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"os lusíadas" e a "mensagem"

Semelhanças entre a Mensagem e os Lusíadas. Parece simples dizer que são ambas
semelhantes em propósito, como obras de exaltação nacional, mas essa simplicidade
esconde – se quisermos procurar é claro – uma complexidade imensa.
António Quadros, um estudioso de Pessoa diz da Mensagem que esta é um “poema
nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética dos Lusíadas (Fernando Pessoa,
Vida, Personalidade e Génio, p. 249, Publi.. D. Quixote). Será assim? O próprio
Quadros mais à frente vai assumir que na realidade o que poderá ser confundido com
nacionalismo, com exaltação dos valores do que constituiria a alma nacional
portuguesa, acaba por não constituir o tema principal da obra de Pessoa.

Devemos ver as duas obras magnas da literatura poética portuguesa, Lusíadas e


Mensagem, como obras situadas no inicio e no terminus do grande processo de
dissolução do Império, como bem indica Jacinto do Prado Coelho («D’Os Lusíadas à
Mensagem», in Actas do 1.º Congresso Internacional de Estudos Pessoanos; Brasília
Editora; p. 307). O humanismo presente n’Os Lusíadas, que se traduz num povo
escolhido por Deus para estender um império cristão para Sul, é o mesmo humanismo
que traduzido no modernismo dos anos 30 do século XIX vê o homem como
instrumento misterioso da mesma obra, embora enquanto homem solitário e já não tanto
como povo. Mas uma diferença é crucial, como bem indica Prado Coelho: Camões
exorta um D. Sebastião ainda vivo, ciente que está de um Império que embora em
perigo pode ainda sobreviver e renovar-se, enquanto que Pessoa exorta um D. Sebastião
morto, feito já mito e esperança. Seja como for, aqui também está uma semelhança
fundamental: ambos os poemas não são saudosistas, mas sim exortativos, renovadores,
impetuosamente corajosos. O que os distancia, aproxima-os, de certa maneira. Isto
porque, se estudarmos mais fundo as motivações de ambos os poetas, encontraremos –
pelo menos parecem ter encontrados os estudiosos – rios antigos com leitos misteriosos.
Esses rios chamam-se Sebastianismo, Quinto Império, Mitogenia… De facto, mais do
que apenas um império material, da conquista, do ouro e dos escravos, o Império
significa tanto para Camões como para Pessoa, um designio maior, mais misterioso. O
Quinto Império, noção nascida da Bíblia na famosa profecia de Daniel sobre o sonho de
Nabucodonosor, é desenvolvida por eles, assim como por outro dos maiores vultos da
cultura portuguesa de todos os tempos: o Padre António Vieira, na sua História do
Futuro. A intervenção divina na história nacional é tão antiga como a própria
nacionalidade e embora a ideia do Quinto Império seja ainda pouco clara em Camões,
ela é já plena e poderosa em Pessoa. Se de facto D. Sebastião foi indigno da esperança
que nele depositou Camões, esse é um facto posterior à própria obra, e não pode ser
indicado como a afastando de um teor marcadamente Sebastianista.

Enquanto Os Lusiadas são a exortação pura, do D. Sebastião presente, da esperança na


renovação do Império decadente, a Mensagem é a exortação do mito Sebastianista, do
rei morto e agora feito apenas futuro. De facto, Pessoa na Mensagem analisa do mito, o
mito extirpado de qualquer vestimenta material e humana (assim o diz: António
Quadros, Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, Guimarães Editores, p. 111). Para
Pessoa, o Sebastianismo é a religião nacional, fundada num mito que nos é familiar,
mais familiar do que o mito judeu do cristianismo. Quando Pessoa grita, no intimo das
suas obervações perdidas na sua arca, diz “abandonemos Fátima por Trancoso”,
Trancoso, terra do Bandarra, mistico português, sapateiro de profissão, Nostradamus
pobre e desconhecido da Europa, mas foco de uma esperança forte porque nossa,
imensa porque nacional e redentora. E na realidade que Império era este que ainda se
esperava, mas que nunca se concretizava? É o Império Espiritual, o Império que não da
carne, mas do espírito. Relembre-se o canto I, 24, linhas finais: “Que por ele se
esqueçam os humanos de Assírios, Persas; Gregos e Romanos”. Parece descobrir-se que
afinal, a busca do Quinto Império, é a própria busca do superior patamar da alma
portuguesa; eis porque no fim, Pessoa substitui o Cristo por D. Sebastião: “Que simbolo
final mostra o sol já desperto? Na cruz morta e fatal a Rosa do Encoberto” (in
Mensagem). O encoberto, figura agora mitica, por encarnar num redentor, que Pessoa
por um tempo pensou ser Sidónio Pais, presidente da primeira república, depois ele-
mesmo Fernando Pessoa, como o Super-Camões impulsionador do Império Cultural
(relembre-se que Pessoa fala desta figura, do Super-Camões nos seus primeiros artigos
para revistas, circa 1912). Depois ter-lhe-ão faltado as forças, e o Desejado fica o
Desejado imaterial, por se realizar, senão em vagas orações sibilantes.

Regressando a Prado Coelho, vemos que o Sebastião de Camões é viril e aventureiro, á


moda das histórias de cavalaria da época, do Amadis. O Sebastião de Pessoa é já o mito,
despido de vestes humanas, humilhado, feito arrependimento e tortura do espirito. Eis
porque a Mensagem seja talvez mais súplica do que os Lusíadas, e por isso menos
grandiosa, mais ocultista e hermética. Há esperança nos Lusíadas, utopia na Mensagem.
Se é certo que os Lusíadas não são meramente descritivos enquanto epopeia de feitos
passados, pois na epopeia há uma análise e uma prognose, a Mensagem é ainda mais
cerebral, mais simbólica, esguia e simbolista. Embora haja personagens na Mensagem,
não os há como nos Lusíadas, porque o que importa na Mensagem é desenvolver um
pensamento, uma ordem de pensar o futuro em função do passado (Pessoa censura isso
mesmo a Camões). Se em passagens a Mensagem é também épica; relembrem-se o Mar
Português ou o episódio do Monstrengo, que se opõem com sucesso ao Adamastor de
Camões, nunca é discipienda em Pessoa a referência a personagens históricos. Nunca
Pessoa os refere sem os enquadrar numa ordem superior de processos, num esquema
maior, secreto, á maneira de um plano arquitectónico, tão ao gosto da simbologia
franco-maçónica.

Prado Coelho conclui de maneira lapidar a sua análise, no estudo já referido: “Em
contraste com o realismo d’Os Lusíadas (…) a Mensagem reage pela altiva rejeição a
um «Real» oco, absurdo, intolerável, propondo-nos em seu lugar a única coisa que vale
a pena: o imaginário” (p. 315). “Sem a loucura que é o homem mais que a besta sadia,
cadáver adiado que procria?” (Mensagem).
 Sobre a Mensagem de Pessoa

Por detrás de um grande projecto, há sempre, quer queiramos quer não, uma grande ambição.
A Mensagem é um destes casos. Antes de falarmos da sua estrutura poética, deveremos falar
sua “super-estrutura funcional”. Ou seja, devemos esclarecer os motivos de Pessoa, quando a
quis escrever.

Mensagem é um livro que projecta as ambições de Pessoa, numa análise mais a frio do que
seria um Império Eterno, depois do Império Terreno que Portugal tinha construido e perdido
para a corrupção que permeia todas as coisas materiais. O reino da paz, segundo Pessoa,
surgiria apenas depois da conversão de cada homem, da sua transformação interior, como diz
e bem Agostinho da Silva em Um Fernando Pessoa. De facto Mensagem é um livro talvez mais
importante do que os Lusíadas, porque se menos eloquoente é mais simbólico, falando ao
interior e não tanto ao exterior. Mensagem é uma obra de análise profunda do passado e deo
futuro, mas nunca do presente, e isso é um ponto essencial quando a lemos.

O poema está dividido em três partes: Brasão, Mar Português e O Encoberto. Qual a razão
desta divisão? Já lá iremos. Antes disso é preciso esclarecer que o livro esta profusamente
imerso em simbolismo rosa-cruciano e templário, é o próprio Pessoa que o diz num texto que
escreve a propósito de Mensagem, após ter sido premiado pelo Secretariado de Propaganda
Nacional. Isto quer dizer principalmente uma coisa: é um texto de fraternidade e de paz,
porque a paz é um conceito que permeia todas as ideias rosa-crucianas e templárias. Avesso a
noções ditas socialistas, Pessoa, considera-se um liberal de formação, pelo que coloca como
pilares a serem respeitadas: o individuo, a nação e a humanidade. Isto apenas para esclarecer
como Pessoa pode ser um maçon – mesmo se apenas em teoria – e escrever um livro de teor
tão aparentemente nacionalista.

Quanto á divisão do livro há que dizer o seguinte: O Brasão, como primeira parte, representa
em simbolo a nobreza na sua essência. Essa nobreza age no passado na segunda parte, O Mar
Português e no futuro na terceira, O Encoberto. Três elocuções em latim acompanham cada
parte, no seu inicio. Bellum sine bello para a primeira: ou seja, Guerra sem Guerrear, potência
sem acto, como diz Agostinho da Silva, ou seja a parte que se mantém sempre eterna, como
nobreza e carácter. Possesio Maris para a segunda, ou seja, a nobreza que toma e possui com
um acto, mas que com esse acto não se esgota minimamente – apenas é uma posse do mar, o
ter e não o ser. É na terceira parte, na Pax in Excelsis, paz nas alturas, em que o homem se
ultrapassa finalmente a si mesmo e se realiza plenamente no que sempre foi.

O Brasão, representa a luta (Os Campos) pelo sangue de cristo, ou as chagas (As Quinas).
Fundando é certo a luta na convicção da importância do mito – porque é com Ulisses que
Pessoa inicia Os Castelos, como que dizendo que as coisas morrem e essência em mito se
renova, renasce. As quinas representam, em cada chaga, um mártir. Estes mártires como que
dizem que foi incorporado no selo nacional o próprio sofrimento de Cristo em gente sua, seus
governantes.

O sofrimento, que pode ser comparado á vontade de Deus emanada no sonho dos homens em
conquistar – O Mar Português - revela-se numa história que não esgota um povo, embora o
defina. O que de magistral se acha na quimera dos Descobrimentos, enfim, é a realização do
que vale a pena é a busca e que o mar permanece sempre igual, ou seja, se pode ser possuido,
não pode ser incorporado nos homens. Um povo que descobriu na tristeza pós-
Descobrimentos que as riquezas apenas nos indicam um novo horizonte mais distante.

Completo o Império Material – o das Indias, de África e do Brasil, resta ainda e sobretudo o
Império Espiritual, o Quinto Império. Esse tempo do Encoberto, anuncia-se pelos simbolos e
pelos avisos, usados mais como confirmação do que já se tinha dito antes, do que
propriamente como novidade inesperada para o futuro de um povo escolhido. Houve já o
desencantamento com o ouro e com as pedras preciosas, o desencantamento com o que de
sólido o mundo tem a oferecer ás mãos gananciosas dos homens. A saudade do português,
será não tanto de regresso a esses tempos de posse, mas antes o regresso a um tempo que,
anunciado ainda não se realizou. É uma saudade do futuro, como bem se lê por exemplo em
António Vieira – relembre-se que ele escreve A História do Futuro, há que compreender como
o futuro aqui se entrelaça com o passado e vice-versa.

Chamemos-lhe uma missão divina, ou apenas o fim de um percurso de cinco séculos, a


Mensagem nada mais é do que Portugal virado para a Europa, mas da sua orla, do seu
Atlântico feito universalidade. Mensagem é um livro com uma finalidade universalista, como
se pode perceber pelo que foi dito antes. Um poema trinitário, onde se propoêm uma sintese
– o cerne da nobreza; uma antítese – a posse do mar; e uma sintese – a futura civilização
intelectual. Resumo de oito séculos, não é só poesia que exalta, mas sobretudo poesia que
obscurece para iluminar, pelas regras dos alquimistas. Poesia que simboliza para compreender,
que limita para expandir, que diminui para ampliar.

De intuito regenerador de consciências, Mensagem não achou, porventura, ainda o seu tempo
ideal para florescer. Ou talvez esse tempo não exista, ou se pretenda inexistente porque
tempo feito da oportunidade em cada um de nós. Seja como for, é uma obra tão simples
quanto complexa, como todas as coisas verdadeiramente importantes. Para a entendermos,
teremos obviamente de nos tornarmos como ela, de sermos portugueses no seu
sebastianismo, portugueses na sua simbologia oculta.
 
o sebastianismo na mensagem

O tema do Sebastianismo é porventura o mais complexo e o mais simples de todos


aqueles que assombram a história da nacionalidade. Trata-se de um drama histórico, que
naturalmente fez nascer sentimentos romanticos e saudosistas, no lado da simplicidade,
tal como um drama psiquico, fazendo nascer questões mais profunda, questões que
dizem respeito ao ser mais intimo. Pessoa é poeta, sem dúvida, mas o seu tratamento do
Sebastianismo não é poético. Ele trata o drama psiquico, se quisermos, a questão do
mito enquanto assombração da alma portuguesa, a perda da identidade nacional, a perda
da independencia e a restauração de valores antigos de nobreza.

Quase que pretendendo estabelecer os cânones de uma religião nacional – era de facto
um dos seus objectivos – Pessoa escapeliza o mito em todos os seus aspectos. Deste
modo se explica a análise paralela do papel de D. Sebastião do ponto de vista
astrológico e mesmo ocultista – relembre-se a análise das Trovas de Bandarra e de
Nostradamus que Pessoa efectua, tentando o enquadramento profético rigoroso. Para
Pessoa, seria possivel basear uma fé na figura tornada mito do Rei desaparecido, porque
Portugal se identificara perfeitamente com o drama desse desaparecimento. Portugal
uma vez grande, que na juventude (desde a independencia nacional com a conquista dos
Algarves á primeira batalha em Marrocos passam menos de 200 anos) qual rei-menino
se aventura na guerra, fazendo da sua própria vida um lema de honra e nobreza em
nome de valores mais altos que os humanos. O Rei (a Nação) que se perde na noite
(decadência) renascerá na manhã de nevoeiro (renascimento ainda com resticios de
morte). Identificando o regresso do Rei, a segunda vinda, ás vezes com figuras reais –
D. João IV, ou mais intensamente Sidónio Pais – não deixa de o associar com um
esquema maior das coisas, um renascimento espiritual em grande escala, onde Portugal
seria de novo líder, porque primeiro império maritimo universal caido.

Na Mensagem, primeira parte, D. Sebastião é um dos cinco principes infelizes e


martires, e é o quinto, no que de simbólico isto tem. No Mar Portuguez, segunda parte,
surge o mito, na noção providencial da história, quando Deus se revela nos instantes de
fractura da história. Na terceira parte, D. Sebastião é já divinizado, surge o quinto
império, enquanto império do espirito, escatológico e redentor. Depois, noutro simbolo,
D. Sebastião é o Desejado, que regressa com o santo graal – a nova religião que ele
mesmo vai representar. No quarto simbolo, domina o insconsciente colectivo, para no
quinto simbolo surgir refulgente em nova e magnifica revelação. Na cruz morta e fatal
a Rosa do Encoberto, ou seja, D. Sebastião substitui na cruz, no martirio, Jesus de
Nazaré. Como nos pedira para trocar Fátima por Trancoso, Pessoa pede que troquemos
o mito judaico pelo mito lusitano. Mais á frente, nos avisos, portugal é definido por esse
nevoeiro que ainda permeia todas as coisas. Nevoeiro, dispersão, névoa, esperanças sem
um guia, perdidas. O Sebastianismo de Pessoa, não é lirico, como o Camoniano, porque
se exige a crença na espera do Encoberto, sabe que esse regresso será um regresso em
carne. Pessoa procura febrilmente pistas. Analisa a trova XI de Nostradamus, chegando
num momento á sua própria data de nascimento – 1888.

O Poeta que anunciara o Super-Camões nas suas primeiras aventuras na escrita, chegou
a pensar que poderia ser ele próprio o regresso da esperança. Não um Rei-Filósofo
como queria Platão para a sua república, mas um Rei-Poeta, que não lideraria com a
razão, mas com um entendimento profundo do psiquismo nacional. Mas no fim seria
fraco demais para um trabalho tão imenso. A Mensagem acabou por ficar como obra da
mente que pretendia a agitar os corpos, insinuando que o regresso do Rei era demasiado
poderoso para ser assumido por um só homem, mas não por todos os homens, no seu
coração.

 "mensagem" e "história do futuro" de antónio vieira

A História do Futuro, do Padre António Vieira foi uma obra destinada a explanar como
Portugal seria a fonte de onde nasceria o Quinto Império e de como esse Quinto Império
seria um Império não de terras, mas um Império Espiritual. O titulo, explica-se se
atentar que o autor pretendia ir buscar so passado o futuro inevitável da raça lusitana -
de feitos passados se ergue um futuro por nascer ergo uma História do Futuro.

Ponto central da ligação da História do Futuro com a Mensagem: O Sebastianismo.


Depois de enunciado por Camões, que preconizava o Sebastião vivo, Vieira faz nascer o
Sebastião-mito feito esperança e renascimento, o Encoberto. Pessoa colhe o testemunho
de Vieira, para transformar um tema que permeia os Lusiadas e que se vai
progressivamente fechando sobre si próprio, num hermetismo difícil de apreender por
aqueles que não "iniciados" nele. Por isso, Pessoa chama a Vieira "O Grão Mestre da
Ordem Templária de Portugal". Trata-se de uma ordem imaginária, de que Pessoa se
considera um iniciado - como que dizendo, iniciado nos mistério do significado de um
Sebastianismo radicalmente diferente daquele presente n'Os Lusiadas. No entanto, se
para Vieira, o cristianismo não é incompativel, pelo contrário era necessário ao
Sebastianismo, para Pessoa não é assim. Pessoa é um neo-pagão, que crê mais nas
forças dos homens do que nas forças dos deuses, e que refuta Jesus por não ser uma
figura nacional, mas estrangeira. Jesus como logos, meio para uma religião que começa
nos homens (Sebastião) e acaba nos homens.

Para quem tiver maior interesse neste tema, aconselho a leitura das obras de António
Quadros: Fernando Pessoa, Vida, Personalidade, e Génio; Poesia e Filosofia do Mito
Sebastianista.

análise do poema "o mar português"

Escrito a 9 de Junho de 1935, seis meses antes da morte de Fernando Pessoa,


este poema tem uma importância eminentemente esotérica. Foi neste âmbito
que a análise será feita, recorrendo a um texto de Dalila Pereira da Costa,
publicado em 1978.

Como bem indica esta pessoana de renome, o poema «Mar Português» surge
na continuação do que é a Mensagem. No entanto, e se tal for possível, é
ainda mais hermético do que aquela, porque se na Mensagem se invoca o Mar
Português ainda físico da conquista e depois lentamente transcendental do
espírito, no poema «Mar Português» a invocação é já plenamente
transcendental, focada na importância da obra do próprio Fernando Pessoa
num futuro renascer da alma nacional.
Identificam-se temas comuns entre este poema e a Mensagem.
Nomeadamente a referência ao mar simultaneamente espelho e abismo, onde
a alma se perde no sonho e depois do sonho se reflecte num projecto de futuro
esplendoroso porque plenamente espiritual e desligado da terra.

Há o reconhecimento que nada mais há a buscar no mar físico, mas que resta
a exploração do mar espiritual, onde Pessoa quer ser empossado argonauta,
porque é através da poesia, da linguagem do inefável, que se podem descobrir
os mistério da alma e da vida, escondidos à visão normal dos homens.

Um primeiro ciclo exauriu-se: o da descoberta do mar. Um novo ciclo se


anuncia: a segunda vinda, a descoberta da alma, do mar espiritual.

É a água, o elemento água, a paz, a solidão, a reflexão, o contínuo movimento


de renovação e desafio que permite a revelação da profecia. É a água que
simboliza a latência do sonho, a água nua, despida e apenas espelho ou
abismo, que mostra e que esconde. Combinação proibida de opostos, como a
própria poesia, que se por um lado comunica, nada diz de imediato, mas antes
quer provocar em quem a lê a reflexão mais profunda ou a reflexão mais
imediata, o abismo e o espelho. O mar, o sonho e a poesia são os três
elementos que Dalila Pereira da Costa indica como sendo os vectores
essenciais da alma portuguesa. Não interessa a ambição, mas o sonho, não
interessa o destino, mas a viagem, não importa nada que se acabe na sua
própria realização, porque nada que se consuma inteiramente pode ser eterna.

Portugal, pátria à beira água é também pátria à «beira-mágua». O sofrimento e


a dor marcam a viagem ás ilhas afortunadas da alma, porque nenhuma grande
descoberta se faz sem sacrifício de monta e relevo.

Esta alquimia, processo de integração dos desejos mais profundos e íntimos do


ser, liga o desejo à metafísica de o realizar na carne. Dalila relembra, e bem, 
Jung, na sua análise do subsconsciente como meio de alcançar a ligação entre
os dois mundos, porque ténue terreno de fracas consistências e certezas
palpáveis, senão pela intuição. Pessoa foi mais longe, ao desdobrar-se em
quatro (Caeiro, Campos, Reis e Soares) fez a chamada quadratura do circulo,
antigo esquema alquímico em que o Eu permanece no centro, permeado pelo
mediador, pelo Logos.

O apocalipse do fim aparece em Pessoa como revelação de uma verdade


interior, reservada a quem empreenda a viagem sem destino que é perder-se
de si mesmo. O começar na nova aurora neste Império Espiritual é algo mais
do que a presença diáfana de um vasto território dominado por uma só língua e
um só povo, antes um horizonte sem fim em que se atinge a irmandade dos
homens, a paz in excelsis intemporal e imperfeita apenas por não ser ainda de
Deus, mas encimada por um desejo incompleto de se realizar sempre no
futuro.
análise do poema "ocidente"

Antes de analisar o poema em questão, há que recordar que a Mensagem é um poema


nacional, uma versão moderna e espiritualista dos Lusíadas, nas palavras do eminente
estudioso de Pessoa, António Quadros. A Mensagem é um poema trinitário, à maneira
cristã, mas imbuído de uma interpretação mística e paraclética, onde o Encoberto recebe
a unção do Espírito Santo apenas para se revelar como o eterno Logos, o Intermediário
secreto para entender o significado de Deus para o Homem. Sendo um poema trinitário,
dividido em 3 partes, a Mensagem é também um poema dialéctico, em que cada parte
contribui para a seguinte, perseguindo uma síntese Hegeliana na sua leitura final. O
poema "Ocidente" inclui-se na segunda parte - Mar Português - onde Pessoa justifica de
certo modo a proposta feita na primeira parte - Brasão. A proposta era a de uma nação
que iria trazer novos mundos ao mundo, sobretudo o nascer de um Império Espiritual,
baseado na unidade de todos os homens em Cristo simbólico, feito civilização,
construído sabedoria e intelecto. A Mensagem foi um meio também de Pessoa expressar
a sua mágoa em palavras, uma mágoa de quem abandonou o país na sua juventude para,
regressando, encontrar dentro de si um patriotismo de tais dimensões que quase parecia
impossível de traduzir em sentimento, muito menos em letras no papel. Pessoa vê
Portugal como o rosto com que o Ocidente fita o futuro e o passado. E foi por
providência divina (v. o poema "O Infante") que Portugal desvendou, "com duas mãos -
o Acto e o Destino" (v. poema "Ocidente"). O facho que uma mão ergue, é a luz que de
Portugal emana  e que pretende iluminar o que antes era trevas - o Destino - enquanto
outra - o Acto - afasta o véu, que separou desde sempre o querer de Deus e a ignorância
do Homem. o Acto foi a coragem de descobrir e o Destino a força que o permitiu. A
coragem e a força são interdependentes, como uma cobra que morde a própria cauda e
na força centrífuga potencia o futuro. Foram estas mãos portuguesas que "rasgaram o
véu" à Europa. A mão predestinada, "apoiada pela ciência e pela ousadia". Embora
grande importância tenha tido essa mão que luziu, a mão do facho que iluminou,
humana e por isso "Acaso", "Vontade", ou apenas "Temporal", nenhuma importância
teria sem a vontade de Deus em a dirigir como "alma", sendo o "corpo" Portugal. O que
é um corpo sem alma, senão uma massa informe, sem destino? Foi Deus que esculpiu
no corpo o seu destino e o guiou sem que este tomasse noção do perigo. Foi Deus a
alma de Portugal na sua missão. A mão que rasgou o véu, era já uma mão de "Certeza",
"Determinação" e grau "Intemporal". Este destino não é no entanto história de Portugal,
mas o seu interrompido prólogo (nas palavras de Agostinho da Silva em "Um Fernando
Pessoa"). Não é a importância de possuir o mar (possessio maris quer dizer posse e não
propriedade do mar, e por isso é efémera e passageira), mas a preciosidade de ter
encetado a busca, sem ligar ao medo, porque instrumento de uma vontade superior,
prostrada na glória de mostrar que o mar é sempre o mesmo  e toda a descoberta é
imperial se feita passando além da dor. Portugal foi a cara com que a Europa enfrentou
esse destino, foi a face do Ocidente perante o abismo. Mas sendo o agente, foi também
instrumento, dividido nas duas mãos, com a luz que alumiava e o destino que rasgava o
véu. Completo em corpo e alma, mas dividido em Homem e em Deus. Só para mostrar
o significado vão de possuir e o significado altíssimo de buscar. Buscar que também é
esperar em símbolo e superar o vazio da aparente ausência de Destino". 
análise do poema "o mostrengo"

O poema "O Mostrengo" enquadra-se na segunda parte de Mensagem: O Mar


Português. A segunda parte, por sua vez, está encimada pela elocução latina possessio
maris (posse do mar). Na segunda parte de Mensagem, Fernando Pessoa expressa a
nobreza dos actos, que acompanhou a nobreza da intenção, revelada na primeira parte.

Sempre considerada como impregnada de um sentido de épico eminentemente


racionalista e intelectual, a Mensagem encontra na sua segunda parte alguns dos
episódios mais descritivos e emocionais. No seu todo é, sem dúvida, uma obra
simbólica e obscura, atravessada por um sentimento negro de exaustiva análise e
frustração por um futuro ainda por acontecer. No entanto, tratando-se do episódio do
Mostrengo, a análise é diferenciada. Pessoa parece querer por momentos desafiar
Camões, alvo de comentários menos elogiosos por parte de Pessoa em alguns momentos
da sua vida, e comparativamente elaborar um momento de grande força dramática e
menor força simbólica. Assim analisa Jacinto do Prado Coelho o Mostrengo: “«O
Mostrengo» opõe dramaticamente , em decassílabos sonoros com um refrão cuja força
épica  aumenta de estrofe para estrofe («El-Rei D. João Segundo!»), a decisão do
marinheiro português, instrumento inflexível da vontade do rei, à indignação do ser
«imundo e grosso» que sai, escorrendo medos, das profundezas do mar: «Aqui ao leme
sou mais do que eu: / sou um povo que quer um mar que é teu!»). excepcionalmente, o
poeta, sob a sugestão do Adamastor, empunha a «tuba canora e belicosa» (…) Assim,
em versos de densidade poética e sugestão rítmica insuperáveis, Fernando Pessoa,
comunicando-se, foi também o intérprete comovido da História nacional”. O
Mostrengo, um poema originalmente escrito em 1918 (Pessoa tem então 30 anos) é
menos sombrio e hermético que outros que viriam a constituir a Mensagem, que
também originalmente se deveria chamar Portugal. Isto deve-se a uma desilusão
crescente em Pessoa, que se em 1912 na sua primeira experiência como escritor/crítico
clama por um Super-Camões e por um renascimento da psique nacional, mais tarde vês
que nem Sidónio Pais, nem a Ditadura Militar que se lhe segue surgem como soluções
para tal. Torna-se progressivamente mais escura e hermética a linguagem de Pessoa,
embrenhada num messianismo que ele vê difícil de se cumprir senão pelos mistérios de
uma fé no regresso de uma nobreza já estranha aos seus contemporâneos. Pode
considerar-se que o poeta se mantém um ingénuo. Que embora sinta profundamente o
seu nacionalismo, mais profundamente até porque esteve longe de Portugal e sentiu
longe o que era realmente a saudade de um passado mais tranquilo do que aquele que
vivia, ele é inocente quando pretende uma revolução pelo espírito, quando pretende
enunciar os princípios em que basearia uma nova civilização e esperasse essa realidade.
Considerando-se um «nacionalista místico», essa revolução teria de ser sempre em
bases espirituais e é assim que ele as invoca.

O Mostrengo, embora reduzido em simbolismo – parece-me apenas uma aproximação a


um tema de Camões, e uma aproximação lírica não-simbólica ao tema da acção dos
homens – tem, ainda assim, algo de simbólico na presença do número três. Três foram
os heterónimos principais (ou heterónimos únicos, desenvolvidos, pois Bernardo Soares
é um pseudónimo e só Alexander Search teria eventualmente dimensão de heterónimo
mas nunca foi desenvolvido enquanto tal pelo poeta), três são as estrofes de “O
Mostrengo” e três um número que paira sobre o poema, como uma sombra de
misticismo, como que dizendo que mesmo nas puras acções de coragem há a presença
do divino ou pelo menos do conhecimento oculto. Isto significa que mesmo na mais
simples das acções há desígnio e destino, que nunca pode ser negado, quer no homem,
quer na natureza. O pobre homem do leme ou o Mostrengo são armas sensíveis de um
poder maior do que eles mesmos, ou até do que o destino de ambos

análise do poema "as ilhas afortunadas"

Como já foi dito no fórum, a propósito de diversas interpretações de outras partes de A


Mensagem, esta divide-se em três partes. Remeto a análise desta divisão para essas
respostas, para não me repetir.

O Poema que refere, “As Ilhas Afortunadas”, encontra-se na terceira parte do


livro de Fernando Pessoa. Encontra-se porém num “momento sebástico”
(usando as palavras do ilustre pessoano, António Quadros, em Poesia e
Filosofia do Mito Sebastianista). Sendo certo que a questão Sebastianista foi
longamente debatida ao longo da história nacional, pessoa enquadra-se nela
enquanto um poeta-profeta, que embora admita o regresso físico do rei perdido
(chega a justificar tal regresso pela teoria da metempsicose, ou transmigração
das almas), faz essa justificação através da única linguagem que a pode
entender – a poesia. Consciente da riqueza do subconsciente nacional, Pessoa
ergue D. Sebastião a mais do que um mito, fazendo da sua figura a base real e
verdadeira de uma religião nacional – O Sebastianismo. Ele diz, nas suas
páginas mais intimas, que devíamos trocar Fátima por Trancoso (onde nasceu
o profeta Bandarra, umas das vozes que profetizou o regresso do rei) e trocar
também o mito judeu de Jesus pela realidade nacional de Sebastião. Após
desenhar na primeira parte da Mensagem a figura do rei, príncipe mártir, traído
pela sua ambição, mas o quinto mártir, e por isso ungido de sagrado significado
futuro, na segunda parte, as acções dos marinheiros aparecem como que por
obra e graça da intervenção divina, no que António Quadros denomina como
sendo uma visão providencial da história”, em que esta se dá a conhecer,
quando ainda oculta, no milagre, na revelação e no mito.  É a terceira parte já
totalmente destinada ao Encoberto, a El-Rei D. Sebastião feito já mito. No
primeiro dos símbolos, o rei morre mas é divinizado pela sua morte heróica. No
segundo símbolo Pessoa fala da sua visão do Quinto Império (remeto aqui para
as análises feitas já no fórum sobre este assunto). O advento do Quinto
Império, o Império do Espírito, encontra evidentes similitudes com a
ressurreição de Jesus Cristo, porque se espera o regresso de alguém feito
mito, depois do seu martírio e morte. No terceiro símbolo, D. Sebastião já é O
Desejado, caminho para a nova religião, Galaaz, ou o revelador do Santo Graal
escondido, que trará essa nova esperança a um povo perdido. O quarto
símbolo, sobre o qual me questiona no seu pedido, falando das Ilhas
Afortunadas, remete para o inconsciente, para fora do plano do mito, onde
apenas “esperanças infundadas e vagas” residem: “São ilhas afortunadas, são
terras sem ter lugar, Onde o Rei mora esperando, Mas, se vamos
despertando, Cala a voz, e há só o mar”. Ou seja, a esperança nas “ilhas
afortunadas”, onde um “rei mora esperando”, “se vamos despertando”, se
acordarmos de as sonhar, “cala a voz, e há só o mar”, cala-se a esperança e
resta o nada que é o sonho depois dele acordarmos. Finalmente, no quinto
símbolo, a “Religião do Encoberto” ocupa o lugar da religião cristã, sendo as
referências à rosa, referências herméticas à sociedade secreta dos rosa-
crucianos.
análise do poema "ulisses"

O poema "Ulisses" enquadra-se na primeira parte de Mensagem: Brasão. A primeira


parte, por sua vez, está encimada pela elocução latina Bellum sine bello (guerra sem
guerrear). Na primeira parte de Mensagem, Fernando Pessoa expressa a nobreza da
intenção.

Ulisses (em Grego Odisseu), foi uma das figuras míticas que chegaram ao nosso tempo
através dos dois grandes relatos de Homero: a Iliada e a Odisseia. A tradição posterior
coloca Ulisses como fundador de Lisboa. A raiz etimológica da palavra Lisboa vem da
palavra Ulissipo – ou cidade de Ulisses. Claro que Pessoa identifica aqui, como tanto
lhe agravada, a raiz do mito que conhece depois a realidade, ou seja, um mito que
apesar de ser nada é tudo. “O nada que é tudo” é uma expressão que acompanha Pessoa
na sua vida, porque ele próprio a determinado ponto deseja ser um mitologista, um
criador de mitos, porque via nisso uma alta missão.

A inclusão logo na primeira estrofe de uma referência cristã misturada com uma
referência pagã não é inocente. Como cristão gnóstico, Pessoa considerava Deus mais
como símbolo do que como objecto de fé, e um símbolo útil, um símbolo utilizável, se
quisermos, para reformar a sociedade dos seus tempos. Para os gnósticos, Cristo é o
logos, o intermediário racional entre o Deus e o homem, sobretudo símbolo e
mensageiro. Por isso se compreende que Pessoa consiga misturar Ulisses com referência
a um Deus cristão. Para ele, ambos são símbolo de algo maior, símbolos de um destino
a cumprir, que se seguiu à fundação de Lisboa.

A ambiguidade da segunda estrofe, que fala de “este, que aqui aportou” (Ulisses), “foi
por não ser existindo” (porque o mito existe não existindo), “não existindo nos bastou”
(porque o mito basta enquanto mito para criar algo mais do ele próprio), “por não ter
vindo foi vindo. E nos criou” (mesmo sabendo que ele poderá não ter existido, ele existe
não existindo e isso basta para criar, para basear a fundação da cidade).

Isso confirma-se na última estrofe: “”assim a lenda se escorre a entrar na realidade”. Ou


seja, o mito, a lenda, fecunda a realidade, gerando nela movimento e emoção que de
outro modo não existiria. O mito surge como criador, de uma realidade que sem ele
seria iminentemente estéril e infecunda: “em baixo, a vida, metade de nada, morre”.

O mito é assim a base de toda a nobreza, porque iniciador. Antes de Viriato, antes de
Afonso Henriques, antes de todos os homens reais, há o homem-mito, a raiz da qual flui
a energia do futuro, e da qual nasce o alimento para uma vida que sem ela seria pobre e
sem fruto”.
análise do poema "d. tareja"

O poema D. Tareja enquadra-se na primeira parte da Mensagem. É a parte onde Pessoa


apresenta “em termos heráldico-históricos e simbólicos, a proposta portuguesa ao
mundo”, usando as palavras do eminente Pessoano, António Quadros. D. Tareja mais
não é que a fonia medieva de D. Teresa, mãe de Afonso Henriques e por isso começo e
origem de Portugal, pelo menos simbolicamente.

A primeira quadra do poema diz-nos que cada nação é um “mundo a sós”, que todas
“são mistérios”. O mistério, para o ocultista, é apenas o destino ainda por ser, o destino
que espera ser cumprido no futuro e que por isso se vai necessariamente revelar. A “mãe
de reis e avó de impérios” é o começo do revelar desse “mistério”, desse destino por ser.
Cumpre-se nela o mistério no nascimento do nosso primeiro rei, efectivo instrumento e
agente do destino nas suas obras. D. Teresa de facto é mãe de reis – D. Afonso
Henriques – e avó de impérios – se entendermos que a partir de Afonso, a ideia de
Império se começaria a formar.

Na segunda quadra indica-se que D. Teresa amamentou com “seio augusto” – D. Teresa
era filha do rei de Leão e Castela D. Afonso VI – e com “bruta e natural certeza”, “o
que, imprevisto, Deus fadou”. A “bruta e natural certeza”, decerto é uma directa
referência à maneira como, depois de criar o futuro rei, este entrou em conflito com a
sua mãe, batalhando-a para o controlo do Condado Portucalense, em 1128. Imprevisto
era também o novo rei, porque vizinho de grandes potências, que iriam forçá-lo a lutar
sobremaneira para se afirmar no futuro, contra as maiores probabilidades do seu
fracasso do que do seu sucesso. Mas D. Afonso Henriques, “fadado por Deus”, não iria
vacilar.

A terceira quadra parece ser a mais simbólica e por isso de mais difícil interpretação.
Parece-nos no entanto claro que Pessoa, nas duas primeiras linhas, se refere aos actuais
governantes (actuais, claro dos anos de 1930 em Portugal). “Dê a tua prece outro
destino, a quem fadou o instinto teu!”: Tem de se ler esta passagem como: “que a tua
prece nos guie em melhor direcção, do que aquela que seguimos por ordem de quem
deu seguimento hodierno ao que tu iniciaste”. Critica social implícita, parece esta ser a
melhor interpretação para esta passagem. Tal como “o teu menino envelheceu” poderá
nada mais significar que a memória do rei primeiro, do impulso e da vontade de
independência e de orgulho se iam diluindo, sobretudo desde o triste episódio do mapa
cor-de-rosa com Inglaterra e o crescente diminuir do poder de Portugal no mundo, ainda
ultramarino, mas cada vez mais pobre e isolado, deitado a uma ditadura soturna, sem
indústria, sem riqueza e sem originalidade.

Veja-se que a ultima quadra confirma o que dissemos da terceira: “todo o vivo é eterno
infante”, ou seja, e mais coloquialmente: a esperança nunca deve ser perdida. Há dentro
do homem o poder regenerativo de alterar as coisas, fazer revoluções, voltar à origem
para melhorar, para ser maior do que pode ser. “infante” ou menino, “infante” ou
original. Pede Pessoa, a D. Teresa ou mesmo ao infinito, que de novo se crie esse
português ambicioso e original, movido pela vontade e pelo destino de ser maior do que
pode ser. O “antigo seio” lá está, “vigilante”, D. Teresa que deu luz ao primeiro rei, para
servir de modelo, de arquétipo sem vida, mas com mais do que apenas vida, já feito
símbolo, origem, nascente de toda a nobreza e coragem de superar as adversidades
papel do herói na "mensagem" e n'"os lusíadas"

Aconselho desde logo que, para compreender as diferenças entre a Mensagem e os


Lusíadas, leiam uma das análises já efectuadas, seguindo este link:
http://www.umfernandopessoa.com/análises/os-lusiadas-e-a-mensagem.htm

De seguida tentarei concretizar melhor a distinção que me pede. “Em ambas as obras há
uma visão missionária da história. D. Sebastião, n’Os Lusíadas, é um enviado de Deus
para o alargamento da cristandade, enquanto que na Mensagem, a história de Portugal
obedece a um destino maior do que os próprios destinos que a servem, o destino dos
heróis. É certo que ambos os poemas épicos são poemas da ausência – como indica
Jacinto Prado Coelho – porque cantam “o que foi” (Lusíadas) e o “que pode vir a ser”
(Mensagem). Nesse sentido, vemos que em Camões é mais forte o sentido viril, de
ímpeto de realizar, e em Pessoa é predominante o sentido simbólico, de revelar
mistérios. Sabemos que Camões foi um homem de acções e não só de palavras, porque
esteve no meio do que era então o Império, participando inclusive em batalhas para a
sua protecção. É evidente que Camões tem mais uma visão clássica do herói, visão
Grega, Homérica, de Ulisses, em que o homem parte para o risco, para a aventura,
enquanto a mulher, em lágrimas, desespera sozinha na saudade. Embora em Pessoa se
leiam alguns episódios desta “visão viril” (lembramo-nos da célebre passagem “Ó mar
salgado, quanto do teu sal são lágrimas…”), esse é apenas parcial e não pode ser
considerada como o objectivo do poema. Por outro lado, Camões, que vê o Império
ainda vivo, naturalmente pode ter esperança, e é natural que nele encontre forças para
exaltar ainda os heróis para a acção, que tente o bravo esforço, mesmo que irreal. Pessoa
já não tem esperança no Império Material, no Império feito de terras e ouro, mas espera
no futuro um Império Espiritual, de cultura e almas, que contém em si heróis de estirpe
diferente, homens de outra vontade e erudição.

Em Camões, está no mesmo plano a memória e a esperança. Em Pessoa não, porque a


esperança se tornou utopia. Daqui uma concepção diferente de heroísmo. “Pessoa
identifica-se com os heróis da Mensagem, ou neles se desdobra num processo lírico-
dramático” (Prado Coelho). A exaltação do amor pela pátria não é real, mas metafísico,
sublimado, sem consistência de alguma vez poder ser atingido como antigamente, pela
posse física. Apenas uma “loucura consciente”, uma busca por entre a sombra e o
nevoeiro que são os mitos e os mistérios, se poderá começar a adivinhar o que ele é. Isto
porque para Pessoa o Império já aconteceu e a conclusão foi que fomos vencidos pela
ambição, derrotados pelo desejo de possuir. Tudo isto nos revela uma Mensagem
essencialmente cerebral, enquanto Os Lusíadas são emocionais. Pessoa filtra por mil
filtros os elementos épicos, que nos Lusíadas são iluminados como nas grandes
tragédias clássicas, tendo para eles reservado um elemento passivo e alegórico. Se os
heróis de Camões se guiam pela bravura, pela missão de fé, pelo risco e pela aventura,
os heróis de Pessoa são sombrios no seu destino aziago, conscientes da derrota de ter e
perder, soturnos na viagem para revelar um Império já diferente, um Império Imaterial.

 Se Pessoa reduz a Mensagem a pensamento, Camões eleva Os Lusíadas a exaltação. As


personagens, os heróis são símbolos, espectros na obra de Pessoa, e são carne viva,
iluminuras quase sem vontade própria nos Lusíadas. Sabemos que Pessoa censurava a
Camões a falta de um pensamento, mas ele acabou por fazer de Mensagem só
pensamento, sem emoção. Em Mensagem os “indivíduos apagam-se em favor de um
ente metafísico que é Portugal” (Prado Coelho). Enquanto Camões faz uma descrição
laudatória, Pessoa transforma o herói, a personagem, num momento de uma história e
destinos maiores, já não só um, mas um entre muitos, uma peça de uma engrenagem
definida, construída em mistério, é certo, mas construída para assim funcionar, mesmo
antes de existir. Um exemplo claro em D. Dinis. Para Camões é o pacifico rei que funda
a universidade e renova o pais, para Pessoa ele planta o Pinhal de Leiria, do qual se
constroem as naus ainda por ser – é a realidade brutal que se opõe ao simbolismo puro.

É certo que por vezes Pessoa dá réplica a Camões. Na segunda parte da Mensagem,
momentos épicos de exaltação contrapõe-se com sucesso aos versos de Camões.
Respira-se aqui um momento épico, e também um momento igual de reflexão trágico-
marítima, que as lágrimas são o reverso da empresa da descoberta, seja ela física ou
espiritual.

Mas em essência os heróis da Mensagem têm uma “atitude contemplativa e expectante”,


porque o Império já se cumpriu e agora resta a busca de uma “Índia que não há”. É,
diga-se um duro e inesperado golpe, pelo menos para todos aqueles que procuram e
pretendem achar. A Mensagem, ocultista, aponta a utopia, que em verdade nunca se
cumpre e sempre permanece um horizonte. Em contraste com o realismo de Os
Lusíadas, o elogio do herói na Mensagem é obscuro e simbólico. Redunda num –
usando palavras de Prado Coelho – “elogio da loucura”, ao menos a loucura saudável, a
loucura que nos salva de só viver sem pensar. Imensamente optimistas são ambas as
obras, mas nelas, uma grande sombra domina, como nuvem escura de tempestade. N’Os
Lusíadas, o medo de perder, n’A Mensagem o medo de conquistar

análise do poema "infante"

O poema “Infante” enquadra-se na segunda parte de A Mensagem, consagrada ao tema


Possessio Maris, ou seja, a posse do mar.

O título do poema, “Infante”, poderia estar a referir-se ao Infante D. Henrique, mas


parece-nos que a referência, puramente simbólica, é ao nascimento, ou pelo menos ao
começo de algo, à juventude. Além do mais, Pessoa já se referia ao “outro infante”, na
primeira parte da Mensagem. É o “Infante”, por isso mesmo, o relato de como tudo
começa, do início da obra. Note-se que aqui “obra”, deve ser entendida no sentido
estrito da palavra, como acção, bem como no sentido lato e ocultista, como processo
alquímico, que compreende diversos passos até ao seu final. Se por um lado Pessoa se
refere ao inicio da aventura marítima, ele não se refere apenas a isso, pois esse mesmo
inicio, se bem que é apenas um episódio, é, pelo menos para ele, simbólico de um
processo muito maior, de um Destino feito história de Portugal.

Talvez Pessoa se refira mesmo ao nascimento do Império, pois ele diz, no fim da
primeira quadra: “Sagrou-te e foste desvendando a espuma”: Mas é certo que o
princípio do poema nos diz que Portugal, ao construir o Império, é movido como
instrumento de uma vontade maior. É “Deus que quer”, não o homem. É a vontade de
Deus, ou se quisermos o Destino, que guia as acções dos marinheiros e dos estrategas.
Foi Deus também que quis que a Terra finalmente fosse uma, tanto porque foi um
Português que primeiro a navegou por inteiro – Fernão de Magalhães, bem como
portugueses a uniram descobrindo novos continentes. De facto o descobrimento do
Brasil (descobrimento e não descoberta, como hoje se entende, ou talvez mesmo
achamento, como dizem os brasileiros, pois a terra já lá estava e era habitada), une pelo
mar a velha Europa à novíssima América de Colombo. Sagrado Infante, o Império podia
crescer, ser Rei.

De facto na quadra seguinte se observa a descrição do crescimento do Império. A “orla


branca” da espuma é revolta de “ilha em continente”, pelas naus nacionais. Até que
finalmente, viagem cumprida a Terra fosse “de repente redonda”, porque finalmente
totalmente percorrida pelos olhos humanos.

A última quadra, mais soturna, adianta a morte ao próprio Infante. Note-se a ironia
subjacente, que na história ainda curta que era do Império já Pessoa lhe desenhe a
morte, fale no seu final. Porque em verdade, o Império morreu mesmo antes de se
cumprir, morreu Infante, porque nunca se poderia cumprir como coisa material. Pessoa
defende um Império Maior, um Império Espiritual, verdadeiro Império, se quisermos.
Por isso este Império ficou Infante, por se cumprir, à espera que se cumpra o Império
Espiritual que será, esse sim, eterno. “Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez”, diz
Pessoa. Era esta a primeira missão cometida por Deus a Portugal, desvendar o mundo, e
ela chegou ao seu termo. Mas falta ainda tudo. Falta “cumprir-se Portugal”. Sabemos
que Portugal era para Pessoa mais do que apenas a terra que se define dentro dos limites
da fronteira, que Portugal para ele era língua, cultura, espírito e alma. Se ele diz que
falta cumprir-se Portugal, ele quer dizer que falta cumprir-se o destino glorioso (e
imaterial) da alma, já que se desfez o destino material do corpo.

De facto é só na terceira parte d'A Mensagem que esse destino maior se desenha em
mais fino pormenor. Encimado pela elocução latina Valete Frates, esta terceira parte
anuncia-nos um projecto de paz universal, fraternal, para a humanidade. Mas não um
plano filosófico ou político, antes um plano espiritual e simbólico, que se vai revelar
lentamente dentro de cada homem, de cada alma. Fraternidade achada na semelhança
com Deus, é certo, mas também com a alma portuguesa, com a alma do verdadeiro povo
escolhido, que ao contrário dos Judeus teve o seu mártir morto em guerra por Deus e
Nação
o poema "horizonte" e o canto ix d'os lusíadas

O poema “Horizonte” encontra-se na segunda parte de Mensagem, que tem o título de


“Mar Português”. Pretende Fernando Pessoa, nesta segunda parte, falar da história dos
Descobrimentos, de como a nobreza que ele descreveu na primeira parte (“Brasão”)
agiu agora e como os seus actos tiveram importância, mas não esgotaram essa mesma
nobreza. Pessoa – nas palavras de Agostinho da Silva em Um Fernando Pessoa – conta
agora uma história em “Mar Português”, mas avisa desde logo no poema “Infante” que
essa história não é a história de Portugal, mas “o seu interrompido prólogo”. 

“Horizonte” enquadra-se nesse “contar da história”. Neste poema de grande lirismo e


beleza, Pessoa descreve o encantamento dos navegadores quando, ao aproximarem-se
de desconhecidas costas, tornavam concreto o que antes era apenas abstracto (mistério).
O descobrimento como revelação, segue o tema geral de Mensagem, que é uma obra
eminentemente intelectual, ocultista, simbólica. Em verdade, os navegadores não
poderiam revelar conscientemente, porque não eram – crê-se – habilitados para tal, pois
não eram “iniciados” nas artes ocultas que Pessoa tão bem domina. Se revelam, é então
porque uma vontade superior os leva a tal e lhes controla o Destino. É caso para dizer
que enquanto o iniciado compreende, o não iniciado cumpre. 

Confirma-se o que dissemos numa análise mais próxima do poema. “Ò mar anterior a
nós” (os descobridores), “teus medos tinham coral (…)” mas “desvendadas a noite (…)
as tempestades passadas e o mistério” (o desconhecido) “abria em flor o Longe” (o
conhecimento) e o “Sul-sidério (re)splendia sobre as naus da iniciação”. De uma
maneira mais ou menos hermética e fechada, o que Pessoa nos diz é: O mar anterior, o
mar a que se referiam aqueles que o temiam por desconhecimento e medo, foi
desvendado, tiraram-lhe a noite (o escuro representa o medo e o desconhecido), e,
passando pelas dificuldades do caminho, revelou-se enfim o seu mistério. Abriu-se esse
conhecimento quando para Sul as naus dos iniciados (involuntários, mas iniciados)
viajaram. 

Lendo a segunda estrofe, há uma insistência no mesmo tema. “Linha severa da


longínqua costa (…) ergue-se a encosta (…) onde era só, de longe abstracta linha”. O
abstracto torna-se concreto, com a revelação do mistério.

Toda a descrição se realiza em pleno na terceira estrofe onde Pessoa, aproveitando o


balanço do raciocínio anterior, chega à conclusão que pode equiparar o sonho a ver
essas “formas invisíveis da distância imprecisa” (a linha distante da costa) e “buscar na
linha fria do horizonte a árvore, a praia (…) os beijos merecidos da Verdade”. A
metáfora do sonho é de facto perfeita e o efeito poético pleno de oportunidade e
equilíbrio. Mas temos de nos lembrar que se “os navegadores sonharam”, foi “Deus
quem quis” (do poema “Infante”).

O resumo de tudo isto dá-nos Dalila Pereira da Costa na sua obra O Esoterismo em
Fernando Pessoa, Lello & Irmão Editores, página 180: “assim como a aventura
espiritual do poeta seria um poema de iniciação, assim a foi a da sua pátria: as
Descobertas. (…) Esta procura, estas preambulações através dum mar absoluto, são
sempre em busca da verdade: num périplo iniciático, se obterá a sua possessão, por a
desvendar num mistério. O navegante surge como um futuro iniciado: aquele que
receberá a revelação, o que conhecerá e participará dum mistério. (…) Uma busca de
gnóstico, onde a salvação se fará só através do conhecimento, da possessão da
verdade. E é o fulgor da gnose, essa luz que resplendia nesse mar”.

O Canto IX dos Lusíadas, conta do regresso dos Portuguesas da Índia, onde pelo
caminho encontram a «Ilha dos Amores». A Ilha aparece como uma recompensa, mas
também como símbolo de o povo Português de ter tornado, pelos seus feitos, igual aos
deuses que agora os homenageiam de modo tão inesperado. A comparação possível
entre este Canto IX e o poema “Horizonte” é a oposição quase total entre o que Camões
considera a “Recompensa” e Pessoa considera a “Verdade”. Camões idealiza uma
recompensa para os sentidos, um festim material, enquanto Pessoa quer algo mais alto e
frio – a verdade do conhecimento oculto.

análise de duas frases sobre a "mensagem"

As duas frases são:

"Camões e Pessoa são como irmãos gémeos: distinguem-se pela roupagem que vestem,
mas assemelham-se pelo amor a uma Pátria que não existe ou existe no Sonho"

"As lágrimas das mães, das noivas e dos filhos são “lágrimas de Portugal” – o sangue
que alimentou as células de um povo que conquistou o mar e se perdeu"

--

Quanto à primeira frase cabe dizer:

"A frase que me envia pode ser analisada de diversas perspectivas. De facto Camões e
Pessoa escrevem sobre uma realidade que imaginam, e por isso não são cronistas,
historiadores, mas sim poetas. A poesia é uma linguagem especial, que muitas das
vezes, para explicar a realidade, tem de a superar, tornar-se mais alta do ela. Se de facto
tanto os Lusíadas como a Mensagem falam sobre os descobrimentos portugueses, são
duas obras muito diferentes, porque eram diferentes os homens que as escreveram.
Camões e Pessoa são semelhantes no patriotismo, no nacionalismo, na exaltação das
capacidades dos portugueses, dos nossos feitos e aventuras. Camões e Pessoa são
diferentes - em essência e aqui eu discordo com o que a frase diz de eles só terem
roupagem diferente - porque Camões escreve quando ainda há um Império e Pessoa
escreve quando o Império já é uma memória distante. No entanto ambos escrevem em
tempo de decadência - no tempo de Camões o Império português começava a decair e a
ser ameaçado por outras potências marítimas e no tempo de Pessoa havia uma grande
crise politica e de valores na sociedade portuguesa, ainda não restabelecida da afronta
do episódio do mapa cor-de-rosa com Inglaterra. Julgo que há tantas coisas que
aproximam os dois poetas como coisas que os afastam. Camões era lírico, formal,
emotivo, Pessoa era moderno, lógico, racional. Mas se tiver interesse leia mais seguindo
este link: http://omj.no.sapo.pt/forum.htm#Mensagem%20de:%20Ricardo "

Quanto à segunda frase cabe dizer:

"A frase que envia refere-se a um poema da Mensagem, intitulado "Mar Português". É o
décimo poema da segunda parte da Mensagem. A segunda parte da Mensagem é escrita
sob o tema "possesio maris", ou seja, "a posse do mar". Ora com o décimo poema dessa
segunda parte, Pessoa fala já do fim da posse do mar, de como no fim da conquista dos
oceanos, se pode resumir a epopeia marítima portuguesa. Ele resume-a dizendo na
primeira estrofe do poema citado: "Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de
Portugal! / Por te cruzarmos, quantas mães choraram, / Quantos filhos em vão
rezaram! / Quantas noivas ficaram por casar / Para que fosses nosso, ó mar!". Como diz
a frase que envia, este sofrimento, este "sangue" alimentou a epopeia marítima, a
aventura. Foi à custa do sofrer das mães, irmãos e pais, que se fez a conquista. Depois
de tudo se ter perdido, do Império ter acabado, pergunta Pessoa se tudo aquilo valeu a
pena, se valeu a pena tanto sofrimento, quando no fim ficámos sem nada de nosso.
Pessoa defende que sim, "que tudo vale a pena se alma não é pequena". No entanto note
que o povo não se perdeu, como diz a frase que envia. O que se perdeu foi o Império
marítimo que o povo conquistou. Se o povo se perdeu, foi apenas metaforicamente:
perdeu o seu sentido de vida, perdeu o rumo e o destino, ficou perdido na saudade

poema "nevoeiro" e final dos lusíadas

Comentar o poema, tendo em conta:

O título; a definição/ indefinição de Portugal no presente; a crise dse identidade de


Portugal; o sentido da expressão paradoxal entre parêntesis; a exortação profética para a
mudança; o contraste entre o presente " hoje és nevoeiro" e o passado; "beijos
merecidos da Verdade" (poema "Horizonte"); recursos estilísticos que melhor
contribuem para a expressividade do poema.

Para além disto, gostava que me estabelecesse um paralelismo entre este final da
Mensagem e o final de Os Lusíadas. Comparar os dois  textos no que diz respeito a:
caracterização da situação da pátria; desânimo/alento do sujeito poético face a essa
situação; apelo final

“O poema “Nevoeiro” é o último poema da Mensagem. Enquadra-se na terceira parte do


livro, dedicada ao Encoberto.

O título do poema vem no seguimento dos outros poemas da secção “Os Tempos”. Ao
longo desta série de cinco poemas Pessoa descreve, metaforicamente, desde um passado
remoto a um futuro ainda sem data, a evolução de Portugal. Como bem se compreende,
o titulo deste último poema pretende comunicar um misto de indefinição e de segredo.
“Nevoeiro” é uma substância mutável, que esconde como um véu uma outra realidade,
que a surgir, apenas surge quando afastado esse véu.

Pessoa considera Portugal num estado letárgico, indefinido, como um manto de


nevoeiro. Por isso ele diz “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, / Define com perfil e
ser / Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer –“. É a tal “crise de
identidade” que refere na sua pergunta. É uma crise tão profunda, tão sedimentada, que
não haverá nenhuma mudança pelo governo dos homens. Nem a guerra – mudança das
mudanças – poderá demover Portugal do seu triste estado.

Como um “brilho sem luz”, Portugal vive, mas é uma vida triste e inconsequente, sem
destino.

A segunda estrofe confirma o que foi dito na primeira. Depois de desenhar o perfil
psicológico macroscópico, Pessoa passa ao nível microscópico – das almas individuais.
São elas que não sabem o que querem, nem tão pouco se conhecem, inevitavelmente
caindo num decadente vazio moral. Como o país, os seus habitantes partilham do
mesmo destino, são porções ínfimas que constituem o “Nevoeiro” que se vê mais do
alto.

A expressão entre parênteses é, na minha opinião, o momento de viragem do poema.


Embora ele seja em essência triste, neste momento começa a exortação à mudança. Isto
porque a descrição que Pessoa faz é positiva, mesmo que use de negatividade para
enfatizar o seu discurso. Por isso este parênteses exactamente no meio da segunda
estrofe – como uma quebra da negatividade e começo da exortação à mudança, a
melhores tempos. António Cirurgião (in O olhar esfíngico da Mensagem) diz-nos que
há aqui uma inteligente simultaneidade, reiterando o poeta o que disse no poema
“Calma” sobre uma ilha próxima e distante. Fá-lo para nos fazer acreditar na mudança,
mesmo que paradoxal ela é possível. Ele dirá como.

Esse como é a profecia. Não é só Portugal que é nevoeiro, tudo é nevoeiro – diz-nos o
poeta. O mesmo é dizer que em tudo há mistério e possibilidade de mudança. Se a
indefinição é má, é positiva do ponto de vista de ser maleável, fonte de todas as
mudanças futuras.

Nesta perspectiva o passado não é mais do que uma ponte para o futuro. Os grandes
triunfos no mar, as conquistas materiais, tiveram o seu tempo e existiram para serem
passageiras, foram uma lição de humildade. A recompensa não é da terra, é dos céus e
deve nos céus ser procurada. Senão as conquistas não teriam feito do país “Nevoeiro”.

Poema velado, de grande intensidade dramática – embora sub-reptícia, “Nevoeiro”


apresenta os seguintes recursos estilísticos relevantes: uso de uma anáfora e de uma
antítese, catorze versos octossilábicos distribuídos por uma sextilha uma séptima e um
verso isolado de três sílabas, antropomorfização de Portugal com o uso de metáforas e
símiles (versos 3 e 4 da 1.ª estrofe), uso de um sistema de redundantes negativas que
enfatizam o estado de nevoeiro do país, uso do verso solto que leva a uma epifania final,
exortação.

Os Lusíadas terminam de forma muito diferente da Mensagem e simultaneamente de


forma similar. Explicamos. Camões e Pessoa exortam. Camões exorta um rei vivo às
conquistas ainda possíveis, embora se adivinha já o fim do Império. Pessoa já não tem
Império em que ter esperança e a sua exortação é necessariamente interior, espiritual. O
que é parecido em ambos é a esperança positiva na mudança – não há um fatalismo
triste, como se costuma julgar. Ambos esperam a mudança para melhor, acreditam num
futuro melhor. A “apagada e vil tristeza” de Camões, o “fulgor baço da terra” de Pessoa,
são maneiras semelhantes de caracterizar o presente do país – agora como então. Ambos
estão desapontados com a realidade e querem a mudança – um pela guerra, o outro pela
irmandade. Aí reside talvez a principal diferença entre ambos.
poema "nevoeiro" e final dos lusíadas

Comentar o poema, tendo em conta:

O título; a definição/ indefinição de Portugal no presente; a crise dse identidade de


Portugal; o sentido da expressão paradoxal entre parêntesis; a exortação profética para a
mudança; o contraste entre o presente " hoje és nevoeiro" e o passado; "beijos
merecidos da Verdade" (poema "Horizonte"); recursos estilísticos que melhor
contribuem para a expressividade do poema.

Para além disto, gostava que me estabelecesse um paralelismo entre este final da
Mensagem e o final de Os Lusíadas. Comparar os dois  textos no que diz respeito a:
caracterização da situação da pátria; desânimo/alento do sujeito poético face a essa
situação; apelo final

“O poema “Nevoeiro” é o último poema da Mensagem. Enquadra-se na terceira parte do


livro, dedicada ao Encoberto.

O título do poema vem no seguimento dos outros poemas da secção “Os Tempos”. Ao
longo desta série de cinco poemas Pessoa descreve, metaforicamente, desde um passado
remoto a um futuro ainda sem data, a evolução de Portugal. Como bem se compreende,
o titulo deste último poema pretende comunicar um misto de indefinição e de segredo.
“Nevoeiro” é uma substância mutável, que esconde como um véu uma outra realidade,
que a surgir, apenas surge quando afastado esse véu.

Pessoa considera Portugal num estado letárgico, indefinido, como um manto de


nevoeiro. Por isso ele diz “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, / Define com perfil e
ser / Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer –“. É a tal “crise de
identidade” que refere na sua pergunta. É uma crise tão profunda, tão sedimentada, que
não haverá nenhuma mudança pelo governo dos homens. Nem a guerra – mudança das
mudanças – poderá demover Portugal do seu triste estado.

Como um “brilho sem luz”, Portugal vive, mas é uma vida triste e inconsequente, sem
destino.

A segunda estrofe confirma o que foi dito na primeira. Depois de desenhar o perfil
psicológico macroscópico, Pessoa passa ao nível microscópico – das almas individuais.
São elas que não sabem o que querem, nem tão pouco se conhecem, inevitavelmente
caindo num decadente vazio moral. Como o país, os seus habitantes partilham do
mesmo destino, são porções ínfimas que constituem o “Nevoeiro” que se vê mais do
alto.

A expressão entre parênteses é, na minha opinião, o momento de viragem do poema.


Embora ele seja em essência triste, neste momento começa a exortação à mudança. Isto
porque a descrição que Pessoa faz é positiva, mesmo que use de negatividade para
enfatizar o seu discurso. Por isso este parênteses exactamente no meio da segunda
estrofe – como uma quebra da negatividade e começo da exortação à mudança, a
melhores tempos. António Cirurgião (in O olhar esfíngico da Mensagem) diz-nos que
há aqui uma inteligente simultaneidade, reiterando o poeta o que disse no poema
“Calma” sobre uma ilha próxima e distante. Fá-lo para nos fazer acreditar na mudança,
mesmo que paradoxal ela é possível. Ele dirá como.

Esse como é a profecia. Não é só Portugal que é nevoeiro, tudo é nevoeiro – diz-nos o
poeta. O mesmo é dizer que em tudo há mistério e possibilidade de mudança. Se a
indefinição é má, é positiva do ponto de vista de ser maleável, fonte de todas as
mudanças futuras.

Nesta perspectiva o passado não é mais do que uma ponte para o futuro. Os grandes
triunfos no mar, as conquistas materiais, tiveram o seu tempo e existiram para serem
passageiras, foram uma lição de humildade. A recompensa não é da terra, é dos céus e
deve nos céus ser procurada. Senão as conquistas não teriam feito do país “Nevoeiro”.

Poema velado, de grande intensidade dramática – embora sub-reptícia, “Nevoeiro”


apresenta os seguintes recursos estilísticos relevantes: uso de uma anáfora e de uma
antítese, catorze versos octossilábicos distribuídos por uma sextilha uma séptima e um
verso isolado de três sílabas, antropomorfização de Portugal com o uso de metáforas e
símiles (versos 3 e 4 da 1.ª estrofe), uso de um sistema de redundantes negativas que
enfatizam o estado de nevoeiro do país, uso do verso solto que leva a uma epifania final,
exortação.

Os Lusíadas terminam de forma muito diferente da Mensagem e simultaneamente de


forma similar. Explicamos. Camões e Pessoa exortam. Camões exorta um rei vivo às
conquistas ainda possíveis, embora se adivinha já o fim do Império. Pessoa já não tem
Império em que ter esperança e a sua exortação é necessariamente interior, espiritual. O
que é parecido em ambos é a esperança positiva na mudança – não há um fatalismo
triste, como se costuma julgar. Ambos esperam a mudança para melhor, acreditam num
futuro melhor. A “apagada e vil tristeza” de Camões, o “fulgor baço da terra” de Pessoa,
são maneiras semelhantes de caracterizar o presente do país – agora como então. Ambos
estão desapontados com a realidade e querem a mudança – um pela guerra, o outro pela
irmandade. Aí reside talvez a principal diferença entre ambos.

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