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A obra ortónima, por vezes posta em segundo plano face à importância dada

à obra dos heterónimos, é a que Fernando Pessoa assinou com o próprio


nome. Algumas composições poéticas ortónimas são mais tradicionais
(influenciados pela lírica de Garrett e pelo saudosismo) mas, em geral, os
poemas ortónimos são representativos de experiências modernistas.

► Corrente tradicional

• simplicidade e sensibilidade poética tradicional;


• suavidade rítmica e musical;
• linguagem simples/intimista e ritmo melodioso;
• métrica curta;
• abundância de aliterações e rimas internas;
• apresentação de marcas do Saudosismo.

As poesias de Fernando Pessoa reunidas sob o título Cancioneiro são


marcadas pela dicotomia pensar/sentir, pela procura da felicidade pura e pela
frustração causada pela consciência de si próprio. São ainda uma
homenagem à tradição lírica portuguesa.

► Corrente modernista

• experiências modernistas (Simbolismo, Paulismo, Intersecionismo);


• refinamento dos processos simbolistas;
• inovações caracterizadas pelo vago, pelo subtil e pelo sonho;
• mistura de diversas sensações numa só;
• incorpora sensações dicotómicas de diferentes realidades:
observáveis/desejáveis e sentidas/idealizadas;
• procura da intelectualização das sensações e dos sentimentos.

Fernando Pessoa conseguiu centrar na sua personalidade e obra algumas


das tendências mais contraditórias do espírito modernista: o gosto do
irracional e a vocação racionalizadora, o espírito de revolta e a nostalgia da
tradição, a fome do absoluto e a fome do relativo.

► Temáticas da poesia ortónima


• O fingimento artístico

O poema é um 'produto intelectual', que não acontece '.0


no momento da emoção' mas é resultado da recordação. A emoção tem de
'existir intelectualmente' e só a recordação o pode fazer. O fingimento poético
transforma-se na nova expressão de arte. A elaboração do poema confunde-
se com um 'fingimento' por ser uma construção mental e não um produto
direto da emoção. O poema Autopsicografia teoriza a arte poética pessoana.
Nele é definido o lugar da inteligência (razão) e do coração (sentimento) na
criação artística.
Através da fragmentação do eu (Não sei quantas almas tenho) o poeta
procura a elaboração estética, conciliando a oposição razão/sentimento.
Para Pessoa o ato criativo resulta da harmonização de antíteses (oposições)
entre realidades objetivas e mentais. Por isso, sente necessidade de
intelectualizar o que sente e pensa (fingimento poético). A realidade é
reelaborada através da imaginação criadora (Autopsicografia, Isto).

• A dor de pensar

A arte para Pessoa resulta da combinação entre o sentir e o pensar, a


consciência e a inconsciência. Fernando Pessoa deseja ter a inconsciência
das coisas e das pessoas comuns ('Ela canta pobre ceifeira'), mas sente-se
condenado a estar lúcido e a ter de pensar ('Ter a tua alegre inconsciência').
Porém o pensamento e a imaginação interferem na relação do sujeito poético
com o mundo que o rodeia; assim, tanto aceita a consciência, como sente
uma verdadeira dor de pensar. Por não conseguir conciliar o binómio
sentir/pensar põe em causa a utilidade do pensamento (ex.:'Cansa sentir
quando se pensa' e 'Não sei ser triste a valer').

É na interseção das dicotomias sentir/pensar, consciência/inconsciência que


a poesia ortónima responde às inquietações da vida. A dor de pensar leva à
solidão do ser, devido à busca constante da racionalidade, a querer sentir de
forma racional e consequentemente instala-se uma tragédia íntima que o
corrói.
No poema 'Gato que brincas na rua', o sujeito poético expressa bem a ideia
de felicidade de não pensar ('És feliz porque és assim') e a dor que resulta
para ele por não conseguir ser inconsciente e poder brincar sem pensar em
mais nada.

• A nostalgia da infância


O tempo, na poesia pessoana, é um fator de desagregação, porque tudo é
efémero. Isso leva-o a desejar ser criança de novo. Pessoa sente a nostalgia
da criança que passou ao lado das alegrias e da ternura. Chora, por isso,
uma felicidade passada, para lá da infância.
Há uma nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância, único
momento possível de felicidade. Nas palavras do semi-heterónimo Bernardo
Soares: 'O meu passado é tudo quanto não consegui ser'. Para Fernando
Pessoa o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou antes se
traduziu numa desilusão. Daí o constante ceticismo perante a vida real e de
sonho.

Poeta, ficcionista, dramaturgo, filósofo, prosador, Fernando Pessoa é,


inequivocamente, a mais complexa personalidade literária portuguesa e
europeia do século XX.

Na poesia do ortónimo coexistem duas vertentes: a tradicional e a


modernista.
Algumas das suas composições seguem na continuidade do lirismo
tradicional: sensibilidade, suavidade, linguagem simples, ritmo melodioso,
com marcas do Saudosismo; outras iniciam o processo de ruptura:
experiências modernistas do Simbolismo, do Paulismo e do Interseccionismo.

► As temáticas:

• a interseção entre o sonho de um tempo em que o poeta diz ter sido feliz e a
realidade (ex.: Chuva Oblíqua);
• a angústia existencial e a nostalgia de um tempo perdido (do Eu, de um bem
perdido, das imagens da infância...);
• a distância entre o idealizado e o realizado — e a consequente frustração
('Tudo o que faço ou medito');
• a máscara e o fingimento como elaboração mental dos conceitos que
exprimem as emoções ou o que quer comunicar (ex.:Autopsicografía);
• a intelectualização das emoções e dos sentimentos para elaboração da arte
(ex.: 'Eu simplesmente sinto/Com a imaginação/Não uso o coração' - Isto) ;
• o ocultismo como fonte de explicação da realidade e o hermetismo (ex.:
'Eros' e 'Psique');
• Tentativa de superação da dor através da evocação da infância (idade de
ouro), onde a felicidade ficou perdida e não existia o doloroso sentir (ex.:Com
que ânsia tão raiva/Quero aquele outrora!' - Pobre velha música);
• tradução dos sentimentos na linguagem do leitor, pois o que se sente é
incomunicável.

► Linguagem e estilo:

• linguagem simples, espontânea, mas sóbria, simbólica e esotérica;


• recorrência frequente a adjetivos, comparações, metáforas e imagens para
traduzir estados de alma, constatações ou reflexões;
• preferência pelo verso curto e pela métrica curta (redondilha);
• aliterações, onomatopeias, musicalidade;
• adjetivação expressiva, pontuação emotiva, frases nominais.

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