos ideais, para servir obscuros “propósitos patrióticos”. Dando corpo à visão tentacular do aparelho
repressivo do Estado, Morais Sarmento e Andrade Corvo são meros títeres na mão dos poderosos.
Resumo – Português 12º ano

As personagens do Antipoder
Gomes Freire de Andrade  Como o próprio dramaturgo afirma, “está sempre presente, embora nunca
apareça”, é a personagem central da peça. A sua presença é, pois, construída através das falas das outras
personagens, para as quais se torna uma obsessão.
Gomes Freire aparece-nos, então, como um homem instruído, letrado, “um estrangeirado”, epíteto várias
vezes repetido ao longo da peça, um militar que sempre lutou em prol da honestidade e da justiça. O povo vê nele o
seu herói, o único que será capaz de o libertar do clima de opressão e terror em que vive, depositando nele as
derradeiras esperanças de sobrevivência e de regresso a uma sociedade justa e livre do jugo dos ingleses e da tirania
da regência.
O general é também o símbolo da modernidade e do progresso, adepto das novas ideias liberais e, por isso,
considerado subversivo e perigoso para o poder instituído. Assim, quando é necessário encontrar uma vítima que
simbolize uma situação de revolta que se avizinha, Gomes Freire é a personagem ideal. Ele é o símbolo da luta pela
liberdade, da defesa intransigente dos ideais e daí que a sua presença se torne incomoda para os “reis do Rossio”. A
sua morte, duplamente aviltante para um militar, servirá de lição para todos aqueles que ousem afrontar o poder
político e também, de certa forma, económico, representado pela tença que Beresford recebe.
Há alguns estudiosos que aproximam Gomes Freire do General Humberto Delgado, sobretudo pela força
polarizadora dos dois em relação ao povo, pela coragem e pela forma como os dois são assassinados: Gomes Freire
através de um processo supostamente isento, Humberto Delgado através de uma cilada.
O martírio de Gomes Freire e a sua lição de coragem constituem os principais elementos da construção do
carácter épico e trágico desta personagem.

Matilde Sousa  Companheira de todas as horas de Gomes Freire, é ela quem dá voz à injustiça sofrida
pelo seu homem. As suas falas, imbuídas de dor e revolta, constituem também uma denúncia da falsidade e da
hipocrisia do Estado e da Igreja, identificando-se com a ideologia progressista dos anos 60.
É uma personagem que evolui ao longo da peça, uma vez que se apresenta inicialmente como uma
mulher que apenas quer salvar o seu homem – cf. Pedido e apelo de mulher desesperada, acreditando
ingenuamente na “bondade do poder” (inicio do primeiro dialogo com Sousa Falcão, Ato II) – nem que para isso
tenha de abdicar de valores que sempre defendeu. Ao tomar consciência da trama maquiavélica que envolve o
general, acaba por assumir a luta de Gomes Freire, revelando-se firme e corajosa, mas não deixando de exprimir
a sua faceta de mulher apaixonada e nostálgica de um amor intenso.
A partir do momento em que a morte do general se lhe afigura inevitável, todas as tiradas de Matilde
transmitem uma clara lucidez e uma verdadeira coragem na análise que faz de toda a teia que envolve a prisão e
condenação de Gomes Freire. No entanto, a consciência da inevitabilidade do martírio do seu homem (e daí o
carácter épico da personagem de Gomes Freire) arrasta-a para um delírio final em que, envergando a saia verde
que o general lhe oferecera em Paris (símbolo de esperança num futuro diferente), Matilde dialoga, a uma voz,
com Gomes Freire vivendo momentos de alucinação intensa e dramática. Estes momentos finais, pelo seu
carácter surreal, denunciam o absurdo a que a intolerância e a violência dos homens conduzem.

Sousa Falcão  “O inseparável amigo”, “o amigo de todas as horas”, é o amigo fiel em quem se pode
confiar e que está sempre pronto a exprimir a sua solidariedade e amizade. No entanto, ele próprio tem
consciência de que, muitas vezes, não atuou de forma consentânea com os seus ideais, faltando-lhe coragem
para passar à ação. Por isso, para ele, o general é mais do que um amigo, é alguém que ele deseja ser.
O processo de gomes Freire permite a Sousa Falcão uma reflexão e consciencialização da sua própria existência –
“Há homens que obrigam outros homens a reverem-se por dentro”.

Frei Diogo  Esta personagem é o símbolo do antipoder dentro da Igreja (“Se há santos, Gomes Freire é
um deles”).

O Povo  Representado pela presença de “vários populares”, não tem uma intervenção direta no conflito
dramático e contribui para dar colorido social, funcionando como pano de fundo permanente. A sua expressão
revela-se através de algumas vozes individuais: Manuel, Rita, 1º Popular, Antigo Soldado – grupo dos deserdados
pelo berço e pela sorte, dos que trabalham para sobreviver mal, dos que servem e são explorados, dos que recebem
esmolas e são tratados sem respeito e sem dignidade.
Símbolos do povo oprimido e esmagado, Manuel e Rita têm consciência da injustiça em que vivem, sabem
que são simples joguetes nas mãos dos poderosos, mas sentem-se impotentes para alterar a situação. Vêem em
Gomes Freire uma espécie de Messias e daí talvez a sua agressividade em relação a Matilde, apos a prisão do
general, quando ela lhes pede que se revoltem e que a ajudem a libertar o seu homem. A prisão de Gomes Freire é
uma espécie de traição à esperança que o povo nele depositava.
Manuel e Rita acabam também por simbolizar a desesperança, a desilusão, a frustração de toda uma legião
de miseráveis face à quase impossibilidade de mudança da situação opressiva em que vivem.
Resumo – Português 12º ano

6. Aspetos simbólicos

Título
“Felizmente Há Luar!” É uma expressão proferida por duas personagens de “mundos” diferentes: D. Miguel
Forjaz, símbolo do poder, e Matilde, símbolo da resistência, no final do Ato II. Tendo em conta esta dualidade, o luar
é interpretado de forma diferente por cada uma das personagens. Para D. Miguel, o luar permitirá que o clarão da
fogueira seja visto por todos, atemorizando aqueles que ousem lutar pela liberdade; para Matilde, o luar sublinha a
intensidade do fogo, incitando á ousadia daqueles que acreditam na mudança e na caminhada para a “luz da
liberdade” (prenuncio da revolução liberal)
Fogueira
Segundo José de Oliveira Barata, “o clarão da fogueira confirma, cenicamente, o clima apoteoticamente
trágico (e redentor) que o autor assumidamente deseja para esta peça”. Após ser enforcado, Gomes Freire foi
queimado. Contudo, o que inicialmente é aviltante para um militar, acaba por assumir um carácter redentor. Na
verdade, o fogo simboliza também a purificação, a morte da “velha ordem” e o ponto de partida para um mundo
novo e diferente. O clarão da fogueira associado ao luar reforça a certeza de que a justiça e a liberdade triunfarão.
Lua
De acordo co o dicionário dos símbolos, “a lua é o símbolo da transformação e do crescimento”, reiterando a
crença na vida para além da morte – a crença na liberdade.
Saia verde
Oferecida pelo general a Matilde, como expressão do amor e da felicidade, Matilde escolhe-a para esperar o
companheiro após a morte, acabando o verde da saia por simbolizar a esperança de que o marido general seja
redentor. Ao vestir a saia verde, Matilde sente-se mais apaziguada e encara o martírio do general como condição
necessária á vitória da liberdade.
Moeda de cinco reis
Segundo José de Oliveira Barata, “a moeda de cinco reis que Matilde pede a Rita assume, assim, um valor
simbólico, teatralmente simbólico. Assinala o reencontro de personagens em busca da História, por um lado, e, por
outro, é o penhor de honra que Matilde, emblematicamente, usará ao peito, como “uma medalha”.

7. Importância das didascálias

Em Felizmente Há Luar! Há dois tipos de didascálias:

 Um acompanha as falas das personagens, aparece em itálico e, por vezes, entre parêntesis, e preenche
o papel tradicional deste tipo de texto: indicação dos movimentos das personagens em cena, tom de
voz, gestos…
 O outro aparece ao lado do texto principal, revelando, pela sua extensão e pelo cuidado literário e
cénico que encerra, uma análise interpretativa do texto principal.

8. Temas fulcrais
 Luta pela liberdade
 Denuncia das injustiças sociais
 Condenação da opressão
 Dimensão do verdadeiro patriotismo
 Diversas vertentes do amor:
 Amor à pátria
 Amor à liberdade
 Amor-paixão

“Felizmente Há Luar!” – Quadro síntese


Resumo – Português 12º ano

Ato I
Personagens Assuntos
Manuel Manifesta a sua impotência e o seu descontentamento perante as diferentes forças do
Poder a que o País esteve e está sujeito.

Manuel, Rita, Um popular, ironicamente, evidencia a miséria do grupo. Todos manifestam interesse em ouvir o Antigo Soldado falar do
Antigo Soldado, regimento a que pertenceu e, particularmente, de Gomes Freire de Andrade que o chefiava. Manuel deixa em suspenso a
Vicente, vários sua esperança no General. Vicente aproveita para mostrar que Gomes Freire é um general como todos os outros, e, por isso,
populares nunca fez, nem está interessado em fazer, nada por eles.
O Antigo Soldado e Manuel tentam rebater mas os seus argumentos são pouco convincentes.
Vicente, dois À excepção de Vicente, todas as personagens anteriores se põem em fuga quando se apercebem da aproximação dos
polícias polícias. Estes conhecem bem Vicente que lhes “vende”, frequentemente, informações. Desta vez procuram-no por ordem
de D. Miguel,
Governador do Reino, que quer falar pessoalmente com Vicente.
Vicente, D. D. Miguel quer informações sobre seu primo, Gomes Freire de Andrade, e Vicente vai estudando as reacções do Governador
Miguel, dois polícias às suas palavras e vai mudando, habilmente, de discurso na tentativa de cair no agrado do seu interlocutor.
Vicente, D. O Principal Sousa, eclesiástico, outro dos Governadores do Reino, intervém no diálogo de Vicente com D. Miguel para
Miguel, dois polícias, lembrar a Vicente que o poder do rei é de origem divina e, portanto, incontestável. Ambos os Governadores manifestam a
Principal Sousa sua preocupação perante as notícias, cada vez mais inquietantes, de que está em curso uma conspiração para os derrubar.
D. Miguel incumbe Vicente de vigiar, diariamente, Gomes Freire.
Vicente, dois polícias Vicente ironiza, visivelmente satisfeito, com a missão que lhe foi confiada.
Principal Sousa, Os dois Governadores manifestam as suas preocupações pelas mudanças que a
D. Miguel Revolução Francesa tem vindo a introduzir no espírito de um número crescente de portugueses.
Principal Sousa, O Marechal Beresford, terceiro Governador do Reino, vem preocupado com a conspiração de que tanto se fala em Lisboa,
D. Miguel, mostra a necessidade de actuar sem demora e com dureza, e anuncia a chegada próxima de um oficial disposto a colaborar
Beresford com a Regência como delator.
Andrade Corvo, Andrade Corvo, o oficial anunciado por Beresford, convence o companheiro de armas,
Morais Sarmento Morais Sarmento, que as vantagens económicas que lhes advêm desta missão justificam os inconvenientes.
Beresford, D. Corvo anuncia ter visto uma proclamação contra o Rei e a Regência, mas, não a tendo conseguido obter, não sabe
Miguel, Principal pormenores, nomeadamente quem chefia a conjura.
Sousa, Andrade Os oficiais delatores são incumbidos pelos regentes de trazer a proclamação, com a brevidade possível.
Corvo, Morais
Sarmento
Beresford, D. Beresford manifesta o seu desprezo por Portugal e recorda com saudade o seu país. Questionado pelos outros dois regentes,
Miguel, revela o que o faz manter-se num cargo de chefia em Portugal – o dinheiro que lhe pagam para isso e que lhe permitirá viver
Principal Sousa o resto dos seus dias, tranquila e desafogadamente, em Inglaterra. Os outros regentes, embora não gostem do Marechal,
sabem que, de momento, precisam muito dos seus serviços.
Os mesmos, Vicente Vicente traz os nomes de alguns possíveis conjurados
Beresford, D. Miguel, O Principal Sousa finge recear que se condene um inocente e Beresford ironiza com a pretensa preocupação do eclesiástico.
Principal Sousa Ninguém cita nomes, mas é evidente que todos têm alguém em mente como possível chefe da conjura.
Os mesmos, Corvo Andrade Corvo anuncia que a conjura se alastra pelo país.
Beresford, D. Miguel, D. Miguel, com o apoio mais ou menos disfarçado dos outros regentes, pensa nas medidas a tomar para a detenção,
Principal Sousa julgamento, sentença e execução dos presumíveis conspiradores.
Os mesmos, Morais Sarmento anuncia que a conspiração se destina a implantar o sistema de cortes em Portugal
Morais Sarmento
Beresford, D. Miguel, Os regentes mostram-se cada vez mais ansiosos por arranjar um chefe para a conjura, com ou sem provas do seu
Principal Sousa envolvimento.
Os mesmos, Vicente Vicente revela que muitos dos conspiradores são oficiais mas contam com o apoio de civis
Os mesmos, Os delatores revelam o clima geral de rebelião. O Principal Sousa manifesta medo e
Vicente, Corvo Beresford exige que descubram imediatamente quem são os chefes da conjura.
Beresford, D. D. Miguel expressa o seu receio de que o Portugal com que sonhou – humilde, submisso, com classes sociais perfeitamente
Miguel, Principal definidas – esteja prestes a desmoronar-se. Refere-se a alguém, que não nomeia, como capaz de liderar a revolta do povo.
Sousa
Os mesmos, Os delatores indicam o nome que por todo o lado é referido como sendo o chefe da conjura – o do General Gomes Freire de
Vicente, Corvo, Andrade. A revelação agrada aos regentes que, por motivos diferentes, nutrem um ódio comum pelo General.
Morais Sarmento D. Miguel, indiferente ao facto de não haver provas que incriminem Gomes Freire, dá ordens para que se prepare, de
imediato, um clima emocional propício à prisão e condenação dos conjurados, antes que o país se movimente para os
defender – sinos a tocar, paradas nos quartéis, frades aos gritos no púlpito, tambores em fanfarra, bandeiras…
Resumo – Português 12º ano

Ato II
Manuel Manifesta a sua impotência e o seu desânimo face às diferentes forças do Poder, às esperanças que se
desmoronam, à miséria a que a vida o condenou. Medita sobre a prisão de Gomes Freire e procura inteirar-se, junto
de outros populares, de mais detalhes.
Manuel, Rita, Diferentes Populares contam que foram feitas várias detenções durante a noite, há zonas da cidade cheias de
Antigo Soldado, soldados e os quartéis estão todos de prevenção.
vários Populares
Os mesmos, dois Os polícias mandam os Populares dispersarem e estes obedecem com visível desalento. Enquanto se afastam, Rita
soldados vai contando a Manuel, entre apavorada e revoltada, como ocorreu a prisão do General, a que assistiu quando
passava próximo da sua casa.
Matilde Matilde, sozinha, questiona-se sobre a incoerência de se transmitir aos filhos valores desfasados da sociedade em
que estão inseridos. Recorda o filho morto e expõe, com rancor, os princípios em que o teria educado para que
pudesse viver bem e morrer tranquilo. Entretanto coloca o uniforme de Gomes Freire sobre uma cadeira e imagina
momentos felizes que poderiam continuar a partilhar, se ele fosse igual a tantos outros que se acomodam. Entre a
revolta e o desespero, decide que vai lutar pela vida do seu homem.
Matilde, Sousa Matilde reconhece que, mais do que nunca, se sente só e, como em tantos outros momentos de dor, não sabe “por
Falcão onde começar” a agir. Vencendo o desalento procura Beresford.
Matilde Matilde reconhece que, mais do que nunca, se sente só e, como em tantos outros momentos de dor, não sabe “por
onde começar” a agir. Vencendo o desalento procura Beresford.
Matilde, Beresford Perante Beresford, Matilde, sumariamente, apresenta o seu percurso de vida antes de se identificar como a mulher
de Gomes Freire. Indo contra a sua própria consciência, mas assumindo-se como uma simples mulher que nada mais
deseja que ter consigo o seu homem, Matilde pede clemência para o prisioneiro. Esta atitude diverte o Marechal
que lhe diz que Gomes Freire, seja ou não inocente no crime da conjura, é culpado pelo simples facto de existir e
defender uma ideologia contrária aos interesses do Poder.
Matilde, Um padre lê uma ordem do Patriarcado de Lisboa em que, implicitamente, se condena os conjurados e se apela à
Beresford, um oração de graças a Deus por ter permitido que fossem descobertos. Matilde revolta-se contra esta condenação da
Padre, alguns Igreja, antecipando-se ao julgamento.
Populares
Matilde, Os Populares, que se foram juntando conversam agora entre si, ignorando ostensivamente as interpelações de
Populares, Rita, Matilde. Um deles dá a notícia de que Vicente foi promovido a chefe da polícia. Perante a atitude dos Populares,
Manuel Matilde faz menção de partir mas Manuel chama-a. Em resposta à insinuação que Matilde fizera de que eles, pelas
esperanças que depositavam em Gomes Freire, eram co-responsáveis pela sua prisão e, portanto, não podiam
alhear-se do que pudesse vir a acontecer-lhe, Manuel fá-la observar com atenção a desgraça, a miséria extrema dos
Populares. Acusa-a de se ter dirigido a eles apenas porque estava desesperada. Antes, dava-lhes esmolas, agora
pede-lhes, em troca, que eles dêem a vida. Diz a Rita que dê uma moeda a Matilde e a mande embora, mas logo a
seguir arrepende-se e pede-lhe desculpa. Reconhece que foi injusto para com a mulher do General, tal como a
sociedade tem sido injusta para com ele e os outros Populares. Matilde compreendeu a mensagem e pede a moeda.
Resumo – Português 12º ano

Ato III
Matilde, Sousa Falcão relata a forma desumana como têm tratado Gomes Freire em S. Julião. Matilde evoca o passado e, com
Sousa Falcão tristeza, recorda, por contraste, as pequenas atenções com que o mimava, apesar da escassez de dinheiro. Recorda que
o General chegou a vender duas medalhas para se poderem sustentar e, num gesto de carinho e gratidão, comprou-lhe
uma saia verde para ela vestir quando regressassem a Portugal. Matilde diz que a vestirá quando ele sair da prisão, mas
logo a seguir, como que recuperando a lucidez, agradece a Sousa Falcão tudo o que tem feito por eles, nomeadamente
não lhe tirando a esperança, embora ambos saibam que Gomes Freire não sairá vivo da prisão. Com a energia possível,
Matilde decide progredir a sua luta em defesa do marido e vai procurar D. Miguel, apesar de Sousa Falcão a tentar
dissuadir.
Matilde, Sousa Matilde diz ao criado que ela e Sousa Falcão pedem uma audiência a D. Miguel. O criado traz como resposta que sua
Falcão, um criado Ex.ª não recebe amantes nem amigos de traidores da pátria. Sousa Falcão revolta-se, Matilde chora, mas logo se
de D. Miguel recupera para interpelar o Principal Sousa.
Matilde, Principal Matilde faz acusações graves ao Principal Sousa que se sente pouco à vontade, sobretudo pela segurança e autoridade
Sousa com que Matilde lhas dirige
Matilde, Principal Frei Diogo vem do forte onde acaba de ouvir o General em confissão. Manifesta uma enorme admiração por Gomes
Sousa, Feri Diogo Freire, dá a Matilde o recado que o marido pedira que lhe transmitisse, procura confortá-la e pede-lhe que não se
revolte contra Deus por causa da injustiça dos homens. O Principal Sousa tenta intervir, sem êxito, e a sua fúria contra
Frei Diogo é crescente.
Matilde, Principal Matilde acusa o Principal Sousa de ser um traidor de Cristo e, com arrogância, roga-lhe a praga de nunca conseguir
Sousa aliviar a sua consciência do crime em que está a participar.
Sousa Falcão, Quando Sousa Falcão lhe anuncia que os presos vão a caminho dos locais de execução, Matilde implora, ajoelhada, pela
Matilde, Principal vida de Gomes Freire.
Sousa
Os mesmos, D. D. Miguel congratula-se por haver luar, já que as execuções se prolongarão pela noite
Miguel
Matilde Matilde, diante da cruz, pede ajuda a Deus para si e para o seu homem.
Matilde, Populares, Matilde interpela Deus acerca da justiça da condenação do marido e cai desmaiada, tal a intensidade dramática do
Sousa Falcão, momento que vive. O Principal Sousa aconselha-a a resignar-se e Sousa Falcão ajuda-a a recompor-se. Antes de se
D. Miguel, Principal retirar com o amigo, Matilde atira ao cardeal a moeda que Rita lhe dera
Sousa
Populares, Os Populares comentam a crueldade da forma de execução dos condenados. Matilde veste agora a saia verde e censura
Manuel, Matilde, Sousa Falcão por vir vestido de luto. Sousa Falcão diz sentir-se de luto por si próprio, por nunca ter tido coragem de
Sousa Falcão lutar pelas suas convicções. Matilde refere que vestiu a saia verde para se despedir de Gomes Freire e a partir de dado
momento comporta-se como se o estivesse a ver vir ao seu encontro. Esse último encontro imaginário desenrola-se
numa serra donde é possível ver-se, ao longe, o clarão da fogueira que se vai extinguindo. É o fim de Gomes Freire, mas
Matilde apercebe-se que este fim é o princípio de uma época nova que necessariamente irá surgir e, por isso, dirigindo-
se aos Populares pede-lhes que não esqueçam este exemplo, que o vejam bem até ao fim até porque felizmente há
luar.
Resumo – Português 12º ano

Memorial do Convento – José Saramago


Memorial do Convento de José Saramago é um texto fundador de um novo conceito de romance histórico em
Portugal, em que a História é contada, não na óptica oficial, mas sim na visão dos espoliados, sendo, por isso,
também possível ser classificado como romance de intervenção social.

1- Ação
A acção é constituída por sequências narrativas (acontecimentos) provocadas ou experimentadas pelas
personagens, que se situam num espaço e decorrem num tempo, mais ou menos, extenso. A acção é
fechada quando se conhece o desenlace da história, ou seja, o final é revelado; e é aberta sempre que
se verifica o contrário, normalmente, incitando à reflexão sobre a mesma.
Acção principal
Consiste nas sequências narrativas com maior relevância dentro da história e que, por isso, detêm um
tratamento privilegiado no universo narrativo. Em Memorial do Convento de José Saramago: A
edificação do convento de Mafra – desejo e promessa de D. João V.
Acção secundária
A sua importância depende da acção principal, em relação à qual possui menor relevância. Em Memorial
do Convento de José Saramago: A construção da «máquina voadora» – sonho do padre Bartolomeu
Lourenço de Gusmão; bem como a história de amor entre Blimunda Sete-Luas e Baltasar Sete-Sóis.

2- Título

O título do romance remete para duas dimensões:

 Dimensão temporal – o vocábulo “memorial” significa escrito em que relatam factos memoráveis, o
que implica necessariamente um movimento de recuo no tempo;
 Dimensão espacial – referencia a um espaço concreto, um convento.

3- Espaço

Espaço Físico

Consiste no espaço real (geográfico, interior e exterior) onde os acontecimentos ocorrem.

 Espaço geográfico – Lisboa e Mafra são os espaços fulcrais, ate porque é aqui que se movimentam as
personagens principais. Dentro destes espaços, destacam-se, nomeadamente, o Terreiro do Paço (retrata a vida na
corte), o Rossio (onde se realizam os autos de fé), S. Sebastião da Pedreira (onde ocorre a construção da passarola),
a “Ilha da Madeira” (vale onde os trabalhadores do convento se alojam). Faz-se ainda referência a Évora, Montemor,
Pegões, Aldegalega (locais por onde Baltazar passa ao regressar da guerra); à serra do Barregudo, ao Monte Junto,
ao Monte Achique, a Pinheiro de Loures, a Pêro Pinheiro (onde vão buscar a gigantesca pedra), a Cheleiros, Torres
Vedras, Leiria, à região do Algarve, Alentejo e Entre-Douro-e-Minho; entre outros espaços.
 Espaço interior – Por exemplo, o Palácio Real, a abegoaria na quinta do duque de Aveiro, a casa dos pais de
Baltasar (Mafra) …
 Espaço exterior – por exemplo, as ruas/praças, o Terreiro do Paço, o Rossio, Remolares, S. Roque, o morro
das Taipas, Valverde, o vale da “Ilha da Madeira”…

Espaço Social

Consiste no ambiente social vivido pelas personagens e cujos traços ilustram a atmosfera social em que se
movimentam.

Os espaços físicos de Lisboa, Mafra e Alentejo ilustram o ambiente e os costumes da época joanina, no início
do seculo XVIII. Ao longo da ação, são apresentados diversos ambientes sociais entre os quais se destaca:
Resumo – Português 12º ano

 A vida na corte, com a apresentação do séquito real, do vestuário das personagens, das vénias
protocolares, do ritual das relações entre o rei e a rainha e todos aqueles que frequentam o paço,
sobretudo, o clero.
 Diversas procissões, nomeadamente a de penitência pela altura da Quaresma, as dos autos de fé, a
do Corpo de Deus que atestam a influência da religião na sociedade.
 O baptizado da princesa Maria Bárbara, filha de D. João V e D. Maria Ana, no dia de Nossa Senhora
do Ó.
 A tourada em lisboa, no Terreiro do Paço
 Os festejos da inauguração e da bênção da primeira pedra do Convento de Mafra.
 As lições de música da Infanta Maria Bárbara ministradas por Domenico Scarlatti
 A epidemia de cólera e febre amarela que dizima o povo
 O cortejo nupcial que retrata os casamentos da infanta Maria Bárbara com o príncipe D. Fernando
de Espanha e do príncipe D. José com a infanta espanhola Mariana Vitória.
 A sagração, em 1730, do convento de Mafra, apesar de ainda não estarem concluídas as obras

Espaço Psicológico

 O Sonho  A rainha sonha diversas vezes com o infante D. Francisco, seu cunhado. Note-se que, ao
longo do romance, são descritos com alguma insistência os sonhos de diversas personagens, dando
conta dos seus mais íntimos desejos, ansiedades e inquietações …
 A Imaginação  Por exemplo, na peregrinação em busca de Baltasar, durante nove anos, «Quantas
vezes imaginou Blimunda *…+» (Capítulo XXV) …
 A Memória  Quando Baltasar, por exemplo, relembra o momento em que perdeu a sua mão
esquerda na guerra (Capítulo VIII) …
 A Reflexão  Nomeadamente a conversa entre a infanta D. Maria Bárbara e sua mãe, a rainha D.
Maria Ana Josefa, durante o cortejo nupcial (Capítulo XXII) …

O narrador tem preferência por locais onde se movem grandes aglomerados populares, na medida em que estes
permitem evidenciar as disparidades sociais, a exploração e a crueldade a que o povo estava sujeito.
Pelo contrário, os ambientes das classes privilegiadas surgem em menor número e, não raro, são apresentados
num tom irónico como forma de criticar aspectos políticos, económicos e religiosos de uma sociedade, onde uma
minoria tem tudo e a maioria nada tem.

4- Tempo
As sequências narrativas ocorrem durante um tempo que pode ser, mais ou menos, extenso e que abarca várias
acções.

Tempo histórico
 Consiste na época ou período da História em que se desenrolam as sequências narrativas.
Em Memorial do Convento de José Saramago: A acção passa-se no início do século XVIII, abrangendo o período
compreendido entre 1711- D. Maria Ana Josefa tinha chegado da Áustria «há mais de dois anos» – e 1739 – ano em
que se realiza o auto-de-fé onde são sentenciados, entre outros, António José da silva, um judeu “que fazia comédias
de bonifrates”, e Baltasar Mateus.
Tempo da diegese
 Consiste no tempo durante o qual a acção se desenrola, segundo uma ordenação cronológica, e em
que surgem marcas objetivas da passagem das horas, dias, meses, anos, etc.
 Em Memorial do Convento de José Saramago: Em termos cronológicos, a acção decorre entre 1711 e
1739, portanto, durante cerca de28 anos. Ao longo do romance, as referências temporais são escassas e, muitas
vezes, apenas deduzidas. O crescimento e/ou envelhecimento das personagens também nos dá conta da passagem do
tempo.
Resumo – Português 12º ano

Tempo do discurso
 Consiste no modo como o narrador conta os acontecimentos, podendo elaborar o seu discurso
segundo uma frequência, ordem e ritmo temporais diferentes. O tempo do discurso pode não ser igual ao da diegese.
 Em Memorial do Convento de José Saramago: Embora o narrador siga uma ordem cronológica linear
na apresentação dos eventos, há, por vezes, algumas anisocromias, sobretudo, prolepses, mas também analepses e
elipses temporais.

Tempo psicológico
 Trata-se de um tempo subjetivo, diretamente relacionado com as emoções, a problemática existencial
das personagens, ou seja, a forma como estas sentem a passagem do tempo, vivendo momentos felizes e/ou infelizes.
Em Memorial do Convento de José Saramago: No percurso até Espanha, a filha de D. João V vai observando o
que a rodeia e, a partir daí, medita sobre vários assuntos, nomeadamente sobre o facto de nunca ter visto o convento
erigido em honra do seu nascimento.

5- Personagens
No romance, há dois tipos de personagens distintos: as históricas e as ficcionais. Saramago pretende evidenciar
dicotomicamente dois tipos de vivências humanas: uma, em que os homens se servem dos seus semelhantes para
atingir determinados objetivos; outra, em que os homens se servem dos próprios meios para alcançar esses mesmos
fins. Tal facto está ao serviço da intenção do autor, que pretende fazer a análise das condições sociais, morais e
económicas da corte e do povo.
As personagens históricas pertencem a uma classe social privilegiada (nobreza/clero) que vive a seu belo
prazer, menosprezando os interesses do povo:

 D. João V – rei de Portugal. De carácter vaidoso, magnificente e megalómano pretende deixar uma
obra que ateste a grandeza da sua riqueza e do seu poder, ainda que para tal se tenha de sacrificar o povo. É um
“marido leviano”, cuja relação com a rainha se pauta, essencialmente, pelo cumprimento de deveres reais e conjugais.
A caracterização do rei é feita predominantemente através da descrição das suas acções e dos seus pensamentos – de
modo indirecto.
 D. Maria Ana Josefa – oriunda da Áustria, a rainha revela-se extremamente devota e submissa, cujo
papel se resume basicamente a dar herdeiros ao rei…
 A infanta D. Maria Bárbara – filha primogénita do casal real. Tem cara de lua cheia, é bexigosa e feia,
mas boa rapariga, musical a quanto pode chegar uma princesa (XXII). Casa aos 17 anos com o infante D. Fernando de
Espanha, pelo que não chega sequer a ver o convento erigido em honra do seu nascimento…
 O infante D. Francisco – irmão de D. João V. é um homem sem escrúpulos que cobiça o trono e a
esposa do rei, bem como se entretém a provar a sua boa pontaria de espingarda nos marinheiros que estão nos
barcos ancorados no Tejo…
 Domenico Scarlatti – músico italiano. É um homem de completa figura, rosto comprido, boca larga e
firme, olhos afastados (XVI). Foi contratado para dar lições de música à infanta D. Maria Bárbara. Também ele partilha
o segredo da construção da “passarola”, deslocando-se várias vezes à quinta do duque de Aveiro onde toca cravo para
gáudio dos presentes…
 João Frederico Ludovice – arquitecto alemão, contratado para construir o convento de Mafra
que sabe que uma vida, para ser bem sucedida, haverá de ser conciliadora, sobretudo por quem a viva entre os
degraus do altar e os degraus do trono (XXI) …
 O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão – Figura que tem fundamento histórico. Imbuído de um
espírito aberto e despreconceituoso, movimenta-se na corte e na academia de Coimbra. Acalenta o sonho de um dia
voar, daí o seu projecto da “passarola”, apoiado por el-rei D. João V de quem é amigo. Mantém, do mesmo modo,
laços de profunda amizade com Baltasar e Blimunda, que o ajudam na construção da “máquina voadora”, e com
quem, segundo as suas palavras, forma uma trindade terrestre, o pai, o filho e o espírito Santo (XVI). Transtornado
com a perseguição da Inquisição, refugia-se em Toledo, onde acaba por falecer… caracterização indirecta.
Resumo – Português 12º ano

Note-se que, na caracterização das personagens pertencentes a este grupo, há, quase sempre, um tom
depreciativo e, não raro, irónico que marca o distanciamento temporal e, sobretudo, afectivo do narrador.
Pelo contrário, a caracterização das personagens ficcionais, a quem o narrador confere maior destaque,
reveste-se de um tom francamente positivo e valorativo, tanto mais que pertencem na sua maioria a um grupo social
desfavorecido e, muitas vezes, explorado/oprimido pelas classes do poder.
Os dois tipos de personagens, as histórias e as ficcionais – cuja caracterização é predominantemente
indirecta e psicológica – convivem em simultâneo, sendo a intenção narrador, ao apresentar duas vivências
antagónicas, desmascarar injustiças sociais quase sempre negligenciadas pela História ao longo do tempo.

 Baltasar Mateus – de alcunha, o sete-sóis, esteve na guerra de sucessão de Espanha, durante quatro
anos, da qual foi dispensado por ter perdido a mão esquerda em combate. De regresso, começa por trabalhar no
açougue no Terreiro do Paço, em Lisboa. Num auto-de-fé conhece Blimunda, a quem se liga amorosa e
espiritualmente. A convite do padre Bartolomeu Lourenço, ajuda a construir a “passarola”, sonho que passa também a
ser seu. Mais tarde, trabalha nas obras do convento de Mafra, primeiro como servente e, depois, como boeiro. Após a
morte do padre, zela pela preservação da “máquina voadora” e, um dia, por descuido, é levado ao acaso, acabando
por ser queimado 9 anos depois num auto-de-fé pela Inquisição. Trata-se de um homem do povo, analfabeto e
humilde, que aceita a vida tal como esta se lhe apresenta. Ao longo da acção, vai-se dando conta do seu
envelhecimento (XIII)
 Blimunda de Jesus – uma mulher do povo, a quem o padre Bartolomeu Lourenço, baptiza de “sete-
Luas”. Vive um amor apaixonado, franco e leal com Baltasar. Tem o dom de, em jejum, ver o interior das pessoas e das
coisas, o que lhe permite recolher as duas mil “vontades” indispensável para a “passarola” voar. Os seus olhos são
evidenciados, por diversas vezes, (V). Detentora de grande densidade psicológica e de uma perseverança sem limites,
procura “o seu homem” durante nove anos, unindo-se ao mesmo numa comunhão espiritual ao resgatar a sua
“vontade” quando finalmente o reencontra num auto-de-fé em que este está a ser queimado no fogo da Inquisição…
O nome de Blimunda, estranho e raro tal como a personagem que o veste, teria surgido ao narrador, talvez pela
musicalidade que ele encerra ou pela magia das suas três sílabas, símbolo da perfeição. Esta figura representa a força
que permite ao povo a sua sobrevivência, assim como contestar o poder e resistir.
 Sebastiana Maria de Jesus – mãe de Blimunda, um quarto de cristã-nova condenada a ser açoitada
em público e ao degredo por ter “visões e revelações” (V). Ao avistar a filha no meio da multidão que assiste à
procissão dos sentenciados pelo Santo ofício, de quem também faz parte, interroga-se sobre a identidade do homem
“tão alto, que está perto de Blimunda” …
 Marta Maria – mãe de Baltasar, é quem recebe o “filho pródigo” e Blimunda em sua casa, quando
estes vão pela primeira vez juntos a Mafra.
 João Francisco – pai de Baltasar (X). homem do povo cuja subsistência reside na agricultura…
 Inês Antónia – irmã de Baltasar, mãe de dois filhos, que sofre a morte do rapaz mais novo, com pouco
mais de dois anos…
 Álvaro Diogo – homem do povo e antigo soldado (IV) com quem Baltasar trava amizade ao chegar a
Lisboa…
 Os trabalhadores do convento – personagem colectiva, cuja “força bruta” e esforço desmedido são
explorados de forma desumana. De entre estes, distinguem-se, nomeadamente: Francisco Marques, José Pequeno,
Joaquim da Rocha, Manuel Milho, João Anes, Julião Mau-Tempo…

O povo em geral – massa anónima tantas vezes subestimada e esquecida pela História – é apresentado
como o verdadeiro herói, na medida em que foi à custa do seu sacrifício, e muitas vezes da própria morte, que se
tornou possível a edificação do megalómano convento.
Saramago (tal como Luís de Sttau Monteiro fez em Felizmente há Luar! se bem que em situações politicas
diferentes) sentiu a necessidade de repensar os acontecimentos e as figuras à luz de uma nova realidade criada no
presente e que tem implicações na construção de valores sociais futuros.
Resumo – Português 12º ano

6- Narrador e Narratário

Em Memorial do Convento é maioritariamente heterodiegético, quanto à presença, e omnisciente,


quanto à ciência/focalização. No que respeita à sua posição, não raro profere juízos de valor, opiniões,
comentários e divagações pelo que, neste caso, é subjectivo.
Há, no entanto, momentos em que o narrador empresta a sua “voz” a diversas personagens,
adoptando deste modo o seu ponto de vista (focalização interna): e esta sou eu, Sebastiana Maria de
Jesus… (V); e, eu, patriarca, debaixo dele… (XIII); E eu, vosso rei, de Portugal, Algarves e o resto… (XIII)

O estatuto do narrador assume, por vezes, atitudes aparentemente contraditórias: por um lado,
há uma tentativa de aproximação à época retratada não só através da reconstituição do ambiente
vivido, mas também do vocabulário usado; e, por outro lado, há um distanciamento do narrador,
perceptível no recurso a prolepses, à ironia e a uma actualização ao nível da linguagem. (por exemplo, a
narração do cerimonial respeitante aos encontros sexuais entre o rei e a rainha (I), apesar de retratar o
ritual próprio da época, reveste-se de extrema ironia, o que evidencia um narrador distanciado do
tempo histórico apresentado.
No que diz respeito a actualizações ao nível do vocabulário, o narrador não só utiliza termos
usado num tempo posterior ao da diegese, como os que se prendem com a aviação; mas também
procura explicitar conceitos que, na actualidade, sofreram alterações como é o caso da denominação
das refeições: passou a manhã, foi a hora de jantar, que é este o nome da refeição do meio-dia, não
esqueçamos (VIII).
Trata-se, assim, de um narrador que se movimenta entre o passado, o presente e o futuro;
detentor de um vasto conhecimento que lhe permite controlar a acção e as personagens.

O narratário surge no interior da narrativa, como entidade fictícia, a quem o narrador se dirige,
explícita ou implicitamente. É, portanto, o destinatário da mensagem do narrador.
Ao longo do romance, há momentos em que transparece a ideia de que o narrador participa na
acção –Já passámos Pintéus, vamos no caminho… (XXII) – e outros em que o narrador envolve
igualmente um tu, através do uso da primeira pessoa do plural que ora assume contornos de um eu
nacional e/ou colectivo – nem parecemos aquele país civilizado… (X) – ora se trata claramente de uma
interpelação a um narratário a quem dirige a sua mensagem – Blimunda não nos ouve, saiu já de
casa (XXIV).

7- Visão Crítica da Obra

Tendo como pretexto a construção do convento de Mafra, Saramago, adoptando a perspectiva de um


narrador distanciado do tempo da diegese, apresenta uma visão crítica da sociedade portuguesa da
primeira metade do século XVIII. É neste sentido que Memorial do Convento transpõe a classificação de
romance histórico, uma vez que não se trata de uma mera reconstituição de um acontecimento
histórico, mas é antes um testemunho intemporal e universal do sofrimento de um povo sujeito à tirania
de uma sociedade em que só a vontade de el-rei prevalecem o resto é nada(XXII).

Logo desde o início do romance é visível o tom irónico e, até mesmo, sarcástico do narrador
relativamente à hipotética esterilidade da rainha e à infidelidades do rei. Esta atitude irónica do
narrador mantém-se ao longo da obra, denunciando o comportamento leviano do rei, a sua vaidade
desmedida e as promessas megalómanas de que resulta o sofrimento extreo de homens que não
fizeram filho nenhum à rainha e eles é que pagam o voto, que se lixam (XIX).
Resumo – Português 12º ano

O clero, que exerce o seu poder sobre o povo ignorante através da instauração de um regime
repressivo entre os seus seguidores e que constantemente quebra o voto de castidade, também não
escapa ao olhar crítico e sarcástico do narrador. A actuação da Inquisição que, à luz da fé cristã,
manipula os mais fracos é de igual modo criticada ao longo do romance, nomeadamente, através da
apresentação de diversos autos-de-fé e uma crítica às pessoas que dançam em volta das fogueiras onde
se queimaram os condenados.

Assim, são sobretudo as personagens de estatuto social privilegiado o alvo da crítica do narrador
que denuncia as injustiças sociais, a omnipotência dos poderosos e a exploração do povo – evidenciada
nas miseráveis condições de trabalho dos operários do convento de Mafra; ao mesmo tempo que
denota empatia face aos mais desfavorecidos, cujo esforço elogia e enaltece.

A crítica estende-se, ainda: à Justiça portuguesa que castiga os pobres e despenaliza os ricos, ao
facto de se preterir os artífices e os produtos nacionais em defesa dos estrangeiros, bem como
ao adultério e À corrupção generalizados.

Em suma, Memorial do Convento constitui acima de tudo uma reflexão crítica – ao problematizar
temas perfeitamente adaptáveis à época contemporânea do autor – conducente a uma releitura do
passado e à correcção da visão que se tem da História.

8- Simbologia

 Começando pelo nome das personagens principais, há a referir que em ambas (Baltasar Sete-
Sóis e Blimunda Sete-Luas) é-nos transmitida uma ideia de união, de complementaridade e de perfeição,
traduzidas pela simbologia no número 7. Ambos os nomes representam, também, perfeição, totalidade
e até magia, sugeridas pela extensão trissílaba (e aqui reside a simbologia do número 3, revelador de
uma ordem intelectual e espiritual traduzida na união do céu e da terra).
 Vários mutilados surgem na construção do convento, onde se inclui obviamente Baltasar. Tal
situação poderá levar à interpretação simbólica de luta desmedida na construção de algo, como
realização de um sonho. Baltasar, após ter perdido a mão esquerda num episódio bélico, empreende
outras lutas: na construção da passarola e na colaboração na edificação do convento de Mafra.
Simbolicamente, a perda de parte do seu lado esquerdo significou a amputação da sua dimensão mais
nefasta, mais masculina, mais passada; ganhou, assim, uma dimensão mais espiritual, marcada pela
perseverança, força, luta e sentido de futuro que sairá reforçada na associação com Blimunda.
 A riqueza interior de Blimunda apresenta-se, simbolicamente, pela força do seu olhar,
possuidor de um poder mágico.
 Metaforicamente, surgem as duas mil “vontades” (símbolo de todos aqueles que contribuem
para o progresso do mundo) necessárias para realizar o sonho do padre Bartolomeu. São vontades
(nuvens) estão carregadas de um carácter eufórico (positivo); contudo, de difícil acesso. Só uma
personagem como Blimunda conseguiria interpenetrar neste mundo não material.
 Ainda no que concerne à simbologia dos números, o 7 não aparece só associado aos nomes de
Baltasar e Blimunda, como também à data e à hora da sagração do convento, aos sete anos vividos em
Portugal pelo músico Scarlatti, às sete vezes que Blimunda passa por Lisboa à procura de Baltasar, às
sete igrejas visitadas na Páscoa, aos sete bispos que baptizaram D. Maria Bárbara comparados a sete
sóis de ouro e prata nos degraus do altar mor.
 O número nove surge também a simbolizar insistência e determinação quando Blimunda
procura o homem amado durante 9 anos. Este número encerra também simbolicamente a ideia de
procura pois, o que realmente acontece a Blimunda após os 9 anos de busca é que reencontra
finalmente Baltasar, não como um encontro físico, mas místico e completo.
Resumo – Português 12º ano

9- Linguagem e estilo

Utilização de figuras de estilo:


 Metáfora
 Ironia

É de notar que, em determinados momentos, por exemplo, aquando da descrição do auto-de-fé


ou das procissões, a visão crítica do narrador é acompanhada de uma ironia que perpassa todo o relato.

 Hipálage

Utilização do registo de língua familiar e popular, com sentido irónico e crítico ou como forma de
tradução do estatuto social das personagens.

Oposições sugeridas por vocabulários antónimos (no exemplo enfatizam-se as oposições entre as
classes sociais distintas: os ricos e os pobres)

Formas verbais
 Utilização do gerúndio (no exemplo, o gerúndio surge como expressão do movimento da multidão e
serve a sequencialização da acção, sugerindo a sua duração)
 Utilização do presente do indicativo – transporta o leitor para o tempo da narrativa
 Utilização do modo imperativo – utilização do imperativo, por vezes, alia-se à ironia crítica, numa
reminiscência da oratória barroca.

Construção frásica
 Frases muito longas – surgem numa aproximação ao discurso oral ou como tradução do monólogo
anterior e da celeridade do pensamento
 Paralelismos de construção
 Utilização do polissíndeto
 Utilização do paralelismo de construção e do polissíndeto
 Enumeração
 Ausência de sinais gráficos indicadores de diálogo – a fuga às regras gramaticais normativas tradicionais
na utilização da pontuação confere ao texto fluidez rítmica, aproximando-o do discurso oral ou do ritmo
do pensamento.
- É, normalmente, a vírgula que separa as falas das personagens.
- Os pontos de exclamação e de interrogação são omitidas, assim como qualquer referência do
narrador a estes tipos de entoação, o que, contudo, não impede o leitor de os percepcionar.

 Hibridismo de tipologias discursivas – o narrador utiliza os discursos directos, indirecto e indirecto livre,
sem proceder às demarcações tradicionais ao nível gráfico (dois pontos seguidos de travessão) e lexical
(verbos como declarar, perguntar, acrescentar, etc).

10- Estrutura da Obra

A obra é composta por 25 capítulos


Para além da sua divisão em capítulos, da obra destacam-se ainda 3 planos:
Plano da história
 Portugal no século XVIII
 Reinado de D. João V
 Construção do Convento
 Inquisição, autos de fé, casamento dos infantes

Plano da ficção da História


 O narrador molda as personagens históricas, transformando-as
 D. João e D. Ana caricaturados
Resumo – Português 12º ano

Plano do fantástico
 Construção da Passarola
 Dom de Blimunda

⇒ Romance histórico - oferece uma descrição minuciosa da sociedade portuguesa da época. Por outro
lado, nesta obra, o ponto de vista do narrador altera o ponto de vista histórico e, como tal, a
classificação de Memorial do convento com romance histórico não é consensual.
⇒ Romance social - preocupa-se coma realidade social fazendo sobressair o povo oprimido.
⇒ Romance de intervenção - visa denunciar a história repressiva portuguesa da 1ªmetade do século XX.
⇒ Romance de espaço - traduz não só o ambiente histórico, mas também vários quadros sociais que
permitem um melhor conhecimento do ser humano.

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