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Semelhanças entre a Mensagem e os Lusíadas. Parece simples dizer que são ambas
semelhantes em propósito, como obras de exaltação nacional, mas essa simplicidade
esconde – se quisermos procurar é claro – uma complexidade imensa.
António Quadros, um estudioso de Pessoa diz da Mensagem que esta é um “poema
nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética dos Lusíadas (Fernando Pessoa,
Vida, Personalidade e Génio, p. 249, Publi.. D. Quixote). Será assim? O próprio
Quadros mais à frente vai assumir que na realidade o que poderá ser confundido com
nacionalismo, com exaltação dos valores do que constituiria a alma nacional
portuguesa, acaba por não constituir o tema principal da obra de Pessoa.
Prado Coelho conclui de maneira lapidar a sua análise, no estudo já referido: “Em
contraste com o realismo d’Os Lusíadas (…) a Mensagem reage pela altiva rejeição a
um «Real» oco, absurdo, intolerável, propondo-nos em seu lugar a única coisa que vale
a pena: o imaginário” (p. 315). “Sem a loucura que é o homem mais que a besta sadia,
cadáver adiado que procria?” (Mensagem).
Sobre a Mensagem de Pessoa
Por detrás de um grande projecto, há sempre, quer queiramos quer não, uma grande ambição.
A Mensagem é um destes casos. Antes de falarmos da sua estrutura poética, deveremos falar
sua “super-estrutura funcional”. Ou seja, devemos esclarecer os motivos de Pessoa, quando a
quis escrever.
Mensagem é um livro que projecta as ambições de Pessoa, numa análise mais a frio do que
seria um Império Eterno, depois do Império Terreno que Portugal tinha construido e perdido
para a corrupção que permeia todas as coisas materiais. O reino da paz, segundo Pessoa,
surgiria apenas depois da conversão de cada homem, da sua transformação interior, como diz
e bem Agostinho da Silva em Um Fernando Pessoa. De facto Mensagem é um livro talvez mais
importante do que os Lusíadas, porque se menos eloquoente é mais simbólico, falando ao
interior e não tanto ao exterior. Mensagem é uma obra de análise profunda do passado e deo
futuro, mas nunca do presente, e isso é um ponto essencial quando a lemos.
O poema está dividido em três partes: Brasão, Mar Português e O Encoberto. Qual a razão
desta divisão? Já lá iremos. Antes disso é preciso esclarecer que o livro esta profusamente
imerso em simbolismo rosa-cruciano e templário, é o próprio Pessoa que o diz num texto que
escreve a propósito de Mensagem, após ter sido premiado pelo Secretariado de Propaganda
Nacional. Isto quer dizer principalmente uma coisa: é um texto de fraternidade e de paz,
porque a paz é um conceito que permeia todas as ideias rosa-crucianas e templárias. Avesso a
noções ditas socialistas, Pessoa, considera-se um liberal de formação, pelo que coloca como
pilares a serem respeitadas: o individuo, a nação e a humanidade. Isto apenas para esclarecer
como Pessoa pode ser um maçon – mesmo se apenas em teoria – e escrever um livro de teor
tão aparentemente nacionalista.
Quanto á divisão do livro há que dizer o seguinte: O Brasão, como primeira parte, representa
em simbolo a nobreza na sua essência. Essa nobreza age no passado na segunda parte, O Mar
Português e no futuro na terceira, O Encoberto. Três elocuções em latim acompanham cada
parte, no seu inicio. Bellum sine bello para a primeira: ou seja, Guerra sem Guerrear, potência
sem acto, como diz Agostinho da Silva, ou seja a parte que se mantém sempre eterna, como
nobreza e carácter. Possesio Maris para a segunda, ou seja, a nobreza que toma e possui com
um acto, mas que com esse acto não se esgota minimamente – apenas é uma posse do mar, o
ter e não o ser. É na terceira parte, na Pax in Excelsis, paz nas alturas, em que o homem se
ultrapassa finalmente a si mesmo e se realiza plenamente no que sempre foi.
O Brasão, representa a luta (Os Campos) pelo sangue de cristo, ou as chagas (As Quinas).
Fundando é certo a luta na convicção da importância do mito – porque é com Ulisses que
Pessoa inicia Os Castelos, como que dizendo que as coisas morrem e essência em mito se
renova, renasce. As quinas representam, em cada chaga, um mártir. Estes mártires como que
dizem que foi incorporado no selo nacional o próprio sofrimento de Cristo em gente sua, seus
governantes.
O sofrimento, que pode ser comparado á vontade de Deus emanada no sonho dos homens em
conquistar – O Mar Português - revela-se numa história que não esgota um povo, embora o
defina. O que de magistral se acha na quimera dos Descobrimentos, enfim, é a realização do
que vale a pena é a busca e que o mar permanece sempre igual, ou seja, se pode ser possuido,
não pode ser incorporado nos homens. Um povo que descobriu na tristeza pós-
Descobrimentos que as riquezas apenas nos indicam um novo horizonte mais distante.
Completo o Império Material – o das Indias, de África e do Brasil, resta ainda e sobretudo o
Império Espiritual, o Quinto Império. Esse tempo do Encoberto, anuncia-se pelos simbolos e
pelos avisos, usados mais como confirmação do que já se tinha dito antes, do que
propriamente como novidade inesperada para o futuro de um povo escolhido. Houve já o
desencantamento com o ouro e com as pedras preciosas, o desencantamento com o que de
sólido o mundo tem a oferecer ás mãos gananciosas dos homens. A saudade do português,
será não tanto de regresso a esses tempos de posse, mas antes o regresso a um tempo que,
anunciado ainda não se realizou. É uma saudade do futuro, como bem se lê por exemplo em
António Vieira – relembre-se que ele escreve A História do Futuro, há que compreender como
o futuro aqui se entrelaça com o passado e vice-versa.
De intuito regenerador de consciências, Mensagem não achou, porventura, ainda o seu tempo
ideal para florescer. Ou talvez esse tempo não exista, ou se pretenda inexistente porque
tempo feito da oportunidade em cada um de nós. Seja como for, é uma obra tão simples
quanto complexa, como todas as coisas verdadeiramente importantes. Para a entendermos,
teremos obviamente de nos tornarmos como ela, de sermos portugueses no seu
sebastianismo, portugueses na sua simbologia oculta.
o sebastianismo na mensagem
Quase que pretendendo estabelecer os cânones de uma religião nacional – era de facto
um dos seus objectivos – Pessoa escapeliza o mito em todos os seus aspectos. Deste
modo se explica a análise paralela do papel de D. Sebastião do ponto de vista
astrológico e mesmo ocultista – relembre-se a análise das Trovas de Bandarra e de
Nostradamus que Pessoa efectua, tentando o enquadramento profético rigoroso. Para
Pessoa, seria possivel basear uma fé na figura tornada mito do Rei desaparecido, porque
Portugal se identificara perfeitamente com o drama desse desaparecimento. Portugal
uma vez grande, que na juventude (desde a independencia nacional com a conquista dos
Algarves á primeira batalha em Marrocos passam menos de 200 anos) qual rei-menino
se aventura na guerra, fazendo da sua própria vida um lema de honra e nobreza em
nome de valores mais altos que os humanos. O Rei (a Nação) que se perde na noite
(decadência) renascerá na manhã de nevoeiro (renascimento ainda com resticios de
morte). Identificando o regresso do Rei, a segunda vinda, ás vezes com figuras reais –
D. João IV, ou mais intensamente Sidónio Pais – não deixa de o associar com um
esquema maior das coisas, um renascimento espiritual em grande escala, onde Portugal
seria de novo líder, porque primeiro império maritimo universal caido.
O Poeta que anunciara o Super-Camões nas suas primeiras aventuras na escrita, chegou
a pensar que poderia ser ele próprio o regresso da esperança. Não um Rei-Filósofo
como queria Platão para a sua república, mas um Rei-Poeta, que não lideraria com a
razão, mas com um entendimento profundo do psiquismo nacional. Mas no fim seria
fraco demais para um trabalho tão imenso. A Mensagem acabou por ficar como obra da
mente que pretendia a agitar os corpos, insinuando que o regresso do Rei era demasiado
poderoso para ser assumido por um só homem, mas não por todos os homens, no seu
coração.
A História do Futuro, do Padre António Vieira foi uma obra destinada a explanar como
Portugal seria a fonte de onde nasceria o Quinto Império e de como esse Quinto Império
seria um Império não de terras, mas um Império Espiritual. O titulo, explica-se se
atentar que o autor pretendia ir buscar so passado o futuro inevitável da raça lusitana -
de feitos passados se ergue um futuro por nascer ergo uma História do Futuro.
Para quem tiver maior interesse neste tema, aconselho a leitura das obras de António
Quadros: Fernando Pessoa, Vida, Personalidade, e Génio; Poesia e Filosofia do Mito
Sebastianista.
Como bem indica esta pessoana de renome, o poema «Mar Português» surge
na continuação do que é a Mensagem. No entanto, e se tal for possível, é
ainda mais hermético do que aquela, porque se na Mensagem se invoca o Mar
Português ainda físico da conquista e depois lentamente transcendental do
espírito, no poema «Mar Português» a invocação é já plenamente
transcendental, focada na importância da obra do próprio Fernando Pessoa
num futuro renascer da alma nacional.
Identificam-se temas comuns entre este poema e a Mensagem.
Nomeadamente a referência ao mar simultaneamente espelho e abismo, onde
a alma se perde no sonho e depois do sonho se reflecte num projecto de futuro
esplendoroso porque plenamente espiritual e desligado da terra.
Há o reconhecimento que nada mais há a buscar no mar físico, mas que resta
a exploração do mar espiritual, onde Pessoa quer ser empossado argonauta,
porque é através da poesia, da linguagem do inefável, que se podem descobrir
os mistério da alma e da vida, escondidos à visão normal dos homens.
Ulisses (em Grego Odisseu), foi uma das figuras míticas que chegaram ao nosso tempo
através dos dois grandes relatos de Homero: a Iliada e a Odisseia. A tradição posterior
coloca Ulisses como fundador de Lisboa. A raiz etimológica da palavra Lisboa vem da
palavra Ulissipo – ou cidade de Ulisses. Claro que Pessoa identifica aqui, como tanto
lhe agravada, a raiz do mito que conhece depois a realidade, ou seja, um mito que
apesar de ser nada é tudo. “O nada que é tudo” é uma expressão que acompanha Pessoa
na sua vida, porque ele próprio a determinado ponto deseja ser um mitologista, um
criador de mitos, porque via nisso uma alta missão.
A inclusão logo na primeira estrofe de uma referência cristã misturada com uma
referência pagã não é inocente. Como cristão gnóstico, Pessoa considerava Deus mais
como símbolo do que como objecto de fé, e um símbolo útil, um símbolo utilizável, se
quisermos, para reformar a sociedade dos seus tempos. Para os gnósticos, Cristo é o
logos, o intermediário racional entre o Deus e o homem, sobretudo símbolo e
mensageiro. Por isso se compreende que Pessoa consiga misturar Ulisses com referência
a um Deus cristão. Para ele, ambos são símbolo de algo maior, símbolos de um destino
a cumprir, que se seguiu à fundação de Lisboa.
A ambiguidade da segunda estrofe, que fala de “este, que aqui aportou” (Ulisses), “foi
por não ser existindo” (porque o mito existe não existindo), “não existindo nos bastou”
(porque o mito basta enquanto mito para criar algo mais do ele próprio), “por não ter
vindo foi vindo. E nos criou” (mesmo sabendo que ele poderá não ter existido, ele existe
não existindo e isso basta para criar, para basear a fundação da cidade).
O mito é assim a base de toda a nobreza, porque iniciador. Antes de Viriato, antes de
Afonso Henriques, antes de todos os homens reais, há o homem-mito, a raiz da qual flui
a energia do futuro, e da qual nasce o alimento para uma vida que sem ela seria pobre e
sem fruto”.
análise do poema "d. tareja"
A primeira quadra do poema diz-nos que cada nação é um “mundo a sós”, que todas
“são mistérios”. O mistério, para o ocultista, é apenas o destino ainda por ser, o destino
que espera ser cumprido no futuro e que por isso se vai necessariamente revelar. A “mãe
de reis e avó de impérios” é o começo do revelar desse “mistério”, desse destino por ser.
Cumpre-se nela o mistério no nascimento do nosso primeiro rei, efectivo instrumento e
agente do destino nas suas obras. D. Teresa de facto é mãe de reis – D. Afonso
Henriques – e avó de impérios – se entendermos que a partir de Afonso, a ideia de
Império se começaria a formar.
Na segunda quadra indica-se que D. Teresa amamentou com “seio augusto” – D. Teresa
era filha do rei de Leão e Castela D. Afonso VI – e com “bruta e natural certeza”, “o
que, imprevisto, Deus fadou”. A “bruta e natural certeza”, decerto é uma directa
referência à maneira como, depois de criar o futuro rei, este entrou em conflito com a
sua mãe, batalhando-a para o controlo do Condado Portucalense, em 1128. Imprevisto
era também o novo rei, porque vizinho de grandes potências, que iriam forçá-lo a lutar
sobremaneira para se afirmar no futuro, contra as maiores probabilidades do seu
fracasso do que do seu sucesso. Mas D. Afonso Henriques, “fadado por Deus”, não iria
vacilar.
A terceira quadra parece ser a mais simbólica e por isso de mais difícil interpretação.
Parece-nos no entanto claro que Pessoa, nas duas primeiras linhas, se refere aos actuais
governantes (actuais, claro dos anos de 1930 em Portugal). “Dê a tua prece outro
destino, a quem fadou o instinto teu!”: Tem de se ler esta passagem como: “que a tua
prece nos guie em melhor direcção, do que aquela que seguimos por ordem de quem
deu seguimento hodierno ao que tu iniciaste”. Critica social implícita, parece esta ser a
melhor interpretação para esta passagem. Tal como “o teu menino envelheceu” poderá
nada mais significar que a memória do rei primeiro, do impulso e da vontade de
independência e de orgulho se iam diluindo, sobretudo desde o triste episódio do mapa
cor-de-rosa com Inglaterra e o crescente diminuir do poder de Portugal no mundo, ainda
ultramarino, mas cada vez mais pobre e isolado, deitado a uma ditadura soturna, sem
indústria, sem riqueza e sem originalidade.
Veja-se que a ultima quadra confirma o que dissemos da terceira: “todo o vivo é eterno
infante”, ou seja, e mais coloquialmente: a esperança nunca deve ser perdida. Há dentro
do homem o poder regenerativo de alterar as coisas, fazer revoluções, voltar à origem
para melhorar, para ser maior do que pode ser. “infante” ou menino, “infante” ou
original. Pede Pessoa, a D. Teresa ou mesmo ao infinito, que de novo se crie esse
português ambicioso e original, movido pela vontade e pelo destino de ser maior do que
pode ser. O “antigo seio” lá está, “vigilante”, D. Teresa que deu luz ao primeiro rei, para
servir de modelo, de arquétipo sem vida, mas com mais do que apenas vida, já feito
símbolo, origem, nascente de toda a nobreza e coragem de superar as adversidades
papel do herói na "mensagem" e n'"os lusíadas"
De seguida tentarei concretizar melhor a distinção que me pede. “Em ambas as obras há
uma visão missionária da história. D. Sebastião, n’Os Lusíadas, é um enviado de Deus
para o alargamento da cristandade, enquanto que na Mensagem, a história de Portugal
obedece a um destino maior do que os próprios destinos que a servem, o destino dos
heróis. É certo que ambos os poemas épicos são poemas da ausência – como indica
Jacinto Prado Coelho – porque cantam “o que foi” (Lusíadas) e o “que pode vir a ser”
(Mensagem). Nesse sentido, vemos que em Camões é mais forte o sentido viril, de
ímpeto de realizar, e em Pessoa é predominante o sentido simbólico, de revelar
mistérios. Sabemos que Camões foi um homem de acções e não só de palavras, porque
esteve no meio do que era então o Império, participando inclusive em batalhas para a
sua protecção. É evidente que Camões tem mais uma visão clássica do herói, visão
Grega, Homérica, de Ulisses, em que o homem parte para o risco, para a aventura,
enquanto a mulher, em lágrimas, desespera sozinha na saudade. Embora em Pessoa se
leiam alguns episódios desta “visão viril” (lembramo-nos da célebre passagem “Ó mar
salgado, quanto do teu sal são lágrimas…”), esse é apenas parcial e não pode ser
considerada como o objectivo do poema. Por outro lado, Camões, que vê o Império
ainda vivo, naturalmente pode ter esperança, e é natural que nele encontre forças para
exaltar ainda os heróis para a acção, que tente o bravo esforço, mesmo que irreal. Pessoa
já não tem esperança no Império Material, no Império feito de terras e ouro, mas espera
no futuro um Império Espiritual, de cultura e almas, que contém em si heróis de estirpe
diferente, homens de outra vontade e erudição.
É certo que por vezes Pessoa dá réplica a Camões. Na segunda parte da Mensagem,
momentos épicos de exaltação contrapõe-se com sucesso aos versos de Camões.
Respira-se aqui um momento épico, e também um momento igual de reflexão trágico-
marítima, que as lágrimas são o reverso da empresa da descoberta, seja ela física ou
espiritual.
Talvez Pessoa se refira mesmo ao nascimento do Império, pois ele diz, no fim da
primeira quadra: “Sagrou-te e foste desvendando a espuma”: Mas é certo que o
princípio do poema nos diz que Portugal, ao construir o Império, é movido como
instrumento de uma vontade maior. É “Deus que quer”, não o homem. É a vontade de
Deus, ou se quisermos o Destino, que guia as acções dos marinheiros e dos estrategas.
Foi Deus também que quis que a Terra finalmente fosse uma, tanto porque foi um
Português que primeiro a navegou por inteiro – Fernão de Magalhães, bem como
portugueses a uniram descobrindo novos continentes. De facto o descobrimento do
Brasil (descobrimento e não descoberta, como hoje se entende, ou talvez mesmo
achamento, como dizem os brasileiros, pois a terra já lá estava e era habitada), une pelo
mar a velha Europa à novíssima América de Colombo. Sagrado Infante, o Império podia
crescer, ser Rei.
A última quadra, mais soturna, adianta a morte ao próprio Infante. Note-se a ironia
subjacente, que na história ainda curta que era do Império já Pessoa lhe desenhe a
morte, fale no seu final. Porque em verdade, o Império morreu mesmo antes de se
cumprir, morreu Infante, porque nunca se poderia cumprir como coisa material. Pessoa
defende um Império Maior, um Império Espiritual, verdadeiro Império, se quisermos.
Por isso este Império ficou Infante, por se cumprir, à espera que se cumpra o Império
Espiritual que será, esse sim, eterno. “Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez”, diz
Pessoa. Era esta a primeira missão cometida por Deus a Portugal, desvendar o mundo, e
ela chegou ao seu termo. Mas falta ainda tudo. Falta “cumprir-se Portugal”. Sabemos
que Portugal era para Pessoa mais do que apenas a terra que se define dentro dos limites
da fronteira, que Portugal para ele era língua, cultura, espírito e alma. Se ele diz que
falta cumprir-se Portugal, ele quer dizer que falta cumprir-se o destino glorioso (e
imaterial) da alma, já que se desfez o destino material do corpo.
De facto é só na terceira parte d'A Mensagem que esse destino maior se desenha em
mais fino pormenor. Encimado pela elocução latina Valete Frates, esta terceira parte
anuncia-nos um projecto de paz universal, fraternal, para a humanidade. Mas não um
plano filosófico ou político, antes um plano espiritual e simbólico, que se vai revelar
lentamente dentro de cada homem, de cada alma. Fraternidade achada na semelhança
com Deus, é certo, mas também com a alma portuguesa, com a alma do verdadeiro povo
escolhido, que ao contrário dos Judeus teve o seu mártir morto em guerra por Deus e
Nação
o poema "horizonte" e o canto ix d'os lusíadas
Confirma-se o que dissemos numa análise mais próxima do poema. “Ò mar anterior a
nós” (os descobridores), “teus medos tinham coral (…)” mas “desvendadas a noite (…)
as tempestades passadas e o mistério” (o desconhecido) “abria em flor o Longe” (o
conhecimento) e o “Sul-sidério (re)splendia sobre as naus da iniciação”. De uma
maneira mais ou menos hermética e fechada, o que Pessoa nos diz é: O mar anterior, o
mar a que se referiam aqueles que o temiam por desconhecimento e medo, foi
desvendado, tiraram-lhe a noite (o escuro representa o medo e o desconhecido), e,
passando pelas dificuldades do caminho, revelou-se enfim o seu mistério. Abriu-se esse
conhecimento quando para Sul as naus dos iniciados (involuntários, mas iniciados)
viajaram.
O resumo de tudo isto dá-nos Dalila Pereira da Costa na sua obra O Esoterismo em
Fernando Pessoa, Lello & Irmão Editores, página 180: “assim como a aventura
espiritual do poeta seria um poema de iniciação, assim a foi a da sua pátria: as
Descobertas. (…) Esta procura, estas preambulações através dum mar absoluto, são
sempre em busca da verdade: num périplo iniciático, se obterá a sua possessão, por a
desvendar num mistério. O navegante surge como um futuro iniciado: aquele que
receberá a revelação, o que conhecerá e participará dum mistério. (…) Uma busca de
gnóstico, onde a salvação se fará só através do conhecimento, da possessão da
verdade. E é o fulgor da gnose, essa luz que resplendia nesse mar”.
O Canto IX dos Lusíadas, conta do regresso dos Portuguesas da Índia, onde pelo
caminho encontram a «Ilha dos Amores». A Ilha aparece como uma recompensa, mas
também como símbolo de o povo Português de ter tornado, pelos seus feitos, igual aos
deuses que agora os homenageiam de modo tão inesperado. A comparação possível
entre este Canto IX e o poema “Horizonte” é a oposição quase total entre o que Camões
considera a “Recompensa” e Pessoa considera a “Verdade”. Camões idealiza uma
recompensa para os sentidos, um festim material, enquanto Pessoa quer algo mais alto e
frio – a verdade do conhecimento oculto.
"Camões e Pessoa são como irmãos gémeos: distinguem-se pela roupagem que vestem,
mas assemelham-se pelo amor a uma Pátria que não existe ou existe no Sonho"
"As lágrimas das mães, das noivas e dos filhos são “lágrimas de Portugal” – o sangue
que alimentou as células de um povo que conquistou o mar e se perdeu"
--
"A frase que me envia pode ser analisada de diversas perspectivas. De facto Camões e
Pessoa escrevem sobre uma realidade que imaginam, e por isso não são cronistas,
historiadores, mas sim poetas. A poesia é uma linguagem especial, que muitas das
vezes, para explicar a realidade, tem de a superar, tornar-se mais alta do ela. Se de facto
tanto os Lusíadas como a Mensagem falam sobre os descobrimentos portugueses, são
duas obras muito diferentes, porque eram diferentes os homens que as escreveram.
Camões e Pessoa são semelhantes no patriotismo, no nacionalismo, na exaltação das
capacidades dos portugueses, dos nossos feitos e aventuras. Camões e Pessoa são
diferentes - em essência e aqui eu discordo com o que a frase diz de eles só terem
roupagem diferente - porque Camões escreve quando ainda há um Império e Pessoa
escreve quando o Império já é uma memória distante. No entanto ambos escrevem em
tempo de decadência - no tempo de Camões o Império português começava a decair e a
ser ameaçado por outras potências marítimas e no tempo de Pessoa havia uma grande
crise politica e de valores na sociedade portuguesa, ainda não restabelecida da afronta
do episódio do mapa cor-de-rosa com Inglaterra. Julgo que há tantas coisas que
aproximam os dois poetas como coisas que os afastam. Camões era lírico, formal,
emotivo, Pessoa era moderno, lógico, racional. Mas se tiver interesse leia mais seguindo
este link: http://omj.no.sapo.pt/forum.htm#Mensagem%20de:%20Ricardo "
"A frase que envia refere-se a um poema da Mensagem, intitulado "Mar Português". É o
décimo poema da segunda parte da Mensagem. A segunda parte da Mensagem é escrita
sob o tema "possesio maris", ou seja, "a posse do mar". Ora com o décimo poema dessa
segunda parte, Pessoa fala já do fim da posse do mar, de como no fim da conquista dos
oceanos, se pode resumir a epopeia marítima portuguesa. Ele resume-a dizendo na
primeira estrofe do poema citado: "Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de
Portugal! / Por te cruzarmos, quantas mães choraram, / Quantos filhos em vão
rezaram! / Quantas noivas ficaram por casar / Para que fosses nosso, ó mar!". Como diz
a frase que envia, este sofrimento, este "sangue" alimentou a epopeia marítima, a
aventura. Foi à custa do sofrer das mães, irmãos e pais, que se fez a conquista. Depois
de tudo se ter perdido, do Império ter acabado, pergunta Pessoa se tudo aquilo valeu a
pena, se valeu a pena tanto sofrimento, quando no fim ficámos sem nada de nosso.
Pessoa defende que sim, "que tudo vale a pena se alma não é pequena". No entanto note
que o povo não se perdeu, como diz a frase que envia. O que se perdeu foi o Império
marítimo que o povo conquistou. Se o povo se perdeu, foi apenas metaforicamente:
perdeu o seu sentido de vida, perdeu o rumo e o destino, ficou perdido na saudade
Para além disto, gostava que me estabelecesse um paralelismo entre este final da
Mensagem e o final de Os Lusíadas. Comparar os dois textos no que diz respeito a:
caracterização da situação da pátria; desânimo/alento do sujeito poético face a essa
situação; apelo final
O título do poema vem no seguimento dos outros poemas da secção “Os Tempos”. Ao
longo desta série de cinco poemas Pessoa descreve, metaforicamente, desde um passado
remoto a um futuro ainda sem data, a evolução de Portugal. Como bem se compreende,
o titulo deste último poema pretende comunicar um misto de indefinição e de segredo.
“Nevoeiro” é uma substância mutável, que esconde como um véu uma outra realidade,
que a surgir, apenas surge quando afastado esse véu.
Como um “brilho sem luz”, Portugal vive, mas é uma vida triste e inconsequente, sem
destino.
A segunda estrofe confirma o que foi dito na primeira. Depois de desenhar o perfil
psicológico macroscópico, Pessoa passa ao nível microscópico – das almas individuais.
São elas que não sabem o que querem, nem tão pouco se conhecem, inevitavelmente
caindo num decadente vazio moral. Como o país, os seus habitantes partilham do
mesmo destino, são porções ínfimas que constituem o “Nevoeiro” que se vê mais do
alto.
Esse como é a profecia. Não é só Portugal que é nevoeiro, tudo é nevoeiro – diz-nos o
poeta. O mesmo é dizer que em tudo há mistério e possibilidade de mudança. Se a
indefinição é má, é positiva do ponto de vista de ser maleável, fonte de todas as
mudanças futuras.
Nesta perspectiva o passado não é mais do que uma ponte para o futuro. Os grandes
triunfos no mar, as conquistas materiais, tiveram o seu tempo e existiram para serem
passageiras, foram uma lição de humildade. A recompensa não é da terra, é dos céus e
deve nos céus ser procurada. Senão as conquistas não teriam feito do país “Nevoeiro”.
Para além disto, gostava que me estabelecesse um paralelismo entre este final da
Mensagem e o final de Os Lusíadas. Comparar os dois textos no que diz respeito a:
caracterização da situação da pátria; desânimo/alento do sujeito poético face a essa
situação; apelo final
O título do poema vem no seguimento dos outros poemas da secção “Os Tempos”. Ao
longo desta série de cinco poemas Pessoa descreve, metaforicamente, desde um passado
remoto a um futuro ainda sem data, a evolução de Portugal. Como bem se compreende,
o titulo deste último poema pretende comunicar um misto de indefinição e de segredo.
“Nevoeiro” é uma substância mutável, que esconde como um véu uma outra realidade,
que a surgir, apenas surge quando afastado esse véu.
Como um “brilho sem luz”, Portugal vive, mas é uma vida triste e inconsequente, sem
destino.
A segunda estrofe confirma o que foi dito na primeira. Depois de desenhar o perfil
psicológico macroscópico, Pessoa passa ao nível microscópico – das almas individuais.
São elas que não sabem o que querem, nem tão pouco se conhecem, inevitavelmente
caindo num decadente vazio moral. Como o país, os seus habitantes partilham do
mesmo destino, são porções ínfimas que constituem o “Nevoeiro” que se vê mais do
alto.
Esse como é a profecia. Não é só Portugal que é nevoeiro, tudo é nevoeiro – diz-nos o
poeta. O mesmo é dizer que em tudo há mistério e possibilidade de mudança. Se a
indefinição é má, é positiva do ponto de vista de ser maleável, fonte de todas as
mudanças futuras.
Nesta perspectiva o passado não é mais do que uma ponte para o futuro. Os grandes
triunfos no mar, as conquistas materiais, tiveram o seu tempo e existiram para serem
passageiras, foram uma lição de humildade. A recompensa não é da terra, é dos céus e
deve nos céus ser procurada. Senão as conquistas não teriam feito do país “Nevoeiro”.