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CAHIERS DU CINÉMA #147

Setembro de 1963

ENTREVISTA COM ROLAND BARTHES


por Michel Delahaye e Jacques Rivette

Iniciamos aqui uma série de entrevistas com certas testemunhas marcantes da cultura
contemporânea.

O cinema tornou-se um fato cultural do mesmo nível dos outros, e todas as artes e todos os
pensamentos devem referir-se a ele, e vice-versa. É essa troca recíproca de informação, às
vezes evidente (não são os melhores casos), frequentemente difusa, que nós gostaríamos,
entre outras coisas, de tentar estabelecer nestas conversas.

Esperamos que assim o cinema, sempre presente, às vezes no fundo e às vezes em primeiro
plano, seja situado numa perspectiva mais vasta, que o arquivismo ou a idolatria (que
também possuem seu papel a desempenhar) às vezes correm o risco de esquecer.

Roland Barthes, autor de "O grau zero da escrita", "Mitologias", "Michelet", "Sobre
Racine", assim como artigos inumeráveis e muito estimulantes (até o momento, dispersos
entre a Théâtre Populaire, a Arguments, a Revue de Sociologie Française e Les Lettres
Nouvelles, entre outras, mas cuja reunião aguardamos em breve), primeiro desbravador e
comentador francês de Brecht, é o primeiro de nossos convidados de honra.

Agradecemos a sua boa vontade em reler atentamente o texto desta conversa (gravada em
magnetofone).

***

– Como você integra o cinema na sua vida? Você o considera enquanto espectador, enquanto
espectador crítico?

– Talvez eu devesse começar pelos hábitos cinematográficos, pela forma que o cinema entra
em nossa vida. No meu caso, não vou muito frequentemente ao cinema, mal chega a uma vez
por semana. Quanto à escolha do filme, ela nunca é, no fundo, totalmente livre; não há
dúvidas de que eu preferiria ir ao cinema sozinho, já que para mim o cinema é uma atividade
inteiramente projetiva; mas, por conta da vida social, o mais frequente é irmos ao cinema a
dois ou mais, e a partir disso a escolha torna-se, querendo-se ou não, constrangida. Se eu
escolhesse de forma completamente espontânea, então a minha escolha teria de ter um caráter
de improviso total, liberta de toda espécie de imperativo cultural ou cripto-cultural, guiada
pelas forças mais obscuras de mim mesmo. O que coloca um problema para a vida do usuário
de cinema é o fato de que ele possui uma espécie de moral mais ou menos difusa dos filmes
que deve ver, ele possui imperativos que são forçosamente de origem cultural, que são
demasiado fortes quando pertencemos a um meio cultural (mesmo que apenas por termos de
ir contra eles para sermos livres). De toda forma, há algo de bom nisso, como em todo
esnobismo. Estamos sempre dialogando com essa espécie de lei do gosto cinematográfico,
que provavelmente é tão mais forte quanto mais fraca for a cultura cinematográfica. O
cinema já não é algo primitivo; atualmente, distinguimos nele os fenômenos do classicismo,
do academicismo e da vanguarda, e nos encontramos localizados, pela própria evolução desta
arte, no meio de um jogo de valores. Tanto que, quando eu escolho, os filmes que devo ver
entram em conflito com a ideia de imprevisibilidade, de disponibilidade total que o cinema
ainda representa para mim e, de forma mais precisa, com os filmes que, espontaneamente, eu
gostaria de ver, mas que não são os filmes escolhidos por essa espécie de cultura difusa em
vias de formação.

– O que você pensa do nível dessa cultura, ainda muito difusa, no que cabe ao cinema?

– É uma cultura difusa porque ela é confusa; quero dizer com isso que existe, no cinema, uma
espécie de quadrilha possível dos valores: os intelectuais põem-se a defender filmes de
massa, enquanto o cinema comercial pode absorver muito rapidamente os filmes de
vanguarda. Essa aculturação é própria da nossa cultura de massa, mas ela tem um ritmo
diferente a depender do gênero; no cinema, ela parece muito intensa; na literatura, os objetos
são muito mais reservados; não creio que seja possível aderir à literatura contemporânea, essa
que é feita hoje, sem um certo conhecimento e mesmo um conhecimento técnico, porque o
"ser" da literatura foi colocado na sua técnica. Em suma, a situação cultural do cinema é
atualmente contraditória: ele mobiliza técnicas, e daí a exigência de um certo conhecimento e
um sentimento de frustração se essas não são dominadas, mas o seu ser não está na técnica,
ao contrário da literatura: vocês conseguem imaginar uma literatura-verdade, análoga ao
cinema-verdade? Com a linguagem isso seria impossível, a verdade é impossível com a
linguagem.

– Apesar disso, referimo-nos constantemente à ideia de uma "linguagem cinematográfica",


como se a existência e a definição dessa linguagem fossem universalmente admitidas, seja
tomando a palavra "linguagem" num sentido puramente retórico (por exemplo, as
convenções estilísticas atribuídas à contra-plongée ou ao travelling), seja tomando-a num
sentido mais geral, como a relação entre um significante e um significado.

– Para mim, provavelmente é por eu não ter conseguido integrar o cinema à esfera da
linguagem que eu o consumo num modo puramente projetivo, e não como analista.

– Não há, se não a impossibilidade, ao menos uma dificuldade do cinema em entrar nessa
esfera da linguagem?

– Podemos tentar situar essa dificuldade. Até o momento, parece que o modelo de todas as
linguagens é a palavra, a linguagem articulada. Ora, essa linguagem articulada é um código,
ela utiliza um sistema de signos não-analógicos (e que consequentemente podem ser, e são,
descontínuos); pelo contrário, o cinema mostra-se à primeira vista como uma expressão
analógica (e contínua) da realidade; e não sabemos por onde pegar uma expressão analógica e
contínua para nela introduzir e dar início a uma análise de tipo linguístico; por exemplo,
como decupar (semanticamente), como fazer variar o sentido de um filme, de um fragmento
de filme? Logo, se o crítico quisesse tratar o cinema como uma linguagem, abandonando a
inflação metafórica do termo, ele deveria desde o início discernir se existe no contínuo
fílmico elementos que não são analógicos, ou que são de uma analogia deformada, ou
transposta, ou codificada, munidos de uma sistematização tal que possamos tratá-los como
fragmentos de linguagem; são problemas concretos de pesquisa que ainda não foram
abordados, e que poderiam ser inicialmente abordados por espécies de testes fílmicos, a partir
dos quais veríamos se é possível estabelecer uma semântica, ainda que parcial
(indubitavelmente parcial), do filme. Trataria-se, através de métodos estruturalistas, de isolar
elementos fílmicos, de ver como eles são compreendidos, a quais significados correspondem
em tal ou tal caso, fazendo-os variar, de ver em qual momento a variação do significante
acarreta uma variação do significado. Teríamos, então, realmente isolado as unidades
linguísticas do filme, cujas "classes", sistemas e declinações poderíamos então construir[1].
– Mas isso não retoma certas experiências feitas no fim do mudo num plano mais empírico,
principalmente pelos soviéticos, que não foram muito conclusivas exceto quando esses
elementos de linguagem foram retomados por um Eisenstein na perspectiva de uma poética?
Quando essas pesquisas permaneceram no plano da pura retórica, como em Pudovkin, elas
foram quase imediatamente contraditas: tudo acontece no cinema como se assim que uma
relação semiológica fosse proposta, ela fosse imediatamente contradita.

– De toda forma, mesmo que conseguíssemos estabelecer uma espécie de semântica parcial
sobre pontos precisos (isto é, para significados precisos), não seria fácil explicar o por quê do
filme todo não ser construído como uma justaposição de elementos descontínuos; daríamos
de cara então com um segundo problema, o da descontinuidade dos signos – ou do contínuo
da expressão.

– Mas será que conseguiríamos descobrir essas unidades linguísticas, avançaríamos no


problema, se elas não são feitas para serem percebidas como tais? A impregnação do
espectador pelo significado dá-se num outro nível, de um outro jeito, do que a impregnação
do leitor.

– Sem dúvida nós temos uma visão ainda muito estreita dos fenômenos semânticos, e no
fundo o que mais temos dificuldade de compreender é o que poderíamos chamar de "grandes
unidades significantes"; a mesma dificuldade na linguística, já que a estilística progrediu
muito pouco (já existem estilísticas psicológicas, mas ainda não estruturais). Provavelmente a
expressão cinematográfica também pertence a essa ordem das grandes unidades significantes,
correspondendo aos significados globais, difusos, latentes, que não são da mesma categoria
que os significados isolados e descontínuos da linguagem articulada. Essa oposição entre uma
micro-semântica e uma macro-semântica constituiria talvez uma outra forma de considerar o
cinema como uma linguagem, abandonando o plano da denotação (acabamos de ver que é
muito difícil aproximá-lo das unidades primárias, literais) para passar ao plano da conotação,
isto é, ao plano dos significados globais, difusos e, de toda forma, secundários. Poderíamos
começar aqui nos inspirando nos modelos retóricos (e não mais literalmente linguísticos)
isolados por Jakobson, dotados por ele de uma generalidade que estende-se até a linguagem
articulada e que ele mesmo aplicou, de passagem, ao cinema; falo da metáfora e da
metonímia[2]. A metáfora é o protótipo de todos os signos que podem substituir-se uns ao
outros por similaridade; a metonímia é o protótipo de todos os signos cujo sentido é
recuperado por eles entrarem em contiguidade, contagiando uns aos outros, poderíamos dizer;
por exemplo, quando vemos as páginas de um calendário serem arrancadas é uma metáfora; e
seríamos tentados a dizer que no cinema toda montagem, isto é, toda contiguidade
significante, é uma metonímia e, já que o cinema é montagem, que o cinema é portanto uma
arte metonímica (ao menos por enquanto).

– Mas a montagem não é ao mesmo tempo um elemento impossível de ser delimitado?


Porque tudo é montável, desde um plano de um revólver com seis fotogramas até um enorme
movimento de câmera de cinco minutos mostrando trezentas pessoas e três dúzias de ações
entrecruzadas... ora, poderíamos montar esses dois planos um após o outro – e nem por isso
estariam no mesmo plano...

– Acho que o que seria interessante fazer seria ver se um procedimento cinematográfico pode
ser convertido metodologicamente em uma unidade significante, se os procedimentos de
elaboração correspondem a unidades de leitura do filme. O sonho de todo crítico é poder
definir uma arte pela sua técnica.

– Mas os procedimentos são todos ambíguos; por exemplo, a retórica clássica diz que a
plongée significa "esmagamento"; ora, há duzentos casos (no mínimo) em que a plongée não
tem de forma alguma esse significado.

– Essa ambiguidade é normal e não é ela o que complica o nosso problema. Os significantes
são sempre ambíguos; o número de significados sempre excede o número de significantes;
sem isso, não haveria nem literatura, nem arte, nem história, nem nada do que faz o mundo
girar. O que faz a força de um significante não é a sua claridade, mas o fato de ser percebido
como significante – qualquer que seja o sentido, eu diria; não são as coisas, mas a posição das
coisas o que importa. A ligação do significante ao significado tem muito menos importância
do que a organização dos significantes entre si; a plongée pode já ter significado
esmagamento, mas sabemos que essa retórica está ultrapassada precisamente porque sentimos
que ela é fundada numa relação de analogia entre "plonger" ["mergulhar"] e "esmagar" que
parece-nos ingênua, sobretudo hoje, quando uma psicologia da "negação" nos ensinou que
pode haver uma relação válida entre um conteúdo e a forma que parece ser a mais
"naturalmente" contrária a ele. Nesse despertar do sentido provocado pela plongée, o que
importa é o despertar, não o sentido.

– Precisamente; após um primeiro período "analógico", o cinema não está já em vias de sair
desse segundo período da anti-analogia, através um uso mais maleável, não-codificado das
"figuras de estilo"?

– Eu acho que, se os problemas do simbolismo (porque a analogia põe em causa o cinema


simbólico) perdem a sua definição, a sua acuidade, é sobretudo porque entre as duas grandes
vias linguísticas indicadas por Jakobson – a metáfora e a metonímia – o cinema parece,
atualmente, ter escolhido a via metonímica ou, se vocês preferirem, sintagmática, sendo o
sintagma um fragmento extenso, arranjado, atualizado de signos, um pedaço de enredo, em
suma. É muito surpreendente que, contrariamente à literatura do "nada acontece" (cujo
protótipo seria A educação sentimental), o cinema, mesmo o que não é dado de partida como
um cinema de massa, é um discurso no qual a história, a anedota e o argumento (com a sua
maior consequência, o suspense) nunca estão ausentes; mesmo o "rocambolesco", que é a
categoria enfática, caricatural do anedótico, não é incompatível com ótimo cinema. No
cinema, "alguma coisa acontece", e esse fato possui naturalmente uma relação estreita com a
via metonímica ou sintagmática da qual falamos antes. Uma "boa história" é, na verdade, em
termos estruturais, uma série bem-sucedida de "despachos" sintagmáticos: dada tal situação
(tal signo), o que pode segui-la? Há um certo número de possibilidades, mas essas
possibilidades são finitas (é essa finitude, esse limite das possibilidades o que funda a análise
estrutural), e é aí que a escolha de "signo" feita pelo realizador é significante; o sentido é, em
efeito, uma liberdade, mas uma liberdade cerceada (pelo finito das possibilidades); cada signo
(cada "momento" do enredo, do filme) só pode ser seguido por certos signos, por certos
momentos; essa operação, que consiste em prolongar no discurso, no sintagma, um signo em
outro signo (segundo um número finito e às vezes muito restrito de possibilidades), chama-se
catálise; na fala, por exemplo, podemos catalizar o signo "cachorro" apenas por um pequeno
número de outros signos (o cachorro "late", "dorme", "come", "morde", "corre", etc., mas não
"costura", nem "voa", nem "varre", etc.); o enredo, o sintagma cinematográfico, também é
submisso às regras da catálise, que o realizador sem dúvidas pratica de forma empírica, mas
que o crítico e o analista deveriam tentar recuperar, porque, naturalmente, cada despacho,
cada catálise tem a sua parcela de responsabilidade no sentido final da obra.

– A atitude do realizador, pelo que podemos julgar, é de ter já de partida uma ideia mais ou
menos precisa do sentido, e reencontrá-la mais ou menos modificada ao fim. Nesse ínterim,
ele é pego num trabalho que situa-se muito além da preocupação com o sentido final; o
realizador fabrica pequenas células sucessivas, guiado... pelo quê? É justamente isso o que
seria interessante definir.

– Ele pode ser guiado apenas, mais ou menos conscientemente, pela sua ideologia profunda,
pelo partido que ele assume perante o mundo; como o sintagma é tão responsável pelo
sentido quanto o próprio signo, o cinema pode tornar-se uma arte metonímica e não mais
simbólica, sem perder nada da sua responsabilidade, muito pelo contrário. Lembro que
Brecht havia sugerido a nós da Théâtre Populaire que organizássemos correspondências entre
ele e jovens autores dramáticos franceses; consistiria num "jogo" de montagem de uma peça
imaginária, isto é, de uma série de situações, como numa partida de xadrez; um sugeriria uma
situação, o outro escolheria a situação seguinte e, naturalmente (era essa a intenção do
"jogo"), cada movimento seria discutido em função do sentido final, isto é, segundo Brecht,
da responsabilidade ideológica; mas não existem autores dramáticos franceses. Em todo caso,
vê-se que Brecht, um agudo teórico – e praticante – do sentido, tinha uma consciência muito
forte do problema sintagmático. Tudo isso parece provar que existem possibilidades de troca
entre a linguística e o cinema, sob a condição de que escolhamos antes uma linguística do
sintagma que do signo.

– Talvez a abordagem do cinema enquanto linguagem não será jamais perfeitamente


realizável; mas ela é ao mesmo tempo necessária para evitar esse perigo de se fruir do
cinema como se fosse um objeto sem nenhum sentido, um puro objeto de prazer, de
fascinação, completamente privado de toda raiz e toda significação. Ora, o cinema, queira-
se ou não, sempre tem um sentido; sempre há, portanto, um elemento de linguagem em jogo...

– É claro, a obra possui sempre um sentido; mas, justamente a ciência do sentido, que
atualmente conhece um prestígio extraordinário (por uma espécie de esnobismo fecundo), nos
ensina paradoxalmente que o sentido, por assim dizer, não está encerrado no significado; a
relação entre significante e significado (quer dizer, o signo) parece inicialmente como o
próprio fundamento de toda reflexão "semiológica"; mas, em seguida, somos levados a ter
uma visão muito mais ampla do "sentido", bem menos centrada no significado (tudo o que
dissemos a respeito do sintagma vai nessa direção); devemos essa expansão à linguística
estrutural, certamente, mas também a um homem como Lévi-Strauss, que mostrou que o
sentido (ou, mais precisamente, o significante) era a mais elevada categoria do inteligível. No
fundo, é o inteligível humano o que nos interessa. Como o cinema manifesta ou reencontra as
categorias, as funções, a estrutura do inteligível elaboradas pela nossa história, pela nossa
sociedade? É essa a questão que uma "semiologia" do cinema poderia responder.

– É sem dúvidas impossível fazer algo ininteligível.

– Absolutamente. Tudo tem um sentido, mesmo o nonsense (que tem pelo menos o sentido
secundário de ser um não-sentido). O sentido é uma tamanha fatalidade para o homem que a
arte, enquanto liberdade, parece empenhar-se, sobretudo hoje em dia, não em fazer sentido,
mas, pelo contrário, em suspendê-lo; em construir sentidos, sim, mas sem exatamente
preenchê-los.

– Talvez poderíamos aqui tomar um exemplo: na mise en scène (teatral) de Brecht, há


elementos de linguagem que não são, a princípio, suscetíveis de serem codificados.

– Em relação a esse problema do sentido, o caso de Brecht é deveras complicado. De um


lado, ele teve, como eu já disse, uma consciência aguda das técnicas do sentido (o que era
muito original em relação ao marxismo, que é pouco sensível às responsabilidades da forma);
ele conhecia a responsabilidade total dos mais modestos significantes, como a cor de um
figurino ou a posição de um projetor; e vocês sabem o quanto ele era fascinado pelos teatros
orientais, teatros nos quais a significação é muito codificada – melhor dizendo: cifrada – e,
consequentemente, muito pouco analógica; enfim, vimos com qual minúcia ele trabalhava, e
queria que fosse trabalhada, a responsabilidade semântica dos "sintagmas" (a arte épica, que
ele defendia, é aliás uma arte fortemente sintagmática); e, naturalmente, toda essa técnica era
pensada em função de um sentido político. "Em função de", mas talvez não "visando um"; e é
aqui que chegamos ao outro lado da ambiguidade brechtiana; eu me pergunto se esse sentido
engajado da obra de Brecht não é finalmente, à sua maneira, um sentido suspenso; vocês vão
se lembrar que a sua teoria dramática comporta uma especie de divisão funcional entre o
palco e a arquibancada: cabe à obra colocar as questões (nos termos evidentemente
escolhidos pelo autor; é uma arte responsável), e ao público encontrar as repostas (o que
Brecht chamava de "escapatória" ["issue" em Francês]); o sentido (na acepção positiva do
termo) era deportado do palco para a arquibancada; em suma, no teatro de Brecht, há
claramente um sentido, e um sentido muito forte, mas esse sentido é sempre uma questão. É
talvez o que explica por que esse teatro, embora certamente um teatro crítico, polêmico,
engajado, não seja porém um teatro militante.

– Essa tentativa pode ser expandida para o cinema?

– Me parece sempre muito difícil e assaz vão transportar uma técnica (e o sentido é uma) de
uma arte a uma outra; não por purismo de gêneros, mas porque a estrutura depende dos
materiais empregados; a imagem espectatorial não é feita da mesma matéria que a imagem
cinematográfica, ela não oferece a si mesma da mesma forma à decupagem, à duração, à
percepção; o teatro me parece ser uma arte muito mais "grosseira" ou, digamos, se vocês
preferirem, mais "pesada" que o cinema (a crítica teatral também me parece mais grosseira do
que a crítica cinematográfica), e portanto mais próxima de tarefas diretas, de ordem polêmica,
subversiva, contestadora (deixo aqui de lado o teatro do acordo, do conformismo, da
saciedade).

– Alguns anos atrás, você evocou a possibilidade de determinar a significação política de um


filme examinando, além do seu argumento, o andamento que o constitui enquanto filme: o
filme de esquerda sendo, grosseiramente, caracterizado pela lucidez, e o filme de direita pelo
apelo a uma magia...

– O que eu me pergunto atualmente é se não existem artes, seja por sua natureza ou por sua
técnica, mais ou menos reacionárias do que outras. É o que penso da literatura; não creio que
uma literatura de esquerda seja possível. Uma literatura problemática, isso sim, quer dizer,
uma literatura de sentido suspenso: uma arte que provoca respostas, mas não as entrega.
Creio que, no melhor dos casos, a literatura é isso. Quanto ao cinema, tenho a impressão de
que, nesse nível, ele é muito próximo da literatura, e que, por sua matéria e por sua estrutura,
ele é muito mais bem-preparado do que o teatro para uma responsabilidade muito particular
das formas, que eu chamei de "técnica do sentido suspenso". Creio que o cinema tem
dificuldade em dar sentidos claros e que, no estado atual, ele não deve fazê-lo. Os melhores
filmes (para mim) são os que melhor suspendem o sentido. Suspender o sentido é uma
operação extremamente difícil, exigindo ao mesmo tempo muita técnica e uma lealdade
intelectual total. Porque isso quer dizer desvencilhar-se de todos os sentidos parasitários, o
que é extremamente difícil.
– Você já viu filmes que te dessem essa impressão?

– Sim, O Anjo Exterminador. Eu não acho que o aviso de Buñuel no início do filme – "eu,
Buñuel, digo-vos que este filme não tem sentido algum" – seja mera gabação; eu acho que é
realmente a definição do filme. E, nessa perspectiva, o filme é muito belo: podemos ver
como, a cada momento, o sentido é suspenso, sem ser jamais (veja bem) um nonsense. Não é
em absoluto um filme absurdo; é um filme que é repleto de sentido; repleto daquilo que
Lacan chama de "signifiance". Ele é repleto de signifiance, mas não possui um sentido, nem
uma série de pequenos sentidos. E, por isso mesmo, é um filme que agita profundamente, e
que agita para além do dogmatismo, para além de doutrinas. Normalmente, se a sociedade
dos consumidores de filmes fosse menos alienada, esse filme deveria, como se diz vulgar e
justamente, "fazer refletir". Poderíamos, aliás, mostrar – mas precisaríamos de mais tempo –
como os sentidos que "agarram" o filme a cada instante, malgrado nós, logo são levados por
um "despacho" extremamente dinâmico, extremamente inteligente, rumo a um outro sentido,
que também nunca é definitivo.

– E o movimento do filme é o próprio movimento desse perpétuo despachar.

– Há também, nesse filme, um bem-sucedido inicial que é responsável pelo bem-sucedido


global: a história, a ideia, o argumento possuem uma nitidez que dá uma ilusão de
necessidade. Temos a impressão de que Buñuel teve apenas de desenrolar o fio. Até então, eu
não era muito buñuelista; mas neste filme, Buñuel conseguiu exprimir toda a sua metáfora
(pois Buñuel sempre foi muito metafórico), todo o seu arsenal e sua reserva pessoal de
símbolos; tudo foi engolido por essa espécie de nitidez sintagmática, pelo fato de que o
despacho, a cada segundo, é feito exatamente como deveria ser.

– Ademais, Buñuel sempre declarou a sua metáfora com tal nitidez, soube sempre respeitar
de tal forma a importância do que vem antes e do que vem depois, que isso já era colocar a
metáfora entre aspas, e portanto ultrapassá-la ou destrui-la.

– Infelizmente, para os amantes ordinários de Buñuel, ele é definido sobretudo pela sua
metáfora, pela "riqueza" dos seus símbolos. Mas se o cinema moderno possui uma direção, é
n'O Anjo Exterminador onde poderemos encontrá-la...
– A propósito do cinema "moderno", você viu L'Immortelle?

– Sim... Minhas relações (abstratas) com Robbe-Grillet complicam um pouco as coisas para
mim. Fiquei mal-humorado; não queria que ele fizesse cinema... Bem, nesse caso a metáfora
é... Na verdade, Robbe-Grillet não mata completamente o sentido, ele o confunde; ele acha
que basta confundir um pouco o sentido para matá-lo. Mas é difícil matar um sentido.

– E ele dá cada vez mais força a um sentido cada vez mais achatado.

– Porque ele "varia" o sentido, ele não o suspende. A variação impõe um sentido cada vez
mais forte, da ordem do obsessivo: um número reduzido de significantes "variados" (no
sentido musical do termo) remete ao mesmo significado (é a definição da metáfora). Ao
contrário, no famoso O Anjo Exterminador, sem falar da espécie de zombaria da repetição (as
cenas literalmente repetidas no início), as cenas (fragmentos sintagmáticos) não constituem
uma sucessão estática (obsessional, metafórica), mas cada uma delas participa da
transformação progressiva de uma sociedade festiva em uma sociedade constrangida, elas
constroem uma duração irreversível.

– Além disso, Buñuel aceitou o jogo da cronologia; a não-cronologia é uma facilidade: é


uma falsa recompensa da modernidade.

– Voltamos aqui àquilo que eu dizia no início: é belo porque há uma história; uma história
com um início, um fim, um suspense. Atualmente, a modernidade demasiado frequentemente
surge como uma forma de trapacear a história ou a psicologia. O critério mais imediato da
modernidade, para uma obra, é o de não ser "psicológica" no sentido tradicional do termo.
Mas, ao mesmo tempo, não sabemos de forma alguma como expulsar essa famosa psicologia,
essa famosa afetividade entre os seres, essa vertigem das relações das quais (e esse é o
paradoxo) atualmente as obras de arte não se encarregam mais, mas sim as ciências sociais e
a medicina: a psicologia, hoje, existe apenas na psicanálise, onde, apesar de toda a
inteligência e envergadura que aplicam, é praticada apenas por médicos: a "alma" tornou-se
em si um fato patológico. É como se as obras modernas se eximissem perante a relação inter-
humana, inter-individual. Os grandes movimentos de emancipação ideológica – digamos,
para sermos claros, o marxismo – deixaram de lado o homem privado, e sem dúvidas não
poderiam fazer de outro modo. Ora, sabe-se muito bem que há aí ainda um tanto de
desperdício, há algo que não vai bem: enquanto ainda houverem "cenas" conjugais, ainda
haverão questões a se fazer ao mundo.

– O verdadeiro, grande assunto da arte moderna é o da possibilidade da felicidade.


Atualmente, tudo acontece no cinema como se houvesse nele uma constatação de uma
impossibilidade da felicidade no presente, com uma espécie de recurso ao futuro. Talvez os
anos vindouros verão as tentativas de uma nova ideia de felicidade.

– Exatamente. Nenhuma grande ideologia, nenhuma grande utopia hoje leva essa necessidade
em consideração. Tivemos toda uma literatura utópica inter-espacial, mas não existe
absolutamente nada da espécie de micro-utopia que consistiria em imaginar utopias
psicológicas ou relacionais. Mas se a lei estruturalista da rotação de necessidades e formas
opera aqui, então deveremos muito em breve chegar a uma arte mais existencial. Quer dizer
que as grandes declarações anti-psicológicas destes últimos dez anos (declarações das quais
eu mesmo participei, como se deve) devem dar meia-volta e se tornar démodé. Por mais
ambígua que seja a arte de Antonioni, talvez seja justamente por isso que ela nos toca e nos
parece importante.

Dito de outra forma, se quisermos resumir aquilo que queremos atualmente, o que esperamos
são: filmes sintagmáticos, filmes de história, filmes "psicológicos".

(Falas gravadas em magnetofone.)

[NOTAS]

[1] Havendo interesse, o leitor poderá referir-se a dois artigos recentes de Roland Barthes:
"L'imagination du signe" (Arguments #27-28) e "L'activité structuraliste" (Les Lettres
Nouvelles #32). [Nota dos Cahiers]

[2] Ver Roman Jakobson, "Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia", in Linguística
e comunicação, editora Cultrix, trad. de Izidoro Blikstein e José Paulo Paes ("A partir das
produções de D. W. Griffith, a arte do cinema, com sua capacidade altamente desenvolvida de
variar o ângulo, a perspectiva e o foco das tomadas, rompeu com a tradição do teatro e
empregou uma gama sem precedentes de grandes planos sinedóquicos e de montagens
metonímicas em geral. Em filmes como os de Charlie Chaplin e Eisenstein, esses
procedimentos foram suplantados por um novo tipo metafórico de montagem, com suas
"fusões superpostas" – verdadeiras comparações fílmicas.") . [Nota da Cinema & Film, onde
a entrevista foi publicada no #1 sob o título "Cinema metaforico e cinema metonimico"]

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