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Como Escrever Histórias

Como Escrever
Histórias
A Única coisa que você precisa saber.
de Raoni Marqs

O maior problema ao criar histórias é que entre o momento em que você


tem uma visão de uma história incrível e o outro em que você tem uma
história completa pronta pra ser consumida pelo público, existe esse longo
e doloroso processo em que você está dando voltas dentro da sua cabeça e
batendo de um lado pro outro tentando descobrir como é essa história que
você imaginou.

Pra lidar como esse purgatório criativo eu fui estudar métodos de autores
diferentes que facilitam o processo de um jeito que, quem tá em casa
desde pequeno tentando espremer uma história até o final, nunca poderia
prever. E eu aprendi um monte dessas coisas – como a jornada do herói, a
função do diálogo numa narrativa ou a ideia de usar cartões para
desenvolver a trama de uma história –, mas tem uma coisa que pra mim
foi mais útil, eficiente e importante de aprender.

É uma frase no meio de um capítulo sobre construção de personagem, no


"Manual do Roteiro" do Syd Field. Assim, como quem não quer nada, ele
diz:
"Escrever é a habilidade de perguntar-se e obter
respostas."

Essa é simplesmente a coisa mais genial que eu já ouvi na minha vida. É


TÃO genial, tão inteligente, importante, útil e eficiente que eu não sei nem
explicar o quanto essa frase é incrível. Mas eu vou tentar...

Se a gente pega a estrutura da história, ela é uma ferramenta pra pensar


nos valores (positivos e negativos) pelos quais a história passa. Se a gente
pensar em cartões, eles são uma ferramenta pra imaginar de forma mais
eficiente quais vão ser os eventos que formam a sua história. E se a gente
pensar na função dos diálogos, a gente vê que cada fala numa história é
uma ferramenta pra mover a história e revelar os personagens.

Então esses são três exemplos de ferramentas pra facilitar o


desenvolvimento de elementos diferentes que vão formar a sua história.
Mas mesmo usando essas ferramentas, em algum momento você ainda vai
ter que imaginar e desenvolver a forma específica desses elementos.

Por exemplo: se você pensar nos valores pra estrutura da história e decidir
que quer que a sua história termine com um final feliz – ou seja, um valor
positivo – e, na sua história, isso quer dizer que o herói vence a luta contra
um urso robô, você ainda precisa decidir como o herói vence o urso! Então
por mais que a Jornada do Herói diga "senhor de dois mundos", você
ainda precisa imaginar como aquilo vai tomar forma na sua história.

O que eu quero dizer é: você aprende essas ferramentas, essas dicas, esses
truques… mas na hora do vamo vê, é você, é a sua criatividade que vai ser
responsável por usar essa ferramenta pra criar a sua história.

É aí que entra essa frase do Syd Field:

"Escrever é a habilidade de perguntar-se e obter


respostas"
O que ele diz é que o processo de criar uma história, de desenvolver
aquela ideia, aquela visão de uma história incrível que você quer que
outras pessoas vivenciem, consiste na sua habilidade de fazer perguntas
pra você mesmo e tomar decisões a respeito delas. Escrever uma história é
imaginar as possibilidades que essa história possui, é enxergar o potencial
que a sua ideia tem e tomar decisões que transformem essa ideia numa
história!

É genial! Por quê?

Porque a estrutura da história é uma ferramenta pra desenvolver a


sequência de valores (positivos e negativos) dela; porque os cartões são
uma ferramenta pra desenvolver a sequência de eventos da história;
porque a função do diálogo é carregar a trama de um valor e um evento
pro próximo, enquanto mostra pro seu público quem são os seus
personagens… Cada ferramenta usada pra criar histórias tem um propósito
específico, mas essa frase, essa noção sobre o que é escrever é uma
ferramenta que serve pra usar todas essas ferramentas!

Se você decide que o final da história é positivo, que isso significa que o
herói vai vencer o urso robô, mas precisa imaginar como isso acontece, o
processo pra chegar lá é "perguntar-se e obter respostas". É tomar uma
decisão sobre como vai ser essa sua história. e como vai ser o que
acontece depois disso. E depois disso. E depois disso. O caminho todo é
feito de decisões que só podem ser tomadas por você – o escritor.

Agora, assim como os estágios da jornada do herói, dizer que a


criatividade está em tomar decisões ou "fazer perguntas e encontrar
respostas" pode ser meio abstrato. Então eu vou te dar o melhor exemplo
que eu conheço sobre esse tema.

Se você chegar no caixa de um Starbucks e dizer pro atendente que não


sabe o que quer, enquanto olha pro cardápio na parede com aquela cara de
perdido, o funcionário deles vai te fazer a pergunta mais genial que eu já
ouvi na vida:
"Você quer tomar uma coisa quente ou fria?"

E é disso que eu tô falando quando digo que a frase do Syd Field é genial.
O cardápio do Starbucks tem um monte de opções – vamos dizer que
sejam 20. Se uma pessoa chega lá sem saber o que quer, ela precisa
considerar 20 opções. Mas a pergunta sobre "quente ou frio" não só
elimina, vamos dizer, metade dessas opções, como ela é muito mais fácil
de responder.

O que essa pergunta faz é forçar a pessoa a visualizar o que ela quer – a
pessoa precisa se enxergar no futuro tomando alguma coisa e assim ela
descobre que ela já tem uma opinião sobre o assunto. "Eu estou com calor,
então vou tomar alguma coisa gelada" – ou o contrário.

Essa ideia tem muito a ver com o que a Viki King explora no que ela
chama do "Método do Filme Interno" – a ideia de que, dentro de você,
você já sabe como é a sua história e essa história vai ser toda visualizada
em etapas. Dessa forma, você consegue enxergar e tomar cada decisão de
um jeito tão fácil quanto escolher entre tomar alguma coisa quente ou fria.
No livro dela, “Como Escrever um Filme em 21 Dias”, ela diz:

"Escrever é esquizofrênico, no sentido de que usa suas


duas partes. Tem a parte do coração, que já sente o seu
filme, e a parte da cabeça, que coloca ele no papel."

"Seu coração é mais esperto do que você pensa, e ele


conhece o filme que você quer escrever, então nós vamos
evitar toda a dúvida, a falta de familiaridade com o
formato, e vamos direto ao coração."

O que isso quer dizer?


Vamos voltar ao nosso exemplo sobre o final da história em que o herói
vence o urso robô:
Cada pessoa que ouvir essa cena vai imaginar uma história diferente e no
"coração" de cada um estão as respostas pra cada detalhe dessa cena.
Então, mesmo lidando com uma premissa absurda como um protagonista
que vence um urso robô, a gente consegue encontrar soluções que
funcionam. Usando a nossa habilidade de fazer perguntas e encontrar
respostas, a gente chega a soluções de uma maneira tão fácil quanto
escolher entre quente ou frio no Starbucks.

Vamos pensar: a gente decidiu que o protagonista ganha do urso robô.


Agora enxerga essa cena e pensa no número de detalhes que ainda
precisam ser preenchidos com decisões que a gente ainda não tomou.

Pra começar: como o herói vence o urso robô? Tentando visualizar essa
resposta, a gente pode não enxergar detalhes, mas você instintivamente vai
saber se o herói vence o urso robô com palavras, com um chute na boca,
ou se o herói vence o urso robô numa batalha judicial. Porque a pergunta
que a gente se faz pode gerar uma diversidade de respostas, mas a gente
automaticamente elimina milhões de outras respostas. Ninguém imaginou
o herói vencendo o urso robô numa batalha judicial. Porque "urso robô"
não leva a nossa imaginação pra uma cena num tribunal!

Então deixando o nosso coração responder a pergunta, a gente cria uma


série de respostas distintas, mas que ainda são plausíveis pro cenário
limitado que a nossa imaginação cria quando ouve as palavras "urso robô".

1: O herói vence o urso robô na porrada – porque não se pode discutir com
ursos, mesmo quando eles são robôs;

2: O herói vence o urso robô com palavras – porque agora que ele é
metade robô, ele é inteligente, mas isso fez dele um animal mesquinho que
fere os sentimentos dos outros e ele precisa encarar essa verdade sobre o
próprio caráter, então o herói faz um discurso emocionante que apela para
a sua natureza bondosa;

3 - O herói vence o urso robô se sacrificando – porque o urso foi


transformado em robô pra ser uma máquina de matar usada pelo exército,
e o agente florestal que resgatou ele quando filhote não quer que ele
continue essa matança, mas também não pode matar o urso que ele
resgatou, então ele se sacrifica tentando proteger o alvo do urso robô e isso
faz o urso robô enxergar que ser um assassino vai colocá-lo em conflito
com os valores que o salvaram no passado.

Você pode explorar uma premissa de jeitos muito diferentes e que


funcionam numa história, dependendo de onde o seu coração te leva. Mas
as chances do seu coração dizer "o herói vence o urso robô numa corrida
de carrinho de rolimã" são ridículas. "o herói vence o urso robô numa
competição de corte de cabelo"; "o herói vence o urso robô na percepção
da opinião pública sobre quem criou o melhor microscópio para estudar a
vida do tardígrado"; "o herói vence o urso-robô numa aposta sobre o
Corinthians ter ganhado a libertadores durante a ditadura pra aliviar o
stress da população" – essas opções nunca seriam sugeridas pelo seu
coração a menos que o resto da história incluísse parte desses cenários.
Por quê? Porque "o seu coração sabe mais do que você imagina" e se ele
não enxergou essas opções, é porque elas não funcionam; é porque não é
essa a história que você está tentando contar.

Confie no seu instinto. Faça perguntas a você mesmo e tente encontrar a


resposta que mais te parece certa e essa provavelmente vai ser a melhor
resposta pra história que você tá tentando escrever.

"Escrever é a habilidade de perguntar-se e obter


respostas"

Ma minha cabeça a frase foi mudando com o tempo e ficou:

"Escrever é fazer perguntas e encontrar respostas"


Mo fim das contas, não importa quantos vídeos eu faça, quantos filmes eu
analise ou quantas ferramentas eu descubra, essa é a essência de todo o
esforço criativo – é tomar decisões. É assim que eu consigo encontrar
histórias emocionantes em premissas idiotas tipo cachorros padeiros que
sonham em lutar boxe e samurais que jogam Tennis – confiando no meu
instinto na hora de decidir pra onde a história vai. Porque escrever é
simples:

Escrever é fazer perguntas e encontrar respostas.

Agora vai lá escrever.

"Como Escrever Histórias" – Raoni Marqs, 2019.


bendaora.com

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