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DA TEORIA INTERPRETATIVA DA CULTURA AO DOCUMENTARIO.

Reflexões sobre o processo fílmico e o método científico...

Por Logan Gomes da Silva

De fato, é difícil separar o cineasta de sua obra, mas quando este está inserido em seu meio
social, relacionado com os significados e conceitos calcados em sua criação de modo
behaviorista, sua percepção mediante a realidade, qualquer uma que seja representada pelo
mesmo tendera obviamente ao uso do seu vocabulário de experiências vividas.
Isso contextualizado pode-se afirmar que o cineasta em si próprio se torna um antropólogo
segundo propõe Geertz, justamente por causa das relações implicadas pelo uso da linguagem
cinematográfica, pois a partir do momento que se cria uma estética fílmica o cineasta acaba de
realizar um comentário crítico através da lente e da película. Não há como ser imparcial com
uma câmera em mãos, pois a partir do momento em que você define um enquadramento já
está se posicionando, parafraseando Jacques Rivette “A moral é uma questão de travelling.” e
o que não seria a moral do nada mais, nada menos que um símbolo cultural proposto na teoria
interpretativa da cultura.
A prática de definição metodológica é expressa indiretamente no cinema em escolhas de
tema do filme, estética, montagem e principalmente no documentário a escolha do material
que será privilegiado e o que será cortado, praticamente um delimitador natural do filme, onde
existe um tempo estipulado, e esse acaba por ser o regulador máximo da experiência
antropológica cinematográfica. Por lógica podemos afirmar que o cinema em sua essência
legitimiza o discurso dado sendo o conceito de cultura um conceito estritamente semiótico e
que o homem é um animal amarrado as teias de significado que ele mesmo teceu, assumindo a
cultura como sendo a própria teia, não a representante melhor do que o cinema para expressar
uma instância interpretativa, lotado de seus significados.
Realizando um paralelo com a filosofia existencialista de Sartre podemos identificar que
as outras pessoas são fontes permanentes de contingências (derivação dos símbolos). Todas as
escolhas de uma pessoa levam à transformação do mundo para que ele se adapte ao seu
projeto. Mas cada pessoa tem um projeto diferente, e isso faz com que as pessoas entrem em
conflito sempre que os projetos se sobrepõem. Sartre não defende como muitos pensam
o solipsismo, pelo contrario, em sua formulação o homem por si só não pode se conhecer em
sua totalidade. Só através dos olhos de outras pessoas é que alguém consegue se ver como
parte do mundo (ou seja com parte da sociedade, parte integrante da cultura) sem a
convivência, uma pessoa não pode se perceber por inteiro (sem significado cultural). "O ser
Para-si só é Para-si através do outro", idéia que Sartre herdou de Hegel, cada pessoa, embora
não tenha acesso às consciências (concepções culturais) das outras pessoas, pode reconhecer
neles o que têm de igual (o símbolo comum a toda a cultura). E cada um precisa desse
reconhecimento. Por mim mesmo não tenho acesso à minha essência, sou um eterno "tornar-
me", um "vir-a-ser" que nunca se completa, só através dos olhos dos outros (poderíamos dizer
o olhar cinematográfico, como possível representação do outro) posso ter acesso à minha
própria essência, ainda que temporária, só a convivência é capaz de me dar à certeza de que
estou fazendo as escolhas que desejo.
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Em nosso processo documental, somos inseridos ao filme, como participantes da
experiência proporcionada, neste ponto a preocupação fundamental nossa como autores com
relação aos procedimentos cinematográficos definindo o modelo metodológico que vai guiar
nossa prática em função do abjeto escolhido que podemos classificar a experiência como um
laboratório natural “O lócus de estudo não é o objeto de estudo” e “os antropólogos não
estudam as aldeias... eles estudam nas aldeias” trás toda uma questão de postura
procedimental do documentário. O laboratório natural não somente concede à antropologia
um caráter particular, mas essa possibilidade existe também na cinematografia como uma
potente ferramenta de representação dos símbolos. A partir da nossa inserção no filme,
acredito que se torna clara a relação que se dá ao se criar o significado da expressão contida
ali, se tornando uma crítica cinematográfica interpretativa, o que ajuda a refletir nessas
relações antropológicas sem dúvida alguma, contribuindo também como forma
historiográfica, pois se trata de um documento, registro autoral, veja bem, autoral dos fatos
através de uma interpretação estética, o que talvez valide a existência antropológica do filme
como uma possível interpretação simbológica de uma cultura existente, sem confundir com a
relação independente entre a interpretação e o objeto, como afirma Geertz, a interpretação não
é o objeto, ou seja, o filme não será a ocupação, será uma interpretação da ocupação que
ocorreu aquele dia no centro da cidade, justamente por causa da relação de representação
diegética que o cinema possui.
Gostaria de encerrar, apontado a proximidade dos métodos de pesquisas proposto por
Geertz e o trabalho do cineasta, mais precisamente do cinema documental, onde podemos ver
a representação interpretativa da cultura através de filmes como Estamira em seu recorte
social da degradação num sentido mental e paradoxalmente lúcido, assim com no Homem
Urso de Herzog refletindo a mesma degeneração de outra forma interpretativa, A Procura dos
Fleartman’s onde o próprio “ator” se vê inserido de forma metodológica, por causa do
material captado, ou na relação hiper simbólica que traz o filme Surplus, isso para citar alguns
exemplos vistos em sala de aula, percebemos que a gama de interpretações e significados é
vasta, por isso a restrição por tema, metodologia e estética como delimita Geertz para se
conseguir um real significado continuo.
A busca por essa significação eleva o cineasta ao status de cientista da expressão
audiovisual.

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