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Como Escrever Histórias

Como Escrever
Diálogos
Qual a Função do Diálogo?
de Raoni Marqs

Uma coisa que as pessoas sempre perguntam é sobre como escrever um


bom diálogo. Enquanto a estrutura de uma história pode ser dividida,
formulada, mastigada até virar um verdadeiro ligue-os-pontos, diálogo é
muito mais difícil de dissecar e encontrar uma solução prática sobre como
escrever bem. Mas se tem uma coisa essencial pra entender como escrever
bons diálogos é saber pra quê ele serve.

Quando o Lajos Egri escreveu “A Arte da Escrita Dramática", em 1946, o


capítulo sobre diálogo foi escrito por uma das alunas dele, Jeanne
Michael. E ela tem uma das minhas frases favoritas sobre diálogo:

"[numa peça], diálogo é o meio principal através do qual


a premissa é exposta, os personagens revelados, e o
conflito é carregado. é vital que o diálogo seja bom, já
que é a parte da história que fica mais aparente ao
público."

O que eu gosto dessa frase é que ela diz por que o diálogo precisa ser bom
– "a parte mais aparente ao público," – ao mesmo tempo que explica como
ele precisa ser, para ser considerado "bom" – expõe a premissa, revela os
personagens, carrega o conflito.

Quando perguntam sobre diálogo, a maioria das pessoas tende a falar


sobre como fazer para o diálogo soar natural. Como eu falei num vídeo
respondendo a pergunta que o Gustavo Belo mandou no twitter, o melhor
jeito pra fazer diálogos soarem "verossímeis" ou "naturais" é ler o que
você escreveu em voz alta. Se você se sentir ridículo falando o que
escreveu, grandes chances das suas falas estarem meio artificiais.

Mas "natural" é um conceito muito subjetivo – a chave pra isso


provavelmente está em equilibrar texto e subtexto, mas a gente vai falar
disso outro dia. Se tem uma coisa que você pode procurar pra checar se o
seu diálogo está "bom" suficiente, é na função que ele tem na história.

Em busca dessa sensação de "naturalidade", você pode acabar caindo no


que todo mundo chama de "diálogo sem graça" – e aí eles sempre citam
uma conversa em que as pessoas falam "oi, tudo bem?" e a outra responde
"tudo, e você?". Não tem nada de errado com isso, mas é um problema se
o seu diálogo ficar só nisso. Histórias são alguém tentando conseguir
alguma coisa. São um protagonista saindo do ponto A e chegando ao ponto
B e os seus diálogos precisam fazer a mesma coisa.

Quando o Syd Field escreveu sobre as funções do roteiro ele fez uma lista
de oito coisas:
• move a história adiante,
• comunica fatos e informações ao leitor
• revela o personagem
• estabelece os relacionamentos do personagem
• empresta realidade, naturalidade e espontaneidade
ao personagem
• revela os conflitos da história e personagens,
• revela os estados emocionais do seu personagem
• e comenta a ação.

A maioria pode ser resumida como "revela o personagem". A segunda
(“comunica fatos e informações ao leitor”) é o que a gente chama de
"exposição" – os personagens conversam entre eles a fim de transmitir
informações importantes pra trama através do diálogo. Mas a primeira é a
mais importante: o diálogo move a história.

Se histórias são uma jornada do ponto A ao ponto B, tudo na história deve


mover a trama adiante e o diálogo está incluso nisso. Esse é o problema
com "oi, tudo bem? tudo e você?" – a menos que essas frases revelem o
personagem ou movam a história, elas soam inúteis.

Sobre isso – especificamente – o John Truby fala:

"muitos escritores, num esforço pra soar "realistas,"


começam a cena e progridem lentamente em direção ao
conflito central. isso não torna a cena realista; torna [a
cena] entediante."

Não soar "natural" não é um problema, mas entediar o seu público é. Por
isso tem tantos diálogos que soam completamente irreais fazem tanto
sucesso – tipo House, Gilmore Girls, ou tudo o que o Aaron Sorkin
escreveu. Porque eles são emocionantes! As pessoas conversando são
como carros correndo muito, muito rápido e cada vez que eles respondem,
é como se alguém fizesse uma curva perfeita à 300 quilômetros por hora
ou devolvesse uma bola impossível numa partida de tênis.
Sabe quando você tem uma discussão com alguém e 2 horas depois você
pensa "ah, eu devia ter dito isso!" porque o seu cérebro teve tempo de
digerir tudo o que aconteceu e imaginou a resposta perfeita pra destruir a
pessoa com quem você tava conversando? Essas são as falas que
compõem um bom diálogo.

Num artigo sobre "as verdades tácitas sobre bons diálogos" no Script
Lab*, a primeira é "não existe diálogo naturalista".

Se a gente tivesse que definir um que é uma boa fala e o que é um bom
ritmo, as melhores falas pra um diálogo são as falas que causam mais
impacto; e o melhor ritmo depende do contexto, da emoção da cena e etc,
mas… "o mais rápido possível" também pode ser uma boa resposta.

Porque na vida real, quando nós falamos, a gente tá sempre medindo as


palavras enquanto fala. então tem uma quantidade de "hmms" e "aahms" e
silêncio e "não sei". Diálogo não tem tempo pra isso porque o seu público
não tem tempo pra isso.

Sempre que duas ou mais pessoas conversam numa história, é porque


alguém quer alguma coisa.
Então faça com que o seu diálogo trabalhe em função disso:

a função do diálogo é mover a trama adiante; e a forma


do diálogo deve revelar o personagem.

Então, se um personagem está tentando seduzir alguém, tudo o que essa


personagem diz deve ser em função disso; mas se um rei ou um fazendeiro
tentam seduzir alguém, a forma com que eles fazem isso – o vocabulário e
as táticas que eles usam no que dizem – vai ser bem diferente.

Soar natural é pra quando você vai na padaria e conversa com o atendente.
o seu diálogo deve ser eficiente, inteligente, afiado, certeiro. Quando
estiver na dúvida sobre o quão bom ele é, lembre-se que o diálogo precisa
fazer no mínimo duas coisas – e "soar natural" não é uma delas. Mover a
história e revelar o personagem: se ele fizer essas duas coisas, aí você
pode se preocupar com qualquer coisa além disso

A maior dificuldade ao se escrever uma história é lidar com o bloqueio –


com o momento em que o seu cérebro trava e você não tem ideia do que
precisa fazer. Pra lidar com isso, teorias como a jornada do herói são
maravilhosas, porque te guiam quando você não sabe como continuar.
Com diálogo não é tão fácil, mas apesar dele ter um monte de
características diferentes, sempre que você estiver travado, perdido, sem
saber como continuar ou se o seu diálogo está bom suficiente, se concentra
na função do diálogo.

O melhor jeito de não se perder quando for escrever o seu diálogo é


lembrar pra quê ele serve: diálogo revela o personagem enquanto move
a história adiante. Se, de alguma forma, o seu diálogo não faz nenhuma
dessas coisas, jogue fora.

* "3 Unspoken Truths About Writing Great Movie Dialogue”, Ken Miyamoto
https://tinyurl.com/y8veczny

conteúdo da campanha do Apoia-se


"Como Escrever Histórias" – Raoni Marqs, 2018.
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