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2 – A Tumba da Imperatriz
"Se Harry Potter vivesse em Nova York, ficaria loucamente apaixonado por
Kiki Strike." Vanity Fair.
Contra-capa:
www.galerarecord.com.br
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Abas:
Kirsten Miller
vive em Nova York, onde passa o dia bebendo café, explorando a cidade e
escrevendo.
Prólogo
A Imperatriz traidora
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
CAPÍTULO UM
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Antes de começarmos, dê uma olhada rápida por sua janela. Não faz
diferença se você olha uma rua movimentada de Calcutá ou um pequeno
shopping em Texarkana. Onde quer que você esteja, todas as pessoas que
você vê têm uma coisa em comum. Todas têm um segredo que preferem
manter escondido. O cavalheiro elegante com a pasta executiva rouba no
parquímetro nas horas vagas. A criança de bicicleta gosta de comer
formigas. E a velha baixinha no banco do parque antigamente era
conhecida como o Terror de Cleveland. É claro que estou brincando. Não
conheço os segredos deles mais do que você. Mas aí é que está a questão.
Nunca se sabe.
Há muitas lições na vida que podem ser desagradáveis. Não seque um
hamster no micro-ondas. Chinelos não são adequados para um coquetel. E
maionese não deve ter crosta. Mas para uma detetive, há uma lição
deficílima de aprender. Por mais que você tente, não tem como saber tudo
sobre as pessoas de quem mais gosta. Mesmo que partilhem de incontáveis
aventuras e enfrentem a morte lado a lado, ainda pode haver segredos
entre vocês.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Vi uma matéria no noticiário ontem à noite. Pensei que você poderia achar
interessante, então acordei cedo para comprar o jornal. - A caminho da
mesa, ela tropeçou numa pilha de livros, que se espalharam pelo chão da
cozinha. Uma semana antes, o que a maioria das pessoas pensou ser um
pequeno terremoto (eu sabia muito bem o que era) podara as torres altas
de livros que revestiam as paredes de nosso apartamento. Mas a tarefa de
recolocar em ordem a biblioteca grande e bizarra de meus pais era tediosa
demais, e a maior parte dos livros ainda estava onde tinha caído. Minha
mãe se jogou numa cadeira na minha frente, fixando os olhos no meu rosto.
- Veja você mesma. - Minha mãe bateu o jornal na minha frente. A primeira
página do New York Post trazia uma foto de um orangotango jovem usando
um short de boxeador roxo e brandindo uma pinça para salada. Comecei a
rir, até que li a manchete: Será Obra de Kiki Strike?, perguntava o jornal. O
sorriso sumiu da minha cara enquanto eu olhava de relance para minha
mãe.
Sob o olhar de minha mãe, passei os olhos pelo artigo. Ao que parecia, às
oito horas da noite anterior, uma mulher de nome Marilyn Finchbeck
acordou e encontrou um iguana de 1 metro arrastando-se para sua cama. O
vizinho, ouvindo os gritos apavorados de Marilyn, chamou a emergência ao
entrar no quarto do bebê e descobrir o filho de 1 ano brincando de esconde-
esconde com uma família de lêmures de orelhas peludas. Pouco tempo
depois, um homem do terceiro andar do mesmo prédio pulou da janela do
quarto quando se viu diante do orangotango que aparecia na primeira
página do jornal. Na hora, nenhum dos moradores do número 983 da
Broadway percebeu que os animais que invadiram os apartamentos
estavam com bilhetes manuscritos presos no pescoço.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
O New York Post acreditava que a responsável era Kiki Strike. Um homem
do bairro dizia ter testemunhado um elfo de cara pastosa e roupas escuras
observando atentamente a pet shop uma semana antes. (Não era a
descrição mais elogiosa de Kiki, mas também não era inteiramente
imprecisa.)
- Muito bem. Onde você estava ontem à noite, Ananka? - perguntou minha
mãe.
- Aqui - insisti, aliviada por poder dizer a verdade. - Não sei nada sobre isso.
- Você conhece Kiki Strike. Ela estava aqui na quinta-feira vendo filmes de
kung fu na sala.
- Deixe-me entender isso direito. Você ainda espera que eu acredite que sua
amiga não tem nada a ver com o desbaratamento do sequestro de uns
meses atrás?
- Vamos ter que passar por isso de novo? Você viu o noticiário - expliquei a
ela, evitando a verdade. - A história de Kiki estrike em junho era um
embuste. Essa menina que Kiki supostamente resgatou dos sequestradores
mentiu. Ela inventou a história porque queria aparecer na TV. Quem sabe de
onde ela tirou o nome Kiki? Pode ter escolhido na lista telefônica.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- A diretora Wickham ligou ontem à noite - anunciou por fim minha mãe. -
Seu professor de história disse que você não tem prestado atenção nas
aulas. Ele alega que você dormiu durante uma aula sobre a fundação de
Nova York. Ao que parece, você nem se incomodou em limpar a baba
quando você foi embora. - Enfim, eu tinha entendido aonde minha mãe
queria chegar. Minhas atividades extracurriculares não estavam em
questão. Eu podia me fantasiar de Mulher Maravilha e combater as forças
do mal, desde que tirasse boas notas.
- Eu não babei. O sr. Dedly não gosta de mim porque eu sei mais sobre a
história de Nova York do que ele. - Isso pode parecer convencimento meu,
mas não era exagero. Passei dois anos vasculhando a imensa biblioteca de
meus pais e devorando cada livro que pude sobre o assunto. Eu sabia
quantos trabalhadores infelizes foram sepultados na ponte do Brooklyn, que
cemitério antigamente fornecia cadáveres novos para dissecação dos
estudantes de medicina e a localização da ferrovia subterrânea secreta para
uso pessoal da família Vanderbilt. Eu mesma podia dar a aula - e com muito
mais talento do que o sr. Dedly devo acrescentar.
- O que pode ser verdade, Ananka. Mas o sr. Dedly não é o único professor
que a pegou cochilando em aula.
- Isso não importa - disse minha mãe. - O que importa é que as aulas
começaram há três semanas e você já está encrencada. Não quero mais
boletins como os do ano passado. Mais uma nota C ou D e vou mandá-la
para um internato. Não estou brincando, Ananka. Vou encontrar um tão
distante da civilização que a única coisa que você terá para fazer será o
dever de casa.
- A diretora Wickham ligou ontem à noite - anunciou por fim minha mãe. -
Seu professor de história disse que você não tem prestado atenção nas
aulas. Ele alega que você dormiu durante uma aula sobre a fundação de
Nova York. Ao que parece, você nem se incomodou em limpar a baba
quando você foi embora. - Enfim, eu tinha entendido aonde minha mãe
queria chegar. Minhas atividades extracurriculares não estavam em
questão. Eu podia me fantasiar de Mulher Maravilha e combater as forças
do mal, desde que tirasse boas notas.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Eu não babei. O sr. Dedly não gosta de mim porque eu sei mais sobre a
história de Nova York do que ele. - Isso pode parecer convencimento meu,
mas não era exagero. Passei dois anos vasculhando a imensa biblioteca de
meus pais e devorando cada livro que pude sobre o assunto. Eu sabia
quantos trabalhadores infelizes foram sepultados na ponte do Brooklyn, que
cemitério antigamente fornecia cadáveres novos para dissecação dos
estudantes de medicina e a localização da ferrovia subterrânea secreta para
uso pessoal da família Vanderbilt. Eu mesma podia dar a aula - e com muito
mais talento do que o sr. Dedly devo acrescentar.
- O que pode ser verdade, Ananka. Mas o sr. Dedly não é o único professor
que a pegou cochilando em aula.
- Isso não importa - disse minha mãe. - O que importa é que as aulas
começaram há três semanas e você já está encrencada. Não quero mais
boletins como os do ano passado. Mais uma nota C ou D e vou mandá-la
para um internato. Não estou brincando, Ananka. Vou encontrar um tão
distante da civilização que a única coisa que você terá para fazer será o
dever de casa.
- Não acho que vá querer descobrir se sou capaz disso. Sugiro que comece a
passar mais tempo estudando e menos andando por aí com suas amigas.
Algumas delas não parecem se importar com os estudos, e duas são
trapaceiras de carteirinha. Oona Wong nunca bate na porta quando vem
aqui. Só põe a mão na maçaneta e entra sozinha.
- Não duvido disso nem por um minuto. Elas até podem ajudar você a
ganhar uma bolsa para a universidade comunitária de sua preferência. -
Minha mãe se levantou da mesa. - Você e Kiki Strike estão aprontando
alguma - disse ela. - Não sei o que é, mas se continuar afetando seu
rendimento escolar, descobrir será minha missão.
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
Como estou com humor para compartilhar, vou lhe contar a verdade. Aos 12
anos, eu me juntei às Irregulares, um bando de bandeirantes em desgraça
lideradas pela infame Kiki Strike. Juntas, nós seis partilhamos um segredo
extraordinário. Descobrimos um vasto labirinto de passagens esquecidas
debaixo do centro de Nova York, construído pela comunidade do crime da
cidade há mais de duzentos anos. Entradas secretas para a Cidade das
Sombras podem ser encontradas em porões de bancos, lojas de grife e
casas elegantes de toda Manhattan, e qualquer um que tenha acesso aos
túneis infestados de ratos pode entrar e roubar os prédios à vontade. É
claro que as Irregulares não estavam interessadas em rechear os bolsos
com produtor adquiridos ilicitamente. Apenas queríamos que os túneis
fossem só nossos. Mas sabíamos que nosso playground subterrâneo tinha
um preço. Em vez de deixar que as autoridades estragassem a diversão,
assumimos a responsabilidade de evitar que uma nova geração de
criminosos usasse a Cidade das Sombras.
Prefiro pensar que tivemos sucesso. Mas como os corpos inchados de lulas
gigantes que dão na praia da Nova Zelândia, até os segredos mais bem
guardados um dia, cedo ou tarde, vêm à tona. Seis meses atrás, um mapa
incompleto da Cidade das Sombras caiu nas piores mãos possíveis e os
parentes assassinos de Kiki Strike - a cruel rainha da Pocróvia e sua filha de
moral questionável - usaram-no para tramar sua destruição. Depois que as
Irregulares frustraram um atentado contra a vida de Kiki, Livia e Sidonia
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Galatzina fugiram para a Rússia. Mas era só uma questão de tempo até elas
voltarem - e, pelo que sabemos, elas ainda têm uma cópia de nosso mapa.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
Para qualquer uma que pense que eu estava exagerando, incluí uma curta
lista das pessoas que querem Kiki Strike morta. A lista aumenta
consideravelmente com o passar dos anos mas, dado o fato de que Kiki não
tinha idade para dirigir (embora em geral fizesse isso) na época desta
história, acho que você vai achar a lista bem impressionante.
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Na rua 18, saí de meu táxi e entrei num rio de água de chuva que corria
junto ao meio-fio. Espremendo-me ao passar pelos postes do prédio, eu não
sabia se Kiki e Verushka estavam em casa. Uma hera voraz tinha tragado as
duas janelas que davam para a rua e agora suas gavinhas famintas
atacavam os prédios vizinhos. Subi às portas altas de madeira em arco,
estendi a mão fundo pela hera e apertei a campainha escondida. Como
ninguém atendeu, esperei que um pedestre ruidoso virasse a esquina e
comecei a escalar a parede.
Se você for meio parecida comigo, deve ter visto uns mil filmes em que as
pessoas escalam prédios usando uma ampla variedade de plantas
trepadeiras. Acredite em mim quando eu lhe digo que é muito mais difícil do
que parece e você não deve experimentar, a não ser que esteja salvando a
vida de alguém ou fugindo da polícia. Antes de chegar à beira do telhado de
Kiki, escorreguei uma meia dúzia de vezes, esfolando os nós dos dedos. Por
fim, consegui subir e olhei pela imensa claraboia no telhado do prédio. As
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
luzes estavam acesas, mas Kiki e Verushka não estavam ali. Toda a
habilitação estava tranquila e silenciosa como uma casa de bonecas de uma
criança morta. Não vi sinais de luta - pelo que eu podia dizer, tudo estava
em seu lugar. Na realidade, só percebi um sinal de que havia algo errado.
No meio da sala, a cadeira de rodas de Verushka estava vazia.
Por mais que quisesse investigar, eu não podia invadir a casa de Kiki. As
Irregulares passaram semanas montando armadilhas e uma nuvem de gás
de riso explodiria se alguém se atirasse na lateral do prédio. Force uma
tranca e você se verá presa numa rede de lasers que vão chamuscar sua
pele. Fiquei agachada no telhado e pensei em minhas alternativas. Só havia
uma, e não gostei dela: ter de esperar.
Apesar de que alguns livros lhe dirão, você não precisa de poderes mágicos
nem amigos no reino das fadas para desfrutar de uma emocionante
aventura de vez em quando. O que você precisa é de um pouco de bom
senso - e alguns conselhos práticos. É o que ofereço aqui. Posso não ser a
maior aventureira do mundo, mas o que aprendi foi com os melhores. (E
costumo fazer anotações muito boas.)
Vamos começar por uma coisa simples. Até que ponto você gostaria de
intrigar os outros, inspirar romances e talvez se tornar uma lenda em sua
época? Você não precisa de um passado de crimes, nem de um segredo
perigoso, nem mesmo de um sobretudo impermeável para parecer
misteriosa.
Gritos silenciosos
Se você é do tipo que gosta de contar a história de sua vida a alguém que
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Invente um segredo
Poucas coisas são mais intrigantes do que uma cicatriz. Se você já tiver
uma, considere-se uma pessoa de sorte. Se não tiver, deve encontrar uma
alternativa razoável em uma loja de fantasias. Mais uma vez, é melhor não
discutir o assunto. Nenhuma história que você inventar será tão fascinante
quanto aquelas que as pessoas forjarão sozinhas.
Aprenda a desaparecer
Desaparecer é mais fácil do que parece. Você sempre almoça com seus
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
amigos no mesmo lugar? Escolha um dia para comer atum num lugar
diferente. Não explique sua ausência. Recuse-se a atender o telefone ou
responder a e-mails por 24 horas. Diga às pessoas que você estava
ocupada. Quando sair com um grupo, espere até que ninguém esteja
olhando e abandone-o. Quando indagada, diga que tinha uma coisa para
fazer.
Depois de você conseguir criar uma aura de mistério, pode ser a hora de
transmitir seu conhecimento a novos amigos. Encontre uma causa que
possa alardear - seja salvar ou dominar o mundo - e cria sua própria
sociedade secreta. Pense em criar seu logotipo, mas lembre-se - para que
seja uma sociedade secreta mesmo, deve continuar sempre em SEGREDO.
CAPÍTULO DOIS
Acho que posso dizer com segurança que a maioria das meninas de 14 anos
com histórico criminal teria guardado distância do Fat Frankie's. Toda
manhã, dezenas de policiais se espremiam na pequena lanchonete para
devorar o café da manhã antes de seus turnos matinais. Mas no verão, o Fat
Frankie's tornou-se o ponto de encontro preferido de Oona Wong. Por mais
ilícitos que fossem seus negócios, ela preferia realizá-los em público. Ela
sabia que não tinha nada a temer. Poucos de seus clientes podiam imaginar
que a menina elegante com cara de boneca fora uma das falsárias mais
famosas de Chinatown. Oona dizia gostar de viver sob tensão - mas sempre
desconfiei que ela tivesse uma queda por policiais.
O que Oona fazia com o dinheiro era um mistério que o restante de nós
jamais conseguiu resolver. Tremendamente indelicada, ela nunca hesitava
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
em observar que seu brilho labial não combinava com a pele ou que uma
espinha gigantesca estava prestes a estourar na sua testa. Mas por uma
questão de princípios, recusava-se a discutir sua vida pessoal. Apesar do
que soubemos dela com o passar dos anos, não fazíamos ideia de onde
Oona morava ou com quem preparava seus waffles toda manhã. Minha
única tentativa de satisfazer a curiosidade terminou numa discussão franca
em uma rua de Chinatown quando Oona me pegou seguindo-a para casa,
disfarçada de uma sem-tato estranhamente jovem. No fim, prometi deixá-la
em paz. Eu sabia que um dia a verdade seria revelada e não valia a pena
perder uma amiga para ter uma pré-estreia.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
tem de estar aqui. Quando uma de nós convoca uma reunião, todas têm
que comparecer. Esta é a regra.
- Baixe a voz. É cedo demais para gritar. - De todas nós, DeeDee era a que
tinha menos paciência com as explosões de Oona. - Deixe Ananka terminar
primeiro, está bem?
- Vai ver estava invadindo outra pet shop - disse Luz, voltando a seu
conserto. - Alguém aqui viu os jornais de hoje? Aposto que alguém viu um
duende albino soltando outros macacos nas ruas ontem à noite.
- Kiki não soltou aqueles animais. Ela nunca foi irresponsável. É um milagre
que nenhum deles tenha sido atropelado por um ônibus. - De natureza dócil
e crédula, Betty jamais acreditou que Kiki fosse capaz de qualquer coisa
repreensível. O restante do grupo sabia muito bem que era possível.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- É cedo demais para gritar - Oona zombou dela. - Kiki desaparece o tempo
todo. É isso o que ela faz. Não sei por que estão todas preocupadas.
Nenhuma de vocês perceberia se eu não aparecesse para uma reunião.
- Sua família não está tentando matar você - Betty tentou explicar.
Por um momento, parecia que os lábios de Oona não iam se mexer. Sua
raiva tinha desaparecido e ela começou a ficar amuada.
- Não tenho passado muito tempo lá - disse ela por fim. - Mas Livia e Sidonia
são tópicos de prioridade máxima. Se houvesse alguma novidade, alguém
teria me avisado.
- Será que a gente deve dar uma olhada na casa de Kiki? - perguntou
DeeDee. - Se nos derem algumas horas, Luz e eu podemos desativar as
armadilhas.
- E destruir aquele trabalhão todo? - Luz gemeu. - O que é isso, gente? Oona
tem razão. Esta não é a primeira vez que Kiki desaparece. Nem é a quarta
vez. A gente não devia estar um ou dois dias antes de destruir tudo?
- Talvez Luz tenha razão - disse Betty. - Nossa reunião semanal é amanhã.
Se Kiki não aparecer, podemos invadir sua casa e procurar pistas.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Tenho uma pesquisa para fazer. Se Livia e Sidonia voltaram a Nova York,
pode haver uma nota nas colunas de fofocas.
- Mas Oona convocou a reunião e ainda nem deixamos que ela falasse -
protestou Betty. Oona não disse nada. Limitou-se a se concentrar na mesa
diante dela como se desejasse que ela voasse pela janela.
***
Naquela noite, o clima piorou. Mesmo com as janelas abertas, meu quarto
estava quente o bastante para assar um bode. Deitei-me de camisola na
minha cama, usando o Daily News como leque. Depois que voltei da
reunião, passei um pente-fino em cada jornal de Nova York. Não havia
menção alguma a Livia ou Sidonia Galatzina. Os esquilos gigantes eram a
grande matéria do dia.
Como que para provar à cidade que eles não podiam ser ignorados, os
esquilos invadiram o zoológico do Central Park nas primeiras horas da
manhã e libertaram centenas de animais de suas jaulas. Às seis da manhã,
um corredor contou ter visto um bando de pinguins num banquete de peixe
no Harlem Meer. Uma jiboia foi vista tomando sol na escadaria de uma
mansão da Quinta Avenida, com o volume de um poodle no ventre. Rãs
arborícolas com cores de pedras preciosas pendiam dos galhos de um
pinheiro feito uma decoração de árvore de Natal. Entre os únicos animais
que ficaram no zoológico estavam vários esquilos enormes. Aquele que
ganhou a primeira página do New York Times tinha sido pintado em um
iceberg de plástico do habitat do urso polar. Era uma fera de aparência
homicida com uma placa que dizia grosseiramente: TÁ OLHANDO O QUÊ?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Aranha.
Depois que ouvi seus passos sumirem, enfiei-me pela janela e cheguei à
saída de incêndio. Kiki Strike estava encostada na parede, esperando por
mim, as roupas pretas e chiques misturando-se na noite. Não era
exatamente a imagem de uma princesa - às vezes é difícil acreditar que ela
era humana. Embora o veneno que ela consumira quando bebê não a
tivesse matado, secara a cor da pele e do cabelo. E como o atentado contra
sua vida a deixou alérgica à maioria dos alimentos, era improvável que ela
passasse de um metro e meio de altura. Aos 14 anos, parecia uma criatura
de um filme de ficção científica, incrivelmente bonita e estranha.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Desculpe pelo atraso - sussurrou ela. Mesmo no escuro, eu sabia que havia
alguma coisa errada. Seus olhos azul-claros estejam injetados, as
bochechas ainda mais encovadas, e ela não escovava o cabelo havia dias.
- Vinte e quatro horas. Acho que é seu novo recorde de atraso. Por onde
andou? Eu tinha certeza de que você tinha sido raptada. Passei o dia todo
tentando localizar Livia.
- Verushka está no hospital? O que ela tem? Ela vai ficar bem? Posso vê-la? -
As perguntas disparavam de minha boca como projéteis de mira ruim e
minha visão se toldou enquanto as lágrimas tomavam meus olhos. Verushka
não só era o tipo de guardiã que eu sempre quis ter - engraçada,
compreensiva e hábil com uma bazuca - mas eu também sabia que tinha
sido ela quem convencera Kiki a me convidar a ingressar nas Irregulares.
Sem a intervenção dela, eu podia ter morrido de tédio muito antes de
chegar ao ensino médio.
- Nada que não possa ser tratado. O que acha de terminarmos o mapa esta
noite?
- Quer que eu cuide deles? - perguntou Kiki com uma sobrancelha arqueada
que tive medo de interpretar.
- Acho que posso lidar com eles sozinha - garanti a ela. - Mas preciso mesmo
descansar um pouco. Minha mãe ameaçou me deportar para o meio do
nada se minhas notas não melhorarem.
- Venha comigo esta noite e prometo que vai tirar um cochilo amanhã à
tarde.
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- E a babá?
***
Kirsten Miller
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- Por que esse jaleco de laboratório? - perguntou Kiki a Iris. - Não me diga
que andou fazendo experimentos com a babá de novo. Há leis contra esse
tipo de coisa, sabia?
Iris riu.
Kirsten Miller
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- Eu adoraria - disse Iris. - Mas meus pais vão chegar a qualquer minuto.
Além disso, quero me certificar de que tudo esteja perfeito para amanhã. Se
precisar do perfume, há um frasco a mais no baú lá embaixo. Só trate de ser
super silenciosa quando sair. Minha mãe achou que tinha um ladrão aqui da
última vez que vocês vieram.
- Será que vocês não podem se entender? - Kiki suspirou. - Toda essa briga
está começando a encher o saco.
- Eu me entendo muito bem com ela - reclamou Iris. - Não é culpa minha se
ela não gosta de mim. Na segunda-feira ela disse que se eu não ficasse
mais alta, vocês iam me vender a um circo.
- Só porque ela te sacaneia não quer dizer que não goste de você - tentei
Kirsten Miller
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tranquilizar Iris. - Oona sacaneia todo mundo. Ela não sabe agir de outra
forma. É como se fosse socialmente retardada.
- Obrigada - disse Iris com um riso malicioso. - Talvez eu faça isso mesmo.
***
Kirsten Miller
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- Você é tão otimista, Ananka - brincou Kiki. - Tomara que tenha sido um
fantasma. Mas fique de olhos abertos. Pode haver alguém aqui embaixo.
Não percebeu nada estranho nos últimos minutos?
Kirsten Miller
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- Exatamente - disse Kiki. - Esse é o primeiro rato que vejo há algum tempo.
Não faz você se perguntar para onde eles foram?
***
O último túnel não mapeado da Cidade das Sombras serpenteava por baixo
do Lower East Side de Manhattan. Suas paredes de tijolos esfarelados eram
menos impressionantes do que as passagens altas e arqueadas em toda
parte da cidade, e às vezes parecia que estávamos andando pelo corredor
de uma penitenciária abandonada. Tirei medidas e fiz anotações enquanto
Kiki investigava os cômodos por que passávamos. A maioria estava vazia,
embora descobríssemos um depósito cheio de barris de ostras em conserva
suficientes para alimentar uma pequena cidade por um ano (mas desconfio
de que a maioria dos moradores preferisse passar de fome). Para nossa
decepção, nenhuma das câmaras parecia ter uma saída para a superfície.
Quando o túnel deu num beco sem saída em uma porta de madeira simples,
preocupei-me em silêncio que nossa última exploração tivesse sido inútil.
- Quem dormiu na minha cama? - brinquei, mas Kiki estava com a orelha
colada na parede ao lado do guarda-roupa e não prestava atenção. Peguei
um livro antigo na mesa de cabeceira. A folha de rosto dizia Guia de uma
canadense para as donas de casa. Folheei o livro, parando para olhar
rapidamente os capítulos que davam instruções convenientes para fazer
suas próprias calcinhas de aniagem e preparar um nutritivo guisado de alce.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Tem toda razão. Mas sei aonde este túnel vai dar. É uma rota de fuga para
o rio. Você sai subindo por aqui. - Ela ergueu os olhos para o teto. Ali, acima
de nossas cabeças, havia uma abertura circular cavada na terra - uma saída
da Cidade das Sombras.
Eu me icei para fora do buraco e segui sua lanterna, que circulava por uma
sala enorme. As paredes eram pintadas com murais de prédios antigos e
paisagens com palmeiras. Fileiras organizadas de bancos de madeira
revestiam o chão. Na frente da sala, havia uma arca de dois níveis feita de
madeira e ouro, decorada com um par de leões chorosos.
- Parece um templo.
- Mas ora veja só - Kiki estava maravilhada. - Nosso último túnel inexplorado
e finalmente descobrimos que alguém fez um bom uso da Cidade das
Kirsten Miller
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- Faz alguma idea da importância disto aqui? Este alçapão, esta sala, as dez
caminhas... Tudo faz parte da história americana. Não há nada parecido em
lugar algum.
- É por isso que é uma pena que ninguém possa saber deles, a não ser a
gente. - Embora estivesse escuro demais para enxergar, eu podia ouvir a
advertência na voz de Kiki.
- Kiki, sente-se por um minuto. Temos que conversar sobre isso - pedi.
De sobrancelhas arqueadas, Kiki se acomodou na lateral da cama
desarrumada. De repente, sua testa se vincou. Ela bateu no lençol ao lado.
- Poupe sua aula para depois. Tem alguma coisa na cama - disse ela,
abrindo com cuidado o lençol. Uma pequena figura de argila caiu no
colchão. Era uma mulher usando uma armadura chinesa antiga, montada
num cavalo preto e gordo. Não havia dúvidas de que era muito mais antiga
do que qualquer coisa que tivéssemos encontrado na Cidade das Sombras.
- Lá se vai a sua teoria dos fantasmas. Alguém desceu aqui. Então acho que
resta uma pergunta. - Kiki me abriu um sorriso perverso.
- Qual? - perguntei.
Está preocupada que seu espaço privativo possa ser invadido mas não tem
dinheiro para seguranças armados ou feixes de laser? Não precisa pirar - há
dezenas de opções disponíveis. Os dispositivos de segurança baratos e
eficazes a seguir não só indicarão uma entrada não autorizada, como
muitos também matarão um invasor de susto (o que pode ser muito
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Detectores de movimento
Os dois itens anteriores são ótimos para proteger seus pertences quando
você não está longe - mas e se você suspeitar de que alguém está fuçando
quando você não está em casa? Se você não é rica e nem tem talento para
instalar sistemas de segurança eletrônicos, recomendo um simples gravador
ativado por voz, que começará a gravar ao som de movimento. Você pode
não pegar seu xereta no flagra, mas pelo menos terá uma prova concreta
de que aconteceu uma invasão.
Armadilhas de fios
Kirsten Miller
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Se você tem habilidade manual e quer um alarme que faça muito barulho,
uma rápida busca na internet e levará a instruções para produzir uma
ampla variedade de alarmes com peças que talvez já estejam em sua
garagem.
CAPÍTULOS TRÊS
Eau Irresistible
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Parece que todo mundo na Atalanta tinha uma teoria sobre o paradeiro da
Princesa. Em setembro, ouvi duas meninas do primeiro ano que
conseguiram se convencer de que Sidonia estava morando em um castelo
nos Alpes, noiva em segredo do príncipe Uder de Liechtenstein. (Kiki deu
uma boa gargalhada com essa.) Mais tarde, ouvi que Dylan Handworthy
tinha visto a Princesa em um anúncio japonês de desinfetante de privada.
(Embora a modelo fosse somente parecida, cópias coloridas do anúncio
rapidamente foram coladas em cada banheiro da escola.) Mas a teoria mais
promissora nunca chegou a público. Alex Upton insistia ter esbarrado na
Princesa enquanto visitava a Galeria de Rubens no museu Hermitage em
São Petersburgo. Alex se gabava de que Sidonia havia apresentado seu
companheiro Oleg Volkov, um gângster russo que se acreditava ser um dos
dez homens mais ricos do mundo. O que chamou minha atenção foi a data.
Se Alex estava dizendo a verdade, a Princesa e sua mãe ainda estavam em
São Petersburgo em agosto - um mês inteiro depois de as Irregulares
perderem seu rastro.
Fui a sombra de Alex por mais de uma semana, na esperança de obter mais
informações. Mas nesta manhã eu estava cansada demais para o trabalho
de detetive. Fo só por acaso que passei por perto enquanto ela conversava
com uma amiga na frente do laboratório de biologia.
- Acredita no quê?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Uma das bolsistas disse que foi atacada por esquilos ontem.
- Não, é só que aquele amigo do meu irmão teve o iPod roubado por um
esquilo ontem - disse a terceira menina.
- Ele disse que não era um esquilo comum. Era imenso... Tipo, com meio
metro. Ele tentou avisar a um policial, mas o cara riu e disse a ele para não
usar drogas. Ei, que cheiro é esse?
- Que cheiro?
- Quer dizer que não está sentindo? Parece um banheiro químico carregado
de chili.
Bastou uma farejada rápida para confirmar que havia mesmo um toque de
esgoto no ar. O odor ficava mais forte e começou a vagar por toda a escola.
Centenas de narizes foram tapados de nojo e as paredes soavam com um
coro de "Ecaaaa!"
Cem vozes nasaladas soltaram um grito. Kiki Strike cumpriu sua promessa.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Enquanto eu ia para casa para uma soneca muito necessária, uma menina
pálida e baixinha de peruca preta e óculos de sol se junto a mim na esquina
da 68 com a Lexington. Como tinha sido aluna da Escola Atalanta, Kiki não
podia se arriscar a ser reconhecida. Andamos em silêncio para o metrô e
esperamos na extremidade da plataforma.
- Ótimo trabalho! - Eu a elogiei depois que não havia mais ninguém por
perto para ouvir. - Como você conseguiu que o esgoto fluísse?
- Não fiz isso. Só liguei para a diretora Wickham - ela se gabou. - Ah... E
depois atirei uma daquelas belezinhas pela janela do banheiro. - Ela abriu a
mão o bastante para revelar uma bomba de inhaca do tamanho de uma
ameixa. - DeeDee tem uma caixa cheia delas no laboratório. Adivinha qual é
o ingrediente secreto?
- Cocô? - arrisquei.
- Fresquinho, das calçadas do Upper West Side. Ela fez um acordo com um
cara que leva cães para passear no bairro dela.
- Que nojo - falei. - Espero que leve as suas mãos quando chegar em casa.
- Está vendo até que ponto eu vou para evitar que você se lasque? - disse
Kiki.
- Não, não era sobre Sidonia. Era sobre os esquilos. Eles começaram a
assaltar as pessoas no fim de semana.
- Foi o que eu soube. Eu estava pensando em fazer uma pequena busca por
esquilos enquanto estiver por aqui. Mas agora os roedores cleptomaníacos
não são a minha maior preocupação.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Pensando bem, vou dar uma caminhada no parque - disse Kiki. - Vejo você
na reunião.
***
- Desculpe. Dormi demais. - Segui DeeDee enquanto ela quicava por cinco
lances de escada até o sótão. Os fundilhos da calça davam a impressão de
que ela tinha sentado num pudim de graxa, e uma gororoba roxa que
balançava feito gelatina estava grudada em suas trancinhas. - Kiki usou
uma de suas bombinhas de inhaca para fechar a Escola Atalanta, então eu
pude tirar uma soneca.
- Que bom que alguém encontrou utilidade para elas. Meus pais ameaçaram
se mudar se eu não parasse a produção. Toda a casa fede a uma fábrica de
fertilizante. Nem posso te dizer o alívio que foi quando comecei a trabalhar
com Iris.
- Espero que você não a deixe usar nenhuma substância perigosa - ressaltei,
sabendo que a elegância não estava entre os muitos dons de Iris. - Não
estou a fim de morrer hoje.
- Por que todo mundo trata Iris como uma criancinha? - DeeDee fungou. - Eu
estava fazendo meus primeiros explosivos quando tinha 11 anos.
- É, e olha aonde isso te levou. - Apontei para a cicatriz que atravessava sua
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Não acha que isso me deixa interessante? - DeeDee levava tudo a sério,
menos sua aparência. - Na minha escola, todo mundo quer conhecer a
garota da cicatriz.
***
- Quanto tempo isso vai levar? - ouvi Oona perguntar. - Tenho uma coisa
importante para falar.
- Vai levar o tempo de que Iris precisar - disse Kiki, asperamente. - Ananka e
eu também temos novidades, mas estamos dispostas a esperar nossa vez.
Iris está ansiando por isso há meses.
Oona revirou os olhos e fitou o teto. Peguei a cadeira mais distante possível.
DeeDee bateu de leve na porta do banheiro e a cabecinha de Iris espiou o
laboratório.
- Não podemos te ouvir, Iris - disse Oona. DeeDee lhe lançou um olhar
desagradável.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Sim, estão todas aqui - disse ela a Iris. A porta do banheiro se fechou de
novo enquanto DeeDee se sentava.
Exatamente dez segundos depois (ela devia estar contando), Iris fez sua
entrada. Usava um jaleco de laboratório enorme que chegava aos
tornozelos e óculos de proteção laranja. O cabelo tinha sido puxado num
coque de aparência oficial.
Oona riu.
- Oi, Iris - disse Betty. Em homenagem ao grande dia de Iris, ela vestiu um
terninho Chanel vintage e sua peruca ruiva preferida.
- Posso cheirar?
- Pode esquecer, Iris. Já estou com perfume - disse Oona. - Foi feito sob
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Iris... - disse DeeDee num tom de alerta. Vi uma das sobrancelhas de Kiki
se erguer.
- Está tudo bem, DeeDee - insistiu Iris. - Oona não precisa usar para apreciá-
lo.
- Acho que precisa de um nome melhor para isso - disse ela. - Que tal Eau
de Sovaco? É quase tão horroroso quando se perfume repelente de ratos.
- Achei que diria isso. Não é especial o bastante para uma garota de seu
gosto. Quer dizer, olhe para você. São brincos de diamante que está
usando, não são?
- Dois quilates cada um - gabou-se Oona. Todo mundo tinha um ponto fraco,
mas Oona tinha mais do que sua parcela de direito. No topo da lista que
incluía bolsas de crocodilo e meias de cashmere, estavam diamantes.
- São lindos - disse Iris, deixando perfeitamente claro que queria dizer o
contrário. - Mas você fica meio vagabunda com eles. Acho que fica melhor
em Ananka, não concorda?
- Sabe de uma coisa, você tem razão - concordou ela. - Sempre pensei que
eles eram meio bregas. Quer, Ananka? - Ela tirou os diamantes das orelhas
e os jogou no meu colo.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- É mesmo? - disse Oona. - Devo ter perdido essa edição. Acha que eu devia
tirar o vestido? Estou com uma combinação por baixo. Mas não ia ficar meio
frígido?
- Frio, idiota - declarou Iris. - Uma mulher deve estar disposta a sofrer pela
moda.
- Mas não posso estar mais de acordo! - anunciou OOna, tirando o vestido.
Ela se postou na nossa frente com uma combinação rosa-clara. - Que tal
isso? Fabulosa, não é?
- Hmmm, Iris - eu disse, reprimindo uma gargalhada. - Até que ponto você
vai com isso? - Iris me ignorou.
- Você está ótima, Oona. Depois da reunião, vamos até sua casa nos livrar
de todas as coisas feias do seu armário. Aliás, eu sempre me perguntei
onde você morava. Ninguém jamais foi a sua casa, não é? Por que não nos
conta?
- Já chega - ladrou Kiki antes que Oona tivesse a oportunidade de falar. Ela
pegou o vestido de Oona e lhe entregou. - Vá ao banheiro e vista suas
roupas - ela a instruiu.
- É verdade, mas espero que não tenha ido longe demais. Não queira ter
Kirsten Miller
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- Não, mas concordo com Iris. Oona estava pedindo por isso.
- Estou com DeeDee. Ninguém me faz rir tanto há meses - disse Luz. - Então
o perfume pode forçar as pessoas a fazerem o que você quer?
Enquanto o restante de nós ficava sem fala, Betty e DeeDee partiram atrás
de Oona.
- Epa - disse Luz, enfiando a mão no fundo dos bolsos do macacão. - Parece
que Oona teve uma overdose do próprio remédio.
- Você deve ter atingido um ponto fraco - falei. - Ela vai perdoá-la.
- Claro. - Minha mentira não era convincente e Iris começou a fungar assim
que Betty e DeeDee voltaram, sem fôlego.
- Ela não vai voltar - anunciou DeeDee. - Vamos continuar com o show. Já
tive o suficiente de Oona por hoje. Na verdade, eu mal me lembro de
Kirsten Miller
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- Oona só está chateada - disse Betty. - Tem alguma coisa errada. Ela agiu
de forma estranha a semana toda. Não acham melhor adiar a reunião?
- Humm. Onde eu estava mesmo? Tá legal. Depois que o perfume que meus
pais trouxeram de Bornéu funcionou tão bem nos ratos, comecei a pensar
em outras coisas que eu podia fazer. E aí li no jornal sobre uns cientistas da
Suíça que inventaram um spray que faz as pessoas parecerem confiáveis.
Quando contei a DeeDee sobre isso, ela se ofereceu para me ajudar a
melhorar a fórmula deles.
- Claro. - DeeDee sorriu. - Para aquelas de vocês que preferem dormir nas
aulas de biologia, a ocitocina é uma substância em nosso corpo que nos
ajuda a formar laços com os outros. Compõe o que nos ajuda a nos
apaixonar. Mas em pequenas doses, ela faz com que você confie nas
pessoas a seu redor. Por exemplo, a ocitocina é um dos motivos para que as
meninas gostem de fofocar e trocar segredos. Isso é bom. Não precisamos
mudar a fórmula suíça; só a tornamos um pouco mais potente. Foi assim
que chegamos ao Fille Fiable.
Kirsten Miller
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Iris se intrometeu:
- Mas depois pensei em outra maneira de testar o perfume. Meu pai uma
vez me disse que há centenas de dinossauros no porão do Museu de
História Natural que ninguém jamais verá. Então DeeDee e eu convencemos
um dos seguranças para nos levar numa excursão.
- Percebemos que, com alguns retoques, nossa poção podia ter outras
utilidades - disse DeeDee. - Ainda não testamos, mas se nossos cálculos
estiverem corretos, deve fazer jus ao nome.
- Não acho que seja uma boa ideia. Como eu disse, ainda não testamos.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Tem que começar por algum lugar - disse Luz. - A Betty me parece uma
boa cobaia.
- Tudo bem, Betty, mas não vá reclamar comigo se começar a brotar cabelo
nos lugares errados - alertou DeeDee.
- Ai. Tem cheiro de chulé. Vamos ser se funciona. - Ela se virou para Luz e
bateu os cílios falsos. - Você me acha irresistível? - perguntou ela numa voz
ardente.
Luz inclinou-se para Betty, como que atraída pelo cheiro do perfume.
Iris avançava para pegar o vidro de Eau Irresistible com Betty quando
tropeçou na beira do tapete de DeeDee. Vendo Iris se atirar para ela, Betty
inclinou-se muito para trás e a cadeira virou. Kiki pegou o vidro de perfume,
mas antes disso a maior parte do conteúdo foi derramada. Betty olhou para
cima chocada, a peruca vermelha ensopada de perfume, enquanto o cheiro
de chulé enchia o quarto. Iris olhou, petrificada, quando DeeDee tirou o
cabelo da cabeça de Betty e o jogou num canto. Depois arrastou Betty ao
banheiro e lhe deu um banho totalmente vestida.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- E nós? - Luz gemeu. - Pelo cheiro, parece que tem uma meia gigante e
suada aqui.
- Sabe de uma coisa, DeeDee, não acho que aplicar mais dessa coisa vá
fazer com que funcione melhor - Kiki informou à nossa anfitriã. - Ninguém
neste quarto parece muito atraente agora.
***
Dez minutos depois, Betty saiu do banheiro e se sentou ao lado de uma Iris
infeliz. Usava uma camiseta de clube de química e jeans de DeeDee, que
era uns 8 centímetros mais curto e coberto de manchas verdes. Apesar da
roupa nada elegante, era um pouco enervante ver Betty sem disfarce. Por
baixo de toda a maquiagem e narizes de borracha, ela era
extraordinariamente bonita.
- Achei sua apresentação fascinante - disse ela, mais preocupada com Iris
do que consigo mesma. - Não se preocupe comigo.
- Você ainda está fedendo um pouco - Iris fungou... Pode durar alguns dias.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Claro. Uma menina na escola teve a carteira roubada. Todo mundo está
falando nisso.
- Vamos tratar da questão dos esquilos mais tarde - disse Kiki. - Agora
temos problemas maiores. Ananka, quer contar a elas?
- Duvido que seja a Fu-Tsang - disse Kiki. - A maioria deles está na cadeia. O
restante provavelmente te medo demais dos ratos para descer os túneis.
Três deles foram mesmo devorados da última vez.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Se eu ficar acordada até tarde, posso ter tudo preparado amanhã. Mas há
uma coisa de que vou precisar.
- O quê?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Cuidado quando jogar fora qualquer documento que traga sua conta
bancária ou números de cartão de crédito, a não ser que esteja disposta a
pagar a conta das férias em Las Vegas de um estranho ou suas ligações
para uma hotline de psicóticos.
Uma conta de celular dará a um enxerido uma lista dos telefonemas que
você fez ou recebeu por um mês inteiro. Então, cuidado com quem conversa
- ou destrua sua conta antes que ela chegue ao aterro sanitário.
Anda trocando bilhetinhos com a paixão de sua amiga? Sua avó totalmente
ignora o conselho do programa de proteção a testemunhas e lhe manda um
cartão de aniversário? Você andou babando para fotos nada lisonjeiras de
seu abominável professor de matemática? Jogue tudo de forma apropriada
no lixo, ou esteja preparada para pagar o preço.
Se você é uma aluna estelar, esta pode não ser sua maior preocupação. Mas
se suas provas escolares revelam que você anda passando muito mais
tempo explorando sites nada educativos na internet, você pode querer
dispor das evidências de uma maneira discreta.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
CAPÍTULO QUATRO
- Fora, Ananka - berrou o sr. Dedly. - Entregue sua bolsa musical à diretora
imediatamente.
Uma menina chamada Petra Dubois teve a ousadia de dar uma risadinha
enquanto eu me levantava.
- Será que a diretora Wickham vai gostar de saber quem escreveu seu
último trabalho? - cochichei enquanto passava pela carteira dela, piscando
quando ela arfou. As fofocas podem ser mesquinhas, mas certamente têm
suas vantagens.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Acabei de falar com Kiki. Luz foi assaltada a caminho da escola hoje de
manhã. - Houve uma breve pausa. - Por esquilos.
- Ela está meio arranhada, mas vai sobreviver. Ela disse que estava
atravessando o Morningside Park quando três esquilos imensos pularam
nela. Um corredor os afugentou, mas sua bolsa já tinha sumido.
- Não - gemi.
- Ela quer uma reunião conosco na casa dela depois da aula. Vamos ao
Morningside Park para recuperar o mapa.
- Kiki disse que você diria isso. Ela me falou para lhe dar um recado.
- Que recado?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
desliguei.
***
Bati na porta antes de abrir uma fresta. A diretora Wickham folheava uma
pilha de pastas e parecia minúscula e velha atrás de sua enorme mesa de
carvalho. A julgar pelas histórias que rolavam por aí, podia-se esperar
encontrar as cabeças de alunas desobedientes como troféus de caça nas
paredes. Em vez disso, dezenas de fotos empoeiradas estavam penduradas
no reboco sujo. Em uma delas, uma conhecida pintora posava ao lado de
sua obra-prima numa exposição de arte moderna. Outra foto foi tirada na
recente posse da primeira senadora mulher de Nova York. O restante das
fotos abrangia pelo menos quatro décadas, mas todas tinham duas coisas
em comum. Cada uma delas focalizava mulheres famosas - diretoras,
escritoras, executivas e cirurgiãs. E em cada uma, escondida em algum
lugar ao fundo - a cara borrada ou meio oculta por uma taça de fundo - a
cara borrada ou meio oculta por uma taça de champanhe -, estava a
diretora Wickham. Mesmo nas fotos em preto e branco tiradas nos tempos
em que as mulheres nunca saíam de casa sem seus chapéus, luvas e meias,
ela parecia ter 100 anos de idade.
Eu arriei em uma das cadeiras duras de couro. Enquanto esperava que ela
terminasse com a papelada, vi uma bomba de inhaca com defeito em sua
mesa. O pavio estava chamuscado, mas não tinha queimado.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Kiki Strike?
- Não se faça de burra, por favor, Ananka. Suas notas são atrozes, mas eu
sei que é inteligente. Kiki Strike foi uma aluna daqui há alguns anos. Eu
verifiquei os arquivos depois que sua mãe falou no nome dela. Ela parece
pensar que sua amiga é a menina que continua aparecendo nos jornais.
- É o que dizem. Mas não acredito em tudo que ouço na televisão. Agora,
srta. Fishbein, vamos ser francas. Não é da minha conta o que você faz
quando não está na escola. Mas ficar acordada entre as oito da manhã e as
quatro da tarde é uma exigência da Atalanta. Se não acha que pode fazer
isso, acredito que sua mãe possa ter algumas alternativas para você.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Então sugiro que não falte a outra das fascinantes aulas do sr. Dedly. Mas
Ananka, se eu a vir de novo, não serei tão leniente. Entendeu bem?
***
- Luz não foi à escola hoje - explicou Kiki. - Verushka ensinou-a a usar a
besta.
- Que bom que Verushka está melhor - observei, vendo Kiki lançar uma
segunda flecha para o meio do alvo e me perguntando por que ela estava
com luvas azuis dentro de casa.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Como assim?
- Você verá. - Kiki me levou pela sala. - Procure não fazer estardalhaço.
- Vou lhe fazer um favor e esquecer o que disse. Para sua informação, tirei a
ideia dessas roupas de uma foto de Verushka nos velhos tempos.
- Sim, mas pode ver que a minha perna ainda está presa ao resto do meu
corpo - assinalou Verushka.
- O azul vai sumir? - perguntei, aliviada por não ter insultado Verushka.
- Por que todos esses livros, Verushka? - Peguei alguns livros na mesa de
centro. - Conversação em urdu? A arte da guerra? Venenos e antídotos
caseiros? Babilônia real? Parece que você tentou ler uma livraria inteira
hoje.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Verushka está tentando colocar nossas aulas em dia - explicou Kiki com
um suspiro. - Não é fácil ter aulas em casa.
- Esse é seu dever de casa? Eu trocaria a Atalanta por isso a qualquer hora.
Por que estudar uma coisa inútil como geometria quando eu podia estar
aprendendo a falar urdu?
- Sem geometria, não haveria túneis. Sem túneis, nada de Cidade das
Sombras. Sem Cidade das Sombras, nada de Irregulares - proclamou
Verushka. - Você deve à matemática mais do que pensa.
A campainha tocou e Kiki correu para atender. Parada na porta estava Oona
Wong usando um avental de manicure e uma carranca na cara. DeeDee e
Betty estava bem atrás dela. Oona marchou para dentro, ignorando as duas.
- Oona não parece muito emocionada de estar aqui. Alguma ideia de como
Kiki a convenceu a vir? - perguntei a Luz.
- Só estamos felizes por você ter vindo - eu disse, dando uma cotovelada em
Luz.
- Ah, tá, aposto que sim. Quem mais providenciaria a diversão? - Oona se
jogou no sofá, cruzou os braços e encarou o vazio. Verushka rodou a cadeira
até a menina e cochichou em seu ouvido. Oona assentiu solenemente e a
mulher mais velha saiu da sala.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
carregava e tentei tirá-lo de meu cabelo. Logo depois disso, outros dois
roedores me atacaram. Um corredor parou para me ajudar, mas os esquilos
só desapareceram quando ouvi um assovio. Foi quando eu vi que a bolsa
tinha sumido.
- Luz Lopez, vítima de esquilo - zombou Oona. - O que vai fazer no bis? Ser
assaltada por camundongos?
- Oona, você prometeu - disse Kiki. - Será que podemos nos entender o
suficiente para recuperar o mapa? Depois disso você e Luz podem sair no
tapa, não me importo.
Levantei a mão.
- Sim, Ananka, eu sei que você não acha que os esquilos ainda estarão lá.
Mas temos que tentar. Caso contrário, vamos ter que nos aventurar em
parques pelos próximos meses. Luz e eu passamos a tarde bolando um
plano. Nós seis vamos montar uma emboscada. DeeDee, gostaria de ser a
isca?
***
Desci devagarinho a trilha escarpada, olhando atrás de cada árvore por que
passava e procurando ouvir o som de passos atrás de mim. Quando
finalmente estava virada para a rota de DeeDee, agachei-me atrás de um
trecho de mato alto e ergui o binóculo. Encontrei Kiki ajoelhada na sombra
de uma estátua que mostrava um fauno jovem se refugiando de um urso
voraz. Luz e Oona estavam perto, escondidas em um arbusto. Betty, vestida
de gari, esvaziava latas de lixo. Quando Kiki lhe deu o sinal, Betty pegou em
uma lixeira um exemplar do Weekly World News e se sentou num banco do
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
parque.
- Bom trabalho, DeeDee - Kiki suspirou nos fones. - Parece que estamos sem
sorte.
- Espere. Tem uns homens andando perto de Betty - ouvi Luz sussurrar.
- Seu binóculo tem visão noturna - disse Luz. - Aperte o botão ao lado de seu
mindinho direito.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- O quê? Por quê? - Não gostei de receber ordens de alguém que tinha
cheiro de pet shop.
- Aqueles homens ali não estão sozinhos. Diga a suas amigas para irem
embora agora. Estou vendo seu fone. Sei que todas estão conectadas.
- Ótimo - disse o menino. Ele colocou dois dedos entre os lábios e soltou um
assovio ensurdecedor. Enquanto voltava pela trilha, três esquilos grandes
dispararam penhasco acima e seguiram em fila atrás dele.
***
- É uma ótima tecnologia - disse Luz. - Uma palma acende as luzes, duas me
fazem um cappuccino e se eu bater palmas três vezes, os lasers ligam e
transformam vocês em torrada. Sintam-se em casa.
Era mais fácil falar. Robôs sem membros já reivindicavam a maior parte das
cadeiras e cada superfície plana na oficina estava tomada de fios, eletrodos
e ferramentas que teriam emocionado um torturador. Nós cinco ficamos
sem jeito, de pé no meio da sala, tentando não tocar em nada que pudesse
nos queimar ou provocar dano encefálico.
- Havia mais deles do que você pensava. Não éramos as únicas planejando
uma emboscada esta noite.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Foi difícil saber no escuro. Só o que posso dizer é que ele era alto e sujo, e
fedia como o Abominável Homem das Neves.
- Não, só um pulou no meu colo. Deixou cair isso. - Ela colocou a mão no
bolso e pegou um medalhão numa corrente de ouro. - Estranho, né? Deve
ter sido roubado de alguém.
- Anda logo, nos dê uma provinha - disse Kiki com um sorriso malicioso.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Não, mas sei o que significa. É de uma ópera que vi umas mil vezes. La
Bohème. Meus pais desenharam o figurino da última produção, no Met.
- É uma coisa que um dos personagens principais diz. Não sei traduzir com
perfeição, mas quando ele vê a cara de uma mulher chamada Mimi na luz
da lua, diz que sabe que ela pode tornar os sonhos dele realidade.
- Até onde eu sei, os esquilos não são fãs de ópera. Betty tem um admirador
- falei.
- Não se empolgue - alertou Kiki. - Não estou dizendo que você não é
naturalmente irresistível, Betty, mas nem os criminosos costumam se
apaixonar com tanta rapidez. Pode haver mais alguma coisa acontecendo
aqui. - Andando na ponta dos pés, ela cheirou Betty e não pôde esconder
sua repulsa. - Chulé. Foi o que pensei. Não era essa peruca que você estava
usando ontem?
- Eu lavei - disse ela. - Pensei que tinha saído toda a Eau Irresistible. Acha
que foi só o perfume que o fez escrever isso?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Ora essa, não fique decepcionada - Kiki a consolou. - São boas novas. Se
você está atraindo os caras sem nem mesmo tentar, isso pode significar que
a fórmula espacial de Iris realmente funciona.
- Eu só estava tentando dizer que ela é bonita por baixo de toda essa
porcaria.
- Obrigada - disse Betty. - Mas a porcaria é quem eu sou. Por que ia querer
que alguém gostasse de mim por outro motivo?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
capaz de entrar em uma sala e saber quem esteve ali antes. (Um ótimo
truque se você suspeitar de que alguém andou xeretando seu quarto.)
Quem não quis ter o poder de deixar de melhor humor um pai, professor ou
oficial de condicional irritado? Você deve consultar um guia de aromaterapia
para escolher o aroma ideal para sua situação, mas um dos mais populares
é a lavanda, que alivia o estresse e pode baixar a pressão sangüínea.
Outras fragrâncias podem alterar o estado de espírito de diferentes
maneiras. O cheiro cítrico pode aumentar a produtividade, por exemplo,
enquanto baunilha ajuda a criar um clima caloroso e aconchegante.
Vingue-se
Nada diz te peguei como o odor de uma fralda suja, um hamster morto ou
uma costeleta de porco estragada, bem escondidos. Ponto final.
CAPÍTULO CINCO
O Garoto na Caixa
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Ele sabe onde eu moro - Betty disse ofegante, correndo até o restante de
nós enquanto estávamos na avenida do outro lado do Cemitério de
Mármore, esperando pelo poente. - Ele deve ter me seguido até em casa
ontem à noite.
- Então, como sabe que ele a seguiu? - perguntou Kiki, verificando minha
reação pelo canto do olho. Como as outras meninas, eu estava achando
toda a cena muito divertida.
- Bom, acho que a questão é a seguinte - disse Kiki Strike. - Você quer que
ele a acompanhe a sua casa?
- Não se preocupe - disse Oona. - Ele vai se esquecer de você e voltar a seus
pequenos furtos depois que o efeito do perfume passar. - Kiki lançou a Oona
um olhar que não foi inteiramente amistoso.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Que foi? - exclamou Oona. - Vocês têm algum problema com a verdade?
- Você não tem jeito, Oona - suspirei. - Vamos começar. Agora já deve estar
escuro.
***
- Eu peguei hoje à tarde - disse DeeDee. - Ela estava chateada porque não a
convidamos para vir esta noite.
Minha mão direita se fechou num punho quando ouvi Oona bufar atrás de
mim.
- Iris sabe que não podemos convidá-la - disse Kiki. - Os pais dela estão
ficando desconfiados de todo o tempo que andamos passando no porão da
casa deles. Querem que ela encontre amigos da idade dela. - O corredor
chegou a um beco sem saída e Kiki parou diante da sepultura de Augustus
Quackenbush. Tive um vislumbre do monstro do labirinto entalhado na
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Fiz mapas da Cidade das Sombras para cada uma de nós - expliquei. -
Coloque um detector de movimento onde tiver um ponto vermelho. E não
importa o que aconteça, não se esqueçam de destruir seus mapas antes de
a gente ir embora. - Até Oona assentiu, concordando. Numa cidade cheia de
princesas homicidas e esquilos cleptomaníacos, era bem complicado manter
um mapa em segurança.
- Acho que deve me deixar ir primeiro - anunciou ela numa voz superior. -
Kiki pode precisar de ajuda para arrombar uma tranca e o restante de vocês
é inútil com as mãos.
- Não escorregue - murmurou Luz num tom assassino. Betty me abriu o tipo
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
de sorriso triste que se dá a uma pessoa que está prestes a ter um membro
amputado. Parecia até que tinha pena de mim por formar dupla com Oona,
que ainda estava zangada com a pegadinha de Iris e castigava as outras por
testemunharem isso.
Uma por uma, as Irregulares desceram às cegas para a escuridão. Uma por
uma, nossas botas pisaram na terra e nos atrapalhamos para acender as
lanternas. Por fim, havia seis fachos de luz dançando pela passagem
apertada que Augustus Quackenbush construíra para contrabandear tecido
roubado do cemitério até sua loja próxima. Sem pretender sobreviver até o
século XX, a passagem mostrava sua idade. Farelos de terra chuviscavam
do teto, raízes de árvores agarravam nosso cabelo e já estávamos sujas
quando chegamos à porta para os túneis maiores da Cidade das Sombras.
Enquanto Oona parava de se espanar, eu avancei. Deduzi que a única
maneira de sobreviver à noite era agir como uma profissional e esperar que
Oona entendesse o recado. Correndo pelos túneis, plantei nossos detectores
de movimento com a maior rapidez possível. Em vez de ajudar, Oona
vadiava e perambulava, vasculhando os engradados e procurando moedas
em bolsos de casacos.
- Eu lamento que Iris a tenha constrangido. Mas você tem que admitir que
mereceu. - Eu podia ouvir a frieza que minha voz adquirira. - Ela está
cansada de ser o alvo de suas piadas. Sabe de uma coisa, Oona? O restante
de nós também está muito enjoado de você. Que tipo de pessoa implica
com uma menina de 11 anos... Ou com Betty, aliás? É como chutar bonecas.
E depois você tem a coragem de ficar ofendida quando uma delas revida?
Não sei o que há de errado com você ultimamente. Você sempre foi meio
grosseira, mas de uns tempos para cá está agindo como se fosse cria de
lobos.
- Acha que sou grosseira? - A voz de Oona não transmitia raiva. Ela parecia
surpresa, como se a ideia nunca tivesse lhe ocorrido. - Pensei que só
estivesse sendo franca.
- Nem sempre as pessoas precisam que você diga a elas a verdade - eu lhe
disse, embora já estivesse começando a me arrepender. Queria que minhas
palavras soassem como um tapa, mas em vez disso eu dei um murro. - Seja
um pouco mais gentil, sim? Nós devíamos ser suas amigas. - Dei as costas
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
para ela e parti para o local seguinte. Foi só quando eu já estava quase fora
de vista que Oona começou a me seguir.
- A sala onde encontramos a estatueta chinesa não fica longe daqui. - Tentei
parecer simpática. - Quer dar uma olhada?
- Acho que isto era uma estação de Ferrovia Subterrânea - expliquei depois
que nós duas entramos na sala das dez caminhas. - Há uma saída que leva
a uma sinagoga em Bialystoker Place e um túnel que se estende até a
margem do rio. Alguém escondia escravos na Cidade das Sombras e os
ajudava a fugir para a liberdade. - Apontei a cama amarfanhada. -
Encontramos a estatueta chinesa embrulhada nesse lençol. Kiki se sentou
nela.
- Desculpe por agir de forma tão pavorosa. Sei que isso não é desculpa, mas
eu ando sob muita pressão.
- Preciso contar uma coisa a vocês - confidenciou ela. - Mas não tive chance.
Primeiro Kiki desapareceu, depois Luz foi assaltada e depois descobrimos
que alguém esteve na Cidade das Sombras. Ninguém teve tempo para me
ouvir. Isso está me deixando louca.
- Acho que vou precisar de sua ajuda. - Ela parou. Era como se admitisse
uma coisa vergonhosa e precisasse criar coragem para continuar. Eu vi sua
boca se abrir uma vez mais, mas a voz foi tragada por um bipe alto e
insistente. Um ponto de luz vermelha piscou em nossos receptores.
- Não vamos nos preocupar com isso - pediu Oona depois que desligamos
nossos alarmes. - Uma das outras meninas deve ter ativado o sensor por
acidente.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Desculpe, Oona. Sei que a hora é péssima, mas vamos ter que verificar.
***
- A coisa aí dentro deve ser muito saborosa - disse Luz. - Eles estavam
dispostos a comer a caixa para chegar a ela.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Parece chinês. - Luz olhou para Kiki e Oona. - O que ele está dizendo?
- Está falando hakka. - O rosto de Oona estava cinza como porcelana barata.
- Disse que quer ir para casa.
- Mas é claro que ele quer - falei. - Mas como chegou aqui embaixo, antes de
tudo?
- Se não o tirarmos daqui, nunca vamos descobrir - disse Kiki. - Está vendo a
espuma em volta da boca? Ele está desidratado. Pode estar aqui embaixo
há dias. Precisamos levá-lo a um hospital.
- Talvez seja isso que ele quer - sugeriu Betty. - Ele disse que quer ir para
casa.
- Se não podemos levá-lo para o hospital, o que vamos fazer com ele? -
perguntei a Oona.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
- É tarde pra caramba - cochichei. - Você não tem sua própria chave?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Pensei que Oona fosse órfã - cochichou Betty enquanto Kiki e OOna
carregavam o menino para o segundo andar.
- Eu não sou órfã. - De algum modo, Oona tinha ouvido. - Mas essa mulher
não é minha mãe. Ela é uma segurança.
- Segurança?
- Ela é sua avó? - gesticulei para uma mulher que não parecia ter mais de
30 anos.
Pelo canto do olho, vi a mais velha das avós de Oona respirar asperamente
como se tivesse recebido um golpe inesperado. Recuperando-se de
imediato, ela se ajoelhou ao lado do sofá onde tínhamos colocado o menino.
A mulher tinha pelo menos 80 anos, com cabelos prateados presos num
coque e a pele coberta de rios de rugas. Enquanto ela sentia a pulsação do
garoto, percebi que suas mãos eram incomumente musculosas e a ponta
dos dedos, ásperas e calosas. Ela puxou as pálpebras do menino para trás
antes de abrir sua boca e examinar a língua. Depois se virou e deu ordens a
uma das mulheres mais novas, que desapareceu na cozinha.
- A sra. Fei diz que o ki dele está alto demais - explicou Oona. - Ele precisa
de tônicos refrescantes.
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- A sra. Fei parece saber o que está fazendo - disse Kiki pensativamente,
sentando-se à mesa redonda de madeira.
- O que acha que devemos dizer a ela? - perguntou Luz. - Ela vai querer
saber onde encontramos o menino.
- Esta não é a sua casa, Lopez - disse Oona. - A sra. Fei não faz perguntas.
Nenhuma de minhas avós fará.
- Quem são essas mulheres? - perguntou Betty. - Por que você mora com
elas?
- Mas pensei que você tivesse nos dito que não era órfã - disse DeeDee. -
Onde estão os seus pais?
***
Os segredos são como xarope para tosse: ficam mais potentes com o passar
do tempo. Guarde um por um tempo suficiente e o que antigamente podia
ter sido inofensivo pode provocar uma explosão letal. Dois anos antes, o
segredo de Oona teria inspirado algumas horas de fofoca - mas nenhuma de
nós o teria usado contra ela. Mas o fato de ela ter escondido a verdade por
tanto tempo me fez desconfiar de que tinha mais a esconder. E aquela
revelação que ela fez já era suficientemente chocante. O pai de Oona era
um homem perigoso. Líder da gangue Fu-Tsang, Lester Liu enriquecera
contrabandeando falsificações de sapatos e bolsas de grife para Chinatown.
As Irregulares destruíram suas operações em junho e mandaram a maior
parte da gangue para a cadeia. Mas Lester Liu nunca foi acusado de crime
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
algum. Ele ainda estava livre e Kiki Strike estava no topo de sua lista negra.
As outras meninas estavam pasmas. Luz parecia não respirar. Betty estava
prestes a arrancar o lábio inferior a dentadas. Só Kiki continuava inabalável.
Num instante percebi que ela sabia daquilo o tempo todo.
- Devia ter nos contado antes - disse ela cientificamente. - Há mais alguma
coisa que precisemos saber?
- Eu acho que foi muita coragem sua revelar tudo. - Betty pôs a mão no
braço de Oona.
- Agora que todas tiveram tempo para absorver a novidade, vamos tratar de
negócios.
- Por que acha que o menino que encontramos pertence a seu pai? -
perguntou DeeDee.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Não sei muito de minha mãe, a não ser que ela era uma das clientes de
Lester Liu. Morreu no dia em que nasci. Quando meu pai descobriu que eu
era menina, não quis nada comigo. Ele me deu à sra. Fei e as amigas da
fábrica cuidaram de mim.
Luz estava ultrajada.
- Que coisa horrível! - Uma lágrima pendia dos cílios postiços de Betty.
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Tudo bem. Nós ficamos quites. Fui direto à polícia e contei a eles sobre a
encomenda. Eles deram uma batida no barco assim que ele entrou no porto.
Estava cheio de estatuetas que tinham sido roubadas de um templo no
Camboja. Os homens dele foram presos, mas Lester Liu se safou. Estava
num avião para Xangai antes que a polícia pudesse interrogá-lo. No dia em
que ele partiu, me mando um bilhete. Só dizia isso: "Quando eu voltar, vou
encontrar você."
- Eu não queria insistir nisso, mas você devia ter nos contado - disse
DeeDee.
- Eu tinha esperança de não precisar contar - admitiu Oona. - Pensei que ele
podia ter se esquecido de mim. Eu não consegui estragar seus negócios
mesmo. Ele se deu melhor ainda depois que foi para Xangai. Metade de
Chinatown está aqui por causa dele.
- Talvez ele tenha mesmo se esquecido de você - propôs Luz, com otimismo.
Oona franziu a testa.
- Esperem aqui. Há uma coisa que devem ver. - Quando ela voltou, colocou
uma caixa de papelão retangular na frente de Luz. - Lester Liu me mandou
isso. Anda, dá uma olhada. - Luz espiou dentro da caixa como se esperasse
encontrar um escorpião ou uma orelha decepada. Em vez disso, pegou um
dragão. Era uma escultura de bronze de Fu-Tsang, o dragão chinês que
protege esconderijos e o símbolo da gangue violenta que leva seu nome.
Alguém ofegou. Pode bem ter sido eu. - Reconhece isso? - perguntou Oona.
- Significa que ele sabe que você fez parte do grupo que frustrou as
operações de contrabando - expliquei. - Você está com um problemão,
Oona.
Kirsten Miller
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- É - ela concordou. - Do tipo que me faz indagar por que ele me convidou
para jantar.
- Está dizendo que Lester Liu sabe quem eu sou? - Betty estava quase
desmaiando de choque.
- Não acho que ele saiba seu nome - disse Oona. - O bilhete só dizia Kiki
Strike e suas amigas talentosas são bem-vindas.
A sra. Fei colocou a cabeça pela sala de jantar assim que soltei um gemido.
O timing foi tão perfeito que por um momento desconfiei de que ela estivera
ouvindo. Ela falou brevemente com Oona.
Kirsten Miller
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um sorriso duro que deixou claro que eu estava a ponto de tomar um soco.
- Desde o início.
- Não acha que devia ter partilhado essa informação com o restante de nós?
- eu a pressionei. - Devíamos formar uma equipe. Não podemos ter
segredos desse tipo.
- Quer dizer que eu devia ter contado a você, não é? Não leve isso para o
lado pessoal, Ananka. Não cabia a mim, não era um segredo meu.
Embora Kiki tivesse razão, eu odiava pensar que ela e Oona esconderam a
verdade de nós - como se fôssemos idiotas ou infantis demais para lidar
com ela. Lembrei-me de mil pequenos olhares que foram trocados entre
elas ao longo dos anos e de repente me senti uma idiota.
- E por que não? Por que eu devo confiar em Oona se ela não confia em
mim? Como vou saber que ela não está escondendo mais nada de perigoso?
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Diga a ele que está em Nova York. Diga a ele que o resgatamos dos ratos -
disse Kiki.
- Ele disse que há cerca de um mês foi raptado quando ia para a escola.
Depois uns homens o agarraram e o enfiaram num barco. Havia muitas
crianças ali dentro... Pelo menos 12, talvez mais. Ele reconheceu uma das
meninas. Era aluna da mesma escola. Ele queria falar com ela, mas os
guardas os vigiavam dia e noite. A viagem foi muito longa e muitos
passageiros adoeceram. Quando o barco parou, eles foram amarrados,
colocados em grandes caixas de madeira e levados a um prédio. Ele tentou
fugir, mas foi pego e atirado numa sala longe dos outros. Foi onde ele
descobriu a porta no chão.
"Ele disse que ficou perdido nos túneis por vários dias. Não sabe quanto
tempo. Ele não conseguia encontrar uma saída. Ninguém descia lá. Só tinha
ratazanas e esqueletos. Ele pensou que tinha entrado no inferno. Quando
estava cansado demais para continuar fugindo dos ratos, ele se enroscou
numa caixa e esperou pela morte."
- Ele disse que havia muitas caixas de madeira no barco. Uma tábua em
uma delas estava solta. Quando ele enfiou os dedos dentro da caixa, foi isso
que encontrou. Ele a escondeu em sua mochila. Se escapasse, achava que
podia ajudar a polícia a identificar os sequestradores.
- Depois que o barco chegou a Nova York, para onde os homens o levaram?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Ele disse que nunca viu o lado de fora do prédio. Estava escuro demais
quando eles chegaram. Foram levados a um porão, e cada um foi colocado
numa baia pequena de madeira.
- Diga a ele que pretendemos ajudar - disse Kiki. Oona transmitiu o recado e
Yu sorriu, fechou os olhos e sucumbiu à exaustão.
- Bom, uma coisa é certa - falei, enquanto Oona se levantava. - Temos muito
que conversar no jantar com o seu pai.
A certa altura, vai acontecer com qualquer um. Um segredo que você
escondia cuidadosamente será revelado no pior momento possível. Seus
colegas de turma podem descobrir que você nasceu com rabo. Sua mãe
pode descobrir o que você realmente estava fazendo em todas aquelas
vezes que afirmou trabalhar de baby-sitter. Seu vizinho pode saber que
você gosta e receber grandes grupos de pessoas quando seus pais não
estão em casa. Qualquer que seja o segredo, você vai precisar agir
rapidamente para consertar os danos.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Foi para isso que nascem os irmãos e irmãs. Não é muito gentil observar
que os crimes passados de seus irmãos foram muito mais horrendos, mas
isso pode fazer você parecer uma santa em comparação com eles. Não use
esta tática se seus irmãos estiverem ouvindo.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Resista ao escândalo
CAPÍTULO SEIS
A criança selvagem
- Ananka, está atrasada para a escola! - gritou meu pai. - Saia da cama e
destranque essa porta!
- Ananka! - meu pai berrou de novo enquanto a porta se abria e peguei toda
a força de seu grito no ouvido direito. Ele pigarreou e sua voz assumiu um
volume normal - Que bom. Está vestida. - Olhei para baixo e percebi que eu
ainda estava com as roupas que tinha usado na noite anterior. Quando subi
pela janela de meu quarto às quatro da madrugada não tive energia para
vestir o pijama.
- Você não tem tempo para isso. Ande. Vamos andando - rebateu meu pai,
sem perceber que eu estava amarfanhada e suja. - Se for bem rápida,
poderá pegar o segundo tempo.
Minha mãe, ainda de roupão, bloqueou minha saída. Seus olhos foram da
lama do Cemitério de Mármore em minhas botas à poeira que cobria minha
camiseta preta. Ela pegou a bolsa na mesa perto da perto da frente e a
vasculhou.
- Leve isso - disse ela, batendo uma escova de cabelos na minha mão. - E
aqui está algum material de leitura para o caminho até a escola. - Ela
estendeu um folheto acetinado. Na capa havia a foto de uma adolescente
Kirsten Miller
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ordenhando uma vaca com umas das mãos e segurando um livro didático
na outra. - Vou telefonar hoje - anunciou minha mãe enquanto me
empurrava pela porta.
Morei em Nova York a minha vida toda. Nunca vi uma vaca de perto e não
pretendia aprender a fazer queijos premiados. Minha mente se encheu com
mil planos de uma só vez. Se eu esvaziasse minha conta no banco, podia
procurar um esconderijo. Ter meu próprio apartamento. Ir para uma escola
pública. Combater o crime à noite, dormir tarde nos fins de semana. Quando
meu táxi parou diante da Escola para Meninas Atalanta, eu estava
convencida de que era hora de afirmar minha independência. Eu ainda tinha
minha parte do dinheiro que as Irregulares ganharam com os tesouros que
encontramos na Cidade das Sombras. Eu teria ido direto ao banco se a
diretora Wickham não estivesse na calçada da escola esperando por mim.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
- Não. Na realidade, pretendo apelar por seu caso. Não me pergunte por
quê, mas acredito que você pode ser valiosa para a Atalanta. Mas você foi
advertida, então terei de castigá-la. Acredito que duas semanas de
detenção depois da aula devem ser suficientes. Pode ficar até seis da tarde
todo dia, preparando um trabalho que vou lhe atribuir.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Millionaires's Row estava sendo destruída - não pelo tempo, mas pelo
fantasma de Cecelia Varney.
Quando Cecelia Varney nasceu, filha de um dos homens mais ricos de Nova
York, os jornais a rotularam de A Garota Mais Sortuda do Mundo. Quando ela
morreu noventa anos depois, na mansão de sua família, era conhecida na
cidade como A Eremita da Quinta Avenida. O que aconteceu entre os dois
eventos foi tema de dois filmes de TV e um musical off-Broadway, mas
ninguém tem certeza de nada. Aos 34 anos, a formidável socialite de
repente se divorciou do terceiro de uma série de playboys interesseiros.
Depois chocou os amigos famosos abandonando-os em favor de um
paranormal pouco conhecido e frequentando sessões espíritas em vez de
clubes noturnos. Na manhã de seu trigésimo quinto aniversário, sem avisar
a ninguém, Cecelia Varney se trancou na mansão com dois criados de
confiança e um casal de gatos de seis dedos (presentes de aniversário de
seu amigo Ernest Hermingway). Nunca mais saiu da casa e dizia-se que ela
ainda estava lá, enterrada em algum lugar no porão. A única empregada a
sobreviver à srta. Varney foi vista chamando um táxi enquanto chegava o
agente funerário. Foi a última vez que alguém a viu.
Então foi com alguma surpresa que o prédio trocou de mãos poucas
semanas depois da morte de Cecelia Varney. Os gatos, ao que parece,
desapareceram sem deixar rastros. Nem mesmo o último lote de filhotes
pôde ser localizado. Sem os herdeiros para reinvidicá-la, a mansão foi a
leilão. Um bilionário misterioso a comprou. Antes que prédio começasse a
esfarelar, uma de minhas colegas da Atalanta jurou que vira um homem
baixinho e elegante de terno cinza-claro abrir a porta da mansão. Quando
ela falou na bengala, eu devia saber muito bem que era Lester Liu.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Encontrei Oona e Betty esperando por mim no Central Park, de frente para a
Mansão Varney. Embora Betty estivesse com um de seus disfarces (cabelo
louro, terninho preto, óculos de nerd), era Oona que me parecia
desconhecida. Da noite para o dia, ela se transformara de uma amiga
confiável em filha de Lester Liu.
- Oi. - Oona olhou para mim e depois para o outro lado da Quinta Avenida. -
O que acha? - Senti minha animação murchar ao avaliar a mansão. Por trás
dos andaimes de metal, o prédio parecia sem vida, a pedra tão branca que
podia ter sido entalhada em gelo. Cada janela estava escura - bloqueada
por cortinas que isolavam a cidade. A maioria das mansões na Millionaires's
Row era de monumentos ostentosos aos homens que as construíram. A
Mansão Varney era um mausoléu.
- Você sabe que seremos as primeiras pessoas lá dentro - falei. - Será que
ele está lá?
- Como está Yu? - perguntei, na esperança de lembrar a ela que a vida pode
ser pior. - Está melhor?
- Acho que sim. Ele me parece muito saudável, mas a sra. Fei diz que tem
que ficar na cama por uns dias. Acho que ela só quer mantê-lo perto dela. É
a criança doce e adorável que ela nunca teve. E é menino também, então
ela deve pensar que ganhou o grande prêmio.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Aaah, sim. - Betty sorriu de seu erro. - Tenho que costurar alguns bolsos
ocultos nos vestidos que estou fazendo para vocês. Assim vocês não serão
pegas se as bolsas forem revistadas.
- Perfeito. Pode falar com Iris e DeeDee e ver se podemos usar um pouco da
essência da confiança?
- Fui. Vou contar a história toda quando ela parecer um pouco menos
trágica. Agora, uma última coisa. Quantas pessoas moram na mansão com
Lester Liu?
- Tá legal - suspirei. - Acho que alguém vai precisar vigiar o lugar nas
próximas 24 horas e ver quem entra e quem sai. Alguém se habilita?
- Eu faço isso - disse uma voz atrás da gente. Betty gritou quando um
esquilo pulou em seu ombro e meteu o focinho em seu pescoço.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Espero que não goste dela como gostaram de nossa amiga Luz. Seus
monstrinhos a arranharam toda. - Poucas pessoas suportavam o rosnado de
Oona, mas o menino ficou firme.
- Acho que é mais tipo Kaspar Hauser - falei, lembrando-me de um livro que
uma vez encontrei na seção minúscula da biblioteca de meus pais dedicada
a manuais de criação de filhos. - Era a criança selvagem original. Foi
descoberta na Alemanha muito tempo atrás.
- Esperta - disse Kaspar. Seu sorriso revelava dentes brancos como ladrilhos
do metrô recém-esfregados. Ele não morava no parque havia muito tempo. -
Quem são vocês?
Olhei para Oona e Betty.
- Pode falar - disse Oona. - Isso nos dará uma desculpa para matá-lo no
futuro.
- Meu nome é Ananka Fishbein. Esta é Oona Wong. E a menina que você
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Não ensinei. Eles é que me ensinaram - disse Kaspar sem humor algum. -
Receio que não seja uma história muito agradável.
"Enquanto a porta dos fundos estava aberta, eu espremi uma batata podre
na fechadura. Quando os homens foram embora, entrei de mansinho na loja
e libertei os esquilos. Alguns fugiram, mas esses três ficaram comigo.
Depois de um tempo, eles começaram a me trazer presentes. Barras de
chocolate, notas de 10 dólares, pulseiras de diamante. De início não percebi
que eram roubados. Eu só estava feliz por ter dinheiro para comprar
comida. Mas quando descobri, eu sabia que tinha que fazer bom uso das
habilidades deles. Com o dinheiro que ganhamos, eu podia libertar mais
animais. Nenhuma criatura viva deve ser mantida numa gaiola.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Vou ficar de olho nele. Vou ficar aqui a noite toda, nem vou perguntar por
quê. Talvez eu até resolva o mistério dos gatos de Varney. Mas tenho uma
condição. Betty deve concordar em jantar comigo.
- De jeito nenhum - falei. - Isso é pedir demais. Não usamos nossas amigas
como moeda de troca.
- Está tudo bem, Ananka - disse Betty. - Quando tudo isso acabar, se ainda
for o que ele quer, eu o farei. - Eu podia ver que Betty não acreditava que
tinha de honrar o acordo. De certo modo, ela pensava que uma fungada no
Eau Irresistible ainda podia prender Kaspar.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Deve ter acontecido alguma coisa. Kiki nunca fura uma missão de
reconhecimento. - Embora estivesse preocupada com Kiki, eu não podia
deixar de ficar satisfeita que ela e Oona estivessem à beira de um
rompimento. - Acha que uma de nós deve passar na casa dela depois da
aula?
- Eu faço isso - disse Betty. - Mas depois vou direto à casa de DeeDee.
Tenho de descobrir um jeito de me livrar desse perfume.
- Ah, sim, sobre o perfume, Betty. Acho que você cometeu um erro com o
cara do esquilo. Nenhum perfume na terra ia durar tanto - eu disse a ela.
- E por que mais Kaspar quer nos ajudar? Eu me sinto mal, mesmo que ele
seja um criminoso. É como se estivesse me aproveitando dele.
- Tenho uma ideia melhor - disse Oona. - Por que não poupa a viagem à
casa de DeeDee e dá uma boa olhada no espelho?
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
fato de que sua mãe atriz foi premiada com dois Oscar ou que o pai,
cirurgião plástico, era responsável por metade dos narizes da Atalanta. A
maioria das meninas da Atalanta era rica e muitas eram famosas, mas
poucas podiam alegar ter conquistado seu sucesso. Molly era uma
celebridade por ter sido sentenciada à detenção mais vezes do que
qualquer outra menina na história da escola. Soube que na ducentésima
visita ela pretendia fazer uma tatuagem comemorativa.
- Psst.
Espiei por cima da mesa. Molly estava ajoelhada na cadeira, olhando para
mim. Embora não fosse a imagem de encrenqueira, com bochechas
gorduchas e sardas de Pipi Meialonga, Molly era famosa por contribuir para
a delinquência dos outros. Olhei para meus livros e tentei ignorá-la.
- Pssssssst.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Quinze minutos depois, ouvi a sra. Fontaine sair da sala. Senti um calor em
minha nuca e pulei ereta, quase batendo a cabeça em Molly Donovan.
- Não posso ser expulsa - disse Molly. - Estou tentando há anos. Não importa
o que eu faça. Meus pais simplesmente doam mais dinheiro à escola.
- São meus pais. Eles não me dão sossego. Acha que eu sou especial.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Então acho que vai ter que confiar em mim. Epa, lá vem a fonte. Não conte
a ninguém o que eu disse a você. Vai acabar com minha reputação.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- É claro que é. Não sei por que meus pais me mandam para eles. O filho
deles mesmo fugiu. Soube que agora ele mora no parque. Eles tentam
pegá-lo de vez em quando, mas ele também é superdotado. Fica sempre
fugindo. Epa, lá vem ela de novo.
***
- O menino. Aquele que você disse que fugiu. Qual é o nome dele?
- Como ele é?
- Só curiosidade - expliquei.
- Se souber onde ele está, pode pedir a grande recompensa que os pais dele
estão oferecendo. Mas duvido que você seja má o bastante para dedurá-lo.
- Arte - disse Molly. - Os pais têm as pinturas dele pelo consultório todo.
Parece que algum tempo atrás venderam uma por, tipo, uns 30 mil dólares.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Molly! - A sra. Fontaine pegou a nós duas de surpresa. - Então que seja!
Vai ficar aqui por novembro inteiro.
***
Ao voltar para casa, peguei meu celular para ligar para Kiki e descobri que
havia duas ligações não atendidas da minha casa. Não era um bom sinal.
Quando passei pela porta da frente, encontrei minha mãe esperando no
corredor, agarrada a um cronômetro como uma treinadora sádica de
corrida. Ela olhou o relógio e depois para mim.
- São 6h47. Por que chegou tão tarde? Eu verifiquei na internet. Não há
nada de errado com o metrô.
- Quer nos dizer por que teve tanta dificuldade para sair da cama esta
manhã? - perguntou minha mãe.
- É o melhor que pode fazer? - Minha explicação foi rejeitada e minha mãe
pareceu enojada. - Eu tinha acabado de conversar com o diretor da
Academia Borland quando sua diretora ligou - disse ela. - Ela parece pensar
que pode colocar você na linha de novo. Mesmo contrariando minhas
expectativas mais otimistas, concordei em dar uma chance a ela.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- Obrigada - murmurei.
- Não tão rápido. A Academia Borland ainda está esperando por você em
dezembro. Já preenchi o cheque. Durma até tarde de novo e vai acordar
num ônibus para a Virgínia Ocidental.
- Seu pai pode não querer castigar você, mas eu quero - declarou minha
mãe. - Demos a você toda a nossa confiança e toda a privacidade do
mundo, e você abusou das duas coisas. É por isso que sentimos a
necessidade de tomar algumas precauções. Seu pai e eu passamos o dia
encontrando todos os livros de que você precisa para seus estudos. Estão
em seu quarto. Todo o restante da biblioteca está temporariamente proibido
até que você aprenda a se concentrar.
"Nas próximas duas semanas, você virá diretamente para casa todo dia ao
sair da detenção e começará seu dever de casa. Nesse período, ficará longe
de Kiki Strike. Entendeu?
- Sim. - É fácil parecer humilde quando você acha que tem um ás na manga.
- Sim?
Corri para meu quarto para examinar os danos. As gavetas de minha mesa
tinham sido saqueadas e muitos de meus livros preferidos foram
confiscados, mas minha coleção de livros de história de Nova York não foi
tocada. Meu exemplar de Vislumbres de Gotham continuava ali, junto com o
mapa que estava enfiado entre suas páginas. Quase soltei um suspiro de
alívio, quando por acaso vi as janelas. As duas estavam trancadas com
cadeados novinhos. Eu estava presa ali dentro. Deitei-me na cama,
plenamente preparada para cair aos prantos, quando houve uma batida na
porta e meu pai enfiou a cabeça para dentro.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
- A propósito, hoje chegou uma coisa pelo correio para você. Acho que é de
uma de suas amigas. Não conte a sua mãe que eu lhe entreguei.
Desculpe por não aparecer hoje. Soube que está de castigo. Não é assim
tão ruim. Se não conseguir arrombar os cadeados, pode usar este kit. Cubra
um dos cadeados com nitrogênio e deixe por um ou dois minutos. Quando o
cadeado congelar, bata nele com o martelo e o cinzel. (Cuidado! Nitrogênio
também congela dedos.)
Vejo você amanhã à noite.
Kiki
CAPÍTULO SETE
A bela adormecida
— Psst! Ananka. — O sussurro era quase um grito. Olhei para baixo e vi uma
cara sardenta sorrindo para mim sob a divisória.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
— O quê? Não!
— Não, não dá. Caso tenha se esquecido, eu tenho cada professor da escola
de olho em mim. Não tenho muito tempo.
— Isso é muito estranho — eu disse a ela. — Por que todo esse segredo?
— Consegui uma foto de Phineas Parker para você. — Molly abriu a mochila.
Estava vazia, a não ser por uma foto num enorme porta-retrato de prata.
— E eu ligo? Vou dizer a meu pai para acrescentar mais umas 100 pratas no
próximo cheque deles. Oooh! Ou talvez me mandem procurar outro médico.
Isso seria incrível! O que você acha?
— É, foi o que eu pensei — Molly cacarejou. — Quem sabia que ele era tão
bonito? Se um dia ele decidir voltar para casa, talvez eu consiga que os pais
dele arranjem nosso casamento.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Molly atirou os braços em mim e me sufocou com um abraço tão forte que
quase perdi o controle da bexiga. Duas meninas riram quando Molly e eu
saímos da cabine, mas eu não liguei. Nunca em minha vida eu fiz alguém
tão feliz.
***
Naquela noite, horas antes do início marcado para o jantar de Lester Liu,
peguei o metrô para casa, passei de cabeça erguida direto por minha mãe e
me tranquei no quarto. Pouco antes das sete horas, meu pai bateu na porta
e perguntou se eu queria um pouco de pão e água. Informei-lhe
educadamente que já tinha comido e pedi que me deixassem em paz com
meus estudos. Às 7h45, arrombei cuidadosamente um dos cadeados e desci
a escada de incêndio na ponta dos pés. Às 7h30, eu estava na frente do
prédio de Betty Bent. Não senti uma grama que fosse de orgulho.
— Ainda bem que chegou cedo - sussurrou ela, dando uma espiada rápida
por sobre o ombro. — Há uma coisa que você precisa ver.
— Espere um segundo. Tenho uma coisa para te contar — sibilei para Betty.
— Hoje eu descobri a identidade secreta do seu namorado.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
— Namorado?
— Você sabe de quem estou falando. Ele adora ficar ao ar livre, gosta de
trabalhar com animais e não vê uma barra de sabão há um bom tempo. —
Betty parou de andar. — O nome verdadeiro dele é Phineas Parker. Os pais
dele são psicólogos. Ele fugiu há alguns meses. Quer ver uma foto?
— Nada. Eu só queria que Iris nunca tivesse feito aquele poção do amor.
Olha... Talvez você não deva contar a mais ninguém sobre isso.
— E por que não? — Meu ótimo trabalho de detetive foi recompensado com
uma fofoca de primeira classe. Guardar segredo seria como ganhar na
loteria e perder o bilhete.
— Ele não deu nenhuma razão para a gente entregá-lo. Vamos guardar o
segredo dele por enquanto.
— Talvez. Mas graças ao Eau Irresistible, eu nunca vou ter certeza — disse
ela com um suspiro. — Agora corre ou vai perder o show.
Betty irrompeu para o quarto nos fundos do prédio. A luz inundava a sala de
estar pela porta aberta.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
— Não. Oona trouxe. Numa caixa imensa, com uma fita vermelha grande.
— Presente do papai?
— Arrã. Foi entregue na casa dela hoje de manhã. Ela teve de experimentar
aqui. Disse que as avós não aprovariam se soubessem que ela estava
aceitando presentes de Lester Liu.
— Vejo que você não aprova também - falei, Betty sacudiu a cabeça. — É
meio estranho, eu acho. Mas é só um vestido.
— Não podem ser verdadeiros — falei com desdém. — Tem toneladas deles.
— Eu sei, mas são. Eu testei um. E não havia só um vestido na caixa que ela
trouxe. Está vendo as joias novas dela?
Ainda sem saber que estávamos olhando, Oona parou de girar para os
espelhos e colocou a mão na caixa gigantesca que estava aberta na cama.
Uma pulseira grossa de diamantes lampejou no pulso enquanto ela pegava
uma estola de peles prateada e a passava pelos ombros. Ela fez uma pose
de estrela de cinema e soprou um beijo para o próprio reflexo. De repente
eu me senti como se estivesse espionando uma estranha. A Oona que eu
conhecia tinha lá seus defeitos, mas sua dignidade não estava à venda. Não
só ela teria recusado os presentes de Lester Liu, como teria incendiado a
caixa e atirado na rua. Esta era uma pessoa que eu nunca vira. Uma
impostora, talvez. Uma gêmea do mal. Ou talvez, agora me ocorria, esta
fosse a verdadeira Oona — o lado que ela escondia de todas nós.
— Oi, Oona. - Entrei na luz do quarto. Oona acenou para meu reflexo.
Kirsten Miller
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— Tem mesmo, né? — Oona girou mais uma vez para sua própria admiração
antes de ver minha cara. — Não me olhe desse jeito — disse ela. — Se ele
mandou alguma coisa, eu tenho que usar, não é? O que ele pensaria se eu
aparecesse com um dos trapos velhos de Betty?
Eu não sabia o que dizer. Enquanto Betty voltava ao quarto com Luz,
DeeDee e Iris a tiracolo, finalmente situei o que me incomodava. O
argumento de Oona fazia perfeito sentido. Só não era uma coisa que minha
amiga teria dito.
Kirsten Miller
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— Pode apostar que sim! —cricrilou Iris, ansiosa para escapar de Oona.
***
— Não acho que seja de seu tamanho. Além disse, você tem quase 12 anos.
Por que ia querer se vestir de Fada Sininho?
Kirsten Miller
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— Duvido que a gente vá precisar de uma fada. Que tal uma pequena
sereia? Você pode ficar de tocaia nas fontes. — A única a rir fui eu.
— Vai ter que matar mesmo. Ah, e este é o seu. — Ela puxou um vestido
longo de sede vinho-escuro. — Minha mãe desenhou este vestido para uma
interpretação moderna de Medeia. As manchas de sangue não aparecem.
— Que bom saber disso — eu falei. — Acha mesmo que vou ficar bem nele?
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
— Cadê a Strike? — grunhiu Oona. — Vamos levar meia hora para chegar à
área residencial e teremos de estar lá às nove. Se desta vez Kiki der bolo,
juro que vou dar um chute no rabo dela.
— Kiki virá — disse DeeDee e logo a campainha tocou. — Está vendo? — Ela
pulou para atender a porta.
— Tá legal. Está tudo bem com você? — A tez de Kiki parecia ainda mais
cadavérica do que de costume e seus olhos estavam injetados e inchados.
Dava a impressão de que não dormia havia dias.
— Acha que devia estar aqui? — perguntei. — Não devia ficar em casa com
ela?
— Ela não quer que eu perca isto — disse Kiki. — O médico está com ela
agora.
— Tem certeza de que está bem para o jantar? — perguntou Betty. — Uma
de nós pode ir no seu lugar, se precisar ficar em casa.
Kirsten Miller
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— Vestido legal, Oona — disse Kiki enquanto assumia meu lugar junto à
penteadeira. — Um presente, imagino?
***
Kiki deslizou ao lado do muro que separa a Quinta Avenida do Central Park.
Passando de fininho pela Children's Gatena rua 76, ela se aproximou de dois
homens que estavam sentados no chão, curtindo um banquete de salsicha
Viena e feijão frio.
— Howard Van Dyke. — O homem trocou um aperto de mãos com ela. Era
baixo, corpulento e incomumente peludo; como um gnomo de jardim que
tivesse dado sementes. — Aceita uma salsichinha? — perguntou ele.
Kirsten Miller
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— Obrigada, garoto do esquilo. Ai! — Oona gritou quando lhe dei uma
cotovelada.
— Betty me falou que você foi muito útil — disse Kiki. — Obrigada por vigiar
a mansão.
— Era o que parecia — confirmou Kaspar. — Tem certeza de que quer entrar
lá?
— Então vou esperar para ter certeza e que vão sair de lá.
— Sei que podem. Mas entenda, minha agenda social está vazia esta noite.
Não tenho nada para me divertir — disse Kaspar, exibindo uma habilidade
extraordinária para a diplomacia.
— Neste caso, talvez a gente traga uns restos para você — disse Kiki com
um sorriso.
Kirsten Miller
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— Verei o que posso fazer. — Kiki riu enquanto íamos para a saída.
***
— Viemos ver o meu pai — a voz de Oona, sempre meio alta demais,
ricocheteou nas paredes de mármore. Sem pronunciar uma palavra, o
mordomo voltou os olhos para a grande escadaria. Um baixinho de smoking
descia do segundo andar, a ponta da bengala batendo em cada degrau. De
perfil, seu rosto parecia frio, mas ao passar pela última curva da escada, ele
abriu um sorriso encantador.
— Minha cara Oona. — Lester Liu falou com o sotaque ciciado de um lorde
inglês que acabou de receber o título de nobreza. Com a mão livre, pegou a
filha pelo ombro e plantou dois beijos em seu rosto. — Você é ainda mais
estonteante do que sua mãe. De agora em diante, deve sempre se vestir
assim. — Eu esperava que Oona se retorcesse ou lançasse um insulto para
ele. Em vez disso, ela ficou boquiaberta com o belo pai, incapaz de falar.
Kirsten Miller
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— Estas devem ser suas amigas. — Lester voltou-se primeiro para Kiki. —
Srta. Strike, suponho — disse ele, estendendo a mão para Kiki. — Você é em
cada detalhe tão impressionante como imaginei que seria.
— Este e um toque da decoração da sra. Varney. Ela era muito frugal nos
últimos anos. Em vez de aquecer a mansão toda, fechou a ala leste pra
economiza na conta do gás. Mas como posso me concentrar nestas
trivialidades com criaturas tão encantadoras diante de mim? — perguntou
ele, estendendo a mão na minha direção.
— Annie Fisher — menti. Se Lester Liu não sabia meu nome, não tinha
sentido dar a ele. — É um prazer conhecê-lo, sr. Liu. — A mão do homem
era fria e seca, como a de uma estátua.
Lester Liu estendeu o braço para mim e eu tive de me sacudir para pegá-lo.
Por baixo do paletó, eu sabia que ele era magro, mas musculoso. Ele me
conduziu com uma facilidade surpreendente por uma porta e entramos num
labirinto de câmaras escuras e frias, cada uma delas cheia dos tesouros de
Cecelia Varney.
Kirsten Miller
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srta. Varney era bom, mas nem sempre era coerente. Estes serão vendidos
em leilão na semana que vem. Espero que paguem por algumas reformas
que planejei. Mas livrar-me destes monstrinhos será uma das principais
melhorias que posso fazer. — As luzes se reduziram e senti o braço de
Lester Liu me puxando para outra porta escura.
— Colocou alguém atrás de nós? — perguntou Kiki. Ela correu até a porta e
foi tragada pela escuridão.
— Garanto-lhes que não há ninguém aí, srta. Stike — Lester Liu a chamou
desanimado.
Kirsten Miller
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chamada.
— Era o que eu esperava. — Lester Liu franziu o cenho e afagou minha mão,
que ainda estava presa no gancho de seu braço. — Vamos, senhoras. Há
muito mais a ver.
***
O pai de Oona nos levou por mais de uma dezena de câmaras escuras, cada
uma delas um museu bizarro dedicado a uma das paixões incomuns de
Cecelia Varney. Até os corredores eram abarrotados de telas, do chão ao
teto. Lester Liu apontou obras de arte que havia muito se acreditavam
perdidas, inclusive um retrato de Van Gogh de um homem ruivo e
carrancudo, enquanto eu olhava todas as pinturas, procurando por olhos em
movimento, certa de estar sendo observada. Fiquei esperando ser atacada a
qualquer momento por cobras venenosas, assassinos da Fu-Tsang ou uma
combinação letal das duas coisas. Enquanto eu estava de frente para uma
caixa de vidro em que o único item em exibição era um enorme diamante
verde-amarelo etiquetado de O Florentino, pensei ter detectado alguma
coisa arfando atrás de mim. Quando me virei e me vi sozinha na sala, quase
torci um tornozelo na pressa para acompanhar os outros.
Dentro do caixão estava uma forma feminina magra coberta da cabeça aos
pés por uma mortalha de quadrados de jade unidos por um fio de ouro. Kiki
se ajoelhou pra examinar a figura; depois seus olhos leitosos dispararam
para a cara de Lester Liu.
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— Muito astuta, srta. Strike — disse Lester Liu. — Esta é a mais valiosa das
posses de Cecelia Varney. A mulher que vê à sua frente é conhecida a China
como a Imperatriz Traidora. Tem quase duzentos anos. Ladrões de túmulos
saquearam sua tumba na década de 1940 e a srta. Varney comprou o
conteúdo em segredo, com a ajuda de um funcionário corrupto do governo.
Só algumas pessoas sabem que a Imperatriz saiu da China.
— Ela traiu a família, srta. Fisher, e não há crime maior para os chineses.
Mas ela nasceu bárbara. Sua traição era prevista. — Apoiando-se na
bengala, Lester Liu voltou-se para nós três.
"A história é só uma lenda, mas a maioria das lendas começa com um pingo
de verdade. Diz-se que muitos séculos atrás, o imperador chinês mandou
seu herdeiro para selar a paz com os líderes de tribos que moravam a oeste
de suas terras. Lá, o tolo rapaz se apaixonou por uma princesa bárbara. Ela
era linda, mas incorrigivelmente selvagem. Não possuía nenhuma das
virtudes femininas valorizadas na China, e no entanto ele estava decidido a
tomá-la como esposa. Quando o líder das tribos percebeu os sentimentos do
jovem por sua filha, ficou satisfeito. Um dia a China teria uma imperatriz
com sangue bárbaro.
"O imperador concordou com a união. Era melhor fazer uma aliança de
sangue com os bárbaros do que uma guerra interminável. Mas quando ele
pôs os olhos na futura esposa do filho, entendeu que ela nunca seria
imperatriz. Sua pele era áspera e as mãos tinham calos de segurar as
rédeas de um cavalo. Pior ainda, ela era teimosa e insolente e recusava-se a
se conformar às regras da corte. Entretanto, o imperador amava o filho e o
filho amava a menina. Ele a tolerou até o dia em que ela acrescentou a
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
"O imperador não tinha alternativa, a não ser executar a menina. Mas não
suportava magoar o filho. A menina foi envenenada, um veneno que a fez
cair em sono profundo, e o filho foi informado de que ela morrera de febre.
Ela foi enterrada viva na sepultura mais magnífica já construída para uma
mulher. Mas as histórias de sua traição eram cochichadas na corte, até que
por fim todo o império sabia da terrível verdade.
— Não acha que é meio doentio guardar uma coisa assim em sua casa? —
Era como se a história tivesse rompido um feitiço. Enquanto os olhos de
Lester Liu estavam na filha, vi Kiki colocar furtivamente um grampo do lado
de dentro de um candelabro de parede. — Múmias, cabeças decepadas, o
que mais tem aqui? Jimmy Hoffa?
"É claro que a abertura de gala será espetacular. E nada me agradaria mais
do que ter minha única filha a meu lado.
Kirsten Miller
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— Que divertido. Raras vezes se ouve linguagem tão pitoresca saía da boca
de uma jovem adorável. É muito parecido com ver uma ópera de macacos.
Garanto-lhe que não estou aprontando nada, minha cara.
— Pare de me chamar desse jeito — rosnou Oona. — Eu não sou nada sua.
O mordomo entrou do outro lado da sala e ficou parado feito uma estátua.
***
Senti o mordomo a meu lado e olhei para cima, vendo que ele mergulhava
uma concha numa terrina funda. Os dragões dançantes pintados no fundo
da tigela diante de mim foram tragados por um líquido laranja-escuro. Mexi
na sopa com a ponta de uma colher de prata e uma fila de espinhas pratas
e afiadas veio à superfície. Minha cabeça se levantou de repente de pasmo
e Lester Liu riu do outro lado da mesa.
Eu corei e levei uma colherada do líquido aos lábios. Tinha gosto de poço de
maré suja. Pensei ter visto o mordomo sorrir com malícia quando passou a
caminho da cozinha com a terrina vazia. Quando a porta da cozinha se
fechou, ouvi o som de louça se espatifando, como se ele tivesse atirado o
prato na parede. A colher caiu de minha mão e espirrou sopa na frente de
meu vestido.
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— Ah, meu Deus — Lester Liu suspirou. — Espero que não seja o segundo
prato. É uma rara iguaria chinesa... Filhotes de naja em molho apimentado.
— Esse não foi o mordomo. — Lester Liu parou para tomar sua sopa
revoltante. — Foi o meu fantasma.
Só porque você não viu um fantasma, não quer dizer que não exista um
olhando para você. Segundo os parapsicólogos, nem todos os fantasmas se
revelam tão prontamente como um poltergeist. Alguns espíritos
simplesmente vagam nas sombras satisfeitos em inspirar arrepios e um
calafrio de inquietude em seus companheiros de casa humanos. Outros
fazem ruídos estranhos na calada da noite ou mudam objetos de lugar
quando ninguém está olhando. Mas se você desconfia de que está dividindo
a casa com os mortos, existem algumas medidas que você pode tomar para
ter certeza.
Sempre que você ouvir, vir ou sentir alguma coisa estranha, anote a hora e
uma descrição de sua experiência. Isto lhe permitirá situar padrões de seus
visitantes e pode ajudá-la a descobrir que o silvo arrepiante que você ouve
todo dia às quatro horas é só um som dos irrigadores girando no jardim de
seu vizinho.
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
de se fixar num ponto. Em vez disso, ela ficará girando pelo mostrador ou
simplesmente se recusará a dar uma leitura precisa.
Observe a temperatura
Invista em um EMF
CAPÍTULO OITO
O fantasma ansioso
Kirsten Miller
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Naquela noite, olhei Oona Wong do outro lado da mesa e vi que ela
acreditava. Ela não riu da afirmação do pai. Como o restante de nós,
simplesmente baixou a colher na mesa e se preparou para a história que
sabia que viria. Lester Liu empurrou a sopa de lado e inclinou-se para o
candelabro. Seu sorriso encantador desaparecera. Ele tinha uma expressão
sombria — uma mistura de apreensão, tristeza e medo que somava anos a
seu rosto.
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— Na China — começou ele —, dizia-se que quando uma pessoa morre com
muita raiva, sua alma continua na terra, presa de uma fome de vingança.
Quanto mais furiosa a alma, mais poderoso é o fantasma. É claro que o
problema pode piorar se o morto não recebeu as coisas de que precisava na
outra vida. É sob estas condições que uma alma pode se tornar um
fantasma ansioso.
A cara de Oona estava branca de terror, e até Kiki parecia afetada. Eu ainda
estava confusa.
— Eu abandonei a filha dela. Desisti dela porque não era o menino que
queria. Não fui bom marido nem bom pai, srta. Fisher. Nem fui um bom
homem. Mas isso deve mudar. Está na hora de me corrigir com as pessoas
que magoei. É isso que a mão de Oona vem tentando me dizer.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Perguntei-me se Oona não teria ido longe demais. Lester Liu continuou
calmo, mas suas narinas estavam infladas e os dentes, trincados. Não
plantamos todos os nossos grampos, nem descobrimos nenhuma pista
sobre as crianças taiwanesas desaparecidas e, se Lester Liu nos expulsasse
daqui, talvez nunca mais tivéssemos outra chance. Eu sabia que a mesma
ideia passava pela cabeça de Kiki. Ela pediu licença educadamente e saiu
da sala de jantar, presumivelmente indo ao toalete. Isso me deixou sozinha
para testemunhar a batalha entre Oona e o pai.
— Na China, uma criança nunca diria coisas assim ao próprio pai. Respeitar
os pais é a virtude mais importante.
— Isso aqui parece a China para você? — perguntou Oona. — Eu nasci aqui.
Sou americana. E você é só um criminoso.
—Está tudo bem, Fisher — disse Lester Liu com um suspiro cansado. —
Receio que minha filha tenha falado a verdade. Como sem dúvida está
ciente, eu fiz coisas terríveis. Mas não sou o único criminoso em nossa
família. — Ele se virou para Oona. — Sei como você paga para viver como
vive, minha cara. Sei sobre as falsificações e o salão de manicure. Lamento
que tenha sido obrigada a abandonar sua moral. Sua mãe deve estar
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
magoada. Ela era uma mulher simples com fortes princípios. Por isso
convidei você aqui. Para perguntar se você, por sua mãe, renunciaria à vida
de crimes. Eu mesmo já fiz isso. Desde que você e suas amigas destruíram
a Fu-Tsang, venho levando uma vida de um homem de negócios legítimo.
— Não tenho palavras, minha cara. Isto não é um romance de Dickens. Que
utilidade crianças teriam para mim? Você deve saber que há muitos homens
em Chinatown que não tomaram as decisões que eu tomei. O crime não
parou quando deixei de cometê-lo.
De repente eu senti uma brisa gelada nos meus ombros. As chamas das
velas foram sopradas dos pavios e o fogo na lareira aumentou e
desapareceu como se tivesse sido sugado pela chaminé. A sala ficou às
escuras e um gemido que não podia ser do vendo quase me fez desmaiar
de pavor. Não estávamos sozinhos na sala. Procurei às cegas pela faca que
tinha visto ao lado de meu prato. Agarrando-a como uma adaga, esperei
que alguma coisa acontecesse. Ouvi passos se aproximando por trás. A mão
de repente pegou meu pulso e um sussurro encheu meus ouvidos.
— Talvez você prefira jantar no escuro, mas eu gosto de ver o que estou
comendo — disse ela, sentando-se de frente para o prato intocado.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
Kirsten Miller
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— O mordomo afirma que foi empurrado — disse Kiki. — O quarto prato caiu
em cima de Oona.
— Mais uma coisa antes de partir, por favor? — Lester Liu colocou a mão no
braço da filha. — Sua mãe ia querer que você tivesse isso. É a única foto
que resta dela. — Ele pegou uma fotografia do bolso interno do paletó. Tive
um vislumbre de uma jovem bonita com um vestido antiquado.
— Preciso ficar sozinha. — Oona abriu a porta do táxi e pulou para dentro.
— Deixe que ela vá — disse ela, erguendo a mão para chamar um táxi.
Ouvimos um assovio agudo do outro lado da rua. Sentado no muro de pedra
que cerca o Central Park, estava o garoto selvagem.
— Ela tem um encontro com uma lavagem a seco — eu disse. — Faz muita
sujeira quando come.
Kirsten Miller
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— Você disse najas? A maioria das najas está em risco de extinção. Não dá
para comprar em lugar nenhum de Nova York. Seu anfitrião disse de onde
elas vieram?
— Disse que importa da Tailândia — falou Kiki. — Você deve saber, já que
passou um dia e meio vigiando a casa de um dos mais famosos
contrabandistas de Nova York. Não há nada que ele queira e não consiga.
Para um menino com suas próprias histórias doidas para contar, Kaspar
pareceu extraordinariamente surpreso.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
— Você não ficou afastada por muito tempo. Todos os seus grampos foram
instalados?
— Foram. Não há tantos cômodos para cobrir, com a ala leste bloqueada.
Então, acha que existe mesmo um fantasma?
— Eu lamento por ela — eu disse. — A mãe morte que ela jamais conheceu
volta do túmulo e espera que Oona vire uma cidadã exemplar.
— Eu não engoli essa parte. Lester Liu está atrás de alguma coisa. Não sei o
que é. Queria poder pensar com mais clareza. — Kiki pousou a cabeça na
janela do táxi e mergulhou no silêncio.
— É claro que não está tudo bem. Eu acabei de dizer a você que o pai de
Oona parece ter alguma coisa na manga.
— Não foi o que eu quis dizer. Você anda faltando às reuniões ou aparece
atrasada. Não é típico de você. Verushka está muito mal? Há alguma coisa
que eu deva saber?
Fiquei chocada demais para falar. Chocada demais para dizer alguma coisa
além de "Posso vê-la?".
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
— Eu não contaria a ela, a não ser que fosse obrigada a isso, Verushka. Sei
que tem razão. Ela precisa saber lidar com o pai dela. Vou cuidar para que
ela não se meta em problemas. Mas não será fácil. Agora há um fantasma
na história.
Kirsten Miller
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— Continue, faça seu trabalho. Se for benfeito, vou esquecer que esta
conversa aconteceu — disse Kiki. — Mas se alguma coisa acontecer com
ela, vou considerar você o responsável.
— Que imbecil — declarei quando estávamos a uma distância que ele não
poderia ouvir.
— Não contratei o dr. Pritchard por suas boas maneiras ao leito — disse Kiki.
— Ele é bom e, pelo preço certo, está disposto a ficar de boca fechada.
Infelizmente, estou presa a ele.
— Você não está presa a ele. Vamos chamar uma ambulância e levar
Verushka ao hospital.
— Não podemos. Eu a levei três semanas atrás. Esse foi meu grande erro.
Os médicos localizaram o problema na bala alojada em sua perna. Estava
liberando cianeto no sistema. Acho que minha tia e capanga dela tinham
um plano B. Se a bala não matasse Verushka, o veneno acabaria matando.
"Quando os médicos retiraram a bala, pensei que haviam salvado sua vida.
Mas depois relataram à polícia o ferimento a bala. Quando peguei uma
enfermeira tirando as digitais de Verushka, eu a tirei escondido do hospital.
Pensei que ela se recuperaria, mas a melhora deve ter sido temporária. O
veneno ainda está em seu sistema. Ele a está matando.
— Não vai, não — eu disse a ele. — Nós vamos ajudar. Ainda tenho o
dinheiro que ganhei do ouro da Cidade das Sombras. É todo seu.
Kirsten Miller
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— Você tem problemas maiores do que Lester Liu — lembrei a Kiki. — Fique
com Verushka até que ela esteja melhor. Vou cuidar da reunião amanhã.
***
Voltei me arrastando pela minha janela antes que o relógio batesse meia-
noite. Enquanto tirava meu vestido elegante, colei o ouvido à porta de meu
quarto. Meus pais ainda estavam acordados. Eu podia ouvir o som fraco de
vozes alemãs coléricas e o ratatá de uma metralhadora vindo da sala de
estar. Se eles estavam relaxados o bastante para curtir um filme, minhas
atividades não deviam ter sido descobertas. Embora eu estivesse exausta,
ainda havia uma coisa para fazer antes de me deitar para dormir. Abri a
porta e fui na ponta dos pés pelo corredor até o quarto de hóspedes.
Às 11h da manhã seguinte, depois que meu pai saiu para seu estudo de
grupo aos sábados, aproximei-me de minha mãe enquanto ela se servia de
café. Apesar de eu preferir esperar até que ela tivesse consumido a terceira
ou quarta xícara, minha missão não podia ser adiada.
— Claro que precisa. — Para alguém muito nova no sarcasmo, ela estava
ficando muito boa nisso.
Kirsten Miller
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— Nós tínhamos aqueles livros, mas não estão mais lá. Papai deve ter tirado
— retruquei. — Você sabe que ele sempre empresta coisas.
— De que livros precisa? — perguntou ela. Estendi uma folha de papel com
dois títulos. — Vamos dar uma olhada?
— Queria que seu pai não tratasse nossa casa como a Biblioteca Pública de
Nova York. — Ela por fim suspirou e olhou o relógio. — Você tem duas horas,
Ananka. Se não estiver de volta à uma e meia, vou atrás de você. E é
melhor acreditar que faria um escândalo.
***
— Com licença — disse ela no mesmo tom que devia usar quando se dirigia
aos empregados dos outros. — Você trabalha aqui? Fala inglês?
Kirsten Miller
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***
— Ele trabalhou a manhã toda — explicou DeeDee. — Mas ainda está meio
fraco. Oona o fez tirar uma soneca.
— Não, Yu queria fazer alguma coisa boa por Oona. Ele insistiu. Espere até
ver o que ele fez.
— Acho que alguém raptou a criança mais talentosa de Taiwan. Ele também
pintou um retrato da sra. Fei, e agora ela é a maior fã dele. É o tempo todo
Yu para cá, Yu para lá. É tanta meiguice que me dá vontade de vomitar. E
aí, Kiki vem?
— Ela disse que se atualiza com você depois. E então, o que achou da noite
passada? Seu pai ainda está do lado errado da lei?
Kirsten Miller
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Oona insistiu.
— Confesso que ele me pegou por um tempo, mas quando acordei hoje de
manhã, eu sabia que era tudo uma fraude; o fantasma, a múmia, a
exposição, tudo. Estou louca para ouvir as gravações dos grampos.
— Você — respondi.
— Tudo bem, gente, está tudo pronto, então adiem a briga. Estamos
preparadas para os negócios. — Luz Lopez olhava do corredor, com as mãos
enfiadas no fundo dos bolsos do macacão. Sinalizou para que a seguíssemos
a uma das salas da depilação, onde o laptop estava aberto na mesa. Betty,
agindo como assistente de Luz, passou-nos fones de ouvido sem fio.
— Isto pode ser difícil para você. Tem certeza de que quer ouvir?
Kirsten Miller
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"Obrigado, Sukh." Era a voz exausta de Lester Liu. "É só por esta noite."
"A culpa não foi sua. Como posso não ser grato a você? Você foi o único
empregado que ficou. Essa lealdade é rara neste mundo."
"Sim, senhor."
"Para trás!", gritou Lester Liu. "Não chegue mais perto." Ao fundo, eu podia
ouvir um arquejo — uma respiração rápida e superficial, como a de um
animal hidrofóbico. Era o mesmo som que eu tinha ouvido na mansão.
"Eu tentei!", ele implorava. "Você a assustou, mas eu tentei. Não mereço
uma noite de paz?" O arfar se reproduziu e ficou pesado, como se a criatura
lutasse para respirar. Um gemido começou suavemente e aumentou a um
agudo ensurdecedor.
"Por favor", implorou Lester. "Por favor. Farei o que puder amanhã. Farei de
tudo para impedir isto. Tudo! Não! Não!" A última palavra saiu num volume
alto e se seguiu pelo baque de um corpo no chão. A gravação parou.
— Não preciso ouvir mais nada. — A cara de Oona era cinzenta, os olhos
hipnotizados pela tela do computador.
Kirsten Miller
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— Sabe de uma coisa, Oona — começou Luz. — Nem acredito que estou
sugerindo isso. Quer dizer, contraria tudo em que acredito como cientista,
mas talvez haja alguém que pode ajudá-la.
— Minha mãe costuma ver esse cara. Ele é médium... Sabe como é, ele diz
que pode falar com os mortos. De qualquer forma, minha mãe está
convencida de que ele esteve em contato com a irmã dela, que morreu em
Cuba há 15 anos. Eu sempre pensei que era uma fraude, mas agora não sei.
Pelo menos ela se sente melhor assim. Pode ser que a ajude conversar com
ele.
— Ah, tenha dó, Luz — gemi. — Não pode estar falando a sério.
CAPÍTULO NOVE
O superdotado
O endereço que Luz nos deu era de um antigo prédio comercial perto do
Madison Square Park. Oona e eu paramos diante dele com a cabeça
tombada para trás num ângulo desagradável. O céu nublado escondia o alto
da estrutura.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
– Não estamos aqui para vender doces. – Eu estava meio irritada. Em certas
épocas do ano, era difícil ir a algum lugar da cidade sem que os adultos
esperassem que você forçasse chocolate para eles. – Temos uma hora
marcada com o sr. Phinuit.
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– Demais. – Minha piada caiu com um baque. – Ela só está meio nervosa –
acrescentei.
– Não, não, não! – A mulher sacudiu o dedo para mim. – Não me diga. E pelo
amor de Deus, não diga a Monsieur Phinuit. Se a pessoa com quem estiver
tentando entrar em contato quiser ter esse contato, Monsieur Phinuit
saberá. Agora, há algumas perguntas que devo fazer a vocês. Alguma de
vocês duas tende a ter desmaios?
***
Depois daquela porta havia uma sala maior. Três de suas paredes eram
inteiramente de vidro e por um momento tive a sensação de flutuar no
espaço. Uma névoa densa e cinzenta se comprimia pelas janelas,
espiralando e se agitando. Pareciam restos e figuras formadas nas nuvens,
mas se dissolviam antes que meu cérebro pudesse entendê-las. Meus
ouvidos detectaram um silvo fraco – o murmúrio deu ma multidão ao longe.
Kirsten Miller
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– Bonjour.
– Sentem-se.
– Sim.
– Entendo. Isso pode ser difícil. A maioria das crianças não viveu o bastante
para forjar muitos contatos no mundo espiritual. Pode ser mais fácil lhes
falar de suas vidas passadas. Afinal, não faz tanto tempo assim que as duas
desfrutaram de outras existências. Sua amiga, acredito, era uma mulher de
status elevado. Vocês podem ter se conhecido.
A última coisa que eu precisava ouvir era que eu tinha sido serviçal de Oona
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– Isso seria fascinante, tenho certeza, mas minha amiga precisa ter contato
com alguém.
– Minha secretária lhes falou? Não faz diferença se a jovem está tentando
ter contato com os mortos. Devemos ver se eles estão tentando ter contato
com ela.
– Ah? Ela viu um fantasma, foi? – A boca de Oskar se abriu para murmurar
uma risada e eu fiquei nervosa por não ver evidência alguma de dentes. –
Deixe-me adivinhar. Não era um espírito muito bem-comportado. Atirava
coisas, não era? Fez um pouco de bagunça?
Kirsten Miller
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Humm-humm? Humm-humm; ela quer que você saiba que não está só.
Alguém está sempre ouvindo.
Oona inclinou-se e cochichou no meu ouvido.
– Há mais uma coisa – continuou ele. – Você está diante de uma decisão.
Deve escolher o que manter e o que abandonar. Se escolher sensatamente,
terá tudo o que sempre desejou.
– O fantasma pode me falar de meu pai? Ele realmente me quer como filha
dele, ou está tentando me atrair para uma armadilha?
– A mensagem não é inteiramente clara – disse ele. – O espírito diz que você
não deve procurar as respostas em seu pai. Só as encontrará dentro de si.
Chegou a hora de você crescer e cumprir seus deveres. Quando aceita o
amor de alguém, você aceita uma grande responsabilidade. Agora o espírito
está sumindo. Ela disse o que queria.
– Ela diz que você deve fazer seu dever de casa – anunciou Oskar. – Espere
um momento, desconfio que ela está brincando. Com os mortos, às vezes é
muito difícil saber. Ela quer que você saiba que a resposta a seu dilema está
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– Obrigada por seu tempo – eu disse enquanto Oona disparava pela porta.
***
– Quer dizer agora? – Seu aperto era forte o bastante para deixar
hematomas, mas eu consegui me soltar.
– Preciso saber se meu pai está por trás dos raptos. Temos que levar Kiki e
Yu pelos túneis. Talvez ele possa nos levas às outras crianças.
– Oona, Yu ainda está fraco. E Kiki não poderá ir. Eu não devia te contar,
mas Verushka pode estar morrendo. Kiki precisa ficar com ela.
– Temos que levar a sra. Fei à casa delas agora mesmo! Ela sabe como
salvá-la.
Kirsten Miller
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– Mas o que eu vou fazer? Não sei se meu pai quer me mimar ou me matar,
e agora um médium suíno diz que eu tenho que cumprir meus deveres? E se
Lester Liu não foi honesto? E se ele raptou mesmo aquelas crianças? Ainda
devo bancar a filha boba dele? Devo alguma coisa a ele só porque somos
parentes?
– Tem certeza de que era isso que o espírito tentava dizer? Foi tudo muito
confuso, se quer minha opinião.
Eu esperava que não. De Lester Liu desse a Oona tudo o que ela desejasse,
o que isso significaria para as Irregulares?
– Acho que ela disse que você já deve saber o que fazer.
– Bom, eu não sei. Quem sabe... Talvez Oskar Phinuit tenha inventado a
história toda. Parte daquela besteirada bolorenta pode ter vindo direto de
um biscoito da sorte. E essa coisa de sabão em pó... O que foi aquilo?
– Não sei, Oona, mas acho que você deve dar ouvidos ao que ele disse. O
segundo espírito parecia muito a minha tia-avó Beatrice.
Olhei o relógio do meu celular. Às onze e meia eu disse à minha mãe que
voltaria em duas horas, e agora eram quase quatro da tarde.
Kirsten Miller
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***
– Ainda bem que voltaram! – Betty mal conseguia ficar parada. Andava de
um lado para o outro e tinha dificuldades para ficar quieta.
– O que essa coisa está fazendo aqui? – disse Oona. – Isto não é um
zoológico. Tire o animal de seu namorado de meu salão.
– Ele não é meu namorado. Quer ouvir? Estou tentando te contar uma coisa.
O esquilo entrou pela porta enquanto eu ajudava a colocar Yu no táxi. E veio
entregar isto.
– Acho que Kaspar está com problemas – disse Betty. – O esquilo não foi
embora. Tentamos expulsá-lo, mas ele não saiu.
– O cara dos esquilos mora no Central Park. Se ele não soubesse se cuidar, a
essa altura estaria enterrado com todos os indigentes na ilha Hart – disse
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– Oona – falei, usando meu tom mais tranquilizador. – Temos que dar uma
olhada nisso agora. Podemos ir à Cidade das Sombras mais tarde. Yu nem
está aqui. O que espera que a gente faça?
– Tanto faz. Façam o que quiserem. Para que vocês servem, aliás? Vocês
nunca estão por perto quando eu preciso. Kiki nem aparece na metade do
tempo, e o resto está mais interessado num garoto que mal conhecem.
Então podem ir, saiam de meu salão.
– Está nos expulsando? – murmurou Betty, incrédula. – Não vai nos ajudar a
encontrar Kaspar?
***
Nossa primeira parada foi o Central Park. Não muito longe da mansão de
Lester Liu, ouvimos alguém chorar. O barulho parecia emanar de uma
azaléia ao lado do MINI Cooper. Espiei entre os galhos e encontrei o amigo
de Kaspar, Howard Van Dyke, exprimido no meio oco do arbusto, aninhando
uma galinha roliça de penas avermelhadas. Enroscados ao lado dele havia
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– Ah, sim! – De repente Howard ficou animado. – Esta é April – disse ele,
erguendo a galinha. – É a única amiga que tenho. Eu a salvei de um chef
cruel da Tavern on the Green e juramos amizade eterna.
– Não sei. Mas era um dos ternos que eu usava quando trabalhava em Wall
Street.
Kirsten Miller
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– Ele me bateu com força. Quando acordei, meu amigo Kaspar tinha sumido.
– Tenho. Eles querem que Kaspar faça truques como as focas do zoológico.
– Eles? – perguntei. – Quer dizer os pais dele? – Howard assentiu. Olhei para
Betty e DeeDee. Tínhamos a informação de que precisávamos.
– Vamos ajudar a conseguir alguma coisa para você comer. Pode sair do
arbusto por um minuto?
– Tome algum dinheiro – disse Betty. – Compre comida e mais tarde eu volto
para ver como você está.
– Claro – disse Betty. – Só me prometa que não vai dividir com a April.
***
– Aonde vamos? – perguntou DeeDee depois que ele não podia mais ouvir.
Eu as levava ao outro lado do parque. Três esquilos pretos e grandes
andavam ao nosso lado.
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– Oi, gente! – cantarolou ela como se estivesse superfeliz em nos ver. – Meu
nome é Shiva. Estão aqui para ver Jane e Artie?
– Vocês têm hora marcada? – perguntou ela num tom bem menos
simpático.
– Esperem. – Shiva nos deu as costas e falou em voz baixa num walkie-
talkie. – Artie, tem três meninas aqui que dizem conhecer Phineas... Tudo
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bem.. Posso levá-las para a sala de espera?... Ah, Artie, você é tão
inteligente... Tudo bem... Obrigada, Artie. – O jeito como ela dizia Artie me
dava náuseas. Eu me perguntei o que Jane pensava disso.
Quando Shiva girou de volta a nós, seu sorriso falto tinha voltado.
Ela nos guiou por um corredor que tinha sido pintado num tom de verde
para acalmar as crianças. Dezenas de telas estavam nas paredes, cada uma
delas a cópia perfeita de uma obra-prima, só que com um ou dois detalhes
alterados para divertir. O famoso autorretrato de Rembrandt mostrava o
artista com um dedo enfiado no nariz. A Mona Lisa usava um soco inglês. O
lábio superior da Moça com brinco de pérola estava curvado num rosnado.
– Chegamos. – Shiva abriu a porta para nós. – Sentem-se. Vai levar alguns
minutos. Fiquem à vontade.
– Que tipo de psicólogo são os Parker? – perguntou Betty antes de saber que
tínhamos companhia.
O menino me fitou com os olhos castanhos grandes que não eram tristes
nem assustados. Não disse nada, mas piscou rapidamente por meio minuto.
Tentei de novo.
– Por que não sai daí e se senta com a gente? Não há motivo para ter medo.
Todas nós somos legais.
Kirsten Miller
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O menino largou o urso fez uma série de sinais com as mãos, rápidos como
um raio.
GEOFFREY
– Ei, DeeDee – eu disse, andando para uma das caixas. – Me faz uma
escadinha. – DeeDee me lançou um olhar desconfiado mas se curvou com
as mãos cruzadas. Quando me ergueu no ar, segurei os frios e os puxei da
caixa. – Mais uma – eu disse a ela, indo para o outro canto.
– Obrigado. – Geoffrey ficou tão aliviado quanto um cachorro que sai para o
passeio matinal. – Mas receio que o experimento deles seja inútil, de
qualquer forma. Dado seu conhecimento da legislação do estado de Nova
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York, posso entender que você não deve ser normal. Seu QI deve estar
acima da média.
– Isso é terrível – Betty teve pena dele. – Por que não finge que está curado?
Geoffrey suspirou.
– Ninguém precisa me dizer que sou diferente. Sei disso a minha vida toda.
Mas me recuso a deixar que Shiva pense que venceu. Se depender de mim,
ela nunca vai se formar.
– Este é o preço por infringir a lei – eu disse. – Quem você pensa que é, Jane
Goodall?
– É, e eles não podem se defender sozinhos. Olha, não viemos aqui para
participar de seus experimentos doentios. Vamos ver os Parker ou não?
***
Os drs. Parker e Parker dividiam uma sala que parecia uma galeria de arte.
As paredes eram pintadas de um branco ofuscante e decoradas com uma
série de telas que mostravam animais com caras tristonhas observando de
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– Shiva nos disse que vocês conhecem Phineas – disse Parker homem. –
Importam-se se perguntarmos como o conheceram?
– Ah. – O dr. Parker franziu o cenho. Andou até o outro lado da mesa e
pegou um talão de cheques. – De quanto precisam para cobrir os prejuízos?
– Não viemos atrás de seu dinheiro – disse Betty. – Viemos para saber de
Phineas. Estamos preocupadas com ele.
– Falamos com um amigo dele há alguns minutos – disse. – Ele viu Phineas
sendo arrastado por um homem com cabelo com gel e um terno elegante. –
Uma revelação se seguiu à imagem que lampejou por minha mente, mas
não me atrevi a contar.
– Sim, foi assim que ele fugiu de casa. Ele contatou um sem-teto para fazer
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com que seu desaparecimento parecesse sequestro. Isso foi um mês antes
de descobrirmos que ele estava morando no parque. Vejam bem, Phineas é
diferente. Ele não é como vocês. Ele é especial.
– Ora, Jane, tenho certeza de que todas elas são especiais da própria
maneira. Só que nosso filho é dotado de uma maneira que vocês não
compreenderiam.
– Eu diria que me dá vontade de chorar – disse Betty. Não era preciso muito
para fazê-la chorar, mas eu mesma estava me sentindo meio lacrimosa.
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casa. Alguns até sugeriram que ele melhorou a obra de Picasso. Depois
disso, estudiosos de todo o mundo vieram a Nova York para observá-lo. O
maior especialista da Ásia em crianças superdotadas passou mais de seis
meses com Phineas, testando os limites de seu talento. Segundo o relatório
dele, não há limites.
Foi isso que nos inspirou a deixar nosso emprego na publicidade e ajudar
outras crianças como Phineas a realizarem seu potencial – disse Jane Parker.
– Não é fácil lidar com gênios. Phineas sempre foi mais sensível do que as
outras crianças.
– Sim – concordou o marido. – Essas pinturas, por exemplo, foram feitas
depois de nossa ida ao zoológico. Enquanto as outras crianças riam e
apontavam os animais, Phineas chorava. Ele não suportou ver os animais
sendo vistos em suas jaulas.
– Ele sempre adorou animais – disse Jane Parker. – Foi por isso que demos
os esquilos a ele. Outras crianças tinham cachorros e gatos. Phineas
precisava de algo um pouco mais singular. Mas ele se recusou a manter os
animais trancados. Insistiu que eles ficassem soltos. Deviam ver o estrago
que um esquilo gigante pode fazer com um cabideiro antigo. – Ela e o
marido riram da lembrança.
– Vocês dois são loucos, não são? – perguntou DeeDee. Ela estivera
fumegando em todo o discurso, e nunca na vida eu a vira com tanta raiva. –
Acabamos de dizer a vocês que seu filho corre perigo, e vocês agem como
se fôssemos um bando de tietes idiotas?
– Está vendo, Jane, eu sabia que elas não iam entender. Acho que está na
hora de voltarmos ao trabalho. Vocês, meninas, podem ir embora.
– Bom, sabe o que vocês podem fazer? – começou DeeDee. Peguei o braço
dela e a arrastei para fora do consultório.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
– Howard é um amor, mas ele anda com uma galinha. Pode não ser a
testemunha mais confiável do mundo – disse Betty.
– Ele é muito mais confiável do que esses dois birutas. Sugiro que
comecemos a pensar no que vamos fazer agora – insistiu DeeDee.
– Pensei numa coisa quando estava descrevendo o cara que levou Kaspar –
eu disse. – Cabelo com gel, terno elegante, tendências sádicas. Sabe quem
ele parece?
– Sergei Molotov.
– O capanga de Livia? O cara que atirou em Verushka? Por que ele ia querer
sequestrar Kaspar?
– Não sei – admiti. – Mas tenho que conversar com Kiki. Vou à casa dela
agora mesmo.
Kirsten Miller
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– É um... segredo. – Não tive de olhar para elas para saber como elas se
sentiram com a minha resposta.
Há alguém na sua família que pode muito bem levar um bom susto? Então,
por que não invocar seu próprio poltergeist? Se estiver procurando por uma
pegadinha rápida, o clássico truque do walkie-talkie debaixo da cama deve
ser adequado a seus propósitos. Mas se uma noite de diversão não bastar
para você, aqui estão alguns truques simples que podem convencer seus
entes queridos de que eles estão sendo assombrados. Ser um bom
fantasma requer tempo, dedicação e sutileza – mas os resultados tendem a
ser inestimáveis.
Se você for uma boa atriz, este pode ser seu truque mais eficaz. Numa
manhã, pergunte a sua família se eles ouviram os barulhos na noite
anterior. Não exagere. Você não precisa convencê-los de nada – só plante a
ideia na cabeça deles. Alguns dias depois, você pode perguntar se eles
viram alguma coisa estranha no porão ou no sótão. Se lhe pedirem uma
descrição, sacuda a cabeça e insista que deve ter sido sua imaginação.
Se você for uma boa atriz, este pode ser seu truque mais eficaz. Numa
manhã, pergunte a sua família se eles ouviram os barulhos na noite
anterior. Não exagere. Você não precisa convencê-los de nada – só plante a
ideia na cabeça deles. Alguns dias depois, você pode perguntar se eles
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Ruídos estranho
CAPÍTULOS DEZ
Kirsten Miller
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O sol começava a se pôr e a estufa que dava para leste estava iluminada e
quente como a face do sol. A cara de Kiki estava escondida atrás de um
chapéu de aba larga que protegia sua delicada pele enquanto ela regava as
orquídeas de Verushka. Olhei-a espanar delicadamente das folhas de uma
orquídea-borboleta uma camada de fuligem preta de Manhattan.
– Você tem uma boa enorme, Ananka. Se eu não tivesse respirado tanto
Fille Fiable, nunca teria contado a você. Verushka estava preocupada que
Oona pudesse descobrir... – Ela parou, como se estivesse criando energia
para continuar. – Olha, eu sei que Oona parece durona, mas é tudo atuação.
Ela é muito mais frágil do que você pensa. Ela tem que lidar com um
fantasma e um pai trapaceiro. A última coisa de que precisava era uma
nova preocupação.
– Não. Aconteceu outra coisa. Eu disse a Oona que ela precisava esperar e
ela teve um ataque. Estou preocupada que possa ter pressionado demais.
– O que houve?
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– Mas por que Molotov sequestrou Kaspar? Isso não faz sentido.
– Não sei – admitiu Kiki. – Talvez eu precise ter mais cuidado com quem
vejo. Tá legal. Eis o que você deve fazer. – Ela parou e olhou para mim
inquisitivamente. – Vai escrever isso? – Eu peguei um caderno na minha
bolsa. – No que diz respeito a Kaspar, só o que podemos fazer agora é dar
uma olhada nos parques de Manhattan, só para ter certeza de que ele não
está nos evitando. E ficar de olho em algum novo esquilo gigante. Quanto a
Lester Liu, peça a Luz para fazer uma daquelas câmeras de vigilância que
parecem pombos e a coloque do outro lado da mansão. Assim podemos
rastrear todo mundo que entra e sai. Continue ouvindo as gravações dos
grampos e, assim que Yu estiver melhor, leve-o aos túneis. Eu irei com
você, se puder. Nesse meio tempo, diga a Oona para ter paciência. Se o pai
dela estiver aprontando alguma, vamos acabar descobrindo.
Kirsten Miller
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Meu celular mostrava cinco ligações de casa não atendidas e eu não me dei
ao trabalho de ver os recados. As duas horas que eu disse que levaria
tinham se transformado em seis, e eu sabia que estava pedindo para ter
problemas. Mas eu não podia ir para casa sem falar com Oona. Entrei no
metrô para Chinatown e já estava escuro quando saí na Canal Street. Uma
fila de patos assados pendurados na janela de um restaurante lembrou a
meu estômago que eu não comera nada desde o café da manhã. Parei para
olhar desejosa a sopa com bolinhos sendo tomada por um homem com uma
verruga na ponta do queixo. Pelo reflexo no vidro, vi um Rolls-Royce prata
deslizar atrás de mim. Minha fome desapareceu enquanto eu via o carro
entrar na rua de Oona. Quando cheguei ao prédio dela, encontrei o Rolls
estacionado na frente. O mordomo de Lester Liu esperava ao volante,
fitando a rua em frente. Subindo o alpendre, vi Oona disparando escada
abaixo, com a sra. Fei atrás. Mesmo com a porta fechada, eu podia ouvi-las
gritando em chinês. Oona irrompeu para fora, quase me derrubando na
grade.
– Fui ver Kiki... – Eu parei, assombrada com o vestido que ela usava.
Lembrei-me de admirá-lo na vitrine da Bergdorf Goodman e eu sabia que o
preço devia ser astronômico. E quando Oona levantou o braço para coçar a
pela vermelha sob a gola, vi os braceletes de platina que Lester Liu dera a
ela. – Você ainda está com os braceletes.
– E você com isso? – rosnou Oona. A sra. Fei chegou ao alpendre, sem
fôlego por causa da correria pela escada. O cabelo estava solto e caía nas
costas como uma cascata prateada. Ela pegou a mão de Oona e pareceu
suplicar. – Tenho que ir – disse Oona, libertando-se da avó e correndo para o
Rolls-Royce.
– Ir aonde? – perguntei.
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– Não pode! – gritei. – É perigoso demais. Pelo menos espere até que uma
de nós possa ir com você. Todas nós queremos ajudá-la.
– Tarde demais. Não preciso mais de ajuda. Já resolvi tudo. – A porta bateu
na minha cara.
– Ela se foi. – Olhei surpresa para a sra. Fei, que descansava em um dos
degraus, olhando o Rolls-Royce desaparecer na esquina. – Eu disse a ela
para ficar em casa. O pai dela é um homem muito mau. Mas não sou a
verdadeira mãe dela. Ela não ia me ouvir.
– Há muito tempo. Aprendi sozinha – disse a sra. Fei. – Assim posso manter
Wang longe dos problemas. Ela sempre fala inglês quando não quer que eu
entenda.
– Seu segredo está seguro comigo, sra. Fei. Mas por que a chama de Wang?
– Wang foi o nome que eu dei quando ela nasceu. – Havia tristeza em sua
voz, como se ela falasse de alguém que já morreu. – Ela disse que é nome
de camponesa. Não é nome para a filha de um homem rico. Ela sempre
quer que tudo seja novo e bonito. Ela não quer morar em Chinatown com
uma velha pobre.
– Wang está com um grande problema – disse a sra. Fei. Só o que pude
fazer foi assentir minha concordância.
Kirsten Miller
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***
Não que isso importasse. Não havia nada que eu pudesse fazer. Luz e
DeeDee estavam liderando o que restava das Irregulares. Iris, vestida como
uma bandeirante que vendia biscoitos ou fantasiada de Halloween,
contrabandeava novidades para mim sempre que podia, mas nunca havia
muita coisa para contar. Kaspar ainda estava desaparecido e Betty passava
cada momento livre procurando pelos parques da ilha e olhando os jornais
em busca de sinais de esquilos gigantes. Mas nem os intrépidos repórteres
da cidade sabiam o que tinha sido feito de seu justiceiro e os três sócios
peludos. As câmeras de pombo de Luz mostravam entregas regulares de
animais exóticos mas comestíveis na mansão de Lester Liu, assim como
visitas frequentes a Oona, que mal falava com o restante de nós. Mas
graças aos grampos na mansão do pai sabíamos como Oona passava a
maior parte do tempo. Ela e Lester Liu estavam ocupados preparando a
festa de inauguração no Metropolitan Museum of Art. Imensas faixas
vermelhas anunciando a exposição em ônibus e cartazes lembravam aos
nova-iorquinos que não demoraria muito para A Imperatriz Despertar. Com
a pródiga abertura de gala a pouco mais de duas semanas, Lester Liu e sua
linda filha se tornaram mais famosos filantropos da cidade.
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
Kirsten Miller
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Iris corou.
– Deixa pra lá. É melhor descer ao porão. Eu disse à babá que estava com
diarreia e ela correu para comprar um remédio. Ela pode voltar a qualquer
momento.
– Como é que eu vou saber? – disse DeeDee. – Ela não retorna meus
telefonemas.
– Acho que ela não virá – disse Kiki, entregando-me um frasco do perfume
repelente de ratos de Iris. – Passe logo. Vamos ter que ir sem ela.
– E você deveria estar aqui? – perguntei, Kiki tinha perdido peso desde que
eu a vira. A calça preta parecia três números maior e ficava acima de seus
quadris com a ajuda de um cinto apertado. – Não devia estar em casa com
Verushka?
– O médico disse que a situação dela é estável. Ficar sentada em casa não
vai fazer com que eu me sinta melhor – disse Kiki. – Pelo menos aqui posso
fazer bem a alguém.
– Neste caso, vamos andando – disse DeeDee. – A não ser que a gente
queira a babá de Iris indo com a gente.
***
Dentro da Cidade das Sombras, Luz seguiu na minha frente pelos túneis
escuros até o local em que o alarme foi disparado. Assim que estávamos
debaixo de Chinatown, começamos a ouvir gritos, guinchos e o que
Kirsten Miller
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– Por que eu? – Por algum motivo, eu sempre ficava com as tarefas
perigosas.
– É para seu próprio bem. Você ficou engaiolada por tempo demais. Se não
tiver um surto de adrenalina logo, vai ficar molenga.
Vinte metros acima do covil dos ladrões na Cidade das Sombras, abrimos
um alçapão e nos içamos para um espaço que parecia um calabouço. Uma
farpa da tábua áspera do piso entrou na palma da minha mão e eu
cambaleei numa parede de pedras irregulares. Depois de duas semanas de
prisão domiciliar, eu já estava sem prática. Kiki colocou a orelha na única
porta da sala.
Kirsten Miller
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– Isso não existe. Vamos levar a menina. Como já estamos aqui, podemos
muito bem pedir a Oona para traduzir.
***
Kirsten Miller
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– Nós ligamos para você – disse-lhe DeeDee. – Você não se deu ao trabalho
de atender.
– Para sua informação, eu a despedi porque ela tem a mão leve. Encontrei
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– Você não está entendendo, Oona – disse ela por fim. – O que quer que
esteja tentando fazer, tem que nos deixar ajudar. Está acontecendo alguma
coisa grande. Pense nisso. Seu pai aparece depois desse tempo todo; depois
Kaspar some e Sergei Molotov é visto na cidade. Sei que agora tudo isso
parece acidental... Mas pode haver uma ligação.
– Onde?
– É mesmo? – De algum modo, Oona não pareceu chocada. Ela parecia feliz.
– E você disse que não viu nada? – DeeDee não conseguia esconder seu
ceticismo.
– Deve ter sido quando eles transferiram as crianças para outro lugar – eu
disse.
– Ela não fala bem inglês – disse Kiki. – Por isso estamos aqui. Precisamos
que você traduza.
– Claro. Eu devia saber que era por isso que estavam aqui.
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– É assim que os amigos ficam – rebateu Oona. Ela escutou a conversa por
um momento. – O nome dela é Siu Fah. Ela e Yu eram colegas de escola.
A menina nos viu olhando e apontou para Kiki. Yu olhou Kiki de cima a baixo
e os dois riram.
– Diga a eles que é só coincidência – disse Kiki. – Depois pergunte a Siu Fah
como foi que ela fugiu.
– Ela falou que os sequestradores disseram a ela que Yu tinha morrido, mas
ela não acreditou. Ela sabia que ele tinha encontrado uma saída, então
escapulia de fininho do quarto onde estava presa. Procurava sempre que
podia, mas levou mais de uma semana para achar o alçapão.
– Eram principalmente chineses. Ela disse que só viu o chefe deles uma vez.
– Oona hesitou e olhou o restante de nós.
Siu Fah falou por dois minutos inteiros antes de Oona traduzir.
– Ela disse que era um homem claro de cabelo preto. Sempre estava de
terno. Ela acha que ele falava russo com alguns dos homens. – Eu não
sabia, por sua expressão, se Oona estava aliviada ou decepcionada.
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– Parece tela de Peter Paul Rubens. A toalete de Vênus. Acho que estavam
copiando obras de arte famosas.
– Ela não sabe. Estava tentando salvá-los, mas não conseguiu – disse Oona.
Senti um puxão nas costas de meu casaco. A sra. Fei acenava para mim da
cozinha. Esperei até que ninguém estivesse olhando e saí de fininho.
– Cadê Ananka? – Ouvi Betty perguntar no corredor. A sra. Fei pôs um dedo
nos lábios.
***
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– Acho que não conseguimos muita coisa sobre Lester Liu – disse Luz.
– Só estou dizendo que nenhuma de nós fala hakka – disse DeeDee. – Não
temos ideia do que a menina realmente disse. Ela pode ter descrito Lester
Liu de cabo a rabo e não íamos saber a diferença.
– Aquela pele que ela usava custa uma fortuna – acrescentou Betty.
– Acha que Yu e Siu Fah estão seguros com ela? – perguntou DeeDee.
– Calem a boca! Todas vocês. – Já fazia algum tempo que eu não via Kiki
perder a calma e tinha me esquecido de como podia ser apavorante. Seus
olhos eram de lobo e o cabelo estava desgrenhado. Veias azuis incharam
sob a pele da testa. – É assim que vocês falam das amigas? Nenhuma de
vocês tem ideia de como isto tem sido difícil para Oona. Alguma de vocês
sabe o que é ser criada sem família? É claro que não sabem. Talvez Oona
esteja mesmo tentada. Talvez ela queira ter um pai, como todo mundo. No
que me diz respeito, só há uma coisa que importa. Agora mesmo não temos
nenhuma mísera prova de que ela está fazendo alguma coisa errada. E daí
que ela seja filha de Lester Liu? Eu sabia disso quando a convidei a se juntar
às Irregulares, e nos últimos dois anos ela não fez nada que me fizesse
questionar sua lealdade.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Kiki nos encarou com nojo. Depois girou o corpo e marchou para a Canal
Street, deixando-nos chocadas na esquina.
– Kiki também não tem pais – observou DeeDee. – Ela acha que sabe como
Oona se sente. Não consegue ver o que realmente está acontecendo.
***
CAPÍTULO ONZE
Assassina à solta
Às sete horas da manhã seguinte, o cheiro acre de café fervendo vagou para meu quarto.
Vesti meu roupão e fui na ponta dos pés até a cozinha para investigar, esperando
encontrar um ladrão morto de cansaço ou uma princesa anã. Em vez disso, descobri
minha mãe sentada à mesa, bebendo de uma xícara da PBS. Ela não disse nada quando
dei um "bom dia" rouco, mas continuou a ler um exemplar do New York Daily News
que estava aberto diante dela. Mesmo com o jornal de cabeça para baixo, não tive
dificuldades para identificar a mulher cuja foto agraciava a página 2. Era Livia
Galatzina, a rainha exilada da Pocróvia e tia de Kiki Strike.
A adrenalina bombeou por meu corpo. Minhas mãos tremeram enquanto eu servia café
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
na última louça limpa da casa e me sentava à mesa. Minha mãe empurrou o jornal para
mim e se levantou para encher a xícara. A manchete dizia Assassina à solta em
Manhattan.
A rainha Livia oferece uma recompensa de 100 mil dólares por qualquer
informação que leve à captura de Verushka Kozlova.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Então agora cada menina pálida de Nova York é Kiki Strike? Isso é birutice,
mãe. Tenho que me arrumar para a escola.
***
– Pensei que fosse o dr. Pritchard – disse ela. – Ele devia ter chegado há
séculos. Verushka teve uma manhã difícil.
– Não soube? – Senti a primeira onda de pânico e meu coração bateu nos
ouvidos. Kiki lia os jornais religiosamente e eu esperava que ela estivesse
preparada com um plano. Meu celular tocou. O número de Betty piscou no
identificador de chamadas. – Ligo para você daqui a um minuto – eu disse a
ela. Assim que desliguei, o número de Luz apareceu no visor.
– O que vai fazer com Verushka? – gritei, embora já soubesse que só havia
uma alternativa. Mas se Lester Liu e Sergei Molotov tinham alguma ligação,
não parecia sensato levar Verushka para a casa de Oona. – Kiki, você
realmente quer... – Eu comecei a dizer.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Pensei que tivesse deixado claro na noite passada, Ananka. O que quer
que esteja pensando agora, deve guardar para si mesma.
***
***
– Bem que podia ser. – Kiki não pareceu surpresa ao ouvir a avó de Oona
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Se você se importasse igualmente com ela, teria vindo antes. Cianeto, não
é? O veneno a está devorando. Sua amiga pode morrer – ela a repreendeu.
– O que a faz pensar que Oona precisa ser salva, sra. Fei? – perguntou Kiki.
– Porque eu a ouço quando ela fala com o pai. Ela pensa que ele a quer de
volta, mas sei que ele vai magoá-la. Tentei vê-lo e pedir a ele para deixá-la
em paz, mas ele não quis falar comigo. – Ela apontou para um pacote
lindamente embrulhado perto da porta. – Está vendo isso? Todo dia chega
alguma coisa. Wang acha que presentes equivalem a amor. Todo dia ela vai
à casa dele. Às vezes ela só chega em casa tarde da noite.
O alerta da sra. Fei significava mais para Kiki do que qualquer coisa que eu
pudesse ter dito.
– Você fala um inglês perfeito. – Nenhuma de nós ouviu Oona chegar. Mas
ela apareceu estranhamente composta e a assadura no pescoço estava
nítida. – Há quanto tempo está me espionando, sra. Fei?
– Não espionando... Ouvindo. Quero ajudar você. – A voz da sra. Fei não
tinha culpa, mas eu mal consegui suportar ouvir o diálogo.
– Então, o que vocês andaram conversando com minha avó? – Ela abriu um
sorriso artificial quando não respondemos. – Deixa pra lá. Não importa.
Como está Verushka? – Oona se ajoelhou ao lado da cama de Verushka e
pegou sua mão azulada.
.
– A sra. Fei acha que pode salvá-la.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
.
– Vocês terão de ficar aqui até que ela melhore – disse Oona a Kiki. – Pode
ficar no meu quarto.
.
– E onde você vai dormir? – perguntei.
.
– Na mansão – respondeu Oona com frieza. – Vou me mudar para lá esta
noite.
.
A sra. Fei arfou e todo o seu corpo pareceu tremer.
– Não acho que isso seja inteligente – alertei Oona. Com os grampos de Luz
desativados, as Irregulares não tinham como garantir a segurança dela.
– Vamos finalizar os planos para a festa da Imperatriz esta noite. Meu pai
quer que eu esteja no museu às seis horas. Por que eu faria todo o caminho
de volta a Chinatown se ele mora na mesma rua? Pelo menos vou ter
alguma privacidade lá.
– Eu não ia ouvir! – pediu a sra. Fei. – Fique aqui. Esta é a sua casa.
– Este não é o meu lugar – disse Oona, e não estava brincando. – Precisava
estar onde posso assumir minhas responsabilidades.
– A fantasma vai ficar feliz se conseguir o que quer. Além disso, se for
mesmo minha mãe, por que eu deveria ter medo?
– Então eu vou. – Pensando bem agora, isso pareceu corajoso, mas eu tive
de forçar as palavras para fora.
– Não sou uma inválida – disse Oona. – Não preciso de dama de companhia.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Oona bateu a mão no pescoço e olhou o sangue que veio nos dedos. Depois,
sem dizer nada, saiu da sala.
***
Como matei aula e era foragida da justiça dos pais, eu não podia ir para
casa. Em vez disso, passei a maior parte daquele dia frio de novembro com
Yu e Siu Fah, procurando herbanários enquanto reuníamos os itens de uma
lista de compras de cinco páginas preparada pela sra. Fei. Em cada rua de
Chinatown, centenas de corpos roliços embrulhados em casacos roçavam,
esbarravam e quicavam uns nos outros enquanto cada um deles gingava
para o calor. Mas de algum modo o vento frio e severo não me incomodava
muito. Embora só tivéssemos trocado algumas palavras, Yu e Siu Fah eram
uma companhia surpreendente boa. Eu me esqueci de como a felicidade
podia ser contagiante e otimista pela primeira vez em semanas. Mas
quando voltamos ao apartamento de Oona depois do pôr do sol, liguei a TV
no Channel Three e recebi uma forte dose de realidade. O noticiário local
começou com uma imagem da casa de Kiki. A porta da frente estava aberta
e policiais entravam e saiam do prédio enquanto as luzes de suas viaturas
giravam em silêncio. Adam Gunderson, o principal repórter do Channel
Three, tinha feito fama no início do ano ao expor Kiki Strike como uma
fraude. Agora estava na frente da casa dela, trajando uma parca pronta
para o Ártico e um microfone na mão. Ao lado dele havia um homem
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
"Não sei muito sobre essa Kiki Strike de que todo mundo fala, mas a menina
que vi era uma coisinha gorducha com uma perna mais curta do que a
outra. Não sei quantos problemas ela pode causar, com a enfermidade dela
e tudo isso.
"Então duvida que a companheira da srta. Kozlova pode ser uma justiceira
adolescente?
"Imagino que não. Ela também parecia meio lerda. Suponho que tenha um
toque de retardo, se entende o que quero dizer.
"Como se sente tendo morado de frente para uma assassina famosa, sr.
Krull?
"Tenho que dizer que é muito empolgante. Não se esbarra com esses tipos
no Mississippi. Fico feliz por ter me mudado para Nova York.
"Bom, é uma maneira de ser ver a questão, imagino. Obrigado, sr. Krull.
"Janice, os outros vizinhos com quem falamos não se lembram de ter visto
nenhuma das moradoras do prédio e as gravações de segurança de casas
vizinhas desapareceram misteriosamente esta manhã. Fontes do
Departamento de Polícia dizem que as autoridades estão confusas. Por ora,
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Pode ser que precise disto. – Kiki me entregou um frasco de Fille Fiable.
Uma quantidade mínima do líquido âmbar batia no fundo do vidro. – Foi só o
que sobrou. Vou pedir a DeeDee para fazer mais. Tenho de ligar para ela e
as outras esta noite de qualquer forma.
– Para pedir desculpas – disse Kiki. – Eu devia ter contado tudo isso a elas
antes.
***
– Boa noite, srta. Fisher. É um prazer vê-la. – Lester Liu sabia como dizer
uma coisa enquanto deixava perfeitamente claro que pretendia dizer outra.
Abriu para Oona um sorriso insincero. – Não esperava companhia esta noite,
minha cara.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Bom, então, este deve ser um presente para você. Vamos. Oona e eu
precisamos ver a Imperatriz.
***
– Por que ele a chamou de Lillian? – cochichei para Oona enquanto o sr.
Hunt continuava a tagarelar.
– Ele acha que Lillian Liu tem um som agradável – disse ela. – Que me
importa como ele me chama? Eu inventei Oona Wong?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– É uma estátua, srta. Fisher – ouvi Lester Liu dizer. – Não precisa entrar em
pânico. O museu está cheio delas. – Oona deu uma risadinha e eu me senti
corar.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Quando o segurança deu as costas para nós, senti-me sem minha única
defesa. Mas enquanto minha mente gritava para ele ficar, eu segui em
silêncio Lester Liu para o ambiente da exposição. A primeira galeria estava
um caos, com caixas de madeira encostadas nas paredes. Um homem que
parecia um passarinho com um emaranhado de cabelo amarelo gritava
ordens a uma turma de musculosos trabalhadores de luvas brancas. Quatro
dos homens baixavam cuidadosamente uma grande tela em uma caixa
aberta enquanto dois colegas se ocupavam em lacrar outra com pregos.
– Por que embalá-las com tanto cuidado se só estão transferindo para outra
parte do museu?
Já era bem ruim ter feito uma pergunta; duas, era uma coisa inaudita. O
baixinho ficou assombrado e Oona revirou os olhos. Eu corria o risco de
pressionar demais.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Enquanto o dr. Jennings, Oona e Lester Liu seguiam em frente, parei para
olhar os trabalhadores terminaram de preparar as caixas. Enquanto um
homem corpulento se curvava sobre o martelo para colocar um último
prego, a camisa dele se soltou das calças, expondo parte das costas – e a
cabeça tatuada de um dragão vesgo. Era um Fu-Tsang. Girei e vi se mais
alguém tinha percebido, encontrando Oona me encarando do outro lado da
sala, os olhos me desafiando a falar.
***
– Claro, sr. Liu. A sala da Imperatriz estará pronta quando ela chegar –
garantiu-lhe o dr. Jennings. – Podemos dar uma olhada?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Eu já fiz coisas imbecis, mas não muitas. Apesar das incontáveis lições de
Kiki, minhas habilidades de espiã continuavam risivelmente ruins e eu só
tinha duas gotas de Fille Fiable para me salvar dos problemas que eu sabia
em que estava me metendo. Enquanto o homem empurrava a caixa pelos
corredores vazios do Metropolitan Museum of Art, mantive uma distância
segura, enfiando-me atrás de colunas e tateando por acidente uma ou duas
estátuas. Meu cérebro funcionava na velocidade dobrada e as coisas
começavam a fazer sentido para mim. Em vez de tentar desativar os
detectores de movimento do museu e silenciar os alarmes, os Fu-Tsang
roubavam telas enquanto as transferiam de um lugar para outro. E para
mim não havia mais nenhuma dúvida de que Oona estava envolvida.
O homem virou uma esquina e esperei vários segundos antes de espiar pelo
canto. A tela não estava à vista e eu podia ouvir o rangido das rodas da
plataforma ficando mais fraco.
– Já não era sem tempo! – ouvi alguém exclamar. A voz parecia vir da última
de várias galerias no corredor. – Esperei a noite toda. Vamos! – Avancei aos
poucos pelo corredor e fiquei paralisada no meio de um passo. Tirei meus
sapatos, fui na ponta dos pés para a entrada da galeria e devagar coloquei
a cabeça pelo canto. A caixa estava aberta e o bandido Fu-Tsang e ouros
três homens erguiam a tela.
Escapuli de volta pelo corredor e tentei lembrar que caminho tinha tomado.
Esperava sem sorte e a esquina que escolhi me levou direto ao sr. Hunt.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Não é mais minha funcionária, srta. Fishbein. – Eu tremi quando ouvi a voz
de Lester Liu. Ele tinha vindo procurar por mim. – Sr. Hunt, o senhor se
importaria de pedir à segurança para cuidar desta arruaceira para que eu
possa voltar a meu trabalho?
– O que acha que está fazendo? – rosnou ela. – Isto não é brincadeira. Se
não fosse por mim, você agora estaria morta.
– Não me faça favor nenhum – cuspi para ela. – Eu não me associo com
traidoras.
Uma boa detetive nunca deixa passar o menor dos detalhes. Quando se
trata de resolver crimes e salvar cidades, até o nome da galinha de
estimação de alguém pode se provar de importância fundamental. (Embora
não seja o caso neste livro.)
a. Nugget
b. April
c. Thelma
d. Extra Crispy
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
6. Complete a seguinte frase: Com base no que leu até agora, Oona
Wong é...
Crédito Extra
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RESPOSTAS:
1) b
2) a
3) Se você estivesse prestando atenção, nada disso estaria na sua lixeira.
4) c
5) c
6) d – Você não leu mais para a frente, leu?
CAPÍTULO DOZE
O problema foi que não houve pergunta alguma. E um único olhar para a
cara de decepção de minha mãe me lembrou de que ela não era inimiga.
Ela era mãe de uma menina dissimulada, mentirosa e indigna de confiança
que não podia ou não iria explicar seus atos. A caminho de casa, não houve
sermões nem papo de colégio interno. Minha mãe ficou sentada em silêncio
perto da janela, olhando a Quinta Avenida passar voando. Vi o que meus
segredos fizeram com ela e quis lhe contar a verdade. Mas eu sabia que
tinha esperado demais.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
– De que outra maneira posso ter certeza de que você vai para a escola? –
Ela deu um sorriso malicioso, mantendo a porta aberta para mim.
Havia poucas coisas mais humilhantes na vida do que ser acompanhada até
a escola pela mãe. O que mais me irritou foi que ela conseguiu frustrar o
único plano de fuga que eu tinha bolado. Ela ficou sentada a meu lado no
metrô e me olhava pelo canto do olho enquanto passávamos por várias
bancas alardeando os jornais da manhã.Assassina às portas da morte!,
gritava a primeira página de um deles. Médico herói conta tudo!, gritava
outro. Quando minha mãe me deixou na porta da frente da Escola Atalanta,
várias testemunhas começaram a rir. Felizmente, Molly Donovan estava na
calçada esperando por outra oportunidade de se atrasar. Bastou uma
encarada de Molly e olhos foram desviados, lábios selados e eu pude entrar
na escola com o pouco que me restava de minha autoestima.
– O que foi desta vez? – Molly e seus cachos quicavam a meu lado.
– Você deve estar falando a verdade. Está sendo vigiada, sabia? Eles devem
pensar que você representa risco de fuga.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Shhhh. Olhe em volta. Não seja tão óbvia. Deixe que eles se divirtam. Esta
é a coisa mais empolgante que os professores têm o dia todo. Faz com que
eles se sintam a Nancy Drew. – Uma olhada rápida dos dois lados provou
que Molly tinha razão. Todo professor por que passávamos me perseguia
com os olhos. Comecei a entender como era ser Molly Donovan.
– Talvez seja melhor não sermos vistas juntas agora – murmurei, tentando
evitar que meus lábios se mexessem.
– É, acho que gângsteres barra-pesada como você não podem ser vistas se
rebaixando com criminosas inferiores como eu – zombou Molly.
– Desculpe. Não sei o que estava dizendo. Não importa mais, já que
consegui ser expulsa.
– Que gozado, era justamente sobre isso que queria falar com você. Sabe a
promessa que me fez? Acha que pode acelerar um pouco as coisas? Estou
ficou meio desesperada. Chamei a atenção de uma universitária que
trabalha para meus psicólogos. Ela parece pensar que sou o bilhete dela
para a fama e a fortuna.
– Você teve tempo para invadir o Metropolitan Museum, mas não tem tempo
para ajudar uma amiga?
– Você pode não acreditar, mas tenho outras amigas com problemas piores
do que os seus.
– Vamos ver o que você acha no final do dia – Molly me desafiou, abrindo a
porta de minha aula do primeiro tempo. – Não há nada pior do que perder
sua privacidade. Já ouviu falar do efeito do observador?
– Não.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
A pessoa sentada atrás da mesa na frente da sala não tinha o nariz peludo,
a expressão dolorida ou o gosto por tweeds desiguais do sr. Dedly. Era uma
indiana bonita, vestida com um sári turquesa vibrante. Um diamante
mínimio cintilada sua narina esquerda e as pulseiras de ouro tiniram como
um sino de vento quando ela se levantou para falar com a turma.
– O sr. Dedly não virá hoje. Eu sou a srta. Mahadevi, a professora substituta.
Antes de começarmos a aula, preciso falar com uma das alunas desta
turma. – Ela examinou o livro de chamada, o dedo percorrendo a lista até
que parou em algum lugar no meio. – Ananka Fishbein. Por favor, venha à
frente da sala. O restante da turma pode conversar em voz baixa.
– Betty? – comecei a rir, até que ela me fez calar. – O que você fez com o sr.
Dedly?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Oona. Quem mais seria? Ela disse que você foi pega xeretando. Nunca a vi
tão irritada. Pensei que ela ia começar a espumar pela boca.
– Ah, é mesmo? Ela contou a você por que eu estava xeretando por lá? –
Betty sacudiu a cabeça. – É, eu achei que ela deixaria essa parte de fora. Eu
estava xeretando porque havia homens da Fu-Tsang no museu.
- Sim. Vi um cara com um dragão tatuado nas costas. Ele transferia as telas
de uma exposição anterior. Pensei que podia estar roubando, então o segui.
– E ele estava?
– Não – admiti. – Por acaso estava levando para outra parte do museu. Mas
eu juro que tinha alguma coisa esquisita acontecendo com lá. E a pior parte
é que... Oona deve estar envolvida nisso. Ela viu o cara da tatuagem, como
eu. Ela sabe que a Fu-Tsang está envolvida, e não contou a ninguém. Acho
que ela passou para o lado negro.
Betty estremeceu.
– Queria poder dizer que estou surpresa. Vou ligar para Kiki assim que a
aula terminar.
– Alguém precisa visitar o museu também. Eu mesma iria mas dizem que fui
proibida de entrar.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
dela.
– Perfeito. Então isso significa que você realmente dar essa aula? Sabe
alguma coisa da história de Nova York?
– Há uma coisa de que sei muito bem. – Sua voz já começara a adotar o
ritmo melífluo de um sotaque indiano. – Vamos entrar. A gente conversa de
novo depois da aula.
***
– Não só o sr. Hyde não tinha competência como governador, como adorava
se vestir como sua prima, a rainha Anne. Infelizmente, como podem ver, ele
fez um péssimo trabalho nisso também. Hoje vamos analisar as poucas
técnicas que o sr. Hyde podia ter usado para tornar sua fantasia mais
convincente.
– Ananka Fishbein – disse ela com um toque de compaixão na voz –, você foi
convocada à sala da diretora.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Eu sinto muito, Molly. Talvez você deva contar a ela por que quer ser
expulsa.
Molly bufou.
***
– Feche a porta, por favor, Ananka – ordenou ela. – Eu não sabia de sua
amizade com a srta. Donovan.
– Minha visão pode estar falhando, mas minha audição é afiada como
sempre. Então entendi que Molly gostaria de ser expulsa?
– Ela quer sair de Nova York. Diz que os pais dela acham que ela é especial.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Agradeço por sua informação, Ananka. Mas não a chamei aqui para
discutir Molly Donovan. Gostaria de ter uma conversinha sobre você.
– É, quanto a isso... – Fiz uma careta ao falar. – Desculpe por matar aula
ontem. Sei que a senhora tentou me ajudar. Peço desculpas por decepcioná-
la.
– Sim, foi muito decepcionante, Ananka. – De algum modo a voz dela não
combinava com as palavras.
– Sei que minha mãe lhe contou sobre o incidente do museu. Todo mundo
está me vigiando como se eu fosse fugir para o México.
– Sua mãe parece pensar que você pode deixar a escola um pouco mais
cedo hoje. Mas não é por isso que quero conversar com você. Terminei de
ler seu trabalho e achei que merecia uma discussão.
– Desculpe por isso também. Tenho certeza de que não era o que a senhora
esperava.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
A diretora riu.
– Você tem uma vida interessante, Ananka. Sabe de uma coisa, quando eu
era criança, meu avô costumava contar histórias sobre salas ocultas
embaixo de Manhattan. Ele dizia ter visitado algumas na juventude, mas
duvido de que estivesse em alguma missão nobre. Ao que parecia, ele era
meio trapaceiro.
– Ele deve ter sido um dos poucos que sobreviveram à peste – falei.
– Bem, adoraria ler quando você terminasse. Acredito que podemos publicar
este.
– Não! – eu disse meio rápido demais. Meu coração saltou quando pensei na
reação de Kiki. – Escrevi isso para a senhora. Não quero que mais ninguém
leia.
Era bom saber que era superdotada, mas eu não achava que faria muito
diferença. Quantos pontos de QI são necessários para ordenhar vacas e
fazer queijo?
–Mas, diretora Wickham, amanhã será meu último dia na Atalanta. Minha
mãe não lhe contou? Vou para a Academia Borland na quinta-feira.
– Isso é novidade para mim – disse ela, pegando o telefone. – Preciso dar
uma palavrinha com sua mãe. Poderia me dar licença?
– Claro – falei. O que quer que ela estivesse planejando, não ia dar certo.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
Eu não podia encarar Betty, então matei a aula e fui para a biblioteca.
Peguei uma cadeira num terminal de computador, pretendendo digitar
minha confissão. Meu cotovelo bateu no mouse e a tela se iluminou. Uma
visitante anterior estivera lendo as colunas de fofocas online do dia. Uma
nota no Nova York Post anunciava que a rainha Livia da Pocróvia logo
voltaria à cidade para procurar pela sobrinha havia muito desaparecida.
Entrei em minha conta de e-mail e, com os dedos postados no alto do
teclado, parei para pensar. Minha desgraça era inevitável, e embora as
Irregulares não continuassem minhas amigas por muito tempo, eu precisava
ajudá-la enquanto pudesse. Mandei a coluna de fofocas por e-mail para Kiki,
abri uma nova página e digitei a URL do Metropolitan Museum of Art.
– Não devia ter matado minha aula – ela se irritou quando a encontrei. –
Podia ter aprendido alguma coisa.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Desculpe, mas eu estava fazendo bom uso de meu tempo. Trouxe para
você cópias das telas em exposição que foram substituídas pela Imperatriz
Desperta. Dê uma olhada nestas duas... Ainda estão no Metropolitan
Museum. Veja se percebe alguma coisa estranha.
– Arrã. Acho que Oona é a convidada de honra da vez. Todos os pais das
meninas ricas estão desesperados para receber a filha de Lester Liu para
jantar.
– Calculo.
– É, mas tem uma coisa. Parece que Oona não aceitou nenhum dos
convites. Está esnobando a todos.
– Ela é inteligente. Fazer com que se curvem uma ou duas vezes a deixará
ainda mais irresistível. Não há nada que essas meninas respeitem mais do
que alguém esnobe. Faz parte do plano dela.
– É, acho que faz sentido. Só que magoa pensar que Oona pode mesmo ter
se tornado uma traidora – disse Betty, infeliz.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Agora pode sair – falei à menina do primeiro ano, que tinha terminado de
lavar as mãos.
– É? E aí?
– Você tinha razão. Tem uma coisa que não devia estar ali. Atrás do ombro
da mulher. Não dá para ver se olhar direto para ela. Você tem que ficar no
lugar certo.
– Ana-o-quê?
– Um esquilo.
– Tenho. Havia outra tela da exposição com um esquilo oculto. O nome era
Vênus e Adônis. O esquilo está sentado num galho de árvore.
– Você acha...
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
O metrô estava lotado de estudantes indo para casa, mas só uma tinha a
mãe acompanhando. Para esconder minha humilhação, pratiquei o olhar
vago dos viajantes exaustos, meus olhos passando pelos anúncios que
ficavam no alto do trem. O mais perturbador mostrava fotos lado a lado da
cabeça de um anônimo. A cabeça de antes tinha pouco mais de um trecho
árido de careca, enquanto na de depois brotava um cabelo grosso e
luxuriante. Uma marca de cabelo sintético em spray assumiu o crédito pela
melhoria. Por seis quadras, li e reli a legenda: "Nunca vão saber a
diferença!" Escondido atrás daquelas palavras, um significado místico me
escapava. Quando as portas do trem se abriram na Spring Street, eu sabia o
que era.
Naquela noite, fiquei sentada em meu quarto, olhando a parede por horas
sem fim, sem pretender ter qualquer contato com o mundo. Não me
incomodei de encher as duas malas que ainda estavam no chão do meu
quarto. Não me importava se isso significasse sair da cidade com as roupas
do corpo. Eu era a única pessoa que sabia que um crime terrível tinha sido
cometido. Continuava cismada com cinco fatos simples:
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Shhhh. É claro que não. Mas eles não trancaram todas as janelas do
apartamento.
– Está acordada e parece um pouco mais humana. É cedo demais para ter
certeza, mas acho que a sra. Fei pode ser salvado a vida dela.
– Triste. Esta pode ser a última vez que vejo você, até o verão.
– Ainda não vou entregar você para as vacas. Soube que você teve uma
noite interessante ontem. Quer me contar o que aconteceu?
– Bom, quando fui ver a exposição da Imperatriz com Oona, ainda havia
alguns trabalhadores em uma das galerias. Eles embalavam telas de uma
exposição anterior. Um deles se abaixou e vi que tinha uma tatuagem da
Fu-Tsang. Quando carregou uma tela numa plataforma móvel, eu o segui e
vi para onde a levava. Mas ele não a roubou. Só colocou em outra parte do
museu. Eu os vi pendurando a tela e pensando ter visto uma coisa estranha,
mas não podia ter certeza.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
anterior. Todas eram de nus. Uma era A toalete de Vênus... A tela que Siu
Fah copiou antes de fugir. Betty foi ver as outras esta tarde. Disse que as
duas tinham esquilos onde não devia. Ela está convencida de que Kaspar as
pintou.
– Excelente trabalho, dra. Watson – disse Kiki. – Mas eu sei de uma cosia
que você não sabe.
– O que é?
– Já considerou que ele pode não estar roubando as telas para si mesmo?
Lembra quando soubemos que Livia e Sidonia estavam com aquele
gângster russo?
– Oleg Volkov?
– Esse. Pesquisei um pouco quando você me contou. Você disse que as telas
roubadas eram todas de nus? – Eu assenti. – Desde que enriqueceu, Volkov
se tornou um dos maiores compradores de arte do mundo. Fez uma farra de
gastos por um bom tempo. Mas seu gosto é muito específico. Ele não liga
para estilo nem período. Nem acho que se importe se a obra é boa. Ele só
compra telas de mulheres nuas. Quanto maiores as mulheres, melhor, ao
que parece.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– De que outra maneira Volkov completaria sua coleção se as telas que ele
quer não estão à venda?
– Ele também deve estar nessa. Talvez não esteja em Nova York só por
minha causa.
– Tem outra coisa, Kiki. Você não vai gostar. Oona sabe o que está havendo.
Ela viu o cara da Fu-Tsang no museu, mas não fez nada. Ela deve estar no
esquema.
– Você ainda não acredita, não é? O que Oona precisa fazer? Escrever uma
confissão?
– Ela tem sido nossa amiga há anos e nunca nos deixou na mão. Antes de
condená-la, devemos uma coisa a ela.
– O quê?
– Vamos criar uma distração. Não terá de ser nada grande, só o bastante
para você escapulir.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
É incomum (mas não erudito) que um falsário recrie uma obra de arte que
já existe. A maioria prefere produzir uma pintura nova e alardeá-la como
uma obra perdida de um artista morto e respeitado. Porém, um bom
falsificador pensará duas vezes antes de produzir um Picasso ou um Van
Gogh. Quanto mais famoso o artista, mais provavelmente estarão
envolvidas aquelas pessoas irritantes com seus microscópios como
"especialistas".
Um artista é contratado
Não importa se um falsificador não sabe pintar – há muita gente que pode
fazer isso. Infelizmente, qualquer pintor americano disposto a aceitar uma
encomenda de um falsário deve cobrar um preço exorbitante. (Ou pior,
exigir parte dos lucros!) Felizmente para a comunidade do crime, muitos
países, como a China, têm artistas jovens muito bem treinados que estão
dispostos a trabalhar por um preço baixo. Na maior parte do tempo, eles
nem precisam ser sequestrados.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Um falsário não pode afirmar que herdou a tela de sua avó em Topeka.
Deve inventar o que se chama uma "proveniência". Isto é uma história de
obra que identifica seus danos ao longo de décadas ou séculos. Os
compradores devem ficar particularmente preocupados com histórias
românticas que envolvam famílias antigas e aristocratas que faliram em
épocas difíceis.
CAPÍTULO TREZE
Fugitiva
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
afinal, foi ela mesma quem chamou a emergência. Enquanto era algemada
e arrastada ao prédio, escapuli pela turba hipnotizada e me afastei
rapidamente da escola. Embora meu plano tivesse se mostrado um sucesso
estelar, não tive vontade de comemorar. Minha vida estava uma bagunça e
parecia mais fácil fugir do que ficar e me envolver numa pequena faxina de
primavera. Tinha contado mentiras demais a meus pais para me perdoar.
Não havia volta. Proteger o segredo da Cidade das Sombras tinha me
custado minha casa. Dividir esse segredo me custaria as Irregulares.
Fiquei em uma banca de jornais por mais ou menos uma hora, colocando
minhas fofocas de celebridades em dia, até que o dono me informou
grosseiramente que ele não era dono de uma biblioteca. Retornando à rua,
minha paranoia voltou. Viaturas policiais pareciam reduzir ao passar por
mim. Lojistas olhavam de suas vitrines. Por fim, comprei um copo de café e
um bagel e fui para o Central Park esperar pelas Irregulares. Alguns flocos
de neve solitários vagavam das nuvens no alto. Um homem de queixo
quadrado e moletom passou correndo, os punhos cerrados ao cortar o ar
gelado. Um sujeito de olho braços que esperava que um poodle terminasse
seus "negócios" foi obrigado a pular para fora do caminho do corredor.
Peguei a trilha perto da rua 78 e fui para as árvores na frente da mansão de
Lester Liu. A ponta de um par de asas surradas se projetava de sob um
arbusto e ouvi o cacarejar suave de uma galinha.
– Quem estão aí? – uma voz assustada chamou de entre as folhas. – O que
você quer?
– Howard? É você?
– Ora, olá – disse ele alegremente. – Que gentileza a sua me fazer uma
visita. Quer entrar? – Ele separou os galhos e eu me enfiei no arbusto. A
clareira no meio era surpreendentemente espaçosa, com lugar suficiente
para mim, Howard, a galinha dele, os esquilos de Kaspar e um gato. Os
suprimentos de uma semana de salsichas viena e feijão enlatado estava
empilhado de lado.
Kirsten Miller
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dia. Na segunda, foi uma estrela de cinema chinesa. Ontem foi uma senhora
indiana adorável num vestido esplêndido.
– E por que não? – perguntei. – Por que não mora com eles?
– Eu tenho medo.
– Não pode se esconder para sempre, Howard. Um dia terá de ir para casa.
Talvez eles o perdoem. Talvez não. Mas você precisa dar essa chance a
eles. É justo. – Só dizer isso fazia com que eu me sentisse culpada. Olhei o
gatinho ronronando no meu colo. – Howard? Onde conseguiu esse gato?
– Ele não queria que outras cobras fossem comidas, então foi salvá-las.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Ouvi uma Vespa ao longe, Kiki tinha chegado ao Upper East Side.
– Howard, quero que escute com atenção, está bem? Cuide muito bem
desse gato. Não o perca de vista e não deixe que ele se perca. Daqui a
alguns dias, Kaspar vai voltar para pegá-lo.
– Vou. E ele vai ficar muito feliz se você ainda estiver com o gato. – Olhei
para o gatinho e contei de novo. Não havia como errar. O animal tinha seis
dedos em cada pata.
***
– Não estou com humor para joguinhos – disse Luz. – E você não tem um
milhão de dólares.
Kirsten Miller
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– Isso quer dizer que podemos ter a primeira família do crime de Nova York
expulsa de sua mansão elegante? – Luz sorriu com malícia.
– Vá para casa, se estiver cansada – propôs Kiki. – Já fez o bastante por hoje.
– Nem pensar. Vou dormir muito melhor quando descobrir o que está
havendo.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Olhei para DeeDee e entendi, pelo olhar apavorado, que a gripe de Lester
Liu tornava nosso Fille Fiable inócuo.
– Oona está?
– Está sim. Está em seu quarto, fazendo a prova do vestido que vai usar na
abertura de gala amanhã. Eu ficaria feliz em levá-las lá. – Lester Liu parou
para me abrir um sorriso condescendente. – Desde que a srta. Fishbein
prometa não andar por aí de novo.
– Pode ficar aqui, se preferir, srta. Fishbein. – Pude ouvir o humor na voz de
Lester Liu. – Sukh cuidará para que fique longe de problemas.
Eu não queria ficar com o dublê de cabelo feio de Gengis Khan. Corri até
Betty, Luz e DeeDee, que se espremiam no meio da sala.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Não. A fantasma ainda está conosco. Não espero que vá embora. Sabe o
que são fantasmas, srta. Strike?
– Não, srta. Strike. A srta. Varney compreendia que o passado nunca vai
embora. A não ser que tomemos medidas, tudo um dia voltará para nos
assombrar.
– Ah, chegamos – disse Lester Liu. – Vão descobrir o que procuram dentro
deste aposento.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Kiki me deu um cutucão forte. Enquanto eu passava pela porta, ela ficou
para trás, parada, de braço dado com Lester Liu. Eu sabia que ela podia
derrubá-lo com um único soco. Girei a maçaneta, mas ela parecia
emperrada.
– O que está fazendo, sr. Molotov? Coloque a menina com as outras crianças
– ordenou Lester Liu. Enquanto ele estava distraído, as Irregulares
atacaram. Mas antes que Kiki pudesse descer um murro, Lester Liu puxou
uma adaga comprida da bengala. A ponta pousou na base do pescoço de
Kiki. As outras meninas ficaram paralisadas.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Confia neste homem? Está ciente de que ele tem o hábito desagradável de
assassinar seus empregadores, não é? Quem sabe o que vai fazer com
você.
– Você vai nos matar, imagino – disse Kiki enquanto Molotov amarrava suas
mãos às costas.
– Ah, Deus, não. – Lester Liu riu. – Sou um homem de negócios, e não um
assassino. Não pretendo matar suas amigas. Pretendo vendê-las. Existem
países com demanda por pessoas de sua idade por um preço muito alto.
Quanto a você, srta. Strike, não é mais preocupação minha. Sua tia pode
fazer com você o que preferir, embora eu não possa deixar de ter
esperanças de que os planos dela incluam muita dor.
– Tenho um castigo especial em mente para a menina que diz ser minha
filha. Devo admitir que estou ao mesmo tempo impressionado e apavorado
com a ganância da menina. Comprei a confiança dela por uma pechincha.
Nem imaginam como foi fácil colocá-la contra vocês. Ela não queria nada
além da riqueza de uma imperatriz. Acho que concordará que é adequado
que ela partilhe do mesmo destino.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
mapa de Livia dos túneis é inútil. Seus homens seriam devorados pelos
ratos em minutos.
– Isto não é mais problemas, srta. Strike. Por que acha que me esforcei
tanto para conquistar a confiança de minha filha quando eu podia ter
matado todas vocês? Ela me contou seu segredinho. Tenho o que preciso
para afastar os ratos. Agora, se me derem licença, tenho uma festa para
planejar.
– Ei, Kiki. Esta seria a hora errada para dizer que eu avisei? – Era a voz de
DeeDee.
– Esta seria a hora errada para dizer que Oona estaria morta se eu saísse
daqui antes que o pai dela tenha a oportunidade de matá-la? – acrescentou
Luz.
–Não entendeu? Foi o que Lester Liu quis dizer por partilhar o destino da
Imperatiz. É o que ele planeja para ela.
– Ah, tenha dó – disse Luz. – Ele não vai matá-la. Como explicaria o
desaparecimento da própria filha?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Ninguém vai morrer nem ser vendida como escrava. – Era uma voz de
homem conhecida.
As cortinas das janelas se abriram o suficiente para que uma luz fraca
entrasse na sala e revelasse um Phineas Parker relativamente limpo e
incrivelmente bonito.
– Foi assim que soubemos que as telas no museu eram falsificações – disse
ela. – É tão bom encontrar você. Eu... quer dizer, nós... estamos procurando
por você há semanas.
Eu podia ver que os sentimentos dele por Betty não tinham mudado.
– Pode-se dizer que sim – respondeu Kaspar com uma risada. – Na manhã
depois de seu jantar, Howard e eu estávamos tomando café da manhã
quando vi um furgão de entregas de uma empresa chamada Tasty
Treasures parar na frente da mansão. Eu tinha certeza de que era a mesma
que eu vira entregar as cobras. Então, quando o motorista entrou na
mansão, eu subi de fininho para ver o que tinha dentro do furgão. Descobri
gaiolas apinhadas de cobras, macacos e lagartos. Eu não podia soltá-los na
rua... Tinha dado minha palavra a Betty. Eu tentava pensar num plano
quando o entregador voltou. Eu o ouvi falando com um russo sobre um
carregamento de gatos que tinha sido despachado para a Malásia. Acho que
os gatos de seis dedos são considerados amuletos da sorte por lá. O
entregador admitiu que ficou com um para ele. Olhei para baixo e vi um
gatinho enroscado no chão do furgão. Eu não sabia mais o que fazer, então
o peguei e corri. É claro que o russo me viu e me seguiu ao parque. Howard
conseguiu fazê-lo tropeçar, o que me deu tempo suficiente para escrever
um bilhete para Betty. Não sei o que teria me acontecido se eu não tivesse
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
alguns desenhos meus no bolso. Quando ele percebeu que eu era artista,
me trancou no porão com as outras crianças.
– Para nos ajudar a fugir. Se não fosse por Oona, todos estaríamos
espremidos num engradado agora mesmo. Uma das meninas taiwanesas
desapareceu depois que terminamos as pinturas e os guardas decidiram
que era arriscado demais nos manter no mesmo lugar. Eles pretendiam nos
despachar para fora de Nova York, mas Oona convenceu o pai a nos trazer
para cá, para o caso de precisar fazer mais algum trabalho.
"Na noite passada, ela me trouxe a faca e um kit de chaveiro. Ela nos disse
para escapar amanhã à noite, enquanto todos estão na abertura da
exposição.
– Estar seria uma má hora para dizer que eu avisei? – perguntou Kiki a
DeeDee.
– Só porque Oona poupou Kaspar não quer dizer que seja uma santa –
respondeu DeeDee asperamente. – Ela ainda ajudou Lester Liu a roubar as
telas.
– Errada de novo – disse Kaspar. – Oona nunca esteve aliada ao pai. Ela vai
denunciá-lo amanhã durante a festa. Descobrimos de onde ele tirou os
nomes das crianças que sequestrou e Oona sabe onde todas as telas estão
escondidas. Ela quer humilhá-lo.
– Por que ela contou tudo isso a você? – Luz escarneceu dele. – Você é
praticamente um estranho.
– A quem ela devia contar? – disse Kaspar. – Pelo que eu soube, nenhuma
Kirsten Miller
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– Ah, meu Deus, o que foi que fizemos? – DeeDee gemeu enquanto
começava a apreender a verdade.
– Eu o farei, se insistir, mas Molotov vai voltar para nos ver mais tarde. Não
teremos nenhuma chance de escapar amanhã se estiver faltando alguém
quando ele voltar.
Não, você não está desenvolvendo super poderes. O fato de que pode ouvir
aqueles homens mascarados sussurrando a uma quadra de distância
significa que uma frente baixa de pressão está se aproximando. Prepare-se
para um ou dois dias de tempo ruim.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Olhe as chaminés à sua volta. Se a fumaça subir reta no ar, pode preparar
seu piquenique ou lançamento de foguetes. Se ela se achata ou zanza pelo
céu, você provavelmente vai precisar uma capa de chuva.
CAPÍTULO QUATORZE
Caça ao lixo
– Fique bem atrás de mim e faça o que eu fizer – ordenou Kiki. Ela arrombou
a trance de nossa porta e se esgueirou em silêncio pelas paredes, parando
de vez em quando para tentar ouvir sinais de movimento. Vestida de preto,
Kiki podia desaparecer nas sombras. Mas embora eu tivesse trocado meu
suéter vermelho pela jaqueta militar de Luz, ainda me senti visível e me
xinguei por não ter me preparado melhor.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Oi! – Minha cabeça virou de repente para Kiki. Era a voz de Iris. – Estou
procurando minha amiga Oona.
– Você não é meio nova demais para ser amiga da srta. Liu? – Sukh parecia
cético.
Iris se ofendeu.
– A srta. Liu está indisposta no momento. Talvez possa voltar em outra hora.
– Tem algum problema com ela? – Eu entendi que Iris sabia que havia
alguma coisa errada. – Ela está doente?
– A srta. Liu está bem – respondeu o mordomo, irritado. – Mas não está
recebendo visitas hoje.
– Por favor, diga que Iris esteve aqui! – gritou Iris enquanto a porta se
fechava.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Quando por fim a barra ficou limpa, Kiki virou pelo canto e partiu para a
escada. Eu teria dado pelo menos uma parte de meu corpo para ficar na ala
abandonada da mansão. Embaixo do brilho fraco de lustre de cristal, não
havia onde se esconder. A gente podia muito bem ser alvo de papelão em
um estande de tiros. No alto da escada, nos vimos na extremidade de um
longo corredor. Havia oito portas fechadas para arrombar. Nossa vida
dependia de decidirmos corretamente.
– Oona? – sussurrei. Como não houve resposta, cutuquei o corpo. Era frio e
rígido sob meus dedos. – Tem alguma coisa errada com ela – eu disse a Kiki.
Sem pensar, puxei mais as cortinas e a luz caiu na visão medonha. A mão
de Kiki cobriu minha boca, abafando o gripo que tentava escapar. Deitado
na cama estava um cadáver vestido somente com um roupão de seda
vermelha. Era tarde demais. Oona estava morta.
– Ananka, Ananka, escute. Não é Oona. – Kiki se recusava a tirar a mão, até
que abri os olhos para olhar mais uma vez. A pessoa na cama tinha o
mesmo tamanho de Oona, e até no escuro era fácil ver que antigamente
também tinha sido bonita. Mas agora sua pele coriácea estava esticada
sobre as maçãs do rosto. A ponta do nariz esfarelava e a boca pendia aberta
num gripo interminável. Era a múmia.
– É difícil dizer – respondeu Kiki. – Quando morreu, ela não devia ser mais
velha do que nós. Estou começando a ter pena da coitadinha. Ela foi
assassinada, o túmulo foi saqueado e depois sua múmia largada num
quarto no Upper East Side.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– O que quer que ele tenha em mente, duvido que seja adequado para a
Imperatriz.
A ideia de uma múmia de dois mil anos enterrada sob o lixo numa caçamba
ou decorando o covil de um colecionador excêntrico era insuportável de tão
triste.
– Temos que salvá-la – eu disse a Kiki. – Mesmo que seja uma traidora, ela
não merece isso.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Mandando dinheiro para a outra vida para o fantasma da minha mãe. Ela
vai precisar dele, quando finalmente chegar lá. – Oona sorriu tristemente
quando viu a confusão que devia estar escrita na minha cara. – Na China,
muita gente acredita que o que você queima neste mundo pertence a seus
ancestrais no outro mundo. Eu devia ter feito essas oferendas há muito
tempo, mas fui uma péssima filha. Se minha mãe é um fantasma ansioso, a
culpa é minha. Era meu dever cuidar dela e punir Lester Liu. – Ela se
levantou e espanou as cinzas das roupas. – A porta estava trancada. Você
arrombou?
Oona assentiu.
– A fantasma deve ter aberto pra vocês. Mas isso não quer dizer que devam
ficar. É perigoso demais ficarem aqui agora.
– Kiki não. Ela sempre confiou em você. Mas tem razão sobre o restante de
nós. Prometo que isso nunca mais vai acontecer. – Doía admitir que eu fora
uma boba, mas eu sabia que dizer a verdade era a única maneira de
preservar a amizade de Oona.
– Então esse tempo todo você estava tentando se vingar da morte de sua
mãe? Se tivesse nos contado o que seu pai planejava...
– Eu não sabia. Tive minhas desconfianças depois que conheci Siu Fah. Mas
só soube que ele estava roubando telas do museu quando vi o cara da Fu-
Tsang na noite em que você foi flagrada. Depois que saímos, eu disse a meu
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
pai que tinha entendido tudo e que queria ajudar. Era a única maneira de
descobrir onde ele escondia as crianças taiwanesas, antes que alguma coisa
terrível acontecesse com elas. Mas tinha de guardar segredo, se quisesse
fazer ele acreditar que eu estava do lado dele.
– Eu pareço assim tão idiota? Não contei a ele sobre o perfume. Dei a ele
minha velha Flauta de Hamelin Reversa. Se ele conseguir o mapa, os
homens dele vão virar comida de rato no minuto em que entrarem nos
túneis. Mas este e o plano B. Se eu tiver sucesso, Lester Liu não irá tão
longe.
– Entendo que esteja fazendo isso por sua mãe, mas acha realmente que ela
ia querer colocar você em perigo? E a sra. Fei? Ela ia ficar arrasada se
alguma coisa acontecesse a você.
– Ela a ama, Oona. Só estava ouvindo para poder ajudá-la. Ela sempre
cuidou de você e a tratou como filha. Qual é o seu dever para com ela?
– Tem razão. Eu fui tão idiota. Foi isso que o médium tentou me dizer, mas
só ouvi o que queria. Ignorei todas as coisas sobre o sabão em pó e ter
alguém me ouvindo. Entendi mal a mensagem toda. Mas isso não importa.
Não posso parar agora. Já cheguei longe demais. Não tem volta.
– Sim, tem! – insisti. – Podemos todas sair esta noite. Vamos achar um jeito.
– Sei que é isso que ele quer. – Oona olhou para cima com um sorriso
triunfante. – Mas depois de amanhã, ele estará na cadeia.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Não, Oona. Ele vai te matar amanhã – disse Kiki, e o pânico atravessou o
rosto de Oona. – Tivemos uma conversinha com ele antes; ele disse que
quer que você morra como a Imperatriz. Tenho certeza de que isso significa
duas coisas: primeira, ele vai trocar seu corpo pelo da Imperatriz. Ananka e
eu acabamos de encontrar a múmia em um quarto neste mesmo corredor.
Eles devem estar preparando o esquife para você. Segunda, ele quer que
você seja sepultada viva, como a Imperatriz foi. Acho que você receberá
uma droga que vai deixá-la paralisada. Depois ele vai deixar você sufocar
até morrer dentro do esquife hermético da múmia enquanto todo mundo na
festa vê. Você será coberta pela mortalha jade, assim ninguém vai saber a
diferença. Isso parece divertido?
– Não. – Oona bateu o pé. – Lester Liu pode escapar... Como fez da última
vez. Eu teria que cuidar de minhas costas pelos próximos trinta anos. E
vocês também. Tenho de achar um jeito de acabar com isso para sempre. –
Ela se virou para Kiki. – Não é o que você faria se estivesse no meu lugar?
Você daria à Livia e Sidonia outra chance de escapar?
– Talvez haja uma maneira – disse ela pensativamente. – Mas você não pode
agir sozinha. Tem que deixar que a gente ajude.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Você não fala? Tenho maneiras de fazer as pessoas falarem. Eu disse que
não ia machucá-la, mas talvez o sr. Liu não se importe se eu ferisse uma de
suas amigas, não é? Talvez esta aqui? – Ele me chutou no queixo com força
suficiente para me fazer gritar.
Quando Molotov sorriu, seus lábios vermelhos e finos se esticaram numa fila
de dentes cinzentos.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Esta casa velha está caindo aos pedaços – declarou Molotov. – Os espíritos
não virão salvar você. A mãe da menina chinesa não é mais fantasma do
que a sua mãe. Eu sou o único fantasma aqui. Eu atirei a comida. Eu fiz os
barulhos.
– Era você fazendo aquilo? – Luz riu. – Porque se for assim, estou mesmo
impressionada.
O baque ficava cada vez mais alto. Alguém – ou alguma coisa – estava se
aproximando.
– Sabe de uma coisa, Molotov, um homem sensato uma vez me disse o que
são realmente os fantasmas. – O tremor na voz de Kiki não combinava com
sua expressão. – São o passado voltando para empatar o jogo. Na China,
eles têm fantasmas ansiosos, mas na Pocróvia nós temos a Likho. Lembra
dela? A bruxa de um olho só, o espírito da infelicidade que todo mundo
conhece mas não provoca. E se ela finalmente veio atrás de você? Depois
de tudo o que você fez, não acha que ela vai pegá-lo, mais cedo ou mais
tarde?
– Lembre-se disso quando estiver voltando pelo escuro – disse Kiki com um
sorriso malicioso.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Que bom. – Kiki tinha ficado acordada, pensando. Ela sacudiu Betty e
cutucou Luz com a ponta do sapato. – Acordem – ela instou a todos
enquanto Oona nos desamarrava uma por uma. – Hora de trabalhar.
– Eu sinto tanto por ter pensado que você era uma traidora. Eu realmente
exagerei. Espero que me perdoe.
– Somos três. Nem acredito que todas fomos tão idiotas – disse Luz. – Agora
podemos resgatar você e dar o fora daqui?
– Desculpas aceitas, mas vocês não podem sair. Os alarmes estão ligados.
Se tentar abrir uma das portas ou janelas, eles vão disparar, e será a Fu-
Tsang que atenderá ao chamado, não a polícia.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– E quem liga? – gemeu Luz. – Estou morta mesmo. Minha mãe vai mesmo
me matar.
– Pelo menos você vai sofrer em Nova York. Eu vou tirar leite de vaca na
Virgínia Ocidental – observei.
– Tá legal, tá legal. Podemos nos concentrar, por favor? – disse Kiki Strike. –
Vamos salvar todo mundo, uma de cada vez. Oona deve ser a primeira.
– Não força, Oona Wong. – Kiki riu. – Eu tenho um plano, mas vamos
precisar de alguns suprimentos. Como estamos presas na mansão, vamos
ter que fazer uso dos recursos disponíveis. E, Oona, se conseguirmos tudo o
que precisamos, vamos sair daqui esta noite. Entendeu?
– Entendi.
– Tem um vidro inteiro no bolso do meu casaco. Não acho que eles
pegaram.
– Ótimo. Estamos com sorte. Agora, a parte mais difícil. Lester Liu quer
enterrar Oona viva, então ele vai precisar de uma espécie de droga... Que
vá paralisá-la para ela não se mexer no esquife de vidro. Seja lá o que for,
temos que encontrá-la e substituí-la por alguma coisa inofensiva. DeeDee,
você vem comigo para procurar. Se não encontrarmos a droga, todo o
negócio vai mixar.
– Pode ser uma das drogas que usam para paralisar as pessoas durante
uma cirurgia – disse DeeDee. – Acho que devemos começar pela cozinha.
Uma coisa dessas deve ser guardada na geladeira.
– Nem precisa dizer isso – disse Kiki. – Tá legal, Betty, você e Kaspar
precisam encontrar umas roupas para a gente usar na festa de amanhã.
Como não vamos trocar de roupa em casa, temos que nos virar com o que
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Temos que ter cuidado e esperança de que o Fille Fiable faça o resto.
– Mas não entendo seu plano – disse Betty. – Como vamos evitar que Oona
termine dentro do esquife da Imperatriz?
– Então vamos deixar que Lester Liu pense que venceu? – Luz estava
intrigada.
– Por que é o certo a fazer. Caso contrário, eles vão se livrar dela, e Ananka
e eu concordamos que ela já passou pelo suficiente.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Não tem nada aqui – sussurrou Betty. – Nem estou vendo um closet.
– Talvez não tenha procurado direito. – Oona parou diante de uma lareira
que transformava em miniatura a outra imensa de seu quarto. Ela inclinou
um suporta lareira e empurrou a parede até que surgiu uma abertura
grande o bastante por onde se espremer. – Sou a única pessoa que sabe
disso.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
que cintilasse à luz da vela. – Cecelia Varney tinha tudo isso e isso só a
deixou infeliz. Ela chegou a um ponto em que não conseguia saber quem a
amava e quem amava seu dinheiro, então começou a pensar que sua
fortuna era amaldiçoada. Imaginou que se pudesse gastar até o último
centavo antes de morrer, poderia evitar que o dinheiro magoasse alguém.
Parece loucura, mas talvez ela estivesse certa.
– Meu pai encontrou os diários dela. Li o máximo que pude suportar. Era
uma coisa muito deprimente. Sabia que o último marido roubou um milhão
de dólares dela e fugiu para a Venezuela? Depois disso, em quem você
confiaria? Eu provavelmente também ia deixar todo o meu dinheiro para um
bando de gatos.
– São meio ultrapassados e todos têm tamanho 38. Vou ter que fazer umas
alterações, mas acho que posso pensar em alguma coisa. Mas não vai ficar
bonito. – Ela pegou um vestido cintilante de contas pretas que parecia
menor do que os outros. – Ela devia ser pouco mais do que uma adolescente
quando comprou este. Acho que sei quem vai usar isto.
Betty suspirou.
– Sim, o acordo era esse. Mas um acordo não vale nada se uma pessoa não
está pensando direito quando concorda com ele.
– Não estou falando de mim. Você estava sob influência quando me fez o
convite.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Não. Não, não estava. Veja só, uma amiga nossa fez um perfume... Uma
poção do amor. Ela derramou em mim um dia antes de você nos ver no
Morningside Park. Foi o que o fez ficar a fim de mim. Depois eu me
aproveitei de você.
– Tudo bem, tudo bem – disse Kaspar, tentando se controlar. – É que é tão
ridículo.
– É a verdade! Sei que é difícil de acreditar, mas DeeDee e nossa amiga Iris
são químicas muito boas. Elas podem fazer qualquer coisa.
– Ah, não duvido de que elas sejam capazes de preparar uma poção do
amor. Mas deixa eu te fazer uma pergunta. Lembra do bilhete que escrevi
para você naquela noite? As palavras não lhe pareceram familiares?
– Talvez. – Betty parou para pensar. – Sim, deve ter sido no dia 18. Era o fim
de semana antes do aniversário do meu pai.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– É mesmo?
Houve um longo silêncio. Oona picou para mim e deu um beijo nas costas
da mão. Eu tentei abafar minha risada.
***
– Sim, ela estava vestida. – Eu ri. Quando Kaspar puxou o lençol, ele e Betty
se encolheram.
– Sabe de uma coisa, Oona, se ela ainda tivesse nariz seria meio parecida
com você – observou Betty depois de se recuperar do choque.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– O que ela está vestindo? – perguntei. O que eu pensava ser um roupão era
na verdade uma longa tira de sede vermelha pintada com palavras
douradas. – Dá pra ler, Oona?
– Isso foi escrito há dois mil anos. Como eu vou saber o que diz?
– Ela não está aqui. – Embora a voz fosse fraca, claramente pertencia a
Sukh.
– Não! – insisti. – Não sabemos se Kiki substituiu a droga que vão usar. Você
pode morrer.
– Não posso assumir esse risco. Fiquem escondidos aqui até que a barra
esteja limpa. Talvez eu veja vocês amanhã. Mas, o que quer que aconteça,
obrigada pela ajuda. Vocês são as melhores... as únicas... amigas que tive
na vida. – Com essa, ela disparou para fora do cômodo oculto.
– Oona volte aqui! – chamou Betty, mas desta vez não houve resposta.
***
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
aconteceu.
– Parece que apostei mal – confessou Kiki. – Achei que nossa busca não
daria em nada. Desse jeito poderíamos convencer Oona a sair da mansão
esta noite.
– Acho que sim. – DeeDee não parecia tão confiante como eu esperava.
– Elas são meio ultrapassadas e podem não caber direito, mas se a gente se
ensopar do perfume, pode passar pela porta da frente.
– Está – relatei.
– Luz?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
ferramentas que tinha. Mas basta para entrar ar e não acho que alguém vá
perceber.
CAPÍTULO QUINZE
A Imperatriz desperta
Kaspar não iria à abertura de gala. Cecelia Varney não possuía smoking, e
os vestidos dela eram pequenos demais para ele se vestir de drag. Então,
enquanto esperávamos que a Imperatriz despertasse, Kaspar levaria os
artistas taiwaneses para a casa de Oona. Ele ficou feliz em fazer sua parte,
mas insistiu em voltar ao Central Park para procurar seus esquilos. Todo
mundo sabia que era só uma desculpa para ficar perto do museu, caso
Betty precisasse de ajuda. Kiki tentou convencê-lo a ficar em Chinatown,
mas ele simplesmente se recusou a ouvir.
Pouco antes das sete, Kiki e Luz saíram para investigar a mansão. Às sete e
quinze voltaram com a notícia de que todos tinham saído para a abertura de
gala. Com Kiki na frente, todos os 17 passaram rapidamente pela escuridão
da ala leste da mansão. Chegamos ao saguão sem nenhum problema e
estávamos quase na porta quando ouvimos uma risadinha baixa de cima.
Sukh acenava para nós do patamar do segundo andar, mas parecia relutar
em nos perseguir.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– O que está fazendo aqui? – perguntou Luz. – Nós vimos vocês dois saírem.
– Levamos o sr. Liu à festa de gala. Só fica a algumas quadras daqui. Não
acha que o sr. Liu ia deixar crianças sozinhas em casa, não é? Isso seria
muito irresponsável.
– E o que vai fazer, Molotov? Atirar na gente? – cuspiu Kiki. – Pode tentar.
Sua arma não tem tanta bala assim.
– Tem toda razão – escarneceu Molotov. – Só tenho seis balas. Vou lhe dizer
como vai ser. Você vai escolher as cinco amigas que gostaria que eu
baleasse. A última bala será reservada para você. Quem sobrar, pode fazer
o que quiser. – Molotov sorriu. Ele sabia que não podíamos lutar com ele.
– Nem tenho autorização para deixar que vocês fujam. É um dilema, não é?
O que acha de facilitarmos a vida de todos? Voltem para o quarto e não
levarão tiro nenhum. Sukh, por favor, mostre às crianças o caminho de seus
aposentos.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
– Todo mundo pronto? – Pálida como uma escultura de gelo que ganhou
vida, Kiki parecia perfeitamente à vontade no frio. Incapaz de falar, nós
assentimos rigidamente e Kiki nos entregou o vidro de Fille Fiable. – Não
economizem. Passar pela porta será a parte mais difícil.
Kirsten Miller
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– Acho que são vocês dois. – Kiki tapou o nariz. – Esqueceram o desodorante
hoje de manhã, cavalheiros?
Betty riu enquanto os dois seguranças deram farejadas sutis nas axilas.
– Ela tem razão, Lenny – disse o outro segurança em voz baixa. – Talvez a
gente deva deixar que entrem.
– Por favor, não contem nada – pediu o primeiro segurança enquanto abria a
porta do museu para nos deixar entrar. – Preciso desse emprego para pagar
os implantes de panturrilha. Se não, nunca vou poder usar um short.
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– Você devia ir para casa antes que aconteça alguma coisa muito
desagradável – ela aconselhou. – E da próxima vez que for a uma festa, não
se esqueça de colocar a calcinha.
Kirsten Miller
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***
– Tudo isso por uma traidora – ouvi uma mulher dizer e meu corpo virou
gelo. Pelo que eu sabia, Lester Liu pensava o mesmo de Oona.
– Viu o vestido dela? – riu o primeiro homem. Ele nem esperou que Betty se
afastasse. – Se tem uma coisa que cabe num museu...
***
Kirsten Miller
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– Não pode ser – cochichei. – Lester Liu disse que o conteúdo da tumba foi
trazido a Nova York na década de 1940.
– Há alguns problemas com sua análise. Para começar, Lester Liu disse...
– Quer dizer que a Imperatriz não era um dos tesouros de Cecelia Varney?
– Não. Ela deve ter vindo no barco com Yu e Siu Fah. Tudo aqui foi
contrabandeado da China este ano.
– Hora de andar – Luz nos alertou assim que o diretor do museu entrou na
sala com Lester Liu.
– A múmia se mexeu!
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– Eu sei o que vi, Jocelyn. Aquela múmia se mexeu! Você viu? – O homem
perguntou a Iris. Antes que ela pudesse responder, a mulher pegou o braço
dele e o arrastou para longe da Imperatriz.
– Ficamos amarradas por um tempinho. Vou contar tudo mais tarde. Como
conseguiu entrar? – perguntei.
– Meus pais são consultores do museu. Eles sempre recebem convites para
essas coisas. – Ela tombou a cabeça para o casal de aparência acadêmica
sentado a uma mesa perto da entrada. – Eu os convenci a me trazer desta
vez.
– Pelo cheiro, parece que você teve que usar um vidro inteiro de Fille Fiable
– disse Kiki.
Kirsten Miller
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conseguir que o dono me dissesse quem comprou. Por acaso foi Oona. Ela
deve ter gastado uma fortuna. E aí, onde ela está?
– Sabe de uma coisa, senhoras, não faria mal ter um plano B – Kiki
aquiesceu. – Fique de olho em mim, Iris. Se alguma coisa der errado, vou
lhe fazer um sinal. Corra até o parque e procure por Kaspar... É um cara alto
de cabelo ruivo. Ele vai saber o que fazer.
– Ótimo! – Iris falou alegremente. – Prometo que não vou deixar vocês na
mão.
***
Kirsten Miller
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assentiu uma vez e Iris pediu licença da mesa e foi para a porta. Tive de
apreciar Iris agindo. Mesmo de longe, sua linguagem corporal gritava
emergência de banheiro.
A voz de Lester Liu ainda estava áspera e rouca, mas ele ficou radiante com
a admiração a multidão.
– Obrigado, sr. Hunt. Não sou um homem de muitas palavras, mas estou
feliz em oferecer a Imperatriz Traidora à cidade que tanto me proporcionou
em todos esses anos. Agora que me aposentei, pretendo dedicar meus dias
a dar mais presentes deste tipo. Ajudando-me em meus empreendimentos
filantrópicos estará minha amada filha única. Ela passou os últimos cinco
anos numa escola da Suíça, mas concordou gentilmente em voltar a Nova
York para ajudar o pai. Gostaria de aproveitar a oportunidade para lhes
apresentar a srta. Lillian Liu.
– Hihihihi. – Olhei por sobre o ombro e vi a atriz loura apontando para mim
de uma mesa próxima. Voltei a me enfiar nas sombras, mas não antes de os
olhos de Lester Liu dispararem na minha direção.
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– O que ela está fazendo! – gritou alguém enquanto Kiki rasgava a mortalha
do corpo de Oona, expondo uma figura magra embrulhada em tecido
listrado de azul. O silêncio na sala aumentava. Até as celebridades mais
idiotas na festa de gala sabiam que múmias chinesas antigas não vinham
embrulhadas em lençóis do século XX.
– Obrigada – disse Oona quando Kiki retirou a mordaça que tinha sido
enfiada em sua boca. – Eu bem que podia beber uma água.
– Não deixe ele sair! – gritei, apontando para Lester Liu que se esgueirava
para uma saída. – E cuidado com a bengala dele!
– Passe uma faca à menina pálida – exigiu alguém. Kiki libertou Oona com
uma faca de carne. Por baixo das tiras de tecido, Oona estava descalça e
usava uma camisola branca e sem mangas. Sua pele estava coberta de
vergões vermelhos, de ficar amarrada. Ela pegou uma garrafa de água em
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Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Acho que ela é a menina que faz minhas unhas – cochichou uma mulher. –
O que ela vai dizer? Ela não fala inglês nenhum.
"Lester Liu não é um filantropo. Ele só ofereceu estes objetos ao museu por
um motivo. Precisava ter acesso às galerias a fim de roubar cinco pinturas
inestimáveis, que ele prometeu a um gângster russo pervertido. As telas
foram cortadas de suas molduras e levadas para fora do prédio enquanto se
preparava a exposição da Imperatriz. Foram substituídas por falsificações
criadas por 12 jovens artistas que ele raptou de seus lares em Taiwan. Ele
conseguiu seus nomes com dois psicólogos de Nova York e um especialista
asiático em crianças superdotadas. As obras de arte originais estão
escondidas no apartamento daquele homem. – Todos os olhos se
concentraram no dr. Jennings, o curador assistente que conheci durante
minha última visita ao museu. O homem com cara de passarinho de
imediato caiu em prantos. – Agora – continuou Oona. – Imagino que a polícia
tenha sido chamada. Estou disposta a fazer quaisquer perguntas que eles
queiram fazer.
Assim que o discurso de Oona terminou, celulares foram sacados das bolsas
e bolsos e o flash de câmeras iluminou a sala. Pelo canto do olho, vi Kiki
indo de fininho para a saída. Eu a alcancei assim que ela bateu na porta.
– Eu vou com você – disse a ela. – Ainda não estou preparada para ir para
casa.
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– Escutem, eu não posso estar aqui quando a polícia chegar – disse-lhe Kiki.
– Diga a Kaspar e às outras meninas para nos encontrarem no Fat Frankie's
às nove horas.
– Ah, srta. Fishbein. – Senti meu coração parar. – Não me diga que vai sair
sem falar comigo.
– Srta. Strike. É um prazer vê-la novamente. Parece que você era mesmo
perigosa, afinal.
– Bem, então, uma vez que você só ajudou a frustrar um importante roubo
de obras de arte, acho que podemos perdoar sua ausência da escola. Verei
você na segunda de manhã cedo. O sr. Dedly está ansioso para discutir sua
descoberta. Mas por ora sugiro que corra para casa. Seus pais colocaram
metade do departamento de polícia procurando por você em Manhattan.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Uma boa detetive nunca precisa de convite. Não deixe que uma corda de
veludo a impeça de desbaratar um crime ou conseguir pistas. Quer você
esteja seguindo um suspeito a um bat mitzvah ou a uma festa do Oscar, há
incontáveis maneiras de passar pela porta.
Não são só os cães que sentem o cheiro do medo. Qualquer bom porteiro
pode detectar o nervosismo e a ansiedade a uma quadra de distância. Se
quiser entrar, você tem que acreditar que ali é o seu lugar. E sempre tenha
uma boa história preparada muito antes de aparecer.
A maioria dos penetras de sucesso faz isso por todos os motivos errados.
Quer sejam alpinistas sociais ou persigam estrelas, eles tendem a levar tudo
muito a sério. Lembre-se de que o mundo não vai acabar se você não
conseguir entrar – você vai conseguir o que quer de uma maneira ou de
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Por que se arriscar a ser parada na corda de veludo se você pode entrar
tranquilamente pela porta dos fundos? Um uniforme de garçonete, avental
de cozinheira, roupa de faxineira, kit de encanador ou distintivo de
bombeiro a colocarão para dentro da maioria das entradas de serviço.
Certifique-se de levar uma muda de roupa, ou você poderá terminar
servindo hors d'oeuvres ou enfiando-se em privadas a noite toda.
Este truque consagrado requer alguma astúcia. Espere num lugar discreto
até que um grande grupo de pessoas se aproxime da porta. Depois
simplesmente se una à turba. É improvável que o porteiro interrogue cada
pessoa – em particular se houver alguém importante na frente do grupo.
Mas cuide para dar a impressão de que pertence a seus novos amigos. Se
você estiver vestida da cabeça aos pés de J. Crew, provavelmente vai se
destacar numa multidão de lolitas ou motoqueiras.
Este ardil funciona melhor nas festas maiores e mais elegantes. Antes da
festa, vista sua melhor roupa, mas use sua capacidade de disfarce para
parecer doente. Corra para a entrada quando o porteiro estiver ocupado
(mas não sobrecarregado) e pergunte a ele onde é o banheiro. Se seu
pedido parecer urgente – não exagere – você será conduzida para dentro.
Ninguém quer vômito no tapete vermelho.
Depois que entrar, misture-se. É menos provável que você seja expulsa se
fizer novos amigos.
Kirsten Miller
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CAPÍTULO DEZESSEIS
Segredos revelados
– Bem-vinda, Wong. Vejo que seu namoro com a morte não melhorou muito
sua personalidade.
– Não sabia? Eu sou irremediável. – Oona riu. – Sugiro que se acostume com
isso.
Kirsten Miller
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– Digamos apenas que Lester Liu não incomodará mais nenhuma de nós por
um bom tempo. A polícia está na mansão agora. Junto com sequestro,
tentativa de assassinado, roubo de obras de arte e contrabando, parece que
eles pretendem acusá-lo de comer animais em risco de extinção e manter
um cadáver na asa. Acho que é ilegal em Nova York... Quem diria? E eles
encontraram Molotov e Sukh... Vocês realmente deram um show com
aqueles dois.
– Lillian Liu? Ela foi embora há muito tempo – disse Oona. – E Lester não
está falando. Nunca tive a oportunidade de vê-la. Ela era mais bonita do que
eu? Brincadeirinha. É sério, como é a garota?
– Acho que tinha de ser muito parecida, para o plano de meu pai dar certo.
Eu me pergunto onde ele achou um espécime tão extraordinário de beleza
feminina.
– Não, é sério, Oona. Ela é idêntica a você – insistiu Luz. – Tem certeza de
que você é filha única de Lester Liu?
– Luz precisa de óculos – intrometeu-se DeeDee. – Não achei que fosse tão
parecida assim. Mas o que deu errado com o plano? Por que eles decidiram
amarrar você?
– Acho que foi só falta de sorte. Sukh me deu uma injeção e, como não senti
nada, deduzi que vocês tinham trocado a droga. Tentei ficar imóvel, mas é
muito mais difícil do que vocês pensam. Justo quando eles estavam me
colocando no esquife, deu comichão no meu nariz e Molotov me pegou no
meio de uma coçada. Acho que eles não tiveram tempo para experimentar
outra droga, então só me amarraram no fundo e me embrulharam. Eu tive
sorte por vocês todas terem ido à festa. Se não estivessem lá, eu podia ter
ficado muito entediada dentro daquele caixão.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Pode brincar agora, mas não devia ter arriscado sua vida – disse-lhe
Kaspar. – Se alguma coisa desse errado, nós não nos perdoaríamos. Mas
obrigado por nos proteger.
– Então sugiro que todas nós paremos de pedir desculpas. Tudo ficou bem
no final, não foi? – Oona sorriu.
Todos os olhos se voltaram para mim. Foi a surpresa nelas que me deixou
doente. Ninguém esperava que eu quebrasse alguma regra.
– Do que ela está falando? – cochichou Kaspar para Iris. – O que é a Cidade
das Sombras?
Kirsten Miller
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– Acho que pensei que a estação não devia ser segredo – eu disse a Betty. –
Mas nunca pensei que a diretora levaria isso a sério. Pensei que ela ia rir
disso. Não sou exatamente uma aluna estelar na Atalanta. Mas por acaso a
diretora acreditou em cada palavra daquilo.
– Quer dizer decidir como evitar que as pessoas entrem nos túneis? –
perguntou Iris.
Olhei a mesa, incapaz de fitar os olhos dos outros. O silêncio aturdido era
aflitivo.
– Ananka, não sei por que você achou que a diretora não acreditaria. Isso foi
idiotice, se não se importa que eu diga. Mas estou curiosa... Por que você
acha que a sala debaixo da sinagoga Bialystoker não deve continuar em
segredo?
– Bom... – A verdade era que eu não tinha pensado muito bem em meus
atos. Só segui meus instintos. – Acho que andei pensando em segredos e
como é difícil saber qual deles guardar. Sem querer ofender, Oona, mas seu
segredo acabou causando muitos problemas. E depois fiz coisas ainda
piores, abrindo a boca e deixando escapar um segredo que Kiki me pediu
para guardar. Mas há uma coisa que eu tenho certeza. Não acho que um
segredo deva ser guardado, se sua revelação tornar o mundo melhor. Quem
construiu aquela sala com as dez caminhas arriscou a própria vida para
ajudar os outros a escapar da escravidão. E as pessoas que passaram por
isso foram corajosas o bastante para fazer o que era necessário para ganhar
a liberdade. A Ferrovia Subterrânea não é como a Cidade das Sombras.
Guardá-la para nós mesmas seria egoísmo. Mas entendo que a decisão não
cabe a mim. Eu devia ter falado com vocês antes.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– A resposta a seu dilema está debaixo do templo – Oona citou. – Ainda não
sei o que significa, mas voto em deixar as pessoas saberem.
– O que está dizendo? – perguntou Luz. – Deixa pra lá. Concordo com vocês.
E também acrescento que Ananka não tem sido a única pessoa a ter
segredos por aqui, srta. Strike. Mas o que vamos fazer? Vamos abrir a
Cidade das Sombras ao público? Acabou tudo?
– Gostei! – disse Luz. – Não tenho uma boa explosão faz tempo.
– Parece uma solução razoável – admitiu Kiki. – Então acho que todas
concordamos. Ananka fica e a Ferrovia Subterrânea vem a público. Alguma
pergunta?
***
– Como Luz observou, tem havido alguns segredos vagando por aqui. Acho
que está na hora de todos nós colocarmos as cartas na mesa. Então, se
alguém está guardando alguma informação, agora é a hora de contar. Vou
começar. Desculpe por não contar a vocês que a doença de Verushka era
grave. Minhas intenções eram boas, mas todas mereciam saber. Também
gostaria de recomendar que só usemos o Fille Fiable nas emergências mais
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
terríveis... E que a gente prometa nunca usar uma na outra. Todo mundo
concorda?
– Bem... – Kaspar olhou nervoso para Betty. – Isso é mais difícil do que eu
pensava. Meu nome não é Kaspar, é Phineas Parker. Eu fugi de casa há
alguns meses. Meus pais são... Bom, é difícil descrever os dois.
Kaspar assentiu.
– Meus segredos? Tudo bem, lá vai. Quero que todos sabiam que decidi
honrar meu acordo com Kaspar. Vou jantar com ele... Se ele ainda quiser.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Eu não diria que é um segredo, mas há uma coisa que eu devia ter
contado a vocês antes – interrompeu DeeDee. – Iris fez mais uns testes em
mim. O perfume do amor não funciona. Nunca funcionou.
– Sabe de uma coisa, um dia você não vai mais precisar de perfume
nenhum – disse-lhe Kaspar, e Iris se retorceu de prazer.
– Humm, bom, meu nome não é Luz Lopez. É Amber White. Sou uma
dentista protética de 45 anos de Toledo e nas minhas horas de folga gosto
de me vestir de personagens da Disney. Entrei para as Irregulares porque
gosto mesmo de andar com meninas de 14 anos. Espero que não usem isso
contra mim.
DeeDee riu tanto que o café que bebia saiu pelo nariz.
– Tudo bem, Luz – disse Kiki. – Entendemos. Sem segredos. Oona, mais
alguma coisa que gostaria de contar ao grupo?
– Não olhe para mim, estou totalmente limpa. Vocês sabem de tudo.
– Parece que agora é uma detetive – disse Oona. – Aquilo não era segredo.
Imaginei que você devia ter um ou dois presentes depois que eu fui tão
desagradável. Mas pode mandar seu bilhete de agradecimento a Lester
Liu... Foi ele que pagou.
– Há uma cosia que você deve saber, Oona – eu disse suavemente. – Todo
mundo ficou nervoso. – Quando invadimos a mansão, acho que tive uma
ajudazinha.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– É, mas tem outra coisa. Sergei nos contou que ele atirou toda a comida
naquela noite e fez os barulhos para nossos grampos. Se a mansão tem
mesmo um fantasma, não acho que seja da sua mãe.
– Claro. Descobri quando ela me mostrou o quarto secreto. Acho que ela
não queria que eu tivesse o fim que ela teve... Rica, solitária e paranoica. Eu
queria poder fazer alguma coisa por ela.
– Acho que sei como pode agradecer a Cecelia Varney – disse Kiki.
***
Saímos do Fat Frankie's às dez da noite. Iris parou um táxi e foi correndo
para casa, esperando que o que restava do Fille Fiable ajudasse a
convencer os pais de que ela se perdera na loucura do museu. O restante
de nós foi para a casa de Oona. Ainda havia duas tarefas a terminar antes
de ir para asa enfrentar nossos castigos. Afinal, aquelas de nós que tinha
pais podiam ver a luz do dia só no ano-novo. A maioria das Irregulares fez
cara de corajosa, mas Luz perdia toda a cor sempre que pensava no que a
mãe tinha reservado para ela.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Ah, sim – Verushka confirmou. – A sra. Fei é uma excelente médica. Mas
estou pensando que seria melhor estar morta. – Kiki olhou apavorada e
começou a se opor, mas Verushka a silenciou. – Escute, Katarina. Se Livia
acreditar que estou morta, teremos a vantagem de novo.
– Mas não tem que se preocupar com Livia e Sidonia – eu disse. – Agora que
destruímos seus planos, elas não vão voltar a Nova York.
– Temos que ensinar você a jogar xadrez logo – disse ela. – Assim vai
aprender a pensar à frente. Sempre precisamos nos preocupar com Livia e
Sidonia. Elas fizeram um movimento e agora temos que fazer o nosso.
Vamos obrigá-las a voltar a Nova York.
– Por quê? – perguntei, assim que a sra. Fei saiu da despensa com os braços
cheios de latas.
– Onde está Wang? – perguntou a velha, ansiosa ao nos ver. – Ela está
segura?
– Não, podem ficar. Não tenho mais nada a esconder. Sabe de uma coisa,
sra. Fei, uma fantasma me disse que alguém estava sempre ouvindo.
Precisei de um tempo para entender que ela se referia à senhora.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Uma fantasma? Você falou com sua mãe? – sussurrou a sra. Fei.
– Não sei se era minha mãe – confessou ela. – Nem tenho certeza se era um
fantasma. Mas o que quer que fosse, sabia do que estava falando. Ela disse
que eu tinha que tomar a decisão de deixar tudo para trás. Se eu agisse
assim, teria tudo que desejasse.
– Mas Ananka disse que Lester Liu está na cadeia. Como ele pode lhe dar
tudo o que você quer?
– Não quero mais o dinheiro, nem a mansão. Nem ligo para todas as roupas
bonitas e joias. Foram essas coisas que escolhi deixar para trás. Percebi que
só o que queria era que alguém em quisesse. Perdi tempo demais
esperando que fosse o meu pai.
Oona assentiu.
– Acho que sempre soube disso. Fiquei confusa por um tempo, mas no fundo
eu sempre soube que ele não poderia ter mudado. Quando a fantasma me
disse que eu tinha de cumprir o meu dever, pensei que significasse colocar
Lester Liu na prisão. Mas não foi o que ela quis dizer. Ela queria que eu
cumprisse meu dever para com você.
– Você é a única mãe que eu tive. É a melhor mãe que eu poderia ter. Não
tinha de cuidar de mim. Fez isso porque quis. Eu devia ter entendido há
muito tempo. Assim eu podia ter passado menos tempo me lamentando
pelo que eu não tinha, e mais tempo apreciando o que eu tinha. Desculpe.
Você merecia uma filha melhor.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– De onde acha que eu tirei isso? – perguntou Oona. – Aliás, tenho uma
pergunta, sra. Fei. Tinha uma menina no museu esta noite. Lester Liu a
apresentou como filha dele. Isso é possível? Será que ela é minha parente?
– Outra neném?
– Sua mãe estava muito doente. Os bebês nasceram cedo demais. Lester
Liu não queria chamar um médico. A casa dele era cheia de coisas que ele
contrabandeava. Eu era a única pessoa que sabia o que fazer. Tentei salvar
as duas. Mas Lili não sobreviveu. Quando levei você, eu a deixei com sua
mãe.
Nem sempre é fácil saber que segredos devem ser contados – e quais
devem ser guardados a todo custo. Uma vez que costumo confundir as duas
coisas, consultei as pessoas mais éticas que conheço e elaborei este guia
útil. Agora, sempre que estou prestes a contar um segredo, faço a mim
mesma estas nove perguntas simples.
Isso não importa. Eu só estava curiosa. Mas não me conte. Passe para a
questão 2.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Se sua resposta for sim, você sem dúvida deve contar. Mas certifique-se de
confidenciar às pessoas certas. Existem espiões em toda parte.
Se sua resposta for não, passe à pergunta 3.
Já existe muita dor e sofrimento no mundo, então, se sua resposta for sim, é
provável que você deva manter os lábios selados.
Se não, vá para a pergunta 5.
Se você chegou até aqui e sua resposta for sim, você deve considerar
seriamente ficar de boca fechada.
Se não, continue, por favor.
Se sim, você pode assumir o risco e guardar para si. (Mas lembre-se sempre
da pergunta 7.)
Se você chegou ao final deste questionário e sua resposta for não, você
provavelmente tem um segredo bem sem graça, a não ser que...
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
CAPÍTULO DEZESSETE
Parei para comprar um café da manhã para Howard, mas quando chegamos
ao parque e sacudimos a neve de seu esconderijo, encontramos tudo
deserto. Os esquilos de Kaspar dispararam para dentro para se banquetear
de uma late meio devorada de feijão, provocando uma tempestade de
penas e folhas.
– Howard tem família em Manhattan? – perguntou Betty. – Por que não mora
com eles?
Kirsten Miller
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– A mulher e os filhos dele moram na rua 75 – disse Kaspar. – Ele fugiu deles
no verão passado. Howard sempre chorava quando falava deles, mas nunca
me contou por que foi embora.
***
– Olá, senhora. Meu nome é Kaspar. – Ele não teve oportunidade de explicar
mais nada. A mulher de Howard voou para fora e passou os braços nele.
Betty riu de surpresa.
– Então não está mais zangada com ele? – Eu soltei antes que percebesse
que estava ficando meio pessoal demais. – Desculpe. É só que Howard me
disse que ele perdeu todo o dinheiro da família.
A sra. Van Dyke soltou Kaspar e olhou por sobre o ombro para ver se
alguém estava ouvindo. Quando viu o filho fazendo careta para nós, ela o
enxotou para dentro e fechou a porta com delicadeza.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– No início eu fiquei chateada – disse ela suavemente. – Mas vou lhes contar
um segredinho. Quando me casei com Howard, eu sabia que ele não era o
melhor corretor do mundo. E podem acreditar, esta não era a única culpa
dele. Ele também é um tremendo porcalhão. Uma vez encontrei a cueca
suja dele numa caixa de pão e ele tinha uma crise de comilança daquelas
horrendas salsichas Viena todo mês. Mas ele era o homem mais
maravilhoso que conheci. Então, fiz o que tinha de fazer. Guardei o dinheiro
todo mês, para o caso de acontecer alguma coisa, e nunca contei a ele
sobre nossas economias. Com os juros que ganhei, nós ficamos muito bem.
***
– Ora, olá! – Ele pulou quando nos viu e apertou nossas mãos. – Nem
acredito no que perdi! Estive acompanhando os noticiários por dois dias
seguidos. Vocês souberam do bezerro de duas cabeças em Minnesota?
Esperem um minuto... – Ele parou e farejou o ar em volta de nós. – Kaspar,
seu cheiro é praticamente humano! Você também voltou para casa?
– Esta deve ser a jovem sobre quem você costumava tagarelar – observou
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Que bom saber disso! Quem precisa de uma casa quando tem uma boa
mulher? Sentem-se, todos vocês. Alguém quer umas salsichas?
– Claro! Mas na maior parte do tempo, ele fica no quarto. Ele tem um medo
terrível da April. Às vezes ela pode ficar meio xereta mesmo. Aliás, o que
pretendem fazer com ele?
***
Boa noite, Janice. Estou aqui no Upper East Side de Manhattan, onde, na
noite passada, um rico filantropo foi desmascarado como um dos mestres
do crime mais descarados que esta cidade já viu! Lester Liu, cuja mansão
está atrás de mim, foi acusado esta manhã de uma lista tremenda de
crimes, inclusive sequestro, roubo de obras de arte e tentativa de
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
Mas talvez o aspecto mais extraordinário desta história seja a pessoa que
levou o sr. Liu à justiça – sua filha de 14 anos, Oona Wong. A srta. Wong não
estava disponível para entrevistas, mas testemunhas da abertura de gala
da noite passada a descreveram como uma menina atraente, embora
malvestida, com uma pronúncia excelente do inglês.
– Isso foi maravilhoso, sr. Gunderson! Meu nome é Tiffany Thompson e sou
sua maior fã – eu disse, cheia de entusiasmo.
– Obrigado. É ótimo saber que ainda existem algumas crianças que assistem
aos noticiários hoje em dia. – Ele fez um ruído como se a maioria dos jovens
passasse as noites assaltando velhinhas e barbarizando em cemitérios em
vez de enriquecer sua mente com as reportagens dele.
– Ah, eu vejo você toda noite. Por isso eu queria ter certeza de que você
fosse o primeiro a saber o que encontrei no parque.
– Quem sabe isto não possa fazer parte dele? – Eu estendi o gato. Quando o
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Alguém me dê uma escova para fiapos! – gritou ele. – Estou todo cheio de
pelo de gato. Poderia, por gentileza, tirar essa coisa daqui? – sibilou ele.
– Mas pensei que quisesse dar uma olhada nos dedos dele – eu gemi. – São
muito incomuns. Os gatos não deviam ter só cinco dedos? – Num instante, a
cara de Adam Gunderson passou da irritação ao êxtase. Ele arrancou o gato
de minhas mãos e examinou os dedos.
– Bem ali no parque, do outro lado da rua, na frente daquela casa grande.
Eu vi um monte de gatos sendo colocados num furgão de entrega, mas este
aqui escapuliu.
***
– Então agora que fizemos nossa boa ação do dia, para onde vamos? –
perguntou Kaspar enquanto nós três andávamos pela Quinta Avenida. –
Vamos passar no Hotel Carlyle para um bule de chá?
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
– Por que vocês não ficam no parque comigo? – propôs Kaspar. – A gente
pode fundar nossa própria colônia.
– Howard foi para casa e olha como ele se deu bem – tentou Betty.
– Nunca vou voltar para a casa de meus pais – declarou Kaspar. – Não é a
minha casa. É só um laboratório com mobília cara. Sabe de uma coisa, só
porque sou parente de Arthur e Jane não quer dizer que eu pertença a eles.
Eles passaram toda a minha vida tentando fazer de mim uma criança
perfeita, e estou cansado de ser a cobaia deles.
"Acho que conhecer a sra. Van Dyke esclareceu tudo de uma vez para mim.
Ela não liga se Howard não é perfeito. Ela é louca por ele assim mesmo.
Sabe o que minha mãe faria se descobrisse minha cueca na caixa de pão? Ia
ligar para uma equipe de especialistas para analisar meu comportamento
aberrante.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
– Obrigada por vir, diretora Wikcham. Mas antes que a gente entre, gostaria
de apresentar meu amigo Phineas Parker.
– É um prazer conhecê-lo, sr. Parker – disse ela. – É muito parecido com seu
pai. Como estão Arthur e Jane?
– Conhece meus pais? – Kaspar não pôde esconder seu desprazer com o
assunto. – Sei que eles vão bem, mas não os vejo há meses. Estou morando
sozinho.
– Ora essa, isso é muito desagradável – disse ela. – As coisas estavam tão
ruins assim em casa?
– Queria que conhecesse Phineas porque acho que a senhora pode ser fã de
sua arte. Foi ele que pintou os esquilos por toda a cidade.
– É verdade? Sinto falta de suas criaturas. Elas davam certa graça a meu
dia. Por que parou?
– Fui raptado por Lester Liu e obrigado a reproduzir duas telas que ele
roubou.
Kirsten Miller
Kiki Strike vol. 2 – A Tumba da Imperatriz
***
– Ananka! – minha mãe gritou quando abriu a porta. – Por onde andou?
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– A senhora deve tê-la trazido para casa. – A voz de minha mãe falhava de
emoção. – Nem posso lhe dizer o quanto estamos gratos. Mas onde diabos a
encontrou?
Meu pai engoliu em seco enquanto a cara de minha mãe virava pedra.
Como todo mundo que entra em nossa casa pela primeira vez, a diretora
Wickham ficou admirada com a biblioteca de meus pais. Mas ao contrário da
maioria das visitas adultas, ela não pareceu nervosa por andar entre pilhas
mal equilbradas de livros que revestiam cada parede.
– Posso entender por que Ananka não tem interesse no dever – disse ela. –
Sua filha pode receber uma educação maravilhosa simplesmente ficando
em casa. – Ela se sentou no sofá e olhou os jornais na mesa de centro.
– Acho que devem dar uma olhada. – A diretora apontou a primeira página
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– Sim – admiti.
– Era por isso que você escapulia de casa? – perguntou meu pai.
– E fugiu?
– Sim, sim e sim – eu disse. – Peço desculpas por ter mentido para vocês,
mas eu tinha que ajudar minhas amigas. Eu não podia ir para a Virgínia
Ocidental antes que tudo estivesse resolvido.
Kirsten Miller
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– Eu... Eu... Tudo bem, é verdade – disse minha mãe. – Estou disposta a
admitir que errei. Só queria que você nos contasse as coisas. No mínimo,
nós podíamos ter ajudado. Você só tem 14 anos, Ananka, e às vezes tem
que confiar em nós para saber o que é melhor. E mesmo que você seja uma
espécie de detetive mirim, não vou permitir que deixe sua educação de
lado. Com todo o tempo que perdeu, não vou me surpreender se você não
passar em alguma matéria neste semestre.
– Pensei que estaria preocupada com isso, sra. Fishbein – disse a diretora
Wickham. – Foi por isso que vim aqui hoje. Todo ano, escolho uma aluna
promissora do primeiro ano da Atalanta para ser minha protegida pessoal.
Este ano, escolhi Ananka. Suas antecessoras vieram a se tornar algumas
das mulheres mais bem-sucedidas do país. Acredito que sua filha tenha o
mesmo potencial.
– Acho. E também quero lhes garantir que Ananka poderá colocar em dia
todos os trabalhos dos cursos que perdeu. Com alguma instrução particular,
ela terminará o ano com notas razoáveis. Na realidade, ela já tem um A em
uma matéria.
– Eu tenho? – perguntei.
Kirsten Miller
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Para evitar uma boca seca que a deixará lambendo os lábios como uma
vaca sedenta, beba alguma coisa antes de aparecer diante das câmeras.
Mas cuide para que não seja bebida gaseificada, a não ser que pretenda
arrotar para seus espectadores. Além disso, você deve comer antes, ou seu
microfone pode pegar o som de seu estômago roncando. Mas tenha cuidado
com pratos à base de feijão.
Isto provavelmente não precisa ser dito a ninguém cujo nome não seja
Britney.
Se quiser brilhar para as câmeras, faça isso com sua personalidade, e não
com suas roupas ou joias. Pedras cintilantes e pulseiras barulhentas
deixarão a equipe de reportagem louca. Use uma blusa de cor viva e você
vai parecer tão pálida que as pessoas vão se perguntar se tem uma doença
terminar. E listras e estampas malucas confundem as câmeras e
transformar sua roupa num borrão nada lisonjeiro.
Sempre que receber um prêmio ou alegar sua inocência, você vai querer
estar à vontade. Use roupas que sabe que caem bem e valorizam seu corpo.
A última coisa que você quer é parecer inchada, calombenta ou com dor.
Use maquiagem
Isso não tem nada a ver com vaidade. A maquiagem para as câmeras é uma
necessidade, se não quiser parecer uma zumbi doente. (Isso vale para
homens e mulheres.) Mas escolha tons mais sutis e fique longe de brilho
labial e sombra para os olhos que brilhem ou faísquem – ou ninguém vai
levar você a sério.
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Mesmo que seus saltos quebrem, seu vestido rasgue ou uma mosca voe
direto para dentro de sua boca, jamais perca a calma. Você pode
transformar um mico medíocre na TV em um clássico.
CAPÍTULO DEZOITO
Espere o inesperado
Querida Ananka,
Molly
Kirsten Miller
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– Você está ótima, Ananka – disse meu pai. Ele e minha mãe esperavam por
mim na porta, os dois com as melhores roupas.
– Ótima? – estremeci.
– Seu pai quis dizer que você conseguiu o perfeito equilíbrio entre o estiloso
e o nerd. – Minha mãe riu. – Agora vamos, ou chegaremos atrasados.
***
– Bom dia – ela nos cumprimentou. – Fico feliz em ver que trouxe seus pais,
Ananka, mas onde estão suas amigas?
– Decidimos que era melhor que não fôssemos vistas juntas em público por
um tempinho – eu disse a ela. – Não queremos chamar mais atenção.
Kirsten Miller
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–A múmia não foi danificada. Considerando tudo, ela está em uma forma
incrível. Não, o que quero dizer é que a Imperatriz finalmente foi
inocentada.
– Ela foi chamada de traidora pelos últimos duzentos anos. Mas agora
parece que pode não ser verdade. Quando os especialistas do museu
reclamaram o corpo, descobriram que estava enrolado num tecido
recoberto de uma escrita antiga. Era uma mensagem que tinha sido
contrabandeada para dentro do esquife por uma das criadas da Imperatriz.
Ao que parece, a pobre menina não se adaptou à vida na corte e tentou
escapar antes de se casar com o filho do imperador. Ela não cometeu
traição; só queria ir para casa. Quando foi capturada, o imperador a
envenenou e a enterrou viva. É claro que os especialistas querem mais
evidências, mas o museu já realizou alguns testes na múmia e descobriu a
presença de uma substância tóxica no corpo.
– Sei onde está a estatueta – confessei. – Diga ao sr. Hunt que a entregarei
a ele amanhã.
– Pensei que você pudesse lançar alguma luz sobre o mistério. – A velha
senhora riu. – E quem sabe alguns outros mistérios também?
***
Kirsten Miller
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– Aqui está ela, a menina da hora, Ananka Fishbein – anunciou o sr. Dedly.
Desde que ele leu meu trabalho, eu me tornei a aluna preferida do sr.
Dedly. Ele até me convidou para ser assistente dele em uma escavação
arqueológica no centro da cidade. Descobriram uma fossa antiga perto da
Wall Street e podia haver tesouros fascinantes escondidos em suas
profundezas.
– Acho que não. – Abri um sorriso adequadamente pueril. – Por que não
começamos? Tenho outro compromisso esta tarde.
Boa tarde, Janice. Estou aqui no Lower East Side de Manhattan com uma
boa notícia, para variar. Este foi um ano memorável para as meninas de 14
anos, e agora sabemos que outra adolescente fez uma descoberta
excepcional.
Diga-me, srta. Fishbein, como uma menina da sua idade conseguiu fazer
uma descoberta que escapou aos especialistas durantes tantos anos?
***
Kirsten Miller
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– Como vai fazer notícia se sua mãe não perde você de vista? – zombou
DeeDee. Oona convenceu o sr. Hunt a mandar cartas aos pais explicando
nosso desaparecimento e elogiando nossa contribuição para o mundo da
arte. A mãe de Luz mandou emoldurar a carta, mas ainda não suportava
deixar a filha sozinha por mais de 5 minutos. Fiquei surpresa ao ver que ela
não tinha se convidado para a festa.
– Ananka! – Kaspar chamou do outro lado da sala. – Tenho uma coisa para
você.
Ele e Betty estava aninhados perto dos cubículos das pedicures, curtindo as
últimas horas juntos. Pela manhã, Kaspar estaria num trem para sua nova
escola. Ele já garantira a Betty que a veria todo fim de semana, mas ela
ainda parecia meio triste. Cumprimentei os outros e fui vê-los.
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– Acho que ela vai ficar emocionada me mostrar uma pintura de um artista
de sua estatura.
Kaspar riu.
***
– É, é, muito engraçado – Iris fungou. – Por que não posso ter um uniforme
também?
– Peraí, agora que você é toda adulta não pode aturar uma brincadeira? –
perguntou Oona. Ela falou em hakka e Yu sorriu. Estendendo a mão para o
mural, ele tirou uma faixa de papel que tinha sido fixada na parede,
revelando uma pintura um tanto diferente por baixo. O vestido roxo de Iris
desapareceu. A imagem agora mostre as sete Irregulares com uniformes
pretos e vistosos. – Melhor assim? – perguntou Oona com uma piscadela.
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Enquanto Iris admirava seu retrato, Yu e Siu Fah avançaram para apertar
minha mão. Enquanto Yu falava, Oona traduzia.
– Ele quer que eu diga que você fez uma coisa maravilhosa. A sala oculta
deve pertencer a todos. Mostra a dificuldade que as pessoas estão dispostas
a enfrentar por sua liberdade. – A cabeça de Siu Fah quicou em
aquiescência.
***
Kiki cobriu uma das mesas de manicure com uma toalha e Verushka e a sra.
Fei colocaram três bolos em formato de esquilo.
– Ei! Todo mundo aqui – ordenou Oona. – Tenho algumas coisas a dizer
antes de começarmos a mastigar. Primeiro de tudo, gostaria de agradecer a
Kaspar, Yu e Siu Fah por nos ajudarem a colocar meu pai na prisão, que é o
lugar dele. Vamos sentir falta de vocês todos. E tenho que dizer que foi
meio legal ter alguns meninos por perto, para variar.
Betty fungou atrás de mim enquanto Oona traduzia seus sentimentos para
Yu e Siu Fah.
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negócio. – Ela correu para sua sala e voltou com uma caixa de papelão, que
entregou a Versushka. – Soube que o rato do dr. Pritchard custou uma
fortuna. Talvez isso ajude.
Verushka abriu a caixa e uma lágrima desceu por seu rosto. Ela pegou um
punhado de joias. Reconheci vários dos presentes que Oona recebeu do pai.
– O dinheiro pode ter vindo numa hora melhor do que você pensa. Verushka
e eu tomamos uma decisão. Não podemos continuar nos escondendo.
Temos de lidar com Livia de uma vez por todas.
* FIM*
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