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Considerado um semi-heterónimo, o Mas são os próprios excertos,


ajudante de guarda-livros merece uma especialmente os pós-1929, que nos revelam
abordagem individual dos heterónimos, já mais traços sobre este mero ajudante – para
que, segundo o próprio Fernando Pessoa, além da referência ao patrão Vasques ou de
em carta a Adolfo Casais Monteiro, “não informações sobre o escritório, os dados mais
sendo a personalidade a minha, é, não relevantes são aqueles que evocam a sua
diferente da minha, mas uma simples infância e juventude.
mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e
afetividade”. A morte da mãe com apenas 1 ano e
o suicídio do pai colocam Soares sob a
É impossível ler os fragmentos proteção de um tio que o traz para Lisboa.
do Livro do Desassossego sem encontrar nas Órfão e inseguro, Soares será sempre um
diversas passagens ecos do eu criador ou dos indivíduo tímido, um antissocial, um
outros poetas que constituem a cosmogonia inadaptado e é nesta similitude de vivências
pessoana. que vislumbramos ecos de Pessoa ele-
próprio, o que submeteu a infância a um
Bernardo Soares processo intelectualizado, tornando-a num
espaço mítico e idílico; o que se isolou do
Segundo Pessoa, Bernardo Soares ambiente social; o que tinha um emprego
vive no Bairro dos Douradores e é ajudante rotineiro e distante das suas produções
de guarda-livros no armazém de fazendas intelectuais.
Vasques e C.ª – retrato pobre este para
alguém que deambula pelos labirintos do ser A natureza fragmentária da
e que inaugura um novo conceito de
narrativa, sem linearidade e de carácter
obra e a questão da autoria
fragmentário. Antes da imersão nesta singular obra,
Frequentador de uma casa de pasto impõe-se uma abordagem teórica quanto à
tal como Pessoa, terá sido aí que travou génese de um livro que tem na inquietação
conhecimento com este, tendo-o escolhido e na incerteza as suas notas dominantes.
para confiar este livro descontínuo, A ideia deste livro terá surgido ainda
intermitente, este não livro. em 1913, quando Pessoa estava
É através das palavras do próprio ideologicamente ligado aos ideais da
Pessoa no prefácio à obra que nos são dadas Renascença Portuguesa, através da revista A
as pinceladas que pretendem tornar mais real Águia, na qual publicou o primeiro e único
esta figura – “Era um homem que aparentava trecho em vida – “Floresta do Alheamento”.
trinta anos, magro, mais alto que baixo, A correspondência trocada com amigos,
curvado exageradamente quando como João Lebre e Lima e Armando
sentado […]. Na face pálida e sem interesse Cortes-Rodrigues, atesta a intenção de juntar
de feições, um ar de sofrimento […]”. fragmentos escritos num “estilo alheio,
caminhando a aparente desordem a par e primeiro a manifestar a intenção de publicar
passo com a persistente ideia de organizar esta obra, embora tal não tenha sido possível
estes textos em livro”. Contudo, Pessoa por se encontrar exilado no Brasil.
lamenta-se, em carta a Cortes-Rodrigues,
A atribuição de um nome a essa voz
datada de 1914, de que tudo são “‘fragmentos,
narrativa surgiu quando os pensamentos
fragmentos, fragmentos’; ‘quebrados e
passaram a assumir uma forte componente
desconexos pedaços do Livro do
intimista que Pessoa queria distanciar de si
Desassossego, que ia complexamente e
tortuosamente avançando’”. próprio.
A intenção de Pessoa de rever os
A partir da análise dos manuscritos,
textos iniciais de forma a encontrar o “estilo”
Eduardo Lourenço refere a “aparente
de Soares e a conferir maior homogeneidade
caoticidade textual empírica”.
à obra não se concretizou.
O aparente caos que domina o
Resta-nos, então, enquanto leitores,
pensamento de Bernardo Soares encontra
aproveitar essa liberdade, procurando no
na prosa, na “liberdade criativa da prosa”, uma
caos da organização um possível fio
maior liberdade de expressão.
condutor, porque “ao escrever a sua alma
Como ler o Livro do Desassossego se pelo Livro fora, também escreveu a nossa.
o próprio Pessoa não deixou indicações Despersonalizando-se, conseguir corporizar,
sobre a ordem de apresentação dos mais de em palavras, a essencial humanidade que é
350 fragmentos que deixou num envelope comum a todos nós”.
que continha as iniciais L. do D.? As
possibilidades são inúmeras, já que a ausência Tópicos de conteúdo
de linearidade permite essa construção da
narrativa pelos leitores, a contínua A partir dos excertos selecionados
construção de um sentido orientado para pelo Programa, serão focadas as grandes
este “puzzle” através da vontade dos leitores, linhas temáticas de Livro do Desassossego,
sem preocupação cronológica e em que sendo estabelecidas, sempre que
todas as leituras são legítimas. pertinentes, leituras intertextuais com a
poesia de Pessoa ortónimo ou até dos
Aliás, basta um olhar para as diversas heterónimos, já estudados. As linhas de
edições da obra para rapidamente se análise a considerar são:
perceber que é uma determinada
sensibilidade na interpretação dos  O imaginário urbano;
fragmentos que comanda as diferentes  O quotidiano;
sequências organizativas levadas a cabo por  Deambulação e sonho: o observador
Jacinto do Prado Coelho; Teresa Sobral da acidental;
Cunha, Richard Zenith; Jerónimo Pizarro e  Perceção e transfiguração poética do
Teresa Rita Lopes. real
Na abordagem da obra, seguiu-se a
edição de Richard Zenith, sem esquecer o
importante contributo de Jorge de Sena, o
Fragmento 1 – “Eu nunca fiz senão sonhar”
figuras sonhadas, mais do que as saudades
chorosas da infância perdida.

À semelhança do ortónimo, também O “passado morto” que se quer trazer


Soares parece anular a vida em favor do na algibeira, como dizia Campos, no poema
sonho desta – “Eu nunca fiz senão sonhar. “Aniversário”, e que não pertence a qualquer
Tem sido esse, e esse apenas, o sentido da espaço, ou as “flores do jardim”, “as hortas”,
minha vida. Nunca tive outra preocupação todos esses elementos provincianos e
verdadeira senão a minha vida interior” –, acolhedores só existem nele enquanto coisa
fazendo a apologia da passividade da vida sonhada – “tudo isto, que nunca passou de
– “Nunca pretendi ser senão um sonhador. A um sonho, está guardado em minha memória
quem me falou de viver nunca prestei a fazer de dor e eu, que passei horas a
atenção. Pertenci sempre ao que não está sonhá-los, passo horas depois a recordar tê-
onde estou e ao que nunca pude ser.” –, num los sonhado e é, na verdade, saudade que eu
claro diálogo com Ricardo Reis – “À vida tenho, um passado que eu choro”.
nunca pedi senão que passasse por mim sem Tudo isto é o sonho, gravado ad
que eu a sentisse”. aeternum na memória, e visto como “uma
vida real morta que fito, solene, no seu
“A [minha] mania de criar um mundo caixão”.
falso” acompanhou-o sempre, o que é Para além da observação da paisagem
revelador da primazia da imaginação criadora interior, há “também as paisagens e as vidas
em relação às impressões exteriores, numa que não foram inteiramente interiores”,
abstração permanente da perceção que nomeadamente os quadros que o marcaram
permite a viagem na imaginação, quando “o e que “passam a realidade dentro de mim”.
real se esquece de si mesmo para se deixar Há uma sensação diferente, “mais pungente
apreender numa forma sem formas” 1. Aliás, e triste”, devido à impossibilidade de
já Xavier de Maistre, em 1872, tinha afirmado integração numa dessas paisagens bucólicas.
a inutilidade da viagem física e o primado da Afinal, o sonho e o real coincidem nessa falta
imaginação. de dimensão física, no não espaço.
A recusa do meio social e a afirmação O “mal da vida” é, afinal, o drama de
do solipsismo, com esse “mundo de amigos ser consciente, essa “doença de ser
dentro de mim, com vidas próprias, reais, consciente”, sem que haja para esta figura
definidas e imperfeitas”, é uma marca uma ilha que abrigue “os isolados no sonhar!”.
evidente desta obra, em que o princípio da Não há soluções mágicas e não há “ilhas
autossuficiência percorre outros trechos, extremas do sul”, como diria o ortónimo, que
como veremos, transformando o sonho no permitam a fuga perene da realidade. Cresce
motor da comunhão com o “outro” a tristeza, cresce a angústia – “Ter de viver
– “quando sonho isto, e me visiono e, por pouco que seja, de agir; ter de roçar
encontrando-os, todo eu me alegro, me pelo facto de haver outra gente, real
realizo, me pulo, brilham-me os olhos, abro os também, na vida!” –, cresce a consciência e
braços e tenho uma felicidade enorme, o sentido de inutilidade de tudo.
real” –, fazendo com que haja saudades das
Fragmento 2 – “Amo, pelas tardes
são cheias de um bulício que não quer dizer
nada; de noite são cheias de uma falta de
bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou
demoradas de verão, o sossego da cidade nulo, e de noite sou eu”.
baixa” É lancinante a apologia do inútil, do
não ser, nesse destino comum e abstrato
Apesar da manifesta indiferença pelo para os homens e para as coisas. O tédio de
mundo, o olhar deste ajudante de guarda- existir é evidente, nessa tristeza que invade
livros tudo observa e tudo regista, sendo a o seu ser “Nessas horas lentas e vazias”. E
cidade de Lisboa um espaço de construção porquê? Porque tudo é uma sensação sua,
intelectual deste “viajante acidental”, que, tal mas também uma coisa externa, que não
como Cesário Verde, também deambula cabe a Soares alterar. Os sonhos, então, nem
pelas ruas da capital, mas também viaja em sempre substituem a realidade. Por vezes, até
transportes, visualizando as paisagens físicas são idênticos à realidade, porque surgem do
e as suas gentes, que são também, como exterior, “como o elétrico que dá a volta na
revela a dado momento, paisagens – “Não curva extrema da rua”.
distingo, fundamentalmente, um homem de
uma árvore”. A observação dos transeuntes revela
essa massa anónima e quotidiana,
As descrições da cidade de Lisboa nomeadamente os “casais futuros”; os “pares
conferem a verosimilhança necessária ao das costureiras”; os “rapazes com pressa de
ajudante de guarda-livros e marcam a prazer”; os “reformados de tudo” ou
antítese realidade exterior (visto) vs. realidade os “vadios parados que são donos das lojas”.
interior (sentido). Soares desprende-se de Desta forma, essa “gente normal” acaba por
tudo o que é humano, menos das sensações, ser símbolo da realidade observada, atores de
que são tudo. Daí que a perceção exterior um filme do qual Soares é observador: “Por
da capital seja, no fundo, uma extensão dele ali arrasto, até haver noite, uma sensação de
próprio, tal como acontecia com Campos, em vida parecida com a dessas ruas”.
“Lisbon Revisited”.
Acentua-se a transitoriedade de tudo
À semelhança do poema “O e o sentimento de alheamento face a tudo
Sentimento dum ocidental”, também aqui se isto que é, afinal, “a salada coletiva da vida”, o
sente esse contágio metonímico da cidade, que faz com que haja “uma paz de angústia,
que se reflete no espaço vazio do “eu” e o meu sossego é feito de resignação”. Sem
– “Amo, pelas tardes demoradas de verão, o vontade própria, Soares caminha na vida de
sossego da cidade baixa, e sobretudo aquele forma automatizada e sem ambições,
sossego que o contraste acentua na parte desejos ou emoções – “Passa tudo isso, e
que o dia mergulha em mais bulício. […] toda nada de tudo isso me diz nada, tudo é alheio
a linha separada dos cais quedos tudo isso me ao meu sentir, indiferente, até, ao destino
conforta de tristeza, se me insiro, por essas próprio, inconsciência”.
tardes, na solidão do seu conjunto”. […] Por
ali arrasto, até haver noite, uma sensação de
vida parecida com a dessas ruas. De dia elas
Fragmento 3 – “Quando outra virtude não
realidade e outra, tal como todos são iguais –
bons e maus –, porque, no sono, todos são
indistintos.
haja em mim, há pelo menos a da perpétua
Apesar de a vida ser vista como sem
novidade da sensaçao liberta” sentido, incluindo a sua, só ele tem essa
consciência – assim, só para ele a vida é sem
Em mais um movimento sentido, porque só ele tem essa consciência.
deambulatório – “Descendo hoje a Rua Nova Soares, enquanto ser acordado (consciente),
do Almada” –, Soares descreve um opõe-se àquele homem adormecido, símbolo
acontecimento banal do quotidiano – “reparei da inconsciência humana.
de repente nas costas do homem que a
Desta forma, a ternura (irónica) que
descia adiante de mim” – que desperta nele
sente por este homem individual é
algo parecido com ternura pela “vulgaridade
metonimicamente alargada a toda a
humana”, pela “inocência de viver sem
humanidade, da qual se distancia, mas pela
analisar”. É evidente a ternura pela vida sem
qual sente a compaixão condescendente por
surpresas e vazia de pensamento analítico.
quem não tem “consciência da
Este olhar de ternura “absurda e inconsciência”.
fria” que se estende aos demais – “tudo
Tal como Ricardo Reis, Soares
isto” – é como uma sensação “idêntica àquela
também observa os outros de forma
que nos assalta perante alguém que
distanciada e sente o repúdio da
dorme”. Estes seres que por ele passam com
inconsciência, o repúdio da “normalidade” da
a sua atitude consciente são, no fundo,
vida inconsciente, como o partilhar, o
inconscientes, porque não têm consciência
conviver. Ser consciente é isolar-se de quem
da sua consciência, tal como a ceifeira.
sente tudo isto, é ser estrangeiro, é sentir
Também “as costas deste homem desassossego.
dormem”, aliás, todo ele dorme, porque vive
inconscientemente – “Vai inconsciente. Vive Fragmento 4 – “Releio passivamente,
inconsciente. Dorme, porque todos
dormimos. Toda a vida é um sonho. Ninguém recebendo o que sinto como uma inspiração
sabe o que faz, ninguém sabe o que quer, e um livramento, aquelas frases simples de
ninguém sabe o que sabe. Dormimos a vida,
eternas crianças do Destino”. Caeiro”
A sua ternura estende-se a toda a A espontaneidade de Caeiro no
humanidade infantil, a toda a sociedade Poema VII de O Guardador de Rebanhos, de
dormente (inconsciente), Caeiro – “Porque eu sou do tamanho do que
sentindo “compaixão do único consciente”, vejo” – não encontra eco no Livro do
alheio a tudo isto. Desassossego, no qual tudo é metafísico.
Se tudo é um estado de sonolência, Assim, nessa ânsia de se deixar
todas as ações são inúteis, sendo meras contaminar pela naturalidade do Mestre,
coisas que sucedem no intervalo entre uma
repete os versos do “pastor por metáfora”, inteligência perante a estupidez dos adultos.
para se esvaziar da metafísica – “Frases Colecionar destinos, traçar rotas sem viajar é
como estas, que parecem crescer sem o ato supremo de inteligência e de lucidez –
vontade que as houvesse dito, limpam-me de a negação da viagem física.
toda a metafísica que espontaneamente
acrescento à vida”. No presente, Soares desconhece o
paradeiro deste jovem, supondo sentir pena,
Porém, tudo isto é em vão, visto que mas imaginando que este rapazito deve ser
é incapaz de apenas fruir a vida, agora “estúpido”, isto é, inconsciente,
porque, “consciente de saber ver, olho a tributável, quotidiano. Está “morto” agora,
vasta metafísica objetiva dos céus todos com enquanto antes estava “vivo” e viajava com a
uma segurança que me dá vontade de alma – “deve ser homem, estúpido,
morrer cantando. ‘Sou do tamanho do que cumpridor dos seus deveres, casado talvez,
vejo!’ E o vago luar, inteiramente meu, sustentáculo social de qualquer – morto,
começa a estragar de vago o azul meio- enfim, em sua mesma vida.
negro do horizonte.”
É até capaz de ter viajado com o
A dicotomia corpo, ele que tão bem viajava com a alma.”
espontaneidade/racionalidade é latente e,
após sonhar apregoar “uma nova O mundo deve ser construído dentro
personalidade larga aos grandes espaços da de cada indivíduo através da imaginação, daí
matéria vazia”, Soares retrai-se e fica a necessidade da ação exterior. É “melhor,
subjugado pela “paz indecifrável do luar duro senão mais verdadeiro, o sonhar com
que começa largo com o anoitecer”. Bordéus do que desembarcar em Bordéus.”

Assim, o saber “florir”, o ser A viagem mental não se prende à


espontâneo não é possível e o duro realidade que desfila perante os seus olhos,
pensamento analítico abate-se sobre mas sim aos pensamentos individuais. Para
Bernardo Soares. além disso, para quem desiste da vida, a
experiência dessa mesma vida é inútil.
Para quê, no fundo, viver, se há o
Fragmento 5 – “O único viajante com sonho? Paris, China… serão realidades iguais,
porque (re)construídas pelos mesmos
verdadeira alma que conheci era um significados, apenas mudando a geografia.
garoto de escritório que havia numa outra Segundo Soares, há um anjo da
çasa, onde em tempos fui empregado” guarda que abandona as crianças, “como as
mães animais às crias crescidas, ao cevado
Através da singular história de um que é o nosso destino”, o que torna os
rapazito que trabalhava num escritório e homens vítimas inocentes e ingénuas das
que “Não só era o maior viajante, porque o teias do Destino, que sobre tudo desce.
mais verdadeiro”, como também uma das
pessoas mais felizes, aflora-se a inocência do
jovem colecionador, que coleciona com
Fragmento 6 – “Tudo é absurdo”
interiores, que formarão a imaginação – “Saio
do carro exausto e sonâmbulo. Vivi a vida
inteira”.
“Tudo é absurdo” – todos aqueles que Efetivamente, Soares faz do
se empenham em algo são absurdos, seja quotidiano a base da sua viagem imaginária,
em garantir a subsistência da família, seja em escrevendo nas páginas desconexas do seu
alcançar a fama e a glória. Os ecos da poesia diário o desassossego da existência humana.
de Reis são evidentes neste excerto (“Um lê Este passeio de elétrico (relembrando os que
para saber, inutilmente. Pessoa fez com Ofélia) transforma-se numa
Outro goza para viver, inutilmente”), viagem pela imaginação, em que, assumindo-
em que Soares narra os seus pensamentos se como um espectador do mundo, deriva
enquanto vai “num carro elétrico”, “reparando para o mundo da imaginação. Tal como no
lentamente” em pormenores – “coisas, vozes excerto 3, Soares é o homem que se afasta
e frases” – das pessoas que o circundam. da realidade, que observa os outros, embora
excluindo-se do convívio com estes, que não
Esse olhar analítico leva-o ao são seus semelhantes nas suas vidas
pormenor do vestido que observa, derivando inconscientes.
para a fábrica onde foi confecionado e na
qual os operários fazem diariamente o seu
trabalho. Desta forma, toda a vida social acaba
por estar ali representada porque tem aquele
vestido sem rosto diante de si – “mas não é
só isto: vejo, para além, as vidas domésticas
dos que vivem a sua vida social nessas
fábricas e nesses escritórios..
Todo o mundo se me desenrola aos
olhos só porque tenho diante de mim, abaixo
de um pescoço moreno, que de outro lado
tem não sei que cara, um orlar irregular
regular verde-escuro sobre um verde-claro
de vestido. Toda a vida social jaz a meus
olhos”.
O ato espontâneo de analisar o real e
de partir para a imaginação de todas as vidas
contidas naquele vestido leva este
observador acidental a preencher a sua vida
com a vida dos outros. Estes continuam com
as suas ações dinâmicas, enquanto o
observador contempla, estaticamente. A
visão do real afasta-se da objetividade para
se tornar no real imbuído de sensações

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