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“Num filme o que importa não é a realidade, mas o que dela se


possa extrair a imaginação”
CHAPLIN

1 INTRODUÇÃO

O objetivo desse trabalho é verificar de que forma o cinema é capaz de


contribuir para a aprendizagem, cruzando a sua linguagem com o discurso
escolarizado, e como essa interação pode estimular e enriquecer o processo
educacional, sobretudo o ensino de literatura. Para tanto, adotamos como
caminho metodológico a pesquisa bibliográfica qualitativa e se dará por meio
de leituras, fichamentos, análises de filmes e textos que abordem a temática a
ser discutida. Bem como teóricos para a fundamentação deste estudo: Roger
Chartier (1990), Deleuz (1990), Pierre Bourdieu (2000), Rosália Duarte (2002),
Ismail Xavier (1983), entre outros.
O Cinema, pela sua complexidade artística, tem vindo a suscitar
inúmeros estudos. Quer abordemos o domínio semiótico, na linha de Metz
(1968) ou Chatman (1978), quer o abordemos em termos estéticos ou
históricos, na linha de Eisenstein (2002), ou Bazin (1992) , o Cinema não deixa
nunca de estabelecer relações com a Literatura. Uma delas é destacada por
Reis (1987, p.56) quando afirma que Ӄ, pois, teoreticamente ajustado postular
o cinema como linguagem que no fílmico se articula e falar em linguagem
cinematográfica em termos homólogos àqueles em que se fala em linguagem
literária”.
Pois bem, o homem, desde os primórdios, sempre criou e ouviu
histórias. Primeiro, criou os mitos para explicar os fenômenos da natureza, cuja
razão desconhecia. Depois, passou a ouvir as experiências daqueles que
saíam de sua aldeia e viajavam pelo mundo, com cujos relatos alimentavam a
imaginação dos ouvintes, que, por sua vez, recontavam-nos a outros,
ressignificando-os.
A narrativa, primeiramente oral, passou a se valer de outros suportes,
como a pintura, a escrita e, finalmente, a imagem movente. Todos esses
suportes exigem do receptor uma atitude explorativa, ou seja, exigem que ele
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os leia, empregando aqui os termos leitura e texto em uma acepção mais


abrangente.
Nesse sentido, vale destacar que o leitor nunca é passivo diante de um
texto, mas reescreve-o a partir de seu conhecimento de mundo. Assim, podem
diferir as leituras e interpretações, já que as pistas estão dadas, mas são
percebidas conforme a experiência e a proficiência de cada receptor. Por isso,
o papel de mediador do professor na escola é fundamental nesse processo de
desenvolvimento da prática leitora por parte do aluno. É, pois, compromisso do
professor assumir a tarefa de guia do ato exploratório que é, de fato, a leitura.
O cinema igualmente se constitui como parte da história da arte e do
pensamento, sob as formas autônomas insubstituíveis que seus criadores
souberam inventar, e fazer passar apesar de tudo. O cinema propõe outras
formas de percepção e, portanto, de construção de subjetividades. Cada um
constrói a sua própria percepção e pode expressá-la em ambientes que fa-
voreçam a troca de pontos de vista. Ao conhecer o ponto de vista do outro, o
meu, será, com certeza, enriquecido.
Desde que o cinema é cinema, a literatura tem sido um de seus pontos
de partida. Os “filmes de arte” franceses do início do século XX procuravam se
legitimar como obras sérias e eruditas a partir de textos clássicos e intérpretes
teatrais. A relação logo teve mão dupla, quando literatos e dramaturgos
começaram a se inspirar no cinema para formar narrativas e poesia, questão
presente em diferentes literaturas, inclusive na brasileira – os modernistas são
exemplos claros desse argumento. E a relação cinema/literatura continua até
hoje, englobando dos clássicos mais antigos à narrativa e à poesia em
produção, mais os filmes como tema e fonte de inspiração da linguagem
escrita.
No nosso país, não ir ao cinema ou não assistir a filmes não é con-
siderado desobediência civil. Não ir à escola sim. E, talvez por isso mesmo, a
escola possa tornar-se um lugar de cinema e reunir, no espaço da sala de aula,
arte e educação como processos, criando novos métodos de assimilação de
múltiplas manifestações culturais. A escola contribui, assim, não apenas para a
veiculação de conteúdos, mas para a construção de outra forma de
inteligibilidade do mundo, por meio de imagens e sons em movimento ex-
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pressos nos inúmeros filmes a que o professor pode recorrer para compor suas
aulas.
Pierre Bourdieu (2000), diz que a experiência das pessoas com o cinema
contribui para desenvolver o que se pode chamar de competência para ver.
Porém, o desenvolvimento de tal competência não se restringe ao simples ato
de assistir a filmes; tal competência tem ligação com o universo social e cultural
dos indivíduos. Em sociedades audiovisuais como a nossa, o domínio dessa
linguagem é requisito fundamental para que possamos transitar em diferentes
campos sociais. A imagem em movimento tem relação com aquilo que somos,
com nossas identidades, o que nos remete a uma reflexão sobre a importância
da linguagem audiovisual na nossa sociedade. Valoriza-se muito, em nossa
cultura, a linguagem escrita e a importância de conhecermos uma série de obras
literárias, bem como seus autores, a leitura de imagens e a prática de ver e
analisar filmes é de extrema relevância e importância no nosso cotidiano.
Assim sendo, esta monografia propõe-se a leitura de textos literários e
fílmicos em contraposição, na escola, principalmente considerando o apelo da
linguagem visual nas diferentes mídias atualmente. Para isso, julga-se
necessário retomar brevemente o surgimento do cinema, para, posteriormente,
discutir a linguagem fílmica e a literária, nos aspectos em que se assemelham e
se diferenciam. Por fim, serão discutidas diferentes alternativas de trabalho com
esses textos.
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2 CINEMA E LITERATURA: CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Este capítulo traz como discussão a relação cinema e literatura. Cinema


é arte que ajuda a dar sentido à vida, que a torna interessante a ponto de
conquistar os espectadores, fazendo-os refletir sobre a originalidade da ex-
periência humana. Por mais comum que uma história possa parecer, ela nunca
será a mesma quando contada e recontada nas telas.
Cinema é a arte da singularidade, de narrar com originalidade uma
história, seja ela inspirada em fatos reais ou de ficção. E é talvez por isso que
nos identificamos tanto com as histórias, sorrimos e choramos com os
personagens, acompanhamos, às vezes quase sem fôlego, as imagens em
seqüência, voltamos ao passado, projetamos o futuro.
Ver um filme pode significar a busca de um mundo que é revelado pelo
esforço de recuperação, não do sentido original, mas de outros sentidos
possíveis.
E a literatura?A Literatura pode modificar a forma de pensar e vê o
mundo, preparando os alunos para vida,oferecendo aos jovens a possibilidade
de romper com a repetição e a padronização das atividades do dia-dia. Para
Morin (2000, p.20),

A literatura canaliza o movimento entre o real e o imaginário. Aleita


nossos tropismos afetivos. No final da infância ela nos dota de uma
alma... Ela propõe moldes sobre os quais se vestirão nossas
tendências individuais, e este vestir, sejam roupas sobe medida sejam
de confecção, dará forma a nossa personalidade. Ela nos oferece
antenas para entrar no mundo. Não quero dizer que ela nos adapta a
este mundo: ao contrário, seus fermentos de rejeição e de inadaptação
e seu caráter profundamente adolescente contradizem este mundo.
Mas contradizem-no dando-nos acesso a ele.

A literatura trabalha, quase sempre, com a palavra escrita como recurso


único de elaboração (vamos esquecer, momentaneamente, a poesia visual ou
material e as histórias em quadrinhos); e o cinema parte da imagem em
movimento para incluir palavras, desde sua preparação até aos diálogos entre
personagens ou às vozes narrativas nele presentes, mais outros sons –
música, ambiente etc.
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O cinema se relaciona muito freqüentemente, portanto, com a literatura.


O cinema mais elaborado artisticamente transforma essa abordagem em
reflexão profunda, porque mergulha com recursos de grande arte – razão
sensível e expressiva – nas experiências humanas que aquela outra
modalidade de grande arte elaborou verbalmente.
Lembramos a permanente necessidade de livros e filmes, ainda mais se
forem grandes livros e grandes filmes. São suportes de pensar e sentir. São
lugares de memória para quantos os lerem ou a eles assistirem. Um não
substitui o outro, pelo contrário se complementam.

2.1 CINEMA: A SÉTIMA ARTE

No inicio do século XX, o cinema era considerado, pela elite cultural,


como “arte” das feiras, como espetáculo para as massas e passatempo dos
iletrados. A fim de promover um distanciamento desta compreensão para
aproximá-lo e integrá-lo à categoria das Belas Artes (como a música, a pintura,
a escultura, a arquitetura, a poesia e a dança), Ricciotto Canudo (1879-1923),
poeta, filósofo, romancista, ensaísta, crítico e produtor cultural italiano,
publicou, em Paris, em 1923, o Manifesto da Sétima Arte.
Assim, sendo denominado por Ricciotto Canudo como a “sétima arte”, o
cinema, a mais popular das artes, foi inventado, em fins do século XIX, como
uma curiosidade científica, utilizando diversos inventos precursores
indispensáveis, que se iniciaram oficialmente no século XVII, com o jesuíta
alemão Athanasius Kircher (1601-1680), construtor da primeira lanterna mágica
dos tempos modernos.

O caminho continuou a ser preparado pela invenção da fotografia,


possibilitando que o cinema viesse a surgir da combinação do princípio da
lanterna mágica com as imagens fixadas em filmes. O movimento, condição até
então faltante, foi pesquisado por diversos estudiosos, até que, em 1891, o
francês Georges Demeny idealizou o phonoscope, com a finalidade de
reproduzir o movimento da palavra e o jogo fisionômico de um homem
articulando palavras. Com isso termina a fase preparatória da invenção do
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chamado cinematógrafo e são dados os passos definitivos para a invenção do


cinema.

Em 1888, Émile Reynaud apresentou o teatro óptico, realizando fitas de


quinhentas e até setecentas imagens, que já tinham perfurações e eram
apresentadas para platéias de centenas de espectadores, com música de
Gastón Poulin, no entanto, os franceses não lhe atribuíram à invenção oficial
da cinematografia, mas sim aos irmãos Louis e Auguste Lumière que fizeram a
primeira exibição pública de “fotografia animada”, em 28 de dezembro de 1895,
em Paris.

Os Lumière dedicavam-se ao documentário e não previram as


possibilidades artísticas de seu invento, tanto que, anos depois, declararam:
“As aplicações cinematográficas do cinematógrafo, orientando-se cada vez
mais para o teatro e dando ênfase à encenação, forçam-nos a abandonar essa
exploração para a qual não estávamos preparados”.

Os irmãos Lumiére, por sua vez, registraram cenas do cotidiano, como o


trem chegando à estação. No entanto, em função do desconhecimento dessa
nova linguagem - a imagem movente – e pelo efeito de realidade, inicialmente,
os espectadores fugiram da sala de projeção, pensando que seriam
atropelados pela locomotiva.
Essas cenas do cinema primitivo, entretanto, não tinham seqüencia
narrativa, pois não narravam uma história, como já ocorria na literatura, que
fora influenciada pela fotografia.

Georges Méliès fabricou um aparelho análogo, transferindo sua


experiência de ilusionista para a tela e, em 1896, como mágico e poeta, utilizou
seus truques e sua imaginação para retirar o cinema do terreno árido da
realidade fotografada. Nesse mesmo ano, construiu o primeiro estúdio francês
em Montreuil, o qual já apresentava muitas das características dos estúdios
modernos. Desde então, o cinema vem colaborando sobremaneira para o
desenvolvimento da cultura dos povos, possibilitando, principalmente aos
artistas de teatro, imortalizar seu desempenho.

Com a I Guerra Mundial, o cinema nos EUA expandiu-se de maneira


triunfante, sobretudo com o fundador da comédia americana, Mack Sennett,
com o inesquecível Charles Chaplin, e com Griffith, que organizou as bases da
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linguagem cinematográfica universal, com os filmes: O nascimento de uma


nação (1914-1915) e Intolerance (1916). Era o sucesso do cinema mudo que
movimentava Hollywood, levando a Griffith e Chaplin a juntar-se a diversos
outros profissionais da sétima arte, até que se chegou ao cinema sonoro, no
dia 6 de outubro de 1927, com a estréia de The Jazz singer, tendo como
produtores os irmãos Warner. A partir de então, a riquíssima indústria
cinematográfica tem-se aperfeiçoado cada vez mais, apaixonando gerações e
gerações de fãs fiéis e exigentes.

Com o desenvolvimento da tecnologia e da linguagem fílmica, as cenas


do cotidiano já não seduziam o espectador, desejoso de histórias, o que levou
os produtores a buscar narrativas na literatura, que, a partir daí, passou a ser,
por muito tempo, a fonte de que bebiam para criar seus roteiros. Assim, por
meio das incontáveis transposições do literário ao fílmico, o cinema passou a
ser, na via contrária, mediador entre o leitor e a literatura. Exemplo disso é o
fenômeno literário e cinematográfico Harry Potter, e o clássico Senhor dos
Anéis.
Por outro lado, roteiros de filmes foram publicados a partir do sucesso
cinematográfico, passando a ser lidos como literatura, como é o caso de O
invasor, de Marçal Aquino, cuja novela original e cujo roteiro do filme, escrito a
partir dela por Beto Brant, foram publicados em um único volume, pela editora
Geração Editorial. Os dois textos estão separados por fotos de imagens do
filme. Assim, percebe-se que há uma influência mútua entre literatura e cinema,
pois, para Pellegrini (2003, P. 33):

Parece claro, pois, que a natureza da literatura não passou incólume


pelas gradativas e profundas transformações que se efetivaram,
como resultado das novas técnicas introduzidas pelos novos modos
de produção e reprodução de cultura, baseados, sobretudo, na
imagem.

Em Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, por exemplo, é nítida essa


relação, especialmente no conto 74 degraus, em que não há um narrador em
terceira pessoa que narra, de um ponto de vista privilegiado, o que ocorre. A
única marca é a seqüência de números de 1 a 74. Cada ação, fala e impressão
é narrada pelas próprias personagens, que se expressam em novo parágrafo,
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utilizando o discurso indireto e o indireto livre. Cada uma relata as ações da


outra, alternando o ponto de vista.
Essa alternância em que cada personagem assume o ato de narrar e
expõe seu ponto de vista, sem a participação de um narrador em terceira
pessoa, exige do leitor perspicácia para compreender a seqüência narrativa.
Além disso, assemelha-se a um roteiro cinematográfico, como se fosse uma
montagem paralela, ao estilo de Griffith, ou seja, é como se, no cinema, o
espectador percebesse uma personagem através do olhar e das informações
cedidas pela outra, numa alternância de enquadramentos.
Nesse sentido, a relação simbiótica entre cinema e literatura ultrapassa
a organização narrativa, pois envolvem igualmente aspectos relativos as
linguagens verbal e visual, o que define os sentidos do texto. De um lado, o
texto literário se vale do signo lingüístico para construir os mundos possíveis
que apresenta em forma de narrativa, de outro, o cinematográfico harmoniza
signos de diferentes linguagens: o imagético, o musical e o verbal, bem como
as demais informações que a imagem transmite como a gestualidade e a
caracterização das personagens, a iluminação e o enquadramento, entre
outros aspectos.
Cada um a seu modo, literatura e cinema acionam distintos processos
cognitivos no processo de recepção. O texto literário narra para mostrar, já o
fílmico mostra para narrar, o que faz com que o leitor/espectador atue de
modos diferentes.
O cinema representa, portanto, um estado do olhar e do pensamento
com relação à realidade do mundo que nos cerca. Pensar o mundo dos
homens com o cinema significa pensá-lo na sua dinâmica e fluidez,
diferentemente, então, da maneira com que pensamos o mesmo mundo
através de fotografias, isto é, através de fragmentos do real, de recortes do
espaço e de golpes no tempo.
Cada tipo de imagem tem sua singularidade. Devemos pensar o cinema
não apenas como uma mídia entre outras e, sim, como um suporte imagético
privilegiado da expressão das culturas humanas.
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2.2 O CINEMA E O ENSINO DE LITERATURA

As relações entre o cinema e a literatura são tão fortes que alguns


estudiosos chegam a afirmar a sua existência antes mesmo do surgimento do
cinema. Para isto evocam uma teoria limite, segundo a qual há uma essência
do cinema, de um pré-cinema embutido em alguns textos literários anteriores à
forma de expressão cinematográfica, e que teriam como especificidade o fato
de os escritores ordenarem o relato em função da incidência do olhar do
narrador, da sua ocularização da cena a narrar. Desse modo, a narrativa
cinematográfica já se encontrava latente em alguns textos narrativos literários e
o surgimento do cinema no final do século XIX foi apenas a descoberta da
tecnologia que permitiu concretizar o modo narrativo que enfatiza a
visualização perceptiva da imagem de uma cena.

Desde a década de 1910, conforme Figueira (1995), os anarquistas


desenvolveram uma intensa reflexão sobre os usos do cinema como um
instrumento a serviço da educação do homem, do povo e da transformação
social. Essa transformação social deve acontecer desde a formação do
professor, que por sua vez deve considerar os saberes do aluno. Segundo
Tardif (2002), o saber é um saber plural, oriundo da formação profissional; de
saberes disciplinares, curriculares e experienciais.

A inclusão de novas formas de construir o processo de ensino


aprendizagem é uma medida necessária para uma formação integral e
adequada às características culturais do cidadão das sociedades modernas. O
cinema torna-se uma proposta educativa evidente, quando representa um
instrumento de mudança social, pelas vias das técnicas e da ciência.
Considerado como uma ferramenta educacional tem a oportunidade de inserir
na sala de aula como possibilidade do processo educacional e percorre etapas:
impressão da realidade, identificação e interpretação.

Para Duarte (2006, p.17) “ver filmes é uma prática social tão importante,
do ponto de vista da formação cultural e educacional das pessoas, quanto à
leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais”. Dentro do
contexto da utilização do cinema como veículo, ferramenta de ensinar temos a
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oportunidade de enfocar aspectos históricos, literários e cinematográficos, seja


de forma separada e/ou em conjunto. Através destas possibilidades podemos
trabalhar com os temas transversais, estabelecidos pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), estes constituem uma possibilidade do saber, da
memória, do raciocínio, da imaginação, e da estética entre outros, ou seja, de
integração dos saberes.

Especificamente sobre o ensino de Literatura, a falta de habilidade e


clareza por parte do professor pode acarretar interpretações dúbias, que
reforcem o incômodo, mas já constante achismo, que se apodera das análises
literárias, quando se barateia o trabalho com Literatura.

Na verdade, trata-se aqui do cinema como ferramenta, meio, mas não


somente isso, pois o cinema no ensino de Literatura se apresenta antes como
uma possibilidade de linguagem e de compreensão da obra literária a partir
dessa outra linguagem, do que como a ilustração de um fato que suscite
discussões, lembrando que esse é o processo costumeiro nas escolas em
relação aos filmes.
É facilmente percebível a grande dificuldade que os alunos encontram
ao estudarem Literatura, pois essa deficiência está estreitamente ligada a uma
clara deficiência no processo de leitura, pois, para Silva (In: FLORES, 2001,
p.98),
em verdade, transitamos de uma sociedade pré para pós-letrada, sem
a existência de um momento intermediário para a disseminação do
hábito de leitura; mais especificamente, ‘saltamos’ da tradição oral
para dentro de uma cultura tecnovisual.

Sendo assim, pode-se inferir que, se o processo de leitura de códigos


escritos, depois de séculos de existência, ainda encontra problemas, a leitura
de imagens que descansa sobre um século apenas, referindo-se
especificamente ao cinema, e sobre as restrições que qualquer novidade,
cultural, científica ou tecnológica provoca, não poderia já ter superado todas as
suas deficiências no processo de compreensão de seus códigos.
A disseminação da leitura de imagens começou com as dificuldades que
as produções cinematográficas apresentam, levando-se em consideração aqui,
as dificuldades inerentes ao meio, tais como aparelhagem, espaço, tempo e
orçamento para realização. Isto é, produzir um filme não é como produzir um
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livro, visto que o processo de criação é coletivo e colaborativo, dependendo da


intenção e disponibilidade de uma grande equipe.
Mas o grande problema sintetizado pelo cinema no ensino de Literatura
não é essencialmente o meio, mas o enfoque dado ao uso dos meios
audiovisuais, que servem a muitos senhores, e também ao ensino, sendo,
porém, essa visão pedagógica pouco institucionalizada na escola.
Nesse sentido, o Cinema teve que, anteriormente a sua possível
constituição como instrumento pedagógico, superar o arquétipo, não de
comunicação de massa, mas de comunicação massificadora.
O Cinema de autor francês e o Neo-realismo italiano são tentativas de
valorizar o autor e impingir à película características não alienantes. Porém,
acredita-se que independente das qualidades intelectuais de um texto,
cinematográfico ou não, a atitude do leitor/espectador diante desse texto
também é determinante. Dessa forma, a definição do cinema como indústria
cultural e como instrumento de massificação parece ter impossibilitado, ou
melhor, dificultado a inserção do meio no universo acadêmico, por algum
tempo, mesmo tendo o cinema adaptado muitas obras literárias, já nos
primeiros tempos de sua existência.
Somado a isso a falta de habilidade dos docentes em relação ao meio
criou-se um uso ineficaz e ilustrativo dos filmes, que acabam constituindo um
fim em si mesmo, ao invés de desencadearem reflexões e investigações a
respeito das obras que lhes serviram de base, neste caso, literárias.
Assim, reconhecendo também a necessidade de promover a leitura de
imagens, aqui o cinema, postula-se a validade das produções
cinematográficas, a partir da possibilidade de aumentar seu campo de leitura,
pois segundo Souza (In: FLÔRES, 2001, p.152)

Quanto mais intensa a atividade de leitura, maior é a capacidade de se


inter-relacionarem textos que abordem a mesma temática, sejam os
enfoques semelhantes ou diferenciados. Esses relacionamentos podem
efetivar-se através de textos científicos, literários, artísticos ou
filosóficos, além dos escritos presentes em revistas, jornais e
publicações congêneres e daqueles que compõem os filmes, as peças
de teatro e as letras de músicas.
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Como podemos perceber, conforme expõe Souza, a intertextualidade,


além de melhorar a escrita, proporciona as mais variadas formas de se
compreender o mundo, o homem e a realidade que o cerca. E no caso de
adaptações de obras literárias para o cinema, o relacionamento intertextual
acontece através do enfoque temático, mas, principalmente, por meio da
mudança de linguagem, visto que o filme tem como alicerce um enredo literário
e posteriormente utiliza uma linguagem visual, acompanhada de som e
movimento.

Ao contrário do que pode parecer, nem sempre o leitor e o espectador


conseguem estabelecer as necessárias relações para compreender os textos.
Assim, tanto a leitura do texto literário como a do texto fílmico devem ser
ensinadas na escola, a fim de que tais produtos culturais sejam consumidos a
partir de uma leitura mais competente.
A partir disso, é preciso instrumentalizar os professores para que eles
analisem ambos os textos tanto em relação à história narrada como em relação
ao discurso, para evidenciar as estratégias de composição textual e suas
conseqüentes possibilidades de leitura e interpretação.
O mais interessante é perceber que, apesar do cinema conseguir
relacionar toda uma série de conhecimentos, técnicas e procedimentos,
envolvendo uma grande quantidade de pessoas em seu processo de
elaboração, e dispor de diversificadas formas de comunicação de idéias, há
ainda uma grande rejeição por parte dos educadores em utilizar de forma
consistente os filmes em sala de aula.

Ao professor cabe apropriar-se dessa linguagem que acontece sempre


nessa tensão entre o real e o fantasioso, entre a realidade e a ficção. Todo
filme expressa sempre uma realidade possível ao homem, mesmo que cons-
truído como ficção e expressando o ponto de vista de um diretor. Mesmo os
documentários, que procuram aproximar-se e apreender a realidade, a vida
como ela é, apresentam sempre a visão de seu realizador.
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2.3 DA LITERATURA AO CINEMA

Conforme o pensamento de Scorsi (2010), o cinema está impregnado da


literatura, a literatura moderna sorve os ritmos e modos do fazer
cinematográfico. “Linguagens convergentes, cinema e literatura são linguagens
do nosso viver urbano, contemporâneo, que se fixam em nossa memória e nos
educam cotidianamente”. Assim, toda e qualquer comunidade apresenta
diferentes maneiras para se expressar artisticamente, entre elas a Literatura, a
qual se destina a ser objeto de apreciação, lazer e estudo.
Segundo sabemos, pois isto já é senso comum, a Literatura é a arte da
palavra, seu material é a palavra. Partindo das experiências pessoais e sociais
que vive, o artista transcreve ou recria a realidade, dando origem a uma supra-
realidade ou a uma realidade ficcional. Ao transcrever a realidade se pode usar
a imaginação, tanto o autor como o leitor, são livres para recriar livremente a
realidade ao escrever e ao ler o texto.
A literatura precede em milênios o cinema e por isso compõem-se
esteticamente de forma distinta: a literatura não se vale da estética da imagem,
enquanto o cinema se constrói sob ela. Ambas as linguagens, enquanto
produto humano, influenciam-se mutuamente. Entre os meios literário e
cinematográfico existe um paralelo comum, formado pelo diálogo e pela
imagem, sendo que no primeiro o texto propriamente dito é que acionará os
sentidos e, na mente do leitor, se transformará em imagem, enquanto no
segundo imagens em movimento é que serão expostas aos olhos do
espectador, e serão decodificadas através das palavras.
A história das relações entre a Literatura e o Cinema é pautada ora pela
intersecção, ora pelo dissídio. Os cineastas, desde cedo, viram na Literatura
um universo de temas e de estruturas narrativas que poderiam constituir uma
verdadeira fonte de inspiração e de trabalho. Na aurora da sétima arte, Griffith
não hesitou em reconhecer que colhera em Charles Dickens modelos
narrativos, técnicas, uma concepção de ritmo e de suspense, articulando duas
acções simultâneas e paralelas. Já em 1867, Méliès adaptava da literatura,
Fausto e Margarida, em 1868, A Gata Borralheira, para, em 1902, iniciar o seu
percurso de versões de obras de Júlio Verne com Viagem à Lua.
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Na adaptação da literatura ao cinema, é natural afirmar que o filme é um


novo texto, constituindo-se em uma releitura do seu hipotexto, ou seja, o texto
que a ele subjaz. Sendo um novo texto, a narrativa fílmica prescinde da
fidelidade ao literário, podendo afastar-se dele em diferentes medidas; o que
lhe garantirá qualidade estética são a coerência da narrativa e o emprego da
linguagem fílmica.
Não deve, pois, ser julgado em termos de fidelidade ao literário, mas
pelo modo como a narrativa é engendrada, uma vez que um texto (literário ou
cinematográfico) fala por seus procedimentos estilísticos e não pelo eventual
caráter fotográfico de sua escrita. Ver um filme não se reduz a uma leitura
direta do que vemos na tela no momento da projeção, nem ler um livro se
reduz à imediata identificação das palavras impressas no papel. Cinema e
literatura não são apenas estas coisas concretas que efetivamente temos
diante dos olhos. É a estrutura que organiza o que é imediatamente visível e
também o que se constrói no imaginário estimulado pelo que se movimenta na
imagem e palavra.
Além disso, como obra já marcada pelo valor semântico procedente do
texto literário, do qual herda reflexos dos juízos da crítica, o filme pode, em
contraponto, atribuir-lhe novos significados, reforçando ou não o significado
original. A nova obra permite novos olhares e olhares renovadores sobre o
texto literário, em um jogo de intertextualidade especular. Esse novo olhar pode
acontecer de um uso inesperado da linguagem fílmica para narrar a diegese
literária original, a qual pode ser abreviada ou estendida, tratada a partir de
novo foco narrativo ou mesmo narrada por outro narrador. As possibilidades
são múltiplas. Cada nova versão precisa encontrar “soluções fílmicas” para
representar o literário, ou seja, explorar, por meio da heterogeneidade significa
que lhe é própria, os sentidos a serem construídos.
A partir disso, enfatiza-se o papel fundamental do leitor/espectador na
construção das significações do texto e na identificação de suas possíveis
articulações com o contexto histórico-cultural do momento da produção e da
recepção, bem como do próprio evento histórico interpretado. O sentido e a
forma não estão nos fatos em si, mas nos sistemas de significação. Literatura e
cinema constituem-se em reflexões sobre o Homem, instaurando um olhar
crítico.
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O filme tem o poder de infiltrar-se no corpo e na mente dos


espectadores. Existem complexos mecanismos que regulam o funcionamento
de nossa psique e o cinema tem sido capaz de atingi-los na medida em que a
tela apresenta cenas, através de recursos audiovisuais, que impregnam os
sentidos do espectador. Várias emoções são despertadas quando uma
projeção se inicia. Às vezes, tenta-se escapar delas, às vezes deseja-se
prolongar as maravilhosas sensações que a tela pode produzir. Assim, o
cinema, como dispositivo de representação, determina o papel do espectador
que se identificando com a câmera e cooperando ativamente de muitas outras
maneiras, contribui para a produção dos efeitos de sentidos previstos pela
estratégia do diretor-narrador (Costa, 1989, p. 19).
O filme revela-se, portanto, um poderoso instrumento para sensibilizar o
aluno/espectador. Como ensina Barthes (1975, apud COSTA, 1989), o filme é
um festival de emoções. Inquietações morais e sociais podem atingir mais
veementemente o espectador da imagem fílmica, já que esta tem o poder de
provocar um sentimento de realidade bastante forte (Martin, 2003, p. 22).
Segundo Marcel Martin, a linguagem das imagens é diferente da linguagem
das palavras, já que a imagem tem uma significação precisa e limitada: o
cinema jamais mostra 'a casa' ou 'a árvore', mas 'tal casa' particular ‘tal árvore’
determinada (Ibidem, p.23).
Outra questão envolve a força do presente que vive o espectador diante
da tela. A consciência está sempre no presente. Mesmo que o filme traga uma
realidade historicamente datada, a percepção do espectador é atingida no
presente:
Toda imagem fílmica, portanto, está no presente: o pretérito perfeito, o
imperfeito, eventualmente o futuro, são apenas o produto de nosso
julgamento colocado diante de certos meios de expressão
cinematográficos cuja significação aprendemos a ler (Ibidem, p. 23-24).

A imagem fílmica proporciona portanto, uma reprodução do real cujo


realismo aparente é, na verdade, dinamizado pela visão artística do diretor. A
percepção do espectador torna-se aos poucos afetiva, na medida em que o
cinema lhe oferece uma imagem subjetiva, densa e, portanto, passional da
realidade [....] (Ibidem , p. 25).
Evocar as relações entre cinema e literatura é festejar apoios e
apropriações que ambos se fazem reciprocamente, com a condição de
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continuarem a existir em suas especificidades. Precisamos de bons filmes e de


bons livros. Descobrir os labirintos de espaço e tempo que Alain Resnais nos
apresenta em No Ano passado em Marienbad (argumento do escritor Alain
Robbe-Grillet) não nos eximirá de procurar outros mundos nas palavras de
João Guimarães Rosa, em Grande sertão: veredas (filmado, sem maiores
arroubos, pelo cineasta Renato Geraldo Santos Pereira). E esses são apenas
dois exemplos, em um infinito universo de livros e filmes que podem marcar
nossas vidas com a aventura da indagação sobre o mundo.
Assim, a proximidade narratológica entre a Literatura e o Cinema é,
deste modo, um tema que merece a devida atenção, sempre que recordamos a
contiguidade entre estes dois sistemas semióticos. Como bem evidencia Aguiar
e Silva (1990), o texto fílmico narra freqüentemente uma história, uma
seqüência de eventos ocorridos a determinadas personagens num determinado
espaço e num determinado tempo, e por isso mesmo é tão freqüente e
congenial a sua relação intersemiótica com textos literários nos quais também
se narra ou se representa uma história.

3 O LIVRO E O FILME NA SALA DE AULA


23

Podemos pensar que a escola está para a educação como a sala escura
está para o cinema. Fica logo evidente, se olharmos para esses espaços, que
um é do mundo da luz, claro, visível. O outro é do mundo das sombras, da
penumbra, do escuro. Esses dois espaços condicionam a forma da nossa
presença em cada um deles. Para entrar na escola é preciso cumprir algumas
formalidades. Comprovamos nossa idade por meio de documentos legais,
comprovamos nosso conhecimento por meio de testes e outras formas que nos
permitem atravessar seu vestíbulo. Por isso, os vestibulares e outras formas de
ingresso.
Uma vez dentro da escola, tudo parece concorrer para a clareza, para a
objetividade. A escola faz parte desse mundo, que busca a luz, a harmonia, a
uniformidade, e para isso precisa de propósitos claros e metas a serem
cumpridas, em tempos estabelecidos. Alunos - que pela etimologia da palavra
podem ser compreendidos como seres carentes de luz -, são agrupados em
turmas, obedecendo a critérios, principalmente, cronológicos. A escola é a
instituição social eminentemente regida pela seriação, pela linearidade, pelos
currículos, ou seja, por caminhos estabelecidos, por metas a serem alcançadas
por todos, ao mesmo tempo. É também obrigatória. Está inserida em um
sistema de educação pensado para todo o país e deve obedecer a grandes
parâmetros, por isso os Parâmetros Curriculares Nacionais. Mas, ainda assim,
pode ser também um espaço de convivência, de encontro do outro, das
parcerias. Ao professor cabe trabalhar esses aspectos lineares, objetivos, mas,
também, buscar outras formas de convivência humana, trazendo para a escola
outras dimensões possíveis, outras linguagens. O cinema é uma delas.
O cinema é feito para grandes massas, é pensado para grandes
segmentos, não se insere em muitas classificações, embora encontremos
filmes destinados a crianças, jovens, adultos. Mas, essa é apenas uma
indicação, jamais uma obrigatoriedade. O cinema precisa ser pensando como
arte. E arte precisa ser pensada como uma dimensão da experiência humana
que transcende os limites da inteligibilidade apenas racional. Arte evoca, antes
de tudo, a emoção – do latim emovere, colocar em movimento. Ao colocar
imagens e sons em movimento, o cinema, e cada filme em particular, faz
aflorar as emoções, percebidas por meio dos sentidos, todos os sentidos,
embora tocados pela visão e pela audição.
24

A escola e a sala de aula podem propiciar esse espaço de troca e de


construção coletiva de sentidos. Suely Rolnik (1997), em seu texto “Uma insóli-
ta viagem à subjetividade – fronteiras com a ética e a cultura”, diz: “con-
vocaremos, de nosso olho, certa potencialidade que classificarei de ‘vibrátil’,
que faz com que o olho seja tocado pela força do que vê”.
Cinema e filmes em sala de aula precisam ser vistos com atenção, é ela
que vai nos conduzir ao mundo das imagens e suas possibilidades sensitivas.
Precisam ser ouvidos com atenção: os sons constroem outras formas de
percepção. Além de serem complemento para as imagens, os sons evocam
outros sentidos; muitas imagens somente ganham inteligibilidade com o som
que as acompanha, sem ele perdem a força e não podem fazer vibrar a visão.
Algumas vezes, os sons podem se descolar das imagens do filme e ganhar
outras formas de veiculação. São muitas as trilhas sonoras de filmes, novelas,
seriados, que ganham vida própria, para além dos filmes.
Sob a ótica do cinema, cremos que os filmes, na escola e fora dela
também, poderiam ser pensados a partir de duas visões. A do cineasta italiano,
Rossellini, para quem “as coisas estão aí, para que manipulá-las” e a do russo
Eisenstein, para quem “as coisas estão aí, é preciso manipulá-las” (Metz,2006,
p.51)
Isso posto, a proposta é a de pensarmos que o cinema expressa sempre
realidade e ficção. Portanto, as posições apresentadas acima não podem ser
radicalizadas. Mas percebidas em tensão. Dessa tensão, resulta a linguagem
do cinema, que para Pasolini (1982) é a língua da realidade. Mas, nem sempre
expressa à realidade como verdade pura e simples.
Os cineastas acima citados apresentam dois pontos de vista sobre o
cinema. Para o primeiro, grosso modo, a realidade “falaria” por si; para o
segundo, o fluir do mundo, no cinema, precisa acontecer sempre a partir de um
ponto de vista construído pelo olhar do cineasta.
Para efeito, ao professor cabe apropriar-se dessa linguagem que
acontece sempre nessa tensão entre esses dois pontos de vista, entre o real e
o fantasioso, entre a realidade e a ficção. Todo filme expressa sempre uma
realidade possível ao homem, mesmo que construído como ficção e
expressando o ponto de vista de um diretor. Mesmo os documentários, que
25

procuram aproximar-se e apreender a realidade, a vida como ela é,


apresentam sempre a visão de seu realizador.
Ao professor cabe escolher, aceitar indicações. Toda escolha pressupõe
critérios, desejos, metas. Filmes são plenos de sentidos, carregam com eles
uma multiplicidade infinita de significados. Oferecem à educação muito mais do
que apenas conteúdos a serem discutidos. Assim, sempre, podem extrapolar
os currículos.
Podemos ver o cinema como linguagem e cada filme em particular como
a expressão de um espaço-tempo. Cada filme pode ser tomado como uma
alegoria de um espaço-tempo. Filmes carregam em si um momento na história,
uma temporalidade, embora aconteçam sempre no tempo presente da
projeção.
Pode-se, pois, trabalhar o cinema como material didático para diferentes
disciplinas, mas é fundamental observar, primeiro, a sua adequação à faixa
etária dos alunos, pois a temática e a complexidade do texto devem ser
compreensíveis ao grupo com que se deseja estudar o filme. Nesse sentido, é
preciso levar em conta se o nível cultural da obra é compreensível, pois, se não
for, não será possível analisá-lo. Se o conteúdo for desconhecido do grupo,
cabe ao professor prepará-lo previamente, com pesquisas, leituras e
discussões em aula.
De um modo geral, o cinema na sala de aula pode ser analisado em dois
níveis: o do conteúdo e o da linguagem. Quanto ao conteúdo, o filme pode ser
empregado como fonte de informação, ou seja, por exemplo, na disciplina de
história, pode-se assistir ao filme para verificar a representação de fatos
históricos, como a Segunda Guerra Mundial, a Ditadura Militar, a campanha
das Diretas Já, a colonização do Brasil, entre outros. Importante é não assistir
ao filme apenas como ilustração, mas analisar a narrativa fílmica de forma
crítica, observando os efeitos de linguagem na construção dos sentidos. Assim,
o filme pode ser igualmente uma forma de incentivar a pesquisa e o debate.
Marcos Napolitano (2004) destaca que um bom filme pode ser usado
para despertar a curiosidade e a motivação dos alunos para novos temas. Da
mesma forma, para trazer ao aluno realidades distantes no tempo e no espaço
e que lhe são desconhecidas. Os alunos também podem produzir filmes ou
26

podem ser filmados, a fim de analisar seu desempenho em diferentes situações


de comunicação.
Na aula de língua portuguesa e de literatura, o cinema pode ser
empregado como elemento mediador na leitura do texto literário. Pode-se, por
exemplo, assistir a um filme ou trecho, com o intuito de analisar a expressão
oral e o comportamento de determinado grupo (quanto à faixa etária – crianças,
jovens, adultos e idosos; quanto à classe social e profissional – operários,
magistrados, agricultores, médicos, etc.; quanto à região do estado ou do país;
quanto ao período histórico – atualidade, início da colonização do país, século
XIX, etc.), com o objetivo de estudar o fato lingüístico e a situação comunicativa
em questão.
Assim sendo, vamos utilizar inicialmente como exemplo para análise o
livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, escrito por Machado de Assis e o
filme dirigido por André Klotzel. Os textos escritos são exemplos de signos
expressos na linguagem verbal, ou seja, de forma escrita, linear, como se pode
perceber ao ler o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas. Já no cinema, ao
assistir ao filme baseado na obra, além da utilização da linguagem verbal
observada na fala das personagens, é possível perceber a presença de
linguagem não verbal, signos que são apresentados em forma de imagens e
sons, perceptíveis aos sentidos dos seres humanos.
Uma única história poderá proporcionar diferentes interpretações, em
função do meio em que será veiculada. Esta variedade de significados será
possível devido aos signos apresentados, às vezes análogos, por outras vezes
distintos ao confronto entre o livro e o filme.
E a base da linguagem comunicativa está na interpretação do signo
apresentado. Este foi definido por estudiosos como Peirce(1999),Schaff(1974),
Saussure(1973) e Eco(1984). Será tomado por base o conceito de Peirce, que
define signo como “algo que está para alguém em lugar de algo em algum
aspecto”; e o conceito de Saussure que define o signo lingüístico como “união
de uma imagem acústica (significante) a um conceito (significado) por meio de
um laço arbitrário” (Apud: Epstein, 2001: p.62). Isto quer dizer que muitas
vezes uma palavra representa algo que não pode estar presente naquele
momento e que uma palavra pode se referir a algo de forma diferente,
27

dependendo da língua utilizada em determinado lugar, não deixando de se


referir a um mesmo objeto de igual significado.
Pegando como exemplo o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas é
possível perceber que o único signo apresentado é o signo verbal.A construção
de uma imagem associada à história fica por conta da imaginação do leitor, que
é livre para imaginar, por exemplo, como é a personagem principal da
narrativa, pode associar alguma descrição feita no texto e recriar em sua mente
as características físicas de Brás Cubas. Aí mora o grande prazer da leitura, ler
algo imposto, mas tendo a liberdade de interpretar, imaginar e refletir sobre os
acontecimentos ficcionais narrados.
Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, escrito por Machado de Assis.
Publicado em 1881 vale observar a narrativa, em prosa, que veio a estrear o
realismo psicológico na Brasil. Narrado por um defunto, personagem central, o
romance trata das recordações de Brás Cubas em vida, onde o maior
investimento é descrever características interiores das personagens,
expressando suas contradições e problemas existenciais.
Já um espectador brasileiro ao assistir ao filme nacional Memórias
Póstumas se não possuir todas as aptidões pré-estabelecidas, como ser
letrado (no caso de legendas em algumas cenas), enxergar e ouvir bem, mas
se pelo menos possuir uma delas, como por exemplo, ser cego, mas ouvir
saudavelmente bem, é possível acompanhar toda a história apenas ouvindo.
Daí revela-se a amplitude do filme na imagem e na linguagem.O filme
consegue transpor, transcodificar principalmente o que pertence ao visual
(descrição dos objetos filmados, movimentos, expressões, gestos, olhares das
personagens) do filme (montagem das imagens), do sonoro (músicas, ruídos,
grãos, tons, tonalidades das vozes) e do audiovisual (relação entre imagens e
sons).
Ao assistir as primeiras cenas do filme, percebemos a grande
semelhança do texto fílmico e do texto original e até uma certa satisfação em
reconhecer nas imagens e nos textos algo já conhecido e visto antes.Percebe-
se os atores, suas roupas, suas maquiagens, suas expressões corporais e
faciais, seus gestos, suas vozes, o cenário, o colorido, as músicas, entre
outros, compõem o seguimento de imagens de um contexto, onde o movimento
28

dá seqüência a história. As significações são lançadas e cabe ao espectador


assistir e interpretar, se envolvendo e projetando suas idéias e emoções.
O filme mostra uma realidade definida e representada pelas imagens e
pela narração, esse mundo tido como existente é definido como diegese.
Todos esses signos lingüísticos e extralingüísticos contribuem para que no
momento em que o espectador assiste ao filme, creia que aquela ficção por
aquele momento se torne real, motivando sua imaginação e seus sentidos.
O filme Memórias Póstumas possui em sua narrativa um contexto em
que é fácil imaginar-se inserido, pois personificam hábitos comuns e aceitáveis
daqueles que o assistem, daí a facilidade de se acreditar naquilo que se está
vendo e compreendendo.
O leitor para ler a história não precisa saber sobre a história do livro,
basta que ele seja letrado e saiba decodificar as convenções empregadas no
que está escrito. O texto é nacional, isto quer dizer que o emprego da Língua
Portuguesa e a origem brasileira são comuns entre as duas linguagens. O título
do texto é objetivo, declara uma intenção real, onde compromete-se a revelar
as lembranças passadas de alguém. Esta objetividade continua na primeira
cena da história, onde o morto Brás Cubas fala de seu enterro estando no seu
próprio enterro. O leitor ainda não sabe como ele é, quem surgirá na história e
o que vão contar (prolepse). Há uma inversão temporal na apresentação da
trama, o final diegético é colocado no início cronológico. Não se sabe o que
levou Machado a começar pelo fim, porém, seguramente uma delas está no
tom realista que quis imprimir com que Memórias Póstumas superasse as
convenções do simples Romance.
No flash back de Brás Cubas há um emprego inverossímil do foco
narrativo: todas as cenas que parecem tão realistas não passam de
lembranças de Brás, que logicamente não poderá nos fazer ver coisas que
nem ele viu. Ao longo da narrativa, Brás dialoga com seu interlocutor. Estas
semelhanças da narrativa são dadas pela fiel adaptação que o filme fez
baseado no livro.O receptor pode ter duas reações ao perceber a história, ele
pode tentar adivinhar o que vem a seguir (prospectivamente), futuramente
confirmando ou negando o que já foi mostrado (retroativamente). Este mesmo
receptor está passível de sentir várias sensações, como emoção, medo, pena,
simpatia, ódio, excitação, nojo, indignação ao perceber o realismo da criação.
29

O livro apesar de não usufruir o recurso da imagem, este último também


precisa ser interpretado, assim como um texto apenas escrito. O que se mostra
no texto, assim como na tela, não constitui todo o espaço ficcional da narração.
O não mostrado tem a função de construção de sentido simétrico à do
mostrado, construídas pela imaginação de cada um, o receptor contribui com a
sua imaginação para preencher determinadas ausências.
A narrativa é um ponto comum entre essas duas linguagens. No seu
espaço ficcional existente (diegese) até o final do filme as informações
sonegadas são fornecidas para o seu desenlace. Há a narração actancial
(personagem narrador) que testemunhou quase tudo, pois em coisas que o
receptor sabe e ele não. O leitor assim como o espectador decodifica os signos
por estarem familiarizados as suas atribuições.
No livro e no filme a narrativa é comunicável em sua recepção,
imprevisível em sua estruturação e fechado em sua significação. Ao terminar a
leitura do livro ou de assistir ao filme, o receptor desperta para a realidade,
onde esteve distante, hipnotizado pelo tempo que durou sua leitura ou o filme.
O espectador (assim como o leitor) não precisa saber sobre a história do
cinema para compreendê-lo, basta a sua competência semiótica (e lingüística),
ou seja, quase que intuitivamente entender o significado do que assiste.
São várias as atribuições a serem decodificadas no filme
cinematográfico quanto a sua linguagem, a seguir: emprego funcional da
câmara (planificação), referências, enquadramento (variação da posição da
câmara com relação ao elemento filmado), variação dimensional dos planos
(do geral ao primeiro), angulação (plongèe à panorâmica). Cada tipo de
imagem remete a um significado diferente, a partir de um conteúdo semiótico.
Há pontos semióticos comuns entre o filme e o livro, como o cineasta se
basear na obra, mas por mais que se dedique em ser fiel, chegará um
momento em que ficará impossível ser uma reprodução mimética, já que a sua
criatividade influenciará livremente na produção da imagem. Esta imagem
remete um mundo real e a construção pragmática da linguagem
cinematográfica.
A montagem do cinema é composta do domínio fílmico (o efeito do que
se vê na tela) e sobre o cinematográfico (os procedimentos técnicos da
30

filmagem), divergindo totalmente da construção literária que se precede no


máximo por rascunhos e correções posteriores.
Diferente da Literatura, todo o tempo no filme tende a ser sentido como
presente. Presa ao esquema lingüístico, a ficção literária não consegue narrar
o passado fazendo abstração das modalidades verbais que o marcam, ao
passo que o filme, que apenas mostra sem enunciar, fez isso perfeitamente. O
gênero cinematográfico é baseado em fatores técnicos, pragmáticos, culturais
e semióticos, aprofundando-se na imagem. Enquanto que o gênero literário
analisa o texto a partir do contexto histórico entre outros recursos aprofundados
em uma teoria. A narração identifica-se até certo ponto, como nos diálogos e
roteiros, onde é usado o signo verbal, mas o filme possui a arte plástica, como
a planificação, o cenário e a iluminação, artifícios extralingüísticos que o livro
não pode utilizar.
Há descrição em ambas as linguagens, mas se expressam de forma
diferente, no livro a descrição de certa personagem é dada através de
referências, atribuições, adjetivos, entre outros, e o filme descreve a partir da
imagem, usando características físicas dos atores entre outros caracteres,
como roupas, gestos e etc.
Diferente do livro, onde o leitor constrói a imagem mentalmente daquilo
que lê, o filme exibe a imagem pronta junto com a narrativa. Esta é a grande
diferença entre essas duas linguagens, a imagem como profunda produtora de
significados. A imagem visual, a fotografia (iluminação) e a trilha sonora são
fortes demarcações a explicitar e exemplificar o signo fílmico.
Os escritores se utilizam de alguns diversificados recursos para
desenvolverem sua obra, independente do estilo que tenham escolhido para se
expressarem. No caso da obra analisada, verifica-se que o escritor Machado
de Assis escolheu empregar tais recursos por intermédio da narração. Dentre
os artifícios construtores da obra, como o letramento e a criação do autor,
registra-se a utilização de figuras de linguagem. Uma atividade interessante é
pedir aos alunos reconhecer que estas figuras conseguiram destaque não só
na linguagem escrita, como já é de conhecimento daqueles que estudam o
assunto, mas se apropriaram também da imagem para se fazerem atuantes.
A gramática normativa define a metáfora como uma espécie de
comparação implícita entre seres, já que o elemento comparativo fica
31

subentendido (Cereja, 1995, p.18). Comparando a outras gramáticas


normativas, a definição não será exatamente escrita igual a essa, mas o
sentido, o significado, será o mesmo. A definição costuma se estender aos
tipos seguidos de exemplos ilustrativos. É bem verdade que quando o leitor
passa a ler com uma intenção além do prazer, passa a ler com maior espírito
de investigação, conseguindo reconhecer no texto tal recurso aplicado. Além
de perceber que é uma metáfora, consegue até distinguir se é de nível de
semelhança ou supressão.
A metáfora cinematográfica pode ser apresentada de forma
heterodiegética, ou seja, a situação fictícia revelada é percebida apenas pelos
espectadores. Mesmo que a metáfora apresentada não tenha sido de
conhecimento das personagens, ela não deixa de compor o contexto diegético
que provoca sentido no receptor.
A metáfora é um exemplo de discurso e para haver discurso não é
necessária a existência obrigatória de um diálogo entre personagens em uma
cena. A partir do momento que a cena aparece transmitindo determinada
situação, construindo significado capaz de ser compreendido pelo receptor, fez-
se a comunicação, que é a própria concretização do discurso cinematográfico.
A música, a iluminação e a técnica usada para filmar são exemplos de
metáfora no cinema. Estas constroem um significado a parte para o
espectador, onde ele une o que subentendeu nas entrelinhas ao conjunto de
suas convenções internalizadas, se tornando capaz de compreender a obra
diegética.Um aluno menos atento pode não perceber determinado elemento do
filme como metafórico, mas o decodificará literalmente como mera função
narrativa ou descritiva.
Assim como a metáfora, a metonímia é mais um tipo de figura de
linguagem usada pelos escritores e também definida pela gramática normativa
esta figura recebe um conceito, como o dado a seguir: consiste no uso de uma
palavra em lugar de outra, em virtude de certa familiaridade que elas têm entre
si. Essa familiaridade pode ocorrer empregando-se o nome do autor pela obra,
o nome da divindade por sua função, o continente pelo conteúdo, o lugar pelo
objeto característico do local, a causa pela conseqüência, o concreto pelo
abstrato, a marca pelo produto (Cereja, 1995, p.19). No filme é quando uma
32

imagem no lugar de outra representando a outra, é um exemplo concreto de


metonímia.
Uma determinada história, como Memórias Póstumas de Brás Cubas,
escrita por Machado de Assis e adaptada para o cinema por André Klotzel,
difere essencialmente na linguagem em que utiliza para se expressar. O leitor
seja ele literário e/ou fílmico, percebe de forma diferente essa mesma história,
já que cada veículo comunicador da história trabalha com signos diferentes. É
interessante retratar que o aluno ao ler e assistir Memórias Póstumas passa
por dois processos distintos de leitura.
Nesse sentido, o professor pode escolher uma cena de um filme sobre
determinada região do país e solicitar a seus alunos que reescrevam o diálogo
utilizando uma variação de outra comunidade lingüística. Por exemplo,
reescrever uma cena de O auto da compadecida, de Guel Arraes. Pode-se,
ainda, simular diferentes situações de comunicação, como um telejornal, uma
entrevista, um programa de calouros, etc., para filmar a atuação dos alunos (a
postura e o desempenho lingüístico) e analisar, posteriormente, se o objetivo
comunicacional foi alcançado.
O cinema pode ser usado como forma de mediação para a leitura do
texto literário. Não simplesmente como substitutivo ao literário, mas como texto
auxiliar. Para isso, o professor deve estudar anteriormente ambos os textos – o
literário e o fílmico -, no intuito de perceber as diferenças e as semelhanças,
bem como as “soluções fílmicas” criadas na versão cinematográfica. Toda a
atividade será guiada pelo objetivo estabelecido pelo professor e que deve
estar bem claro para o aluno, pois do contrário a sessão fílmica não passará de
uma atividade para preencher o tempo.
Assim, pode-se assistir ao filme após a leitura e análise da obra literária,
para verificar como ela foi adaptada ao cinema e que efeitos de sentidos foram
criados nesse processo de transposição. Para isso, vale levantar as diferenças
quanto ao enredo (o que foi suprimido e o que acrescentado), a representação
das personagens, do tempo e do espaço, bem como a organização da
temporalidade, ou seja, a trama é narrada seguindo o início, meio e fim, ou há
um rompimento da linearidade.
Quanto ao foco narrativo, uma atividade é a redação de uma nova
versão para a história a partir de outro ponto de vista. Por exemplo, a obra Dom
33

Casmurro, de Machado de Assis, e o filme Dom, que é uma recriação


atualizada do texto literário e é dirigida por Moacyr Góes, a minissérie
Capitu,dirigida por Luis Fernando Carvalho,podem ser recontadas sob o ponto
de vista da Capitu ou mesmo do filho do casal.
Pode-se até re-filmar cenas-chave do filme a partir da nova ótica.
Quanto à trilha sonora, pode-se, antes da exibição, questionar os alunos sobre
qual poderia ser, em sua opinião, a música-tema das protagonistas. Depois, é
necessário relacionar a trilha sonora do filme ao estado anímico das
personagens. Pode-se verificar que músicas fazem parte das cenas e quais
são sobrepostas para enfatizar o clima.
Na sala de aula, o professor pode oportunizar a escuta de parte da trilha
sonora do filme para incentivar a leitura do texto literário, pois podem imaginar
e criar hipóteses sobre as personagens a partir da música. Se o filme for de
época, pode-se fazer uma avaliação da escolha musical, isto é, se é pertinente
àquele momento histórico. Além disso, os alunos podem fazer uma pesquisa
sobre as tendências musicais do período,recuperando a história da música.
Quanto à iluminação do(s) ambiente(s), deve-se reparar a
predominância do escuro, do claro e de diferentes cores, para refletir sobre sua
importância na caracterização das personagens. De igual modo, a
caracterização das personagens é fundamental, ou seja, a vestimenta, o
comportamento, a expressão oral, a gestualidade, etc. Quanto à imagem, outro
elemento fundamental na constituição da significação fílmica é o
enquadramento, pois a seleção do que é mostrado na grande tela ou mesmo o
que é omitido constrói sentidos. Um dos efeitos mais marcantes é justamente a
técnica do close, em que é destacado determinado elemento da trama
narrativa.
Os símbolos merecem atenção, já que veiculam significados ideológicos,
no sentido bakhtiniano, que só são percebidos pelo espectador mais atento.
Para ilustrar, pode-se citar a roupa dos humanos e do rato Stuart, de My little
Stuart, que usam roupas nos tons azul e vermelho, o que remete às cores da
bandeira dos EUA.
Mas, se a narrativa literária for complexa demais, é possível também
trilhar o caminho inverso, ou seja, assistir ao filme antes de ler a narrativa
literária. Cabe ao professor preparar o leitor e conduzir seu olhar para que ele
34

perceba em que medida se aproxima e se afastam. Outra possibilidade é


assistir a trechos do filme e compará-lo ao trecho equivalente no texto literário.
Uma boa dica é comparar o capítulo Diálogo de Adão e Eva, de Memórias
Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e compará-lo à adaptação
fílmica, em que Brás Cubas, em primeiro plano, olha para o espectador e
lembra-se do encontro das duas almas, que estão em um plano ao fundo um
tanto esfumado.
A partir da leitura do texto literário, independentemente do gênero, pode-
se propor aos alunos a elaboração de roteiro fílmico e sua filmagem, para
posterior análise e projeção na escola e para a comunidade escolar. Para
tanto, faz-se necessário dar a conhecer aos alunos as características desse
gênero textual – roteiro -, a partir da leitura e da análise de alguns exemplos.
Para a realização dessa atividade.
Na aula de literatura, sugere-se que os alunos escrevam uma sinopse de
uma obra literária, tendo o cuidado de não revelar clímax e a resolução da
trama, de modo a desinteressar o espectador. Por outro lado, a partir de uma
sinopse, redige-se a história, que pode, posteriormente, ser confrontada com a
versão original. Outra atividade de produção textual é a redação de uma
história em que convivem personagens de diferentes filmes, como, por
exemplo,O Coisa do Quarteto Fantástico,dirigido por Tim Story, e o Homem-
Aranha, de Sam Raimi.Os dois devem permanecer com suas características
mais marcantes a fim de se manter a verossimilhança em relação aos filmes.
A escola pode organizar um festival de cinema, que pode durar até uma
semana, a partir de um trabalho interdisciplinar prévio com as turmas
envolvidas. Assim, cada turma, sob a orientação de um professor, prepara uma
abordagem do filme escolhido e apresenta-a aos colegas das outras turmas,
antes da projeção, em uma sala ambientada/decorada para isso,explorando a
temática do filme a ser assistido.
É importante, também, ler as fichas técnicas dos filmes analisados, pois
o aluno passa a ter subsídios sobre o sistema de produção
cinematográfica,bem como a crítica, relevantes para o entendimento do cinema
como indústria cultural. A recriação/releitura de cartazes de filmes, além de
instigar a reflexão sobre os filmes, de estimular a consciência crítica e a
criatividade dos alunos, também pode alegrar o ambiente escolar. Da mesma
35

forma a criação de um jornal-mural literário-cinematográfico incentiva a leitura,


a produção escrita (afinal, o leitor deixa de ser somente o professor) e o
enriquecimento cultural da comunidade escolar. Sugere-se, ainda, a criação de
diversos materiais, como camisetas, bonés, porta-lápis, marcador de página,
broches, calendários, entre outros, ilustrados com motivos literário-
cinematográficos.
Além disso, existem diferentes tipos de produções audiovisuais
possíveis de serem trabalhadas na escola: ficção, documentários, adaptações,
mídias educativas e etc. A experiência de realização fílmica está limitada
apenas à nossa criatividade e a alguns recursos tecnológicos.
Hoje estamos em um momento de fácil acesso às tecnologias de
imagem, o que, em épocas passadas, era algo difícil de pensar. As
possibilidades oferecidas por ferramentas web, programas dos próprios
sistemas operacionais dos computadores – como o Windows Movie Maker –,
editores freeware – como o VirtualDub, Gimp – entre outros – facilitam a edição
de filmes e fotos.
Para Walter Benjamin(1992), quem busca uma nova leitura, uma nova
tradução, pode encontrar sempre novos sentidos que não estão transparentes,
explícitos nos textos, escritos, sonoros, imagéticos, fílmicos. Assim, ver um
filme pode significar a busca de um mundo que é revelado pelo esforço de
recuperação, não do sentido original, mas de outros sentidos possíveis. Os
sentidos que o filme encerra somente podem ser revelados no intervalo entre a
intenção de exibi-lo e a exibição. Essa passagem de tempo-espaço,
construtora de sentidos, ocorre no interior de muitas histórias convergentes, a
do filme, a do professor, a dos alunos. A grande tarefa do professor é a de
saber situar o filme conferindo a ele um sentido dentro do sentido maior da
educação que deseja realizar, seja sob que temática for. Com isso, filmes na
escola e na sala de aula serão sempre para vivificar o tempo de todos, e o de
cada um, jamais para matá-lo.
E como não poderia ser diferente, o próprio cinema é a melhor escola.
Trabalhando com filmes de diretores de diferentes nacionalidades e com os
diversos movimentos culturais do cinema, abrimos portas em direção às
possibilidades da linguagem fílmica e à reflexão sobre o olhar. Além disso,
existem ficções que falam sobre o próprio processo de construção do cinema,
36

como “Saneamento Básico, O Filme”, roteiro e direção de Jorge Furtado, 2007;


“Rebobine, Por Favor”, direção de Michel Gondry, 2008, entre outros. E há
filmes que falam sobre educação, como “Nenhum a menos”, direção de Zhang
Yimou, 1998, e “Entre os Muros da Escola”, direção de Laurent Cantet, 2008.
37

CONCLUSÃO

Freqüentemente, ao lermos um livro ou assistirmos um filme,


permanecemos algum tempo envolvidos com o desenrolar de sua narrativa e,
como leitores/espectadores, vivenciamos uma transformação do nosso olhar
mais imediato de realidade, dos nossos modelos mais usuais de
reconhecimento do mundo. Em situações que vão além da nossa experiência,
somos transportados a uma percepção visual/sensorial alternativa, de mundos
supostamente novos (se não existentes) ou reinventados (se adaptados para
as telas).
Quantas vezes, logo após uma sessão de cinema, sentimos sensações
similares a de estar despertando de um sonho? Enredo, personagens, tempo,
espaço, trama nos envolvem por realidades diversas. Muitas vezes tarda nossa
volta à realidade imediata, mesmo que por apenas alguns instantes.
A realidade é sempre o principal parâmetro para se lançar um olhar nas
produções cinematográficas. E entre tantos olhares vale ressaltar o cinema
como experiência. Experiências como a de representar as relações que
permeiam nosso universo simbólico.
As possibilidades de reflexão e de experimentação da linguagem
cinematográfica são muitas; podemos nos perder em pensamentos, em formas
de contar histórias através das imagens, de encontrar espaços de memória,
significados de nossa própria história de vida. No fundo, o que falamos nada
mais é do que sobre o olhar, um olhar que procura liberdade e sentidos, nessa
profusão de imagens que nos envolve e nos fascina.
Uma das principais características do cinema é justamente a de nos
transpor para realidades alternativas ou,em outros termos, para “ilusões” de
realidade. Toda imagem da realidade é re-configurada para que haja uma
experiência estética encarnada pelo enredo e pelos personagens. Quanto
maior a identificação do espectador com o personagem, maior a entrega que
realizará a um imaginário diferente, um imaginário outro, que pode enriquecer
seus valores e percepções de mundo real, bem como conflitar com eles.
A inclusão da reflexão sobre a imagem no processo de ensino-
aprendizagem parece ser um caminho de inserção da linguagem audiovisual
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no cotidiano da escola: encontrar, nos espaços escolares, tempos de apren-


dizagens de cinema e educação, imagem em movimento, em que docentes e
alunos possam atuar como produtores de cultura e compreender a força e a
natureza das imagens. Imagens pensadas, criadas, produzidas, gravadas e
editadas; histórias fílmicas que, depois de sua finalização, entram para o eterno
presente dos espectadores.
O espaço educacional pode ser um espaço de diálogo entre as
dualidades do cinema – ficção e realidade, imagem e palavra. Através da
experiência sensível será possível explorar os sentidos da ficção e da
realização do cinema, de construção da memória imagética, e também romper
com a falsa oposição entre imagem e palavra, entre cinema e literatura, entre o
sensível e o inteligível.
O olhar sensível e condutor de uma narrativa ultrapassa as fronteiras
fílmicas e cria diálogos com a literatura, as artes plásticas, as cênicas, e
também, com matemática, ciências naturais, geografia, história, meio ambiente,
sexualidade, gênero. O aluno, agora como narrador, poderá percorrer, de
forma transdisciplinar, diferentes estúdios do conhecimento e inserir nesses
locais da memória os sentidos da descoberta.
O cinema, como um discurso em evidência na sociedade
contemporânea, cuja constante inovação e renovação tecnológica só têm
contribuído para que filmes, de todo e qualquer gênero, se tornasse um
discurso de fácil acesso. Uma vez adquirido seu estatuto de discurso
preconizado nos PCNs como parte integrante da formação escolar, o cinema
tem merecido, por parte de estudiosos em educação, atenção e a literatura que
associa e reflete sobre sua presença na escola tem sido cada vez mais
produzida.
O elo entre o literário e o cinematográfico é evidente na quantidade de
filmes que, na última década, tiveram seus roteiros adaptados de obras
literárias. Sendo assim, a partir das considerações fitas durante a análise
proposta nesse trabalho, observa-se que o cinema, enquanto recurso para uma
proposta de estudo paralelo a literatura, oferece possibilidades de estudos
comparativos que, em um primeiro plano pode constituir uma forma de
apresentar e instigar o interesse literário por uma obra literária, e em um
segundo plano, assenta-se como forma de instigar nos alunos criticidade em
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relação a obras literárias a artísticas, uma vez que, essa análise analógica
permite o confronto dos dois discursos.
Nesta perspectiva, o cinema evidencia seu valor didático, a medida que,
pensando sua presença em sala de aula, seu valor volta-se para uma formação
crítica do aluno.
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