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TEXTUALIDADE

AULA 4

Prof. Eugênio Vinci de Moraes


CONVERSA INICIAL
Caro aluno, seja bem-vindo à aula quatro da disciplina de Textualidade!
Nela trataremos das relações do texto com a imagem e com o estilo. Veremos
como a linguagem verbal se relaciona com a não verbal, especificamente com a
linguagem visual; depois veremos as formas de expressão que dão às palavras
significados diferentes e até inesperados, as chamadas figuras de linguagem.

Contextualizando

Em 1956, um senhor alto, de óculos, passeava pelo centro de São Paulo


vestido com uma saia e uma blusa bufante, bem diferente dos ternos e gravatas
usados pelos homens daquele tempo. Esse homem era Flávio de Carvalho.
Modernista, foi um dos primeiros artistas a criar um gênero artístico bastante
comum hoje à performance. Para além da discussão estética, Flávio de Carvalho
era um provocador. Buscava, por meio da composição de situações e imagens
inesperadas, espantar as pessoas com o intuito de desviá-las de suas
experiências cotidianas. E fez isso empregando a imagem e o estilo, entre outros
recursos. Só o fato de vestir uma saia e uma blusa bufante foi suficiente para ser
seguido por uma multidão pelas ruas do centro paulistano. Uma imagem muito
forte para época. Pense nisso, na força que a imagem tem. E também no estilo,
que muitas vezes está ligado a um desvio da norma ou a um arranjo inesperado
de signos.

Para saber mais sobre as diferentes facetas do modernista Flávio de


Carvalho:

http://www.unicamp.br/unicamp/sites/default/files/jornal/paginas/ju_626_
paginacor_05_web.pdf

Problematização

Procure nos jornais, revistas, folders onde for imagens e textos que de
alguma forma produzam um impacto em sua percepção. Tente perceber por que
isso aconteceu. Busque também identificar que elementos saem “fora da
casinha”, ou seja, aspectos que de alguma maneira foram organizados de modo
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bastante diferente daquele que você está acostumado a ver e a ler. Enquanto
você pesquisa, vamos discutir alguns aspectos da imagem e o do estilo para
você ter mais elementos para fazer sua análise.

TEMA 1 - LINGUAGEM VERBAL E NÃO VERBAL (A IMAGEM)

As mensagens que vimos até agora são compostas por textos, orações,
frases, palavras e letras. Por serem compostas por esses elementos são
chamadas de linguagem verbal. Já a música, a pintura, o desenho e a fotografia
chamamos de linguagens não verbais.

Os textos que empregam linguagem verbal são ordenados em uma


sequência linear. Ou seja, letras, palavras, frases e orações são dispostas uma
após outra. Quando falamos que demoramos muito para ler ou que lemos muito
rápido, estamos avaliando o tempo que gastamos para passarmos de um
elemento verbal a outro.

Com a imagem, a história é outra. Na foto do Flávio de Carvalho


deciframos todas as informações quase ao mesmo tempo. Na verdade, vemos
a totalidade da imagem e depois vamos percebendo mais detalhadamente as
suas partes.

Leia a Lição 40, Texto não verbal, do livro Para Entender o Texto, de
Savioli e Fiorin na Biblioteca Virtual.

Na linguagem não verbal, a imagem opera com outros signos, os quais


você estudará em outra disciplina ligada à Semiótica. Para formar esses signos
a imagem emprega a luz, a cor, a linha e as formas, entre outros elementos.
Todos eles se compõem de modo a criar um todo significativo que você irá
perceber de imediato e depois compreender melhor à medida que analisá-lo
mais demoradamente.

Busque na internet e observe os quadros A escrava turca (1532), de Francesco


Mazzola, e Mulher em vermelho (1922), de Chaim Soutine.

 http://www.parmabeniartistici.beniculturali.it/galleria-nazionale-di-
parma/galleria/la-schiava-turca/
 http://pictify.saatchigallery.com/849949/slc-visual-resources-artmastered-
chaim-soutine-woman-in-red-1922
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Ao compararmos as duas obras, ressalta nos dois quadros o uso muito
diferente das linhas e pinceladas. A sobriedade empregada em A escrava turca
cria uma composição que ressalta a harmonia entre as partes. Se abstrairmos
um pouco, há um círculo no alto, que se articula a uma forma triangular que
desce e se encaixa numa forma retangular. Como se tivéssemos um pedestal
servindo de suporte à imagem do rosto da mulher, o círculo. O quadro pretende
exaltar a beleza da mulher representada por meio de formas muito equilibradas
em que não haja conflito entre elas, mas uma relação agradável, harmônica.

É justamente o contrário do que acontece no quadro de Soutine. Nada de


harmonia ou equilíbrio geométrico. As pinceladas deformam a imagem,
transformam rosto e mãos em mancha ou borrões. O corpo se contorce,
seguindo o movimento das pinceladas. No meio do quadro, o braço da poltrona,
numa forma triangular, rasga o corpo da mulher como uma lâmina. A cor
vermelha reforça o tom febril do quadro, que chega próximo do grotesco. O tom
dessa obra é crítico, diferente da outra, que é de elevação. As duas buscam por
meio dos elementos da linguagem visual dotar seu trabalho com o sentido
desejado pelo pintor.

Para saber mais, leia “Os elementos básicos da linguagem visual”,


segundo capítulo do livro Linguagem das artes visuais, p. 32-65 na Biblioteca
Virtual.

Palavra e imagem

Muitos textos da área da comunicação empregam linguagem verbal e


visual ao mesmo tempo. Charges, anúncios, legendas de fotos, tiras, histórias
em quadrinhos e ilustrações. Essa relação pode se dar de várias formas, ou seja,
o texto pode complementar o sentido da imagem; ou ser redundante, apenas
reforçando o sentido da imagem; ou criativo, criando um sentido inesperado. Por
outro lado, a imagem pode também ser mera ilustração do texto.

Um campo que emprega bastante essas duas linguagens é o do humor.


Ele pode ser feito só com o texto ou só com a imagem, como na charge do
argentino Quino, em que o cerceamento da criatividade da criança e da proposta

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de mundo diferente da dos pais é retratado pela oposição entre linha reta e linha
curva. Sendo que o plano conservador é representado pelos traços retilíneos,
porque expressa em nosso imaginário a ideia de ordem. Ordem familiar, aliás,
conservadora também, representada pelo pai à frente da mãe, como o guardião
da lei da casa.

https://abrigonanet.wordpress.com/tag/quino/page/2/

Já no trabalho do cartunista argentino, a imagem subverte o sentido do


texto. Enquanto o texto informa que as pessoas representadas pelo desenho
estão reunidas para discutir uma questão grave como a fome, essas mesmas
pessoas riem como se o tema sobre o qual fossem falar fosse ameno ou alegre.
Quino trabalha com o contraste, próprio do humor, que desloca um sentido,
subvertendo-o para criar o espaço para o humor e a crítica.

https://somosandando.wordpress.com/2009/12/27/contradicoes-por-quino/

No texto seguinte, a linguagem verbal e visual são redundantes ou


poderíamos dizer que a imagem só ilustra o texto. Dizendo de modo bem
informal, a imagem desenha para o leitor o sentido do texto. O título do
anúncio é ilustrado pela imagem, que não traz nenhuma surpresa, nem
acrescenta informação ao texto verbal. Para a publicidade, essa é uma relação
“que carece de interlocução com o consumidor, isto é, que um bom anúncio é
aquele que ‘conversa’ com o consumidor” (FIGUEIREDO, 2005, p. 15).

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Fonte: Redação Publicitária, 2005

TEMA 2 - A CHARGE, O ANÚNCIO E A LEGENDA

Neste tema, iremos abordar três gêneros textuais que empregam a


linguagem verbal e a visual: a charge, o anúncio e a legenda de foto jornalística.
São formas que se caracterizam pela mistura de linguagem e, em geral, pela
concisão.

Do ponto de vista do propósito, são diferentes, pois a charge busca opinar


sobre algo, usando o humor ou a ironia, o anúncio visa seduzir o consumidor a
comprar um produto e a legenda de foto jornalística procura acrescentar
informação à imagem fotográfica.

A charge

Charge é um gênero jornalístico. Ganha força sobretudo no século 19,


quando os jornais passam a empregar mais imagens em suas páginas. Ela tem
o propósito de criticar – por meio do humor – personalidades, fatos,
comportamentos contemporâneos. Onici Flores diz que, em geral, a charge trata
“do cotidiano – questões sociais que afligem, irritam, desgostam, confundem.
Essas questões focalizam os universos de referência do público, expondo
testemunhos, registrando perplexidades, apontando falhas, satirizando pontos

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de vista, desvelando motivações ocultas, introduzindo questionamentos”
(FLORES, Onici. A leitura da charge. Canoas, RS: Ulbra, 2002, p. 11).

Leitura obrigatória: Jango e o golpe de 1964 na caricatura, de Rodrigo


P. Sá Motta, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 15-32.

Definições de Charge e Caricatura. A palavra charge, de origem


francesa, vem de carga, ou seja, de fazer carga contra alguém. Guarda mesma
origem da palavra caricatura, que vem do italiano caricare, que significa carregar,
de exagerar, deformar, que dá na nossa expressão “carregar nas tintas”. Os dois
termos acentuam a ideia de caracterizar algo ou alguém por meio do exagero ou
do excesso. Essas duas palavras são usadas igualmente, mas Rodrigo Motta
faz uma distinção que é adequada: a caricatura estaria mais ligada a desenhos
cômicos personalidades em geral; e a charge estaria mais ligada a eventos ou
acontecimentos da esfera política. Haveria, ainda, o cartum, do inglês cartoon
derivado do italiano cartone, que seria uma charge ligada a uma crítica dos
costumes, ao homem em geral, sem estar ligada a um acontecimento específico,
como no caso da charge.

O humor por meio do exagero, da exposição do ridículo é que comanda a


crítica na charge. Do ponto de vista da linguagem, como disse Roland Barthes
(apud MOTTA, 2006), o texto pode servir de ancoragem para a imagem, ou seja,
situa contextualmente a linguagem visual. No entanto, às vezes a imagem é
mera ilustração do texto, como na charge a seguir, onde o desenho ajuda e torna
mais rápido a comunicação dela, mas seria possível construí-la só com texto.

http://kdimagens.com/imagem/formacao-google-1557

De fato, uma das razões que fazem da charge hoje um gênero presente
na maioria dos jornais do mundo é seu forte poder de comunicação. Tem, da
imagem, a força da informação simultânea, rápida, que traz o sentido
imediatamente para o leitor. Imediatismo que pode vir acompanhado da surpresa
por meio dos traços ligados à surpresa e ao exagero. Quanto ao texto, se serve
de vários recursos de sentido que a palavra oferece – concisão, polissemia,
figuras de linguagem etc. –, além de trazer informação e norte para a imagem. É

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mistura de informação econômica, rápida e complexa, o que a torna um recurso
comunicativo muito eficaz.

Mas há charges em que a imagem e o texto criam um sentido


complementar, ou seja, sozinhas não teriam o sentido que têm quando reunidas.
É o caso da charge a seguir, da cartunista Laerte:

Fonte: http://ignorantesboemios.blogspot.com.br/2013/11/laerte-charge.html

O desenho remete à já tradicional cena de índios brasileiros observando


a chegada das três caravelas portuguesas. Esse cenário pode dar margens há
várias piadas. Nesse caso, o humor está no deslocamento histórico e
antropológico, já que a ideia de casa própria é um tema contemporâneo e ligado
ao mundo do “homem ocidental”. A questão do índio é com as terras, não é?
Mas esse deslocamento é o que dá a graça, pois ao deslocar os sentimentos do
índio para aproximá-los aos do homem burguês, consegue comunicar melhor a
questão das terras indígenas ao público do jornal, na maioria não índio. A
imagem polarizada enfatiza o problema, já que as caravelas formam um
triângulo, como que apontado para os índios, em forma de seta. Assim, a crítica
proposta pela cartunista só se concretiza quando imagem e texto são
associados, isto é, complementam um ao outro.

Conheça um pouco sobre Angelo Agostini, um italiano que fez carreira de


chargista, caricaturista e desenhista no século 19, no Brasil. Foi um dos
precursores desse gênero no país.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Angelo_Agostini

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O Anúncio

Na aula passada vimos um anúncio em que a imagem era mera ilustração


do texto, estão lembrados? Vamos ver outras relações possíveis entre texto e
imagem nesse gênero textual da área de publicidade.

Diferentemente da charge, que é conduzia pela opinião ou a crítica, o


anúncio busca vender um produto: “a publicidade tem como tarefa divulgar as
características desse ou daquele produto e promover-lhe a venda. Essa função
‘objetiva’ permanece em princípio sua função primordial” (BAUDRILLARD, apud
CAMPOS-TOSCANO, 2009, p. 55). Faz-se isso por meio de recursos técnicos –
impressão, fotografia, gravação, vídeo etc. – e dos veículos de comunicação, por
meio dos quais informações, vantagens, qualidades do produto ou de
determinada marca são transmitidas ao consumidor.

Vamos examinar aqui apenas a relação entre título e imagem em anúncios


impressos. Segundo Celso Figueiredo, título é a frase cuja finalidade é “chamar
a atenção do consumidor em seu primeiro contato com o anúncio” (2005, p. 13).
Ele classifica a relação do título com a imagem em três grupos: 1 + 1 = 1; 1 + 1
= 2; e 1 + 1 = 3.

Na aula anterior, vimos um exemplo do primeiro grupo, em que a soma de


texto e imagem não ocorre na verdade, pois ambas linguagens transmitem o
mesmo sentido. Vejamos agora outro exemplo, agora do segundo grupo.

1 + 1 = 2 – Nesse caso, a imagem complementa a informação transmitida


pelo texto. Não há redundância, mas, sim, um diálogo entre as linguagens.
Observe o anúncio criado para as sandálias Havaianas: “Todo mundo usa”. O
título, que na verdade é o slogan do produto, dialoga com a imagem do Abaporu,
de Tarsila do Amaral. A famosa figura da obra da artista modernista brasileira
calçando o produto traz, além do elemento surpresa, a aproximação do produto
à linguagem artística, conferindo-lhe um valor estético. Valor estético que é
reforçado pela identificação das Havaianas como produto tipicamente brasileiro
ao programa modernista, que, como vimos, pregava a valorização dos temas
nacionais. Fora isso, o anúncio remete a uma discussão bastante importante em
relação ao conceito de indústria cultural, que, simplificando, dissolve as
diferenças entre mercadoria e objeto artístico.
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A legenda

Outro texto que tem relação direta com a imagem é a legenda. Geralmente
acompanha gráficos, desenhos e fotografias. Vamos tratar aqui das que
acompanham as fotos de jornais.

Legenda é um texto a mais, que serve para informar, explicar ou comentar


uma imagem. No caso dos jornais, o Manual de Redação e Estilo do Estado de
S. Paulo, escrito pelo jornalista Eduardo Martins, explica que a legenda tem duas
funções: “descrever a foto, com verbo de preferência no presente, e dar uma
informação ou opinião sobre o acontecimento” (1997, p. 159). Eis uns exemplos
dados pelo jornalista:

“Moradores reagem: queremos nossas árvores de volta”

[sujeito] [verbo] | [sujeito oculto/verbo] [complemento]

“Réveillon: receita inclui roupa branca e muito champanhe”

Repare que além de curtas, as sentenças estão escritas em ordem direta,


começando pelo sujeito, passando pelo verbo e terminando em complemento e
circunstância, se houver esses elementos na oração. É a construção mais fácil
de escrever e ler.

Existe também o texto-legenda. É legenda e notícia ao mesmo tempo,


portanto, deve descrever a foto e relatar o fato. O Manual do Estado recomenda
que seja escrita com duas orações e sem parágrafo, a primeira descrevendo e a
segunda informando. Esse recurso vem sendo usado na internet na forma de
hipertexto. Fotos grandes ocupam a tela com um texto legenda embaixo,
terminando, geralmente, com a expressão “leia mais”, um link para acessar a
matéria toda. Veja este exemplo retirado da página da UOL1. Role página para
baixo e irá aparecer a foto, nela há no centro a imagem de uma entrada de metrô
fechada por fitas sinalizadoras sendo observadas por um homem de costas para

1 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2015/11/22/policia-francesa-divulga-foto-
de-terceiro-suicida-do-stade-de-france.htm#fotoNav=104

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o leitor. No fundo, vemos, à esquerda, a rua e, à direita, a calçada. O texto-
legenda que acompanha a imagem segue a regra ditada por Martins:

Descrição da foto: 21.nov.2015 - Homem observa uma estação fechada


do metrô de Bruxelas, na Bélgica, neste sábado (21).

Informação: O serviço de transporte foi suspenso em razão do alerta


máximo sobre a possibilidade de ataques terroristas no país. Leia mais:

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-
noticias/2015/11/21/bpelgica-entra-em-alerta-maximo-policia-encontra-armas-
em-casa-de-suspeito.htm

Repare também que a foto faz parte de um conjunto de 114 fotos


agrupadas pelo título “Atentados em casa de shows, estádio e outros locais de
Paris”. Decomponha as orações e você verá que estão na ordem direta: Homem
(sujeito), observa (verbo) uma estação fechada no metrô de Bruxelas
(complemento direto), na Bélgica, neste sábado (21) (circunstância). Já a oração
que informa o fato, segue essa ordem só que está na voz passiva: O serviço de
transporte {sujeito da passiva], foi suspenso (locução verbal), em razão do alerta
máximo sobre a possibilidade de ataque terrorista (agente da passiva), país
(circunstância). Se invertêssemos a oração para a voz ativa, teríamos: “Alerta
máximo de ataques terroristas suspende serviço de transporte no país”.

Ao contrário dos dois gêneros anteriores, a legenda ou o texto-legenda


não gostam de surpresas, invenções. Isso acontece porque o propósito é
informar o leitor acerca do assunto noticiado. O referente ou objeto é a estrela
do texto, isso implica em esconder o máximo possível quem o escreve.

Pesquisa

Neste mesmo link, você pode observar vários outros textos legendas.
Leia-os e procure perceber se mantêm essa relação de descrição e informação
e observe a construção das sentenças.

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2015/11/22/policia-
francesa-divulga-foto-de-terceiro-suicida-do-stade-de-france.htm#fotoNav=104

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TEMA 3 - A EXPRESSÃO: A METÁFORA E A METONÍMIA

Neste tema falaremos de expressão, ou melhor, das diferentes


possibilidades que a linguagem nos dá para criarmos novos sentidos ou nos
expressarmos de forma diferente ou fora do comum. É a hora de lidarmos com
o campo da criação, do estilo.

Faremos isso por meio da definição, análise e exemplos do que


chamamos de figuras de linguagem. Trataremos de duas em especial: metáfora
e metonímia.

Estilo e figura

Estilo é uma palavra que usamos e lemos a todo instante. Ouvimos por aí
“Ela tem estilo”, “Olá! Vamos falar hoje sobre o estilo moderno, também
conhecido como urbano ou dramático” entre outras expressões. Ora tem um
sentido individual de se comportar, vestir-se; ora tem o sentido de padrão,
escola, de modelo. Sendo o sentido da primeira e segunda oração
respectivamente.

A palavra estilo deriva de stilus, palavra latina que significa estilete. Do


sentido de instrumento usado para escrever, era uma haste com a ponta afiada
usada para escrever em tábuas de cera – acabou adotando o significado de
modo individual de escrever, ou seja, forma como cada um de nós usa a língua.
Será esse sentido que adotaremos aqui, e não o de escola, modelo.

Estilo está ligado “à liberdade de escolher e combinar entre os recursos


permitidos e facultativos da língua. [...] O estilo visa sempre efeito, causar
estranhamento, quebrar a automatização do modo comum de falar. Por isso se
diz que o estilo é um fenômeno de desvio” (TRINGALI, 1988, p. 115).

É essa ideia de desvio que marca a concepção de figura de linguagem.


Figuras são toda alteração que linguagem seja no nível da palavra, da frase ou
da imagem também. Quando se diz que alguém é “um bom garfo”, ou que
“Fulano leu o Platão”, ou ainda que “Sicrano é difícil de engolir” estamos usando
essas figuras. Isso porque, em vez de dizermos que “alguém come muito”, que
“fulano leu A República, de Platão”, ou que “Sicrano é uma pessoa difícil de se

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relacionar”, escolhemos formulações que de alguma forma são diferentes da
forma original.

O problema aí é saber qual é a expressão original. Talvez seja melhor


pensar a figura como um efeito empregado de modo a se distanciar da sua
expressão mais comum ou simples. No campo da palavra, uma figura teria o
sentido diferente do seu sentido literal. Assim, “difícil de engolir” teria um sentido
diferente do seu significado mais comum, o de um objeto que não se desloca
facilmente da boca para o estômago.

Dessa forma, a figura seria uma “denominação desviante” ou uma


“predicação impertinente”, ou seja, qualquer expressão diferente do padrão.
Esses desvios podem ocorrer com as palavras (metáfora, metonímia, catacrese,
sinédoque, antonomásia e sinestesia), com a sintaxe (inversão, elipse etc.) e
com o pensamento (hipérbole, eufemismo, ironia etc.).

Metáfora

Nas expressões “coração de pedra” ou “vontade de ferro”, há uma


comparação entre os significados de pedra e ferro a sentimentos humanos. Em
algum momento, alguém relacionou o sentimento de indiferença ou frieza de
alguém à dureza da pedra e a determinação e a força de vontade de alguém à
força material do ferro. São metáforas, pois tanto a palavra pedra quanto ferro
estão empregadas com outro sentido que seus significados literais.

A metáfora é uma forma de criar um sentido novo relacionado a palavras


que habitualmente não se relacionam por meio da comparação e da semelhança.
Os exemplos acima já estão cristalizados, ou seja, de tanto usarmos quase não
percebemos mais a metáfora original. Só a percebemos quando topamos com
uma criação diferente. Isso ocorre bastante em poesias, como o poema “Acordei
bemol”, de Paulo Leminski:

Acordei bemol
tudo estava sustenido
sol fazia
só não fazia sentido

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Veja que a palavra “bemol” e “sustenido” significam alteração na nota
musical, seja para baixo (mais grave), no caso do bemol; seja para cima (mais
aguda), no caso do sustenido. A palavra “bemol” no poema está servindo de
metáfora para a sensação que o eu lírico sentiu na hora em que acordou.
Sentimento de deslocamento ou de inadaptação, já que o mundo estava
sustenido e ele, bemol. Poderíamos substituir esse bemol por “deslocado”,
“estranho”, “atordoado”, até para “baixo”, se preferirmos. Sempre pensando nele
em relação ao “sustenido”, com quem estabelece também uma outra figura,
agora de pensamento, a antítese. Mas desta falaremos posteriormente.

Nesse poema podemos ver uma característica bem forte da metáfora


como expressão criativa. Leminski aproximou o sentido de acordar “down”, para
baixo ou estranho com a palavra “bemol”, marca gráfica que assinala um tom
mais baixo na partitura. Fez isso da forma mais livre possível para expressar
uma sensação que não poderia ser expressa de forma literal, ou não figurada.

Tanto na propaganda quanto no jornalismo, o uso de metáforas é


recorrente. Eis dois exemplos:

1. Não é assim nenhuma Brastemp.

- em que Brastemp significa qualidade. Assim quando, por


exemplo, o ator diz: “comprei um freezer, não é assim nem um Brastemp,
mas é bom”, usou a palavra Brastemp no lugar de bom, de boa qualidade.

Nesta chamada do portal UOL, lemos:

2. “Barcelona atropelou a Roma por 6 a 1, na Espanha”

- em que o verbo “atropelou” expressa uma vitória, que “derrubou”


o adversário, em que o time vencedor “passou por cima” do time
derrotado. O redator quis expressar de forma mais veemente a vitória por
vários gols do time catalão, por isso usou a metáfora.

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Metonímia

Quando se substitui uma palavra por outra e que tenham um vínculo de


sentido entre si, temos a metonímia. Diferente da metáfora, em que as palavras
não têm relação direta entre si, no caso da metonímia há uma relação já
instituída e prévia entre a palavra escolhida e aquela que foi substituída.

A metáfora cria uma relação inexistente entre as palavras: atropelar >


golear, por exemplo. Na metonímia, emprega-se uma ligação já existente. Por
exemplo: “Paris despertou apavorada”; “Os criminosos fugiram da polícia”; “O
Brasil cresceu 3% este ano”.

Nesses três casos, a palavra que substitui e a palavra substituída têm


relação próxima: Moradores de Paris > Paris | polícia> policiais | Brasil >
economia brasileira.

Segundo Dante Tringali:

Na metonímia, uma palavra se usa em lugar de outra (Camões por


Lusíadas), não por semelhança, mas porque há entre ambas as coisas
uma relação de contiguidade. Há uma relação de vizinhança, de
interdependência entre ambas as coisas, entre o vinho e a Ilha da
Madeira [‘bebamos um Madeira’] (1988, p. 134).

Beber um Madeira significa beber um vinho produzido nessa ilha. A


mesma coisa acontece quando dizemos “tomei um copo d’água”, quando na
verdade só tomamos a água. Usamos muitas metonímias sem perceber. Ela traz
colorido para a frase, novos sentidos ou serve também para evitarmos
repetições.

Recentemente uma campanha do Sedex acabou chamando a atenção


para essa figura de linguagem ao brincar com nomes de marcas que são usados
para significar o produto. Na propaganda, são mencionados o cotonete, band-
aid e post-it. Há outros como a gilete, o chiclete etc.

http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,correios-comparam-sedex-
a-cotonetes-band-aid-e-post-it,159989e

A palavra que substitui a outra tem sempre uma relação próxima com ela.
O professor José Luís Fiorin enumera algumas delas. Veja no quadro a seguir:

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Relação de proximidade Exemplo

Causa e efeito Ganhar a vida com o suor de seu rosto.

Instrumento e autor Ele é um bom garfo.

Continente e conteúdo Bebeu só um copo.

Coisa e ser que ela caracteriza Esta festa está cheia de cuecas.

Autor e obra Leu Paulo Leminski.

Marca e produto Comprou um pacote de gilete.

Para saber mais leia o texto do Fiorin sobre metonímia.

http://revistalingua.com.br/textos/64/artigo249030-1.asp

TEMA 4 - A EXPRESSÃO: FIGURAS DE PENSAMENTO

As figuras de pensamento dizem respeito à mudança de significado da


frase. Algumas delas são bastante conhecidas da gente como “estou morrendo
de saudade”; “falei mil vezes pra ele não fazer isso”; ou estas que usamos para
expressar o contrário do que elas literalmente dizem: “Muito bonito!”; “Ele é um
santo!”; ou estas quando queremos suavizar o sentido do que falamos: “foi desta
para melhor”; “ela ficou mocinha”; entre outras. Estamos falando da hipérbole,
do eufemismo e da ironia. São três de um grupo grande de formas que alteram
o sentido da frase.

Trataremos dessas três e mais da antítese e do oximoro.

Para chamar a atenção: a hipérbole

Palavra que vem do grego, hipérbole significa “excesso”. Usamos para


dar mais intensidade ou ênfase ao que falamos. Expressões como “estou te
esperando há um século“; “a cidade está um caos”; “os juros despencaram"
procuram chamar a atenção para aquilo que se fala. Com ela, expressa-se um
significado com mais força que sua forma habitual. Se a taxa de juros diminuiu

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três pontos, isso pode ser expresso objetivamente assim: “Banco Central
anuncia redução de 3 pontos nas taxas de juros” ou hiperbolicamente, assim:
“Os juros despencaram. Banco Central corta três pontos nas taxas de juros”. No
segundo exemplo procurou-se dar intensidade à mudança no percentual de
juros. Essa ênfase é uma opção escolhida pelo redator. Não é natural, por mais
que estejamos acostumadas com ela. A expressão “caos no trânsito” é uma
hipérbole recorrente em nossos meios de comunicação. Às vezes ela é
apropriada à situação, outras vezes é apenas um clichê, como neste título de
matéria do jornal Cruzeiro do Vale:

Mudanças provocam novo caos ao trânsito da área central de Gaspar

Observe que nessa matéria há um caminhão que vira na contramão e dá


de frente para um automóvel particular. É uma situação problemática, mas seria
caótica? A expressão quando mal-empregada resvala no clichê, numa muleta
discursiva.

Leia o texto Hipérbole, do livro Crônicas da Norma – Estilística, p. 24, e


divirta-se com o uso bem-humorado dessa figura de linguagem.

O uso da hipérbole, portanto, é uma opção do redator. Ela em si não é


boa ou ruim, só precisa ser bem contextualizada. Fiorin dá um exemplo usado
por Machado de Assis, em Dom Casmurro (1890). Leia o trecho disponível no
link a seguir:

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv00180a.pdf

O narrador trata de chamar a atenção para seu exagero, o qual, apesar


disso, não deixava de ser adequado, dada a situação em que o menino vivia aos
15 anos: estar prestes a ser enviado para um seminário. Assim, ele chorou como
a humanidade jamais tinha chorado (mais eu todas vertidas desde Adão e Eva)
até aquela ocasião, não?

Na publicidade, emprega-se com frequência essa figura, claro, pois é um


dos recursos para enfatizar as qualidades de um produto. Veja este anúncio
publicado em Portugal de um aspirador de pó. A ênfase é dada ao poder de

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sucção do aparelho, tanto por meio da linguagem visual (o cachorro aspirado
atrás do osso) quanto verbal (“O maior poder de sucção do mercado”).

http://www.delfimsantos.net/fds/retorica/imagens/hyperbole2.jpg

Leia as explicações sobre Hipérbole na página do G1 e aproveite para ver


mais dois exemplos de anúncios hiperbólicos.

http://educacao.globo.com/portugues/assunto/figuras-de-
linguagem/hiperbole.html

Para atenuar a expressão: o eufemismo

Se a hipérbole é usada para dar mais força à expressão, o eufemismo


vem para atenuar. Formada pelas palavras “eu” (bem) e “femi” (dizer, falar), é
toda palavra, ou expressão, mais agradável empregada para suavizar uma outra
mais grave ou pesada. Essa é uma figura ligada muitas vezes aos tabus sociais,
ou seja, a objetos, atitudes, situações que a sociedade prefere não mencionar
de forma aberta. Palavras como “o cujo”, “o coisa ruim” para “diabo”, ou “toalete”
para “banheiro” e “vaso sanitário” para “privadas” estão entre os termos que
buscam tornar-se menos crua a expressão. Mas claro que isso tem a ver com o
contexto social e tudo mais, certo?

Por exemplo, o Estado e o governo, em geral, costumam empregar


eufemismos para encobrir práticas que sabem ser inadequadas. Nos Estados
Unidos, por exemplo, a Comissão de Inteligência do Senado (poder legislativo),
que analisou os procedimentos da CIA de 2001 a 2009, empregou a expressão
“Técnicas de interrogatório avançadas” ou “conjunto de procedimentos
alternativos” no lugar de “tortura”, como foi revelado depois por depoimentos e
reportagens sobre o tratamento dispensado aos presos de Guantánamo.

Para saber mais, leia o artigo “Chega de eufemismos”, de Dorrit Harazim,


no qual a jornalista trata do emprego de eufemismos nos relatórios do Senado
americano e da ausência dele no relatório da Comissão da Verdade, no Brasil.

http://observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-
debates/_ed829_chega_de_eufemismos/

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A publicidade também se vê às voltas com essa questão quando trata de
assuntos delicados ou de tabus. Um deles, por exemplo, é a morte de uma
criança. Não há como explicitar isso num anúncio, numa imagem. A Associação
para a Promoção da Segurança Infantil de Portugal conseguiu criar um anúncio
alertando para o perigo do afogamento de crianças.

Acesse o link e veja a imagem:

http://publisociedade.blogspot.com.br/2008/11/como-se-representa-
tragdia-em.html

O eufemismo está no uso do ursinho boiando na superfície da água. Ele


atenua o impacto que haveria diante da imagem de uma criança. Nesse caso, é
um eufemismo visual bem empregado pelo publicitário:

http://www.apsi.org.pt/index.php/pt/campanhas-e-acoes/campanhas

Leia o texto Eufemismo, de José Luiz Fiorin, capítulo do livro Figuras de


Retórica (p. 78-80) São Paulo: Contexto, 2014. (Biblioteca Virtual)

Quando o sentido é o oposto da expressão: A ironia

O pai de Janjão, quase no fim do conto Teoria do Medalhão (18??), de


Machado de Assis, diz ao filho: “Somente não deves empregar a ironia, em vez
disso”, continua o pai, “use o humor aberto, sem meias palavras ou
subentendidos”. O pai quer que o filho ascenda socialmente, e para isso o ensina
como agir seguindo as máximas da aparência, ou seja, agindo de forma
superficial de modo a agradar a todos e parecer ser alguém inteligente, culto,
mesmo não o sendo. Por isso aconselha o filho a não usar a ironia, pois esta
costuma incomodar o interlocutor ou o leitor.

Ironia vem da palavra eironeia que significa “a ação de interrogar fingindo


ignorância, dissimulação”. Do ponto de vista da linguagem, a ironia é quando se
diz uma coisa cujo significado é o oposto. Como mostra Fiorin, “são duas vozes
em conflito, uma expressando o inverso do que disse a outra; uma voz invalida
o que a outra profere” (2014, p. 70). Exemplos cotidianos são as broncas que as
crianças levam de suas mães e pais: “Muito bonito, meu filho”, quando a criança

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faz alguma bobagem, ou seja, a expressão é invalidada pelo contexto, já que a
mãe está repreendendo-o.

Em 2015, o jornal francês Charlie Hebdo sofreu um atentado em sua


redação que levou à morte vários de seus colaboradores e jornalistas. Dedicado
ao humor, empregando charges bastante irônicas, esse periódico não poupou
nem mesmo a campanha que foi feita a seu favor logo depois do atentado.

Veja a charge disponível no link a seguir, publicada na edição de


14/01/2015, e perceba a ironia.

http://defence.pk/threads/charlie-hebdo-publishes-cartoon-on-
bangladesh.354354/

Na charge, vemos costureiros produzindo a camiseta com a frase de


solidariedade ao jornal que ficou famoso na ocasião: Je suis Charlie Hebdo (Sou
Charlie Hebdo). Os costureiros estão seminus, são magérrimos, dando a
entender que são explorados como mão de obra escrava ou semiescrava. O
texto que acompanha a imagem tem uma frase indireta contextualizando a
imagem: “Enquanto isso em Bangladesh...” (“Pedant ce temps, au Bangladesh”),
e outra direta saída da boca banguela de um dos costureiros: “Para vocês, de
todo coração” (“De tout coeur, avec vous!). O efeito da ironia está na charge
como um todo, em que a alegria e dedicatória dos costureiros é, na verdade, o
inverso do que sentem e vivem esses mesmos trabalhadores segundo, claro, o
autor da charge do Charlie Hebdo. A segunda ironia é de que, na verdade, com
a venda das camisetas quem lucra é o explorador desses mesmos costureiros.

Na publicidade também pode haver bastante ironia, como nessa


campanha da organização católica Cordaid, em que quenianos posam como
modelos junto a produtos cujos valores são exorbitantes comparados aos
praticados nesse país africano.

http://deysemelo.com/com-ironia-e-certo-incomodo-campanha-chama-a-
atencao-para-a-pobreza/

A ironia está em empregar em um formato típico da publicidade ocidental


modelos quenianos posando não para vender um produto, mas para alertar

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acerca da grande diferença entre os valores praticados na Europa e no Quênia
em relação ao consumo de bens de primeira necessidade e bens supérfluos. E
posam também para convidar o consumidor europeu a ajudar o povo desse país.

Leia o texto Ironia, de José Luiz Fiorin, capítulo do livro Figuras de


Retórica (p. 69-72) São Paulo: Contexto, 2014. (Biblioteca Virtual)

TEMA 5 - A EXPRESSÃO: A COMBINAÇÃO E O SOM ENTRE AS PALAVRAS

Neste tema falaremos de fenômenos de estilo que não se referem aos


sentidos diretamente, mas, sim, a combinações entre as palavras e aos efeitos
sonoros que elas produzem. Diretamente porque também se incluem no
processo de construção do sentido.

Inversão ou quebra da ordem natural da frase, repetição ou omissão de


palavras, repetição de sons de consoantes e vogais são os efeitos das figuras
que estudaremos agora.

Inversão da ordem: figuras de sintaxe

Nós já vimos que as palavras no português obedecem a uma ordem dita


natural, ou seja: sujeito, verbo, complemento, circunstância como nesta
chamada do Diário de Pernambuco:

“Casos de microcefalia assustam interior de Pernambuco”

Em laranja temos o sujeito, em verde o verbo e em azul, o complemento


verbal (objeto direto). Os jornais e anúncios, em geral, usam essa ordem, pois
é a mais fácil de ser compreendida pelo leitor. Mas na literatura, em letras de
música e mesmo nos meios de Comunicação emprega-se uma mudança nessa
ordem. Geralmente ocorre para destacar um elemento que ficaria mais apagado
se escrito na ordem natural. Lembra-se da aula sobre o Hino Nacional? Ali há
uma baita inversão, não? Fiorin (2014, p. 171) observa que:

Quando se inverte a ordem habitual das palavras, produz-se uma


intensificação do sentido, pois um termo é alçado a uma posição de
proeminência. Por exemplo, no Hino Nacional, o sintagma povo heroico
ganha destaque em relação a brado retumbante; Ipiranga é realçado
em relação a margens plácidas (itálicos do autor).

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Para saber mais, leia o artigo “Polêmica sobre o Hino Nacional”, de José
Augusto Carvalho, disponível a seguir.

http://defence.pk/threads/charlie-hebdo-publishes-cartoon-on-
bangladesh.354354/

Esse é o papel da inversão, dar relevo a alguma sequência que ficaria


menos visível na sentença. Por exemplo, neste verso de um soneto célebre de
Camões:

“Transforma-se o amador na cousa amada

Por virtude do muito imaginar;

Não tenho logo mais que desejar,

pois em mim tenho a parte desejada.”

O primeiro verso está invertido. Camões buscou enfatizar a ação de


transformação, posicionando o verbo antes do sujeito. Isso se dá porque a
mudança percorre todo o soneto, pois aquele que ama passa a ser a coisa
amada, eliminando o espaço, o tempo e a diferença entre eles. Se puséssemos
o poema na ordem habitual, teríamos isto: “O amador transforma-se na cousa
amada”, e a ênfase à transformação diminuiria.

Tanto em Camões como no Hino, a inversão era um recurso empregado


desde a poesia renascentista até o parnasianismo no início do século 20. Com
o surgimento das vanguardas, do modernismo esse recurso passou a ser menos
empregado.

Na mídia ele costuma aparecer para destacar uma ideia ou marca ou é


usado em construções consagradas pelo uso. Alguns slogans que marcaram a
publicidade nacional usaram a inversão como recurso para enfatizar a marca:

O primeiro Valisére a gente nunca esquece (sutiã Valisére)

Tender Leaf, você já conhece (Chá Tender Leaf)

É claro que a ordem habitual tiraria a força dos slogans.

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Entre as expressões consagradas pelo uso, temos o emprego de
expressões que significam tempo, modo e lugar no início da frase, e são a forma
de inversão mais empregada nos títulos de matérias jornalísticas. São muito
mais suaves do que as que encontramos na poesia. Veja alguns exemplos:

 Na COP-21, Hollande alerta para clima e terrorismo (UOL,


30/11/2015).
 Com linha e agulha, narrativas estrangeiras sertanejas são
bordadas à mão (Diário do Nordeste, 30/11/2015)
 A poucos dias do Enem, estudantes devem relaxar e
repassar conteúdos (Estado de Minas, 20/10/2015)

Leia o artigo “Posição dos termos da frase pode produzir duplo sentido”,
em que Thaís Nicoletti discute a questão da mudança de posição dos termos na
frase e a ambiguidade.

http://vestibular.uol.com.br/ultnot/resumos/ult2772u25.jhtm

O sentido do som: aliteração, assonância

Não costumamos prestar atenção nos recursos sonoros da língua quando


estamos lendo um texto como este. Fazemos isso quando lemos um poema, um
anúncio, ou mesmo um provérbio. Nessas horas o som das palavras e frases se
destacam e chamam a nossa atenção:

Poemas

Etimologia

No suor do rosto

o gosto

do nosso pão diário

sal: salário

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[José Paulo Paes. Melhores poemas. São Paulo: Global, 2000, p.156]

“ e caí como um corpo morto cai” (Dante Alighieri, trad. Augusto de


campos.)

Expressões proverbiais:

Mente por todos os dentes | O diabo arma e desarma | Quando a porca


torce o rabo

Slogans, marcas

“Lilica Ripilica, É divertido vestir” | Crocante, crocante. Faz até a terra


tremer. (Yopa)

Manchetes

Tiraram o Brasil da Tomada (NP, 12/03/199) | Tonico tá morto |

O que vimos em comum em todas essas expressões? A repetição. O que


muda é a natureza do que é repetido. Essa reiteração dos sons tem origem na
linguagem oral, serviu por muito tempo para guardar na memória breves e longos
trechos de textos literários. E serve até hoje para quem escreve cordéis, cria
repentes ou raps, além da poesia de modo geral, e slogans e, por que não,
manchetes de revistas ou jornais de humor ou populares.

Vimos dois exemplos da repetição de sons. Nesse caso, ficamos no plano


dos fonemas, ou seja, dos sons produzidos quando pronunciamos as letras do
alfabeto. Há três formas de classificação;

Repetição Figura exemplo

vogais assonância No suor do rosto

o gosto

do nosso pão diário

consoantes aliteração Mente por todos os dentes

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Vogais e consoantes coliteração “Lilica Ripilica, É divertido
vestir”

No poema de José Paulo Paes, a assonância do fonema /ô/ enfatiza o


caráter repetitivo do trabalho, além de imitar as gotas que caem pela repetição
gráfica da letra “o”. No provérbio “Mente por todos os dentes”, a repetição da
consoante /t/ martela com o som fechado desse fonema a prática ilimitada de
mentir, além de gerar uma relação de similaridade entre mentir e morder, ou seja,
criar uma metáfora. Em “Lilica Ripilica” e “É divertido vestir”, a repetição se dá
com consoantes /l/ e /v/ e com as vogais /i/ e /e/. O próprio nome da marca é um
jogo sonoro. Repare também na inversão das consoantes /r/ e /s/ em di-vertido
e vestir, reunindo a ideia da marca, do slogan, que é a identificação da roupa
com brinquedo.

Assim, preste atenção no som, muitas vezes ele pode dar o sentido do
texto.

Ler Figuras de efeito sonoro, de Norma Goldstein, p. 74-79. (In: Versos,


sons e ritmos. 14ª ed. São Paulo: Ática, 2006 – Biblioteca Virtual).

TROCANDO IDEIAS

Chegou o momento de conversar com os seus colegas e expor o que você


pensa. Baseado no que estudamos hoje, cite a influência que grandes marcas
têm sobre a sociedade devido à sua construção ou exposição. De que forma tais
ideias estão embutidas no meio social?

NA PRÁTICA

Procure produzir um poema, ou outro gênero, em que se destaque um


dos elementos de expressão estudados na aula.

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REFERÊNCIAS

BUENO, Luciana E. B. Linguagem das artes visuais. Curitiba:


Intersaberes, 2013. (Biblioteca Virtual).

CAMPOS-TOSCANO Ana Lúcia F. O percurso dos gêneros no


discurso publicitário. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009, p. 55.

FIGUEIREDO, Celso. Redação Publicitária. São Paulo: Pioneira, 2005,


p. 15).

FIORIN, J. L.; SAVIOLI, Platão. Para entender o texto. Leitura e


redação. São Paulo: Ática, 2006 (Biblioteca Virtual).

FIORIN, José Luiz. Figuras de Retórica São Paulo: Contexto, 2014


(Biblioteca Virtual).

FRANCO, Blandina. Estilística. Crônicas da Norma. São Paulo: Cállis,


2013. (Biblioteca Virtual).

GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons e ritmos. 14ª ed. São Paulo: Ática,
2006 (Biblioteca Virtual).

MARTINS Eduardo. Manual de Redação e Estilo do Estado de S.


Paulo. 1997, p. 159.

MOTTA, Rodrigo P. Sá Jango e o golpe de 1964 na caricatura. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

PAES José Paulo. Melhores poemas. São Paulo: Global, 2000.

TRINGALI, Dante. Introdução à retórica. São Paulo: Duas


Cidades,1988, p. 115.

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