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O Centro do Jogador e O Centro do Personagem:

Uma Síntese Narrato-Dialética


Por Logan G. Silva

Pensando na forma como o jogador vivencia, encarna o personagem e, em


justaposição, como o personagem habita aquele indivíduo que chamamos de jogador, numa
tentativa de identificar intenções particulares que guiam a fusão dessas duas identidades para
agir conjuntamente em prol de um objetivo narrato-experienciado. Esse texto tem como
objetivo estimular o debate das figuras Jogador x Personagem e como, juntos, conceitos que
se fundem para produzir uma síntese e gerar um resultado narrato-criativo único. Antes de
adentrarmos de fato na discussão, gostaria de salientar que o termo “jogador” será utilizado
em dois sentidos distintos, o “Jogador” com letra maiúscula representa o sentido do conceito
de jogador, como ideário, não o indivíduo em si que iremos nos referir apenas por “jogador”
com letra minúscula.
Em 2012, numa escola de verão na Noruega um grupo de alunos desenvolveram uma
estrutura orientadora para criadores de Larp poderem organizar suas ideias sobre suas
criações durante o processo de criação, intitulada de ​“The Mixing Desk of Larp”1, a mesa de
mixagem do Larp, em tradução livre, um ferramental teórico que serve de parâmetros para
você identificar o que deseja tirar de uma experiência “larpistíca”. Posteriormente em 2013
sendo produzindo um artigo por M ​ artin Nielsen e​ ​Martin Eckhoff Andresen para a
Knutepunkt , texto esse que tive contato alguns tempo depois via ​labLARP3. Todo o conceito
2

era muito interessante e atraente, mas teve um que chamou minha atenção que transcrevo
abaixo:
“Sangramento¹​
Perto de Casa versus Diferenciação
Você usa elementos da vida real dos jogadores no jogo (Perto de Casa), ou
você tenta deliberadamente criar uma barreira ou distância (Diferenciação) entre o
personagem e o jogador? Usar as experiências ou histórico dos jogadores pode criar
uma experiência emocional mais forte, mas também tem suas desvantagens: tornar o
jogo menos ágil e mais realista. Pode desviar o foco da história e das emoções que a
história cria para as emoções que os jogadores trazem consigo para o jogo. Levado
ao extremo, você pode fazer com que os jogadores se divirtam, apenas em uma
configuração alternativa. Você está disposto a diminuir a divisão dos personagens?”

1
​https://nordiclarp.org/wiki/The_Mixing_Desk_of_Larp

2
Knutepunkt é uma conferência nórdica anual de RPGs, que acontece desde o primeiro evento na
Noruega em 1997.
https://nordiclarp.org/wiki/Knutepunkt

3
labLARP foi um evento que ocorria quinzenalmente em São Paulo dedicado a estudar e
experimentar Larps em 2013.
https://lablarp.wordpress.com/

1
Interessado nesse conceito de “​Bleed-in and Bleed-out​”4, no original, ou “Sangrar
para dentro (Para o jogador) e sangrar para fora (Para o personagem), e após alguns estudos
narratológicos, comecei a notar movimentos interessantes que cada postura de jogo, mais
próxima ou mais distante na intimidade entre jogador e personagem. Porque deveríamos
chamar de postura? Me parece cada vez mais evidente que o jogador se posiciona conforme
seus interesses particulares, geralmente focado em alguma catarse objetivada, mas talvez
existam certas similaridades de jogo em certas posturas que poderiam nos orientar melhor em
preparar uma narrato-experiência satisfatória para o outro, se conseguirmos identificá-las.
Por meio de algumas pesquisas narratológicas sobre o papel do personagem nas
narrativas, consegui obter informações na tentativa de traçar um parâmetro para identificar a
postura do Jogador perante a experiência de jogo proposta. Inicialmente cheguei em uma
divisão binária, podendo existir mais possibilidades das quais ainda não exploro neste texto.
Apegado aos dois conceitos ​“Jogador” x ​“Personagem”​, caminhando em sentido do
que essas posturas buscam evocar durante a experiência, como desejo do indivíduo em atingir
uma determinada catarse previamente estipulada por ele, me parece justo afirmar que de um
lado temos uma postura mais suscetível ao personagem e ao que o enredo narrativo se propõe
a desenvolver como experiência, a medida em que a outra postura diz mais sobre os anseios e
desejos interno do indivíduo que manipula aquele artifício que é o personagem.
Pensando deste modo decidi separar essas posturas em dois conceitos distintos que
tentei encontrar características que denotam essas posturas de jogo, o ​“Jogador centrado no
personagem”,​ e o ​“Jogador centrado no jogador”​. Gostaria apenas de fazer um lembrete de
que se trata de uma pesquisa preliminar hipotética, em vias ainda de ser testada em prática,
por isso pode (e vai) haver erros e incongruências em alguns pontos.

Jogador Centrado no Personagem Jogador Centrado no Jogador

Quer acreditar​: Vem predisposto a assumir Deseja a Experiência: Desenvolve uma


propostas de outros jogadores, como o narrador trajetória, um plano particular que é
por exemplo, se interessando tanto pelo representado pelo personagem e faz uso
personagem como pelo ​Plot5 p​ roposto e gosta de dele para instigar sua visão de proposição
desenvolver seu jogo por meio deles. para a dialética central do jogo. Gosta de
utilizar seus recursos narrativos para
orientar o debate dialético para o tema de
deseja.

4
​https://nordiclarp.org/wiki/Bleed

5
Enredo (Tradu. Livre) ou Aventura Condutora.

2
A ​Catarse vem através da Narrativa: ​Deseja A ​Catarse vem através da Experiência:
fazer parte de grandes eventos e fatos do jogo. Gosta de vivenciar novas experiências, ser
levado, instigado e desafiado por novas
percepções e concepções.

Se apoia no Plot: Desenvolve o seu personagem Deseja a Experiência: Desenvolve uma


através do plot e consequentemente evolui sua trajetória, um plano particular que é
própria experiência de jogo. A unidade de ação representado pelo personagem e faz uso
do jogador vem através do plot. dele para instigar sua visão de proposição
para a dialética central do jogo. Gosta de
utilizar seus recursos narrativos para
orientar o debate dialético para o tema de
deseja.

Tende a ​“Costurar” para dentro: ​Em vias Tende a “​Costurar”​ para fora: Em vias
gerais vai construir, colaborar, criar e contribuir gerais vai construir, colaborar, criar e
num sentido caminhando para dentro da ​Diegese6 contribuir para uma flexibilização e
e consequentemente contribui para a opacidade, objetivando uma disruptura,
solidificação, validando, e tornando mais tornando mais fluido e borrado o sentido
rígido/fixo o sentido daquela dimensão do daquela dimensão de universo de jogo
universo do jogo proposto. proposto.

O jogador serve ao personagem e ao Plot: Para O jogador serve ao Jogador e a sua


esse jogador os anseios e vontades do Experiência: ​Aqui o personagem serve
personagem valem mais que as dele, trata o como meio para se alcançar a experiência
desejada no momento, trata o personagem
personagem pelo código existencial dele.
como recurso de linguagem para expressar
seu ponto.

Aprecia o ​Ilusionismo da ​Realidade Idealizada Aprecia a ​Disruptura da ​Realidade


(conceito de ​Transparência​): ​Prefere que as Idealizada (conceito de ​Opacidade​):
narrativas em que está inserido sigam uma lógica Prefere borrar a narrativa em curso para
assim aliviar as amarras do sentido
construída para gerar um sentido maior, onde
estabelecido, na tentativa de moldá-la, em
tudo está conectado e as ações, acontecimentos e aspectos dialéticos, de forma a abranger
elementos estão todos contribuindo para esse fim problemáticas existenciais do real, abrindo
de uma realidade ideal livre das problemáticas espaço para o debate dialético.
existenciais do real.

6
Diegese: Universo ficcional do jogo onde se passa a experiência.

3
Busca o ​Multi-plot em conjunto: Acredita no Busca o ​Individualismo Protagonal​ da
ideal de grupo, que representa uma unidade de Experiência:​ Acredita que cada jogador
ação dramática como um todo. com seu personagem é uma parte
construtora e individual7 da experiência, e
que juntos fazem o motor da narrativa
dialética funcionar.

Expressão do Jogador: Se faz presente por Expressão do Jogador: Faz uso dos
meio do casamente entre plot e personagem e se temas propostos pelo jogo para
desenvolve no uso da representação. desenvolver sua experiência através do uso
de apresentação8.

Posição Narrativa: Tende a usar o personagem Posição Narrativa: ​Utiliza o personagem


para dar suporte ao plot proposto. como condutor da experiência, como um
esafrando.

Desenvolvimento da Narrativa: Preferência por Desenvolvimento da Narrativa:


progressão linear, desencadeamento lógico, Preferência por progressão fragmentada,
começo, meio e fim. não-linear, desencadeamento contraditório
definido dialeticamente de forma orgânica,
sem necessidade de jornada arquetipal.

High Concept: Desejo por uma abrangência de Low Concept: ​Busca por vivências mais
vivências mais universais muitas vezes atreladas específicas, geralmente conectada com
a conceitos comum às narrativas mais ideais políticos, sócio-culturais,
tradicionais como questões amorosas, de existenciais, filosóficos e a conceitos mais
sobrevivência (vida ou morte) ou de condição abstratos.
(financeira ou de poder).

Personagem Consolidado (Sólido): Em sua Personagem Fluido (Líquido): Na sua


percepção o personagem é o que é, fixo em sua concepção o personagem é um recurso de
posição. linguagem fluido e em constante
ressignificação.

Imersão: ​Preza pela fidelidade a realidade Exploração:​ Preza por explorar novas
proposta. possibilidade dentro das realidades
possíveis.

Elementos Extra-narrativos: ​No que tange Elementos Extra-narrativos: ​Tende a ser


elementos estéticos não narrativos, como ativo no que tange proposições de cenário,
cenário, universo de jogo, prefere ser um agente universo de jogo e até descrição de ações,

7
Individual porque toda a percepção da narrativa vai passar pelo filtro do indivíduo e restrito a sua
mente em sua completude da qual parte vai ser verbalizado na forma de factóide como contribuição
da narrato-experiência em curso.

8
Retórica.

4
passivo, apreendendo e recebendo a experiência desejando ser proponente condutor da
estética proposta pelos agentes ativos. experiência em curso.

Preferência Existencial da Diegese: Pensando Preferência Existencial da Diegese:


elementos de jogo, de cenário e de narrativa Prefere um universo de jogo mais flexível
busca por algo mais próxima do real, do e fluido que comporte novas provações
possível, do concreto que ele possa visualizar. narrato-estéticas. Quer ser levado a
visualizar algo que nunca tenha visto
antes.

Desenvolvimento Racional: O “​O Quê​” é muito Desenvolvimento Racional: ​O “Como?”


importante e relevante para a proposta de jogo é mais importante e relevante nessa
satisfatória para essa posição. proposta de jogo.

Lugar Comum: Tem como preferencia ação Lugar Comum: Opta pelo pensamento
como resolução, se engaja pelo diálogo e escolhe em detrimento da ação, gosta de decidir
pela razão de maneira lógica. com parcimônia, se engaja por meio do
tema, tanto que deseja discutir como o
proposto pelo jogo, tente a escolher pela
emoção.

Das Vontades: Tem como o ideal a ser desejado, Das Vontades: ​Deseja a ruptura do lugar
persegue o ilusionismo, lugar do irreal. ideal, a disruptura do ilusionismo, muito
mais próximo do lugar existencial.

Plot: ​Tem preferência por plots centrados na Experiência: ​Esta dedicado a experiência
Ação​, que não só limitada ao conceito literal da de jogo, prefere plots mais abstratos,
palavra, mas como tudo que abrange o universo existencialistas, e que o temas e discussões
sejam o ponto central da narrativa
do jogo, como cenário e narrativa, é necessário
proposta, como dos outros elementos que
haver ação. compõem.

Estrutura: Tem preferência por estruturas mais Estrutura: ​Tem preferência por estruturas
fixas. fragmentárias, subdividida em diversos
núcleos.

Esses são alguns conceitos que consegui elaborar na tentativa de identificar e


enumerar para fins desse estudo, mas que em suma esses conceitos não se encontram, assim,
dicotomizados separadamente dentro de qualquer indivíduo, o ser humano dentro de suas
infinitas possibilidades vai misturar essas características para desenvolver um estilo único,
próprio, justamente por meio da fusão desses dois arquétipos “​Jogador​” e “​Personagem”​ que
vão responder perante a ​Narrato-experiência​.

5
Sendo o mais provável que cada jogador desenvolva um repertório único destas
habilidades em decorrência das experiências prévias pela qual ele já tenha passado dentro da
prática, adquirindo relações exclusivas, conexões com hobbie de maneira pessoal
vivenciando a experiência de maneira íntima, todos juntos partilhando da mesma experiência
em última instância, mas de formas completamente diferentes.
Por finalidade, espero que este artigo abra caminho para discussões no sentido de uma
busca pela melhoria da “​Sociedade de Jogo”​ , para que possamos encontrar cada vez mais e
melhores formas para nos comunicar em grupo de forma artística, e assim suprir as
expectativas de todos envolvidos na grande experiência de jogo.

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