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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas


Departamento de Antropologia
Programa de Iniciação Científica (sem bolsa)
Nome original do Projeto: “Investigando a violência representada pelo cinema em
alguns filmes escolhidos: Afinal, o que ela está nos dizendo?”

Reformadores e pragmáticos: a
relação indivíduo/sociedade em
alguns filmes escolhidos
Autor: Hugo Lopes Tavares

Relatório Final apresentado ao Programa de


Iniciação Científica do Departamento de
Antropologia da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, sob orientação do Profa. Dra.
Rose Satiko Gitirana Hikiji.

Agosto de 2007
RESUMO
Este trabalho parte do princípio de que, sendo as aspirações, desejos e necessidades do
homem por ele naturalizados e internalizados, também são passíveis de se expressarem
no imaginário através do complexo projeção-identificação-transferências. Isto ocorren-
do, e sendo o cinema uma expressão do imaginário, estas sensações tornam-se passíveis
de serem acessadas pela prática da análise fílmica, tornando-nos aptos, assim, a identifi-
cá-las. Considerado isto, o objetivo deste trabalho passa a ser investigar, através da aná-
lise de alguns filmes escolhidos, um tema específico: a relação indivíduo/sociedade e
seus possíveis desdobramentos.

2
Tira “Bom dia”, de Daniel Lafayette (2007)
( Retirada do blog Dr. Zigoto – http://blogdolafa.blogspot.com/ )

3
ÍNDICE

APRESENTAÇÃO 5

1. O IMAGINÁRIO E A ANTROPOLOGIA 7
Antropologia e Imagens 7
O cinema, o real e o imaginário 8
O que os filmes podem nos dizer e como podemos entendê-los 9
Alguém diz e nós entendemos, mas quem fala? 10

2. CLIFFORD GEERTZ E A NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA 13


Por uma “descrição densa” dos filmes 13
Linguagem cinematográfica: o cinema conhece a fala 15
Montagem cinematográfica: o cinema conhece a retórica 17

3. A ANÁLISE DOS FILMES ESCOLHIDOS 20


Considerações preliminares 20
Laranja Mecânica 23
Taxi Driver 28
Assassinos por Natureza 34
Clube da Luta 39

4. RELACIONANDO OS FILMES 46

APÊNDICE: A VIOLÊNCIA NO CORPUS ESCOLHIDO 51

BIBLIOGRAFIA E FILMOGRAFIA 54

FICHA TÉCNICA DOS FILMES 57

ANEXO: PROJETO DE MESTRADO 59

4
APRESENTAÇÃO

Este trabalho é o relatório final e resultado de minha pesquisa de Iniciação Cien-


tífica (período de agosto de 2006 a julho de 2007), em que me proponho a sistematizar,
organizar e relacionar as leituras e estudos que executei durante o último ano, bem co-
mo apresentar minhas conclusões acerca das análises fílmicas realizadas.
Em minha pesquisa tratei de investigar e refletir, através da análise de quatro
filmes – Assassinos por Natureza (1994), Clube da Luta (1999), Laranja Mecânica
(1971) e Taxi Driver (1976) –, sobre o indivíduo , suas auto-percepções e o seu “lugar”
na contemporaneidade, através, principalmente, da sua relação com a sociedade, com o
Outro (em suas diferentes facetas) e com algumas instituições intermediárias (a família,
principalmente). Investiguei ainda o conflito que é pelos filmes colocado como inerente
a esta relação, atentando para a forma como todas estas tensões são trabalhadas na di-
mensão do imaginário – ou seja, pelos próprios filmes.
Sobre a estrutura da apresentação, na primeira parte deste relatório discuto bre-
vemente o uso de imagens nas Ciências Sociais, pensando principalmente em como a
Antropologia pode trabalhar com o cinema, tendo, como objeto de pesquisa, filmes.
Trato também de como este objeto pode ser fonte de conhecimento para a disciplina,
bem como quais são as suas características, limites e potencialidades como tal e a quem,
por meio deles, podemos “dar voz” – mais precisamente, no caso, a quem podemos re-
velar como discursante.
Na segunda parte me dedico a pensar uma das especificidades do cinema: a sua
narrativa. Buscando em Clifford Geertz a inspiração e a referência analógica para esta
abordagem, pretendo resumir os principais pontos do desenvolvimento histórico da lin-
guagem cinematográfica, dando especial destaque para a montagem – se não o princi-
pal, ao menos um dos geradores de sentidos no cinema, já que é a relação de uma ima-
gem com a outra e a interpretação que se faz dessa relação que nos dá o sentido fílmico
a ser analisado.
A terceira parte é a análise propriamente dita dos filmes, onde eles serão discuti-
dos individualmente, segundo a metodologia híbrida que adotei após o meu contato com
algumas possibilidades metodológicas – e cuja formação e composição pretendo escla-
recer, em um breve preâmbulo, como se formou.
Após isto, os filmes serão relacionados, para se verificar o que é possível conclu-
ir da análise do corpus escolhido, ocorrendo a exploração das conclusões parciais ad-

5
vindas da análise individual anterior através de uma análise comparativa em duplas – o
que se dará principalmente a partir de um recorte diacrônico.
A seguir, em um apêndice, faço uma breve reflexão sobre a violência contida
nos filmes selecionados, tema candente mas que optei por não priorizar na análise, e,
como fechamento deste relatório, apresento as referências bibliográficas dos livros con-
sultados, além das referências filmográficas e das fichas técnicas do material fílmico
utilizado.
Por último apresento, em um anexo, o meu projeto de Mestrado, trabalho que foi
elaborado como decorrência direta da pesquisa que aqui inicio a relatar, e que pretendo
que a desenvolva e aprofunde – agora em outros termos e abordando outros filmes.

6
1. O IMAGINÁRIO E A ANTROPOLOGIA

Antropologia e Imagens
Em “Imagem e Ciências Sociais – Trajetória de uma relação difícil”, Sylvia Cai-
uby Novaes (2006, p. 24-25), partindo de pesquisas que apontam para a recorrência da
centralidade do olhar de personagens retratados em pinturas, em relação à tela, nos fala
da importância da visualidade para nós, ocidentais, e da relação que fazemos entre visão
e conhecimento: “no ocidente, nossa percepção é hoje antes de tudo visual/espacial,
nossa relação com o mundo é eminentemente visual, e é a visão que o senso comum
privilegia como órgão do conhecimento”.
Em nosso meio de atuação, o mundo das Ciências Sociais, entretanto, são pou-
cos os pesquisadores que atualmente se debruçam sobre as imagens, ao contrário do que
acontece com semióticos, psicólogos e historiadores da arte. Tal se dá, aparentemente,
por termos uma tendência a considerar este um campo ilegítimo para a reflexão, ao con-
trário do que acontecia, por exemplo, nos primórdios da Antropologia, quando a foto-
grafia e o cinema eram amplamente utilizados, seja como ferramenta de registro (o que
de fato ocorria na maioria dos casos), seja em alguns trabalhos pioneiros como o de
Margaret Mead e Gregory Bateson entre os balineses, ou mesmo como objeto de pes-
quisa em si, como no caso específico dos chamados “estudos de cultura à distância” a
que antropólogos como Ruth Benedict, Rhoda Métraux e os mesmos Margaret Mead e
Gregory Bateson, entre outros, dedicaram-se, principalmente durante a Segunda Guerra
Mundial, como forma de melhor compreender os inimigos dos E.U.A., como nos conta
Rose Hikiji (1998a).
Porém, a possível e errônea impressão de que a imagem seria, por sua polissemi-
a, imprecisa e “pouco confiável” (tanto para quem dela se vale como comunicação, co-
mo para quem a analisa e tenta compreendê-la), aliada ao fato de ser, paradoxalmente,
sempre encarada de forma reducionista como tendo relação somente com o seu referente
concreto (desprezando-se, assim, a sua condição de discurso construído e todas as suas
possibilidades simbólicas), talvez explique a preeminência que foi dada, posteriormente,
não só em nossa disciplina, mas como nas Ciências Sociais em geral, à escrita em de-
trimento das imagens, como sugere Caiuby Novaes (2006, p. 35).
De qualquer forma, é inegável que as imagens vêm adquirindo cada vez mais, e
de diferentes maneiras, importância e presença marcante em nosso cotidiano. E, mesmo
que, aparentemente, não estejamos percebendo o potencial investigativo desta nova rea-

7
lidade, podemos considerar que, tal como outras temáticas a que os antropólogos tradi-
cionalmente sempre se dedicaram, as imagens, como produto cultural que são, podem
ser vistas como uma via de acesso privilegiada para os objetivos a que as Ciências Soci-
ais se propõem buscar. E isso se dá porque, como os mitos e rituais, elas também podem
nos apresentar dimensões (não-observáveis por outros meios) de valores, categorias e
concepções de vida (op. cit., p. 37-38). Podem nos colocar, enfim, em contato com a
dimensão do imaginário, cabendo ao pesquisador, a partir disto, investigar as relações
que se constroem e os significados que ali se constituem.

O cinema, o real e o imaginário


Como observa Jean-Claude Bernardet (1980, p. 12) sobre a famosa apresentação
dos irmãos Lumière em Paris, quando a exibição do filme da chegada do trem à estação
colocou em polvorosa os seus espectadores, assustados com o que viam, de “tão real
que a locomotiva parecia”; o que há de mais curioso neste acontecimento é que, por
maior novidade que fosse o cinematógrafo para o público presente, não se pode ignorar
que o filme exibido era em preto e branco e mudo. Ou seja, não havia como confundi-lo
com um trem real, mas, aparentemente, foi o que houve: os espectadores reagiram como
se a locomotiva que avançava, na tela, em direção a eles, pudesse invadir a sala de pro-
jeção e atropelá-los.
E esse “engano”, ou melhor, essa “ilusão”, seria a grande novidade do cinema,
considera Bernardet: ver na tela um trem e “aceitá-lo” como “verdadeiro”, mesmo sa-
bendo-se que ele não pode sê-lo. “Um pouco como num sonho: o que a gente vê e faz
em um sonho não é real, mas isso só sabemos depois, quando acordamos. Enquanto du-
ra o sonho, pensamos que é verdade”. E seria essa impressão primeva de realidade, pro-
vavelmente, a base do grande sucesso do cinema, principalmente se levarmos em conta,
como observa Ismail Xavier (1984, p. 32), que ela nunca se desvanece, contribuindo
para que, por mais fantástico que seja o que nos é apresentado, sempre o vejamos como
verossímil, contribuindo para que o mito tenha concretude.
A respeito disso, nos diz Edgar Morin em “O cinema ou o homem imaginário”
(1980): “cinema é ilusão”. E o processo que dá corpo a essa ilusão é o complexo proje-
ção-identificação-transferências, fenômeno que se inicia a partir do instante em que
nossas aspirações, desejos e necessidades “deixam” nossos sonhos e começam a se pro-
jetar também sobre as coisas e pessoas – ou seja, em aspectos do mundo material. Após
isso, em um segundo momento, o processo de identificação faz com que nós “absorva-

8
mos” esse mundo modificado por nossas projeções, incorporando-o e integrando-o afe-
tivamente. Por último, estabelece-se um processo de transferências recíprocas entre a
projeção e a identificação, dando origem, finalmente, ao complexo inicialmente aludido,
responsável por deturpar a realidade objetiva das coisas.
E, da mesma forma que esses mecanismos operam em nosso cotidiano, também
estão na origem da nossa percepção cinematográfica1, que nos faz colocar em movimen-
to nossas projeções-identificações à medida que nos identificamos com as imagens pro-
jetadas, transportando-nos para a dimensão do imaginário; dimensão esta que
(re)significa, (re)organiza, dá sentido ao mundo material (op. cit., p. 91-120).
E se o cinema é uma expressão do imaginário, ou seja, se um filme mostra uma
das formas possíveis de como indivíduos (ou grupos de indivíduos) de uma certa socie-
dade concebem suas “representações” da realidade, isto certamente muito nos dirá sobre
o modo como os mesmos vêem a si próprios, o Outro, o mundo e como compreendem
tudo isto – além de nos oferecer uma possibilidade muito interessante de acesso, nos
termos de Morin, às suas “aspirações, desejos e necessidades”, que, afinal, estariam na
origem de tudo.

O que os filmes podem nos dizer e como podemos entendê-los


No contexto específico da realização cinematográfica, portanto, podemos consi-
derar que o produto de uma reconstrução sempre nos dirá mais sobre quem a executou e
a época em que a realizou, do que sobre o momento ou objeto original que se desejou
reconstruir. Paulo Menezes (2003, p. 94), a propósito, nos lembra que os filmes nos dão
mais informações sobre percepções e formas de se construir o mundo do que propria-
mente sobre o mundo que pretende “reproduzir” – dessa forma, por exemplo, ao contrá-
rio do que talvez se pudesse mais facilmente esperar, uma reconstrução histórica em um
filme pode ser mais informativa sobre o presente de quem a executou do que sobre o
tempo que evoca2.
É importante frisar, porém, que estas “representações” não refletem a realidade
da coisa “representada” (são sempre uma “versão”, um “ponto de vista” de quem as fez,
e constituem um ponto de contato com o imaginário dos mesmos, é verdade, mas aí está
a sua limitação, pois nada mais são do que isso) e que aqui não nos interessa, portanto,
buscar nas imagens uma espécie de “ponte com a realidade” ou um tipo de acesso que

1
Sendo esta, segundo Morin, a “alma do cinema”.
2
Um exemplo recente e instigante disto é o filme “Maria Antonieta”, de Sofia Coppola (2006).

9
nos permitiria investigá-la através de alguns filmes escolhidos. Não: na verdade, inte-
ressa-nos, isso sim, a construção dos filmes e os valores e visões de mundo que guiaram
este processo.
De qualquer modo, o acesso às instâncias referidas anteriormente por Caiuby
Novaes (2006, p. 38) só nos é possível ao nos determos e investigarmos o aspecto mate-
rial da produção imagética em questão – isto é, no nosso caso específico, o filme, objeto
de estudo desta pesquisa –, pois o que nele nos é possível descobrir vai além das inten-
ções consciente de seus produtores, por a obra adquirir, depois de realizada, autonomia,
não se permitindo a eles qualquer controle posterior – e, conseqüentemente, respostas às
nossas questões.
No entanto, não sendo conscientemente manifesto, o que será investigado não
está dado de maneira imediata nos nossos objetos de investigação, mas sim de maneira
mediada. Lembrar isto é importante, pois temos a tendência a considerar que a leitura
de uma imagem ocorre de forma “quase natural”, como se esta não fosse constituída por
signos ou, como diz Barthes (1990, p. 13), como se ela fosse uma “mensagem sem có-
digo”. A imagem, porém, possui um código. E, se há um código, este, como tal, pode
ser “quebrado”: isto é, identificado, descrito e analisado, visando-se a sua compreensão,
conforme prática de análise fílmica proposta por Goliot-Léte e Vanoye em “Ensaio so-
bre a análise fílmica” (2005).
Neste livro, os autores propõem uma prática de análise que nos permitiria identi-
ficar e entender como o filme se constrói em seus diferentes aspectos e níveis, pensan-
do-os separadamente quando necessário e relacionando suas partes quando conveniente,
na tentativa de melhor entendê-lo e para melhor perceber o que está sendo dito em um
nível secundário ou subentendido, revelando assim, de certa maneira, o “não dito”. E
entender como isso se dá, é entender o discurso que está sendo construído – não nos es-
quecendo, como nos alerta Paulo Menezes (2004, p. 23) ao discorrer sobre a análise
fílmica, de atentar para como é dito o quê é dito, pois devemos partir “do pressuposto de
que a maneira pela qual se articulam como imagens uma determinada preposição é fun-
damental para o tipo de sentido que ela vai transmitir”.

Alguém diz e nós entendemos, mas quem fala?


Sobre a disseminação das imagens em nossa sociedade, Caiuby Novaes nos aler-
ta que “por todo o mundo e por toda a sua história, o cinema serviu às mais diversas i-
deologias e governos” (2006, p. 37). Sobre o tema, Bernadet (1980, p. 15) nos diz que, à

10
época do surgimento do cinematógrafo dos irmãos Lumière, a burguesia estava à procu-
ra de um meio que expressasse e propagasse ideológica, estética e culturalmente o seu
triunfo como classe dominante. Para além das artes clássicas, que ela já praticava, o ci-
nema foi a arte que ela criou. Uma arte que “dispensava” (ou melhor, não seria “conta-
minada” pela) subjetividade e manipulação humana, pois era produzida e reproduzida
por e através de uma máquina – ou seja, sem a interferência humana teríamos, enfim,
uma arte “objetiva” (op. cit., p. 16). A imagem cinematográfica, porém, apesar das apa-
rências (ou melhor, apesar do que nos acostumamos a aceitar como natural), não é uma
reprodução “fiel” da visão humana. Como nos lembra Bernardet (pg. 17-18), ao assis-
tirmos um filme o nosso olhar abarca mais do que somente a tela, pois vemos acima e
abaixo dela (e, conseqüentemente, mais do que nos é mostrado nela). Em seus primór-
dios, suas imagens eram em preto e branco (e mesmo quando de sua colorização, ressal-
ta, “as cores não são naturais”) e a sua perspectiva é baseada na perspectiva desenvolvi-
da pela pintura renascentista, que é um modo de representação ocidental, não universal
(os egípcios nunca adotaram nada semelhante, e, mesmo em seus primórdios, a perspec-
tiva medieval era diferente da que adotamos atualmente).
Além disso, o movimento que nela percebemos (essencial, sem dúvida, para essa
aproximação com o “real” que é feita) é simplesmente um “fenômeno ótico”, pois a i-
magem que nos é apresentada é tão imóvel quanto uma fotografia, sendo que o que nos
dá essa “ilusão de movimento” é o fato de serem captadas e exibidas com um intervalo
entre elas de 1/24 de segundo, que é aproximadamente o intervalo de tempo durante o
qual a retina humana retém uma imagem captada. Sobrepondo-se a imagem seguinte
antes que a retina possa “esquecer” a impressão que ficou da anterior, tem-se a ilusão de
movimento que o cinema nos oferece.
Todos esses “detalhes” que foram (e são) ignorados e que dificultariam a aceita-
ção do cinema como reprodutor confiável e objetivo da realidade, como registro fiel e
neutro de fatos e acontecimentos, conviria à eventual intenção de quem o faz, de não
aparecer como o seu autor. Desse modo, através da forma como é construído, um filme
não seria a expressão de um ponto de vista ou de uma visão de mundo: seria “só” a pró-
pria expressão neutra da realidade. Em outras palavras, valores que são expressos e dis-
seminados através dele não poderiam ser questionados, pois não seriam partes de uma
ideologia determinada e identificável, mas, sim e simplesmente, “a verdade”3. Em rela-

3
Sobre um possível contra-argumento a isso, que é a hipótese de que o cinema se impôs, por si mesmo,
como reprodução do real, ver Bernadet (1980, pg. 20-22), que trata historicamente esta questão, procu-

11
ção a isso Xavier nos diz o mesmo (1984, p. 31-32), acrescentando que “o problema
básico em torno da produção de Hollywood não está no fato de existir uma fabricação,
mas está no método desta fabricação e na articulação deste método com os interesses
dos donos da indústria (ou com os imperativos da ideologia burguesa)” (op. cit., p. 33).
Sobre o tema, em “Antropologia do cinema” (1984, p. 7-30) Massimo Canevacci
nos diz que a ideologia, apesar de historicamente4 construída, sempre se manifesta co-
mo uma concepção de mundo que, apesar de ser específica de um grupo social domi-
nante, pretende-se universal e natural (negando, portanto, ser socialmente construída).
Segundo ele, através do mass media em geral e do cinema em particular, a burguesia
difunde a sua ideologia, aproveitando-se da naturalização da linguagem cinematográfi-
ca, que auxilia na naturalização e internalização, por parte do espectador, da “concepção
de mundo” que está lhe sendo imposta. Caberia ao antropólogo, então, desnaturalizar
este processo através da desconstrução da linguagem cinematográfica, que, ao ser reali-
zada, revelaria a ideologia por trás dos filmes.

rando demonstrar “o quanto se ansiava por espetáculos que pudessem ser oferecidos como reprodução do
real, [vindo] o cinema a calhar para se encaixar nesta linha e para reforçá-la”.
4
Processo histórico que ele resgata na mesma obra, no que diz respeito à burguesia, em todas as suas eta-
pas de desenvolvimento.

12
2. CLIFFORD GEERTZ E A NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA

Por uma descrição densa dos filmes


Em “O saber local” (2002, p. 142-181), Clifford Geertz nos fala sobre a necessi-
dade de se considerar a arte como um sistema cultural, já que, em qualquer sociedade,
ela nunca é “descolada” do grupo que a cria, tendo sempre uma significância cultural
específica, não fazendo sentido tentar analisá-la e entendê-la exclusivamente por suas
características e eventual “valor” estético (mesmo porque, este é sempre relativo, vari-
ando de cultura para cultura, não sendo nunca universal). Aliás, segundo Geertz, o vín-
culo entre arte e cultura é tão forte que mesmo o seu entendimento por parte dos nati-
vos, a percepção de seus significados, a sua apreciação, enfim, seriam também um pro-
duto cultural – nesse caso, como “aprendizado”. Dessa forma, um analista neste campo
teria que ir “além do estudo de sinais como meios de comunicação, como um código a
ser decifrado, e considerá-los como formas de pensamentos, um idioma a ser interpreta-
do” (op. cit., p. 181).
Para tentar responder a isso, talvez seja interessante refletirmos um instante so-
bre a prática etnográfica em relação a qual Geertz discorre em “A interpretação das cul-
turas” (1978, p. 4-5). Neste texto Geertz nos lembra como o etnógrafo deve se preocu-
par sempre em identificar, quando em campo, as relações que se estabelecem entre os
pesquisados, as ações observadas e os códigos culturais específicos que as significam:
realizada deste modo, esta seria o que ele chama de “descrição densa”, em oposição a
uma “descrição superficial”.
E se não é possível transportar literalmente estes conceitos para a análise fílmica,
ao menos como analogia podemos utilizá-los, principalmente no que se relaciona à con-
cepção de Geertz de uma prática etnográfica que utilize a descrição densa, e a forma
como ele considera importante entender como se relacionam seus personagens etnográ-
ficos (segundo os códigos culturais nativos) na tentativa de tentar melhor nos colocar
em relação ao que ele próprio diz sobre a arte como sistema cultural.
Para demonstrar o que considera como uma etnografia que pratica a “descrição
densa”, Clifford Geertz dá como exemplo o caso hipotético de um etnógrafo que obser-
va um grupo de garotos que pisquem entre si, cada um com uma intenção: há aquele que
o faz como um sinal conspiratório para os seus companheiros, aquele que o faz por ter
um tique nervoso, o que o faz de forma exagerada e com o objetivo de satirizar um
conspirador verdadeiro, o imitador (que possui a mesma intenção do garoto do exemplo

13
anterior) que o faz para si – diante de um espelho, por exemplo – como ensaio para a
sua performance, etc. Pois bem: um etnógrafo que fizesse uma descrição superficial re-
gistraria somente que todos os garotos “contraíram rapidamente uma de suas pálpe-
bras”, deixando implícito que todos praticaram a mesma ação, com a mesma intenção e
com o mesmo significado. Já em uma descrição densa, teríamos registrado, além de su-
as “contrações de pálpebras”, as intenções de cada um deles ao realizarem-nas, infor-
mando-nos, inclusive, que o segundo garoto pisca involuntariamente e que a “verdadei-
ra” piscadela – pois há um código cultural comum a todos que diz que isso é piscar – é a
praticada pelo primeiro garoto (1978, p. 5).
Um entendimento de tal modo profundo não seria possível, entretanto, se o et-
nógrafo se limitasse a observar: é preciso conhecer e apreender os códigos sob os quais
se dão as relações nativas para que seja possível, trabalhando com eles, interpretá-los
corretamente.
Um filme não é uma situação etnográfica dada, mas é uma construção que está
na dimensão do imaginário – trabalha com significados simbólico, portanto – como Ge-
ertz considera que as manifestações específicas (uma festa, uma procissão, um ritual,
uma piscadela, etc.) estão em relação à cultura. Se é preciso conhecer os códigos soci-
almente reconhecidos que regram e significam estas manifestações específicas para en-
tendê-las e interpretá-las, da mesma forma é preciso conhecer como e com que sentido
se constrói um filme e a lógica do código ou da linguagem utilizada – a linguagem ci-
nematográfica, portanto.
Entender a estrutura de um filme e como a sua linguagem específica o constrói,
interpretando-o, nos permitirá, através do acesso ao imaginário e do entendimento do
simbólico, também acessar os “megaconceitos que afligem a ciência social contemporâ-
nea”, mesmo trabalhando em manifestações culturais “microscópicas” – como se refere
Geertz às etnografias de pequenas comunidades, nos possibilitando pensar “não apenas
realista e concretamente sobre eles [os “megaconceitos”], mas, o que é mais importante,
criativa e imaginativamente com eles” (op. cit., p. 15-17).
Indo um pouco além, Hikiji (1998b, p. 33) aponta-nos que George Marcus iden-
tifica a influência da “imaginação cinematográfica” na “escrita etnográfica experimen-
tal”, que apresentaria características como “polifonia, fragmentação, reflexividade e
multiperspectivismo”, resultando, desta experiência, “uma etnografia densa, na qual as
imagens vão aos poucos se revelando um conjunto, não sem interrupções bruscas, pau-
sas para a reflexão” [grifo da autora] (op. cit., p. 34).

14
Esta etnografia experimental citada, que produz reflexão e conhecimento inspi-
rada em uma lógica cinematográfica, o faz, evidentemente, de modo consciente e calcu-
lado para que assim o seja. Porém, por que não seria possível encontrarmos nos filmes,
cujas características inspiraram esta escrita, um discurso, se não lógica e consciente-
mente construído, ao menos em estado bruto, caótico, esperando ser decifrado, mas
também (e principalmente por isso) extremamente significativo?
Desta forma, sendo isto o que se pretende com a prática da análise fílmica, ou
seja, organizar “discursos caóticos” através da compreensão de como eles se constroem,
passa a ser necessário ter o conhecimento conceitual mínimo de como se dão as cons-
truções e possíveis significados das piscadelas que se pretende analisar.

Linguagem cinematográfica: o cinema conhece a fala


A linguagem e a narrativa cinematográfica, que nos parecem atualmente tão “na-
turais”, não nasceram com o cinematógrafo mas foram lentamente construídas e desen-
volvidas. E, para que o público as compreendesse e assimilasse, foi necessário um perí-
odo de adaptação (devido, justamente, à não-naturalidade da prática), o que resultou em
sua reeducação como espectador5.
Inicialmente, quando as apresentações de pequenos filmes em teatros ainda eram
válidas pela curiosidade, as imagens das tomadas eram captadas com uma câmera fixa.
Entretanto, para se transformar em produto e sobreviver6, o ainda incipiente cinema teve
que mudar, o que fez, mesmo que não consciente e deliberadamente, no sentido de ser
capaz de contar histórias (Bernardet, 1980, p. 31-32). E, na busca do aperfeiçoamento
das técnicas de se conta histórias, a linguagem cinematográfica e a sua narrativa foram
sendo desenvolvidas: dessa forma, movimentos de câmera (travelling, panorâmica e
câmera na mão), cortes e ângulos de câmera foram, aos poucos, sendo criados7. Tudo
isso, é claro, revela opções e escolhas, tornando “ingênua qualquer interpretação do ci-
nema como reprodução do real” (op. cit., p. 37).
Assim, o cineasta norte-americano D. W. Griffith, se não foi o criador de inova-
ções como o movimento da câmera, foi quem melhor as sistematizou e delas lançou

5
Sensação semelhante podemos verificar, mesmo atualmente, quando um filme apresenta inovações nar-
rativas e nós o rejeitamos como “chato”, “hermético”, “confuso”, etc.
6
Inicialmente, os próprios irmãos Lumière consideraram o cinematógrafo como uma simples curiosidade
para o grande público, possuindo maior valor científico (devido à sua capacidade de registro do real) do
que como espetáculo (Bernardet, 1980, p. 31; Brito, 1995, p. 210).
7
Segundo Xavier (1984, p. 23), chegou-se ao uso do primeiro plano, por exemplo, em função de uma
necessidade denotativa: dar uma informação indispensável para o andamento da narrativa.

15
mão. Inspirado nas técnicas narrativas dos romances de Charles Dickens (populares à
época e de leitura simples – seu argumento para convencer os recalcitrantes), por exem-
plo, Griffith ousou interromper uma seqüência filmada em plano médio pra inserir o
rosto de um dos protagonistas em primeiro plano e desenvolveu o conceito de monta-
gem paralela até chegar ao que ficou conhecido como “Griffith‟s last minute rescue” –
montagem em que os planos intercalados vão se tornando cada vez mais curtos, até se
alcançar o clímax da situação enfocada.
Jean-Claude Bernardet nos diz que os norte-americanos têm uma compreensão
própria e divergente da que têm os europeus no que se refere aos planos cinematográfi-
cos: para eles, o que importa não é o plano em si, mas a relação que ele tem com os de-
mais, principalmente os que o antecedem e sucedem. Dessa forma, um primeiro plano
(PP) teria uma função diferente na narrativa (e, conseqüentemente, possibilidades dis-
tintas de interpretação e compreensão) se fosse inserido após uma seqüência do tipo PM
– PA – PP ao invés de uma PG – PP8, pois a primeira se constituiria como uma aproxi-
mação paulatina e suave, enquanto a segunda seria abrupta o suficiente para causar, pelo
efeito-surpresa, uma certa tensão dramática (op. cit., p. 39-40). Da mesma forma, Ber-
nardet nos chama a atenção para a forma como os elementos internos de um plano tam-
bém alteram os significados de uma possível “gramática cinematográfica”: a clássica
conceituação de que um personagem filmado por uma câmara baixa (contraplongée)
ganharia, necessariamente, um tom heróico, pode funcionar se o fundo da cena for um
céu azul, mas pode ter um efeito contrário, diminuindo-o, se o fundo for um grande pré-
dio ou montanha – ou sugerir que ele está sendo sufocado e oprimido, no caso de um
teto baixo (p. 40).
Tais sutilezas são importantes de se ter em mente no momento da análise, pois,
como o corpus de filmes selecionados para esta pesquisa é norte-americano, é funda-
mental conhecer a lógica específica que lhes guia a construção. E, para além disto, outro
ponto fundamental é a constatação de que o chamado “cinema clássico”9 (referência
importante para nosso trabalho simplesmente pelo fato de ser referência também para os
filmes a serem analisados, que, se não se filiam diretamente à esta tradição, certamente
8
Siglas utilizadas – PM: Plano Médio, PA: Plano Americano; PP: Primeiro Plano; e PG: Plano Geral.
9
Para João Batista de Brito (1995, p. 197-198), o termo “cinema clássico”, em sua conceituação, refere-se
“apenas ao cinema convencional que Hollywood produziu, e não – como se poderia pensar – a todo filme
antigo que a história [do cinema] possa ter consagrado”. Tal cinema teria como características principais
ser “comunicável, previsível e fechado” (ou seja, um tipo de cinema baseado em códigos conhecidos,
com os quais trabalha de forma redundante, produzindo significados que são interpretados de forma rela-
tivamente homogênea pelo espectador). Naturalmente, estas características são “tipos ideais” que rara-
mente terão representação rígida nas manifestações fílmicas concretas.

16
com ela dialogam devido às suas origens), ou seja, o tipo de cinema atualmente predo-
minante10, é uma prática principalmente narrativa. E, apesar do termo “narrativa”, ci-
nematograficamente, ter o sentido de como se conta uma história, ela também é funda-
mental para se determinar o quê se conta nesta história11 (“como” e “o quê” é dito: jus-
tamente as coisas para as quais devemos atentar, segundo Paulo Menezes).

Montagem cinematográfica: o cinema conhece a retórica


O cineasta e pesquisador russo Kuleshov, através de pesquisas empíricas de re-
cepção com espectadores, detectou, como fator fundamental do sucesso do cinema ame-
ricano, o ritmo acelerado de sua montagem e a compatibilidade entre a montagem e o
tipo de ficção (ou gênero) desenvolvido no filme – fornecendo-se, por exemplo, “ação”
(através de cenas de lutas, perseguições, etc.) para filmes de ação. E foi durante o perío-
do destas pesquisas, que, além das exibições convencionais de filmes comerciais e ex-
perimentais (e entrevistas com seus respectivos espectadores), Kulechov fez um expe-
rimento que consistiu em montar a mesma tomada do ator Mozukhin (em que este apa-
recia com uma “expressão” que tentava ser inexpressiva) precedida das tomadas de um
prato de sopa, uma mulher em um caixão e uma menina brincando. Como resultado,
Kulechov recolheu, em suas entrevistas, diversos elogios da platéia a Mozukhin, que
teria conseguido interpretar, “esplendidamente”, a gula, o luto e o enternecimento (Xa-
vier, 1984, p. 36).
Tal experimento (que, devido à repercussão e influência que suas conclusões
adquiriram, foi batizado posteriormente de “efeito Kulechov”) é considerado como uma
prova do predomínio da montagem na produção de sentidos no cinema em relação a ca-
da imagem isolada (op. cit., p. 38). Indo além, Kuleshov tirou dela a conclusão (que vi-
ria a ser a sua grande contribuição para a cinematografia mundial, principalmente por
vir a influenciar a prática de colegas como Einseinstein e Vertov) de que “o momento

10
A expressão “atualmente predominante” é importante, pois, sendo a linguagem cinematográfica uma
linguagem construída e não-natural, é de se esperar que ela também não seja única. De fato, Brito nos
lembra que podem ser considerados como exceções o cinema poético, algumas vertentes do cinema do-
cumental, do experimental e de vanguarda. Por fim, é válido lembrar que mesmo estas modalidades alter-
nativas de cinema dificilmente se apresentam isentas de narratividade, mesmo que seja uma de tipo muito
específica. Como exemplo, Brito cita que, ao passo em que Griffith se inspirou em Charles Dickens, o
“cinema de arte europeu”, seu maior “antagonista”, se inspirou em autores de narrativas não-nileares, na
tradição do também escritor James Joyce (op. cit., idem).
11
Brito (p. 204) faz a seguinte distinção entre “diegese” (ou “o quê” é dito) e “discurso” (“como” é dito):
diegese é “todo o universo fictício, temporal e espacialmente concebido, manifestado ou implícito num
filme”, incluindo-se também os seus “aspectos descritivos, implícitos ou não”; enquanto discurso é dado
“pelo grau de interferência do realizador na estruturação do filme”, incluindo-se aí movimento de câmera,
edição, iluminação, fotografia, etc.

17
crucial da prática cinematográfica se dá na montagem, sendo a justaposição e o relacio-
namento entre os vários planos apresentados na tela o que produz o significado do con-
junto” (p. 36). Sendo assim, prossegue Xavier, “a significação depende essencialmente
da seleção que se estabelece com outros elementos. Este é um princípio fundamental
para a manipulação e compreensão da linguagem. Por isso o cinema é basicamente uma
expressão de montagem” (p. 40). Em outras palavras, uma imagem isolada nada nos diz,
ou, antes o contrário: nos diz muito, dado que a imagem é polissêmica. A montagem,
portanto, determina, dá sentidos à imagem, sendo possível dizer que uma montagem
eficiente abranda o caráter polissêmico das imagens que utiliza.
No seu manifesto intitulado “NÓS – variação do manifesto”, mesmo Vertov
(1983, p. 247-248), um dos cineastas russos mais radicais e experimentais, paga tributo
ao cinema clássico em sua prática cinematográfica, tendo escrito que “aos filmes de a-
ventura americanos (...) o Kinok diz obrigado pela velocidade das imagens e pelos pri-
meiros planos, mas os condena como banal, sem fundamento. Procuramos uma lingua-
gem cinematográfica pura, que nada deva ao romance, ao teatro e à música”12 – um no-
vo tipo de narrativa, portanto, mas sempre uma narrativa.
Atualmente, porém, a cinematografia norte-americana vem percorrendo um ca-
minho de graduais mudanças, o que podemos constatar principalmente se levarmos em
conta que a prática mais recomendada no cinema moderno deste tipo é a que adota a
montagem mais suave possível (a chamada “montagem invisível”), que é usada para
contar histórias sem ferir a impressão de realidade, buscando-se com isso justamente
camuflar todas as construções fílmicas necessárias. Para isso, recomendam-se transições
suaves de planos abertos para fechados (e vice-versa), evitando-se ângulos acentuados
de câmara alta e baixa (a não ser no caso da “câmera subjetiva” 13), com o intuito maior
de disfarçar a presença do narrador – com uma narração transparente, é de se esperar
que ela não seja percebida; e se parece que ninguém conta, assumimos que não há ponto
de vista sendo expresso no que vemos (Bernardet, 1980, 41-44).
De qualquer forma, naquele momento histórico o advento da concepção de que
“o autêntico cinema está na montagem e os princípios que definem esta arte não devem
ser procurados na imagem singular de cada plano, mas na sua combinação” (Xavier,

12
Para Kuleshov, entretanto, este elogio ao cinema clássico foi prejudicial em seu relacionamento com
compatriotas russos, sendo considerado que “seu apego a construções narrativas tradicionais e às regras
de verossimilhança o afastam de qualquer compromisso com propostas de ruptura com os princípios bur-
gueses de representação” (Xavier, 1984, p. 40).
13
Assim é chamada a câmera que “toma” o lugar do personagem, como se ele a operasse, mostrando-nos
assim exatamente o que ele vê.

18
1984, p. 40) foi fundamental para que os cineastas acima citados pudessem desenvolver
a linguagem que o cinema hoje dominantemente praticado viria a ter. O caminho per-
corrido, entretanto (e sempre é bom lembrar), não foi o único e inevitável, como nada
relacionado ao desenvolvimento da técnica cinematográfica o foi (Cf. nota 10 deste tra-
balho), nem era “natural” que assim o fosse, mas é muito importante entender como tal
se deu, para, ao tirarmos a carga de “naturalidade” de tudo o que se relaciona ao cinema,
sermos capazes de “estranhá-lo” – justo ele, que nos parece tão familiar.

19
3. A ANÁLISE DOS FILMES ESCOLHIDOS

Considerações preliminares
No decorrer deste trabalho uma grande e constante preocupação foi a de se tentar
identificar, entre os autores que declaram trabalhar com uma análise fílmica sob uma
perspectiva antropológica, uma metodologia que eu pudesse adotar, visando garantir um
rigor mínimo à investigação a que me propunha.
Duas obras a que logo cheguei foram “Antropologia do cinema” (1984), de Mas-
simo Canevacci, e “O cinema ou o homem imaginário” (1980), de Edgar Morin (e cujo
subtítulo é “Ensaios de antropologia”), que trabalham o cinema considerando-o como
pertencente à dimensão do imaginário, ao mundo do mito e do simbólico. Porém, en-
quanto Morin pensa o cinema exclusivamente neste nível e em sua relação com o espec-
tador, sem se preocupar com a análise do seu produto material (isto é, o filme), Cane-
vacci se aventura a traçar recorrências narrativas à procura do que ele supõe ser o dis-
curso construído pelo cinema, historicamente considerado14.
Entretanto, apesar de Canevacci propor uma metodologia para a análise dos fil-
mes, ela é de um tipo muito específico, baseada no trabalho do psicólogo Carl Jung e
nos seus estudos sobre mitos e arquétipos (especificamente o que ele chama de “esque-
ma quaternário” e procura entender os mitos através de uma estrutura que lhes seria re-
corrente), o que é perfeitamente coerente com a investigação simbólica a que se propõe
e à sua tentativa de traçar recorrências “maiores” em grandes grupos de filmes estuda-
dos visando se chegar a recorrências históricas no cinema (Cf. nota 14). Considerei, en-
tão, ser desaconselhável dela me apropriar, pois a utilizaria para uma análise em outro
contexto e com outros fins.
Da mesma forma, outra possibilidade metodológica foi a semiótica, especifica-
mente a da narrativa, inspirado que fui na proposta de Geertz sobre uma Antropologia
Interpretativa da cultura. Os princípios que pude aprender desta disciplina foram-me
fundamentais para apontar caminhos e sugerir um tema comum aos filmes, mas, além
de perceber que não poderia dominá-la completa e corretamente, percebi também que o
seu uso estrito levar-me-ia a direções não desejadas, ou seja, a uma investigação princi-
palmente formal dos filmes. Da mesma forma, o esquema quaternário de Canevacci, em
última análise, baseia a sua investigação na forma como a história se constrói e na rela-

14
Canevacci crê que a classe dominante se utiliza do cinema para construir e divulgar a sua ideologia,
sendo a repetição uma arma importante para esse processo.

20
ção interna de seus personagens – visando, daí, abstrair uma simbologia. Ou seja, traba-
lha primeiramente com a narrativa, tendo muitos pontos em comuns com a semiótica,
que também as investiga.
Assim, nenhuma dessas experiências se mostrou completamente satisfatória, é
verdade, mas cada uma dessas “metodologias incompletas” contribuiu, parcialmente, na
formação de uma abordagem não-sistematizada que considerei interessante para os
meus objetivos. Ao mesmo tempo, procurei aproveitar as intersecções conceituais e ins-
trumentais que elas próprias me ofereciam, para daí formar um modo adaptado e pesso-
al de se questionar os filmes – e que vim a adotar.
A análise dos filmes que apresentarei a seguir é produto dessa “metodologia”
(ou, mais precisamente, desse “modo de ver” filmes) eclética que, muitas vezes, trans-
formou-se (novamente) para se submeter às características específicas de cada filme a-
nalisado. De maneira geral, porém, a estratégia foi organizada – inspirada na semiótica
– de forma a identificar as narrativas (ou sub-tramas) que compõem cada história, des-
crevendo-as ao mesmo tempo em que são analisadas e comentadas. Da mesma forma,
inspirado no esquema quaternário com o qual Canevacci trabalha, e que possui, como
citado acima, evidentes pontos de contato com os rudimentos semióticos adotados, pro-
curei penar segundo algumas das suas intenções, como o do entendimento das relações
internas dos personagens. Finalmente, quando conveniente, foram selecionadas seqüên-
cias fílmicas que melhor sintetizariam e demonstrariam a análise pretendida, visando-se
a organização da discussão – não impedindo, como será visto, que estes trechos selecio-
nados, quando analisados, produzam diretamente a informação a ser trabalhada.
Em relação aos filmes escolhidos para serem analisados, selecionei, por conside-
rá-los representativos do tipo de filme que se destacou e, de certa forma, caracterizou a
produção cinematográfica de maior visibilidade (a norte-americana) da década de 90
(Hikiji, 1998b, p. 49-54), os filmes “Clube da Luta” (1999) e “Assassinos por Natureza”
(1994); e, visando testar a viabilidade de uma análise comparativa diacrônica, escolhi,
finalmente, os filmes “Taxi Driver” (1975) e “Laranja Mecânica” (1971). Além dos mo-
tivos citados, considero que, não só pela repercussão que tiveram e pelos comentários
que geraram, mas também como pelo fato de que os dois últimos são comumente cita-
dos como influenciadores dos dois primeiros (o que sugere interessantes possibilidades
de comparação entre eles), estes quatro filmes constituem um grupo especialmente inte-
ressante para se aplicar o tipo de análise proposta – especialmente em relação aos fins
pretendidos.

21
Laranja mecânica
“Laranja Mecânica” conta a história de Alex, líder de uma gangue de delinqüen-
tes que se diverte atacando pessoas e que se mantém com pequenos roubos a residên-
cias; dividindo-se esta principalmente em três sub-tramas, com cada uma delas abor-
dando um âmbito das relações do personagem com o mundo: o individual, o familiar e o
coletivo (ou social).
A primeira das narrativas nos mostra suas atividades como líder da citada gan-
gue (que incluem brigas com uma gangue rival, ataques a um mendigo e assaltos a resi-
dências) e a sua relação com os membros deste mesmo grupo, que ele domina comple-
tamente até o momento em que dois de seus liderados (Dim e George) tentam se rebelar
contra ele unindo forças (o terceiro, Pete, não se manifesta, mas, aparentemente, os a-
póia). A ação se limita a pedir que sejam ouvidos, mas Alex encara qualquer possibili-
dade de contestação de sua liderança como muito grave, sendo um precedente muito
perigoso para se permitir que seja aberto, motivo pelo qual resolve agir atacando-os de
surpresa depois de fingir concordar com a solicitação.
Nesta narrativa, todas as relações de Alex se dão principalmente no campo do
que podemos considerar como do “indivíduo em relação a outros indivíduos”, no qual
Alex aparenta se sair muito bem, sendo por isso que um esboço de agrupamento contrá-
rio a ele não pode ser tolerado.
Nesse âmbito ele sempre se sobressai e domina o Outro. Aqui, quem não domina
é dominado, e as relações são sempre superficiais e pautadas pelo interesse, como fica
bem patente na forma como nos é mostrado o resultado obtido por Alex do seu flerte
com as garotas que conhece na loja de discos (o mais próximo de um relacionamento
amoroso que ele tem durante todo o filme): a seqüência em câmera acelerada que mos-
tra a sua relação sexual com ambas não pode ser explicada somente como um artifício
cauteloso visando “esconder” cenas de sexo (o que, entretanto, certamente não pode ser
desprezado), pois a melhor e mais corriqueira solução frente a um dilema desses seria
simplesmente... não mostrá-la.
De fato, é razoável supor que o que se queria caracterizar poderia ser conseguido
somente com a seqüência do flerte (já cheio de insinuações sexuais por si só, principal-
mente pelos pirulitos que as garotas chupam e que dividem sugestivamente com Alex),
omitindo-se o ato sexual em si – solução cinematográfica absolutamente corriqueira,
por sinal. Mas a relação dos três é mostrada, e em câmera acelerada. Uma solução com-
plicadora como esta só pode carregar um significado importante em si, significado este

22
que podemos especular que seria representar a superficialidade da relação, pois, para
este objetivo, a seqüência do flerte não seria suficiente. Para isso contribui também a
trilha sonora, que, através da música, potencializa o efeito cômico que uma seqüência
em câmera acelerada já carrega em si.
Em relação à segunda narrativa, que mostra a relação de Alex com sua família,
percebe-se esta é sempre tensa: o filho parece mais um estranho para os pais, que apa-
rentam temê-lo e nada sabem sobre sua vida. Aparentemente, para Alex, morar com os
pais é somente um arranjo de conveniência, pois ele precisa demonstrar ao agente da
condicional que está “andando na linha”. O fraco vínculo que havia entre eles é de-
monstrado claramente quando seus pais alugam o quarto do filho em sua ausência e
demonstram terem sido pegos de surpresa com a sua volta, apesar de estarem acompa-
nhando o seu caso pelos jornais (aparentemente, simplesmente não esperavam que ele
voltasse para casa). A cena que mostra que o quarto de Alex possui um segredo de cofre
no lugar da fechadura também indica uma relação de pouca confiança mútua. No fim,
quando Alex é transformado em herói pelos jornais, eles tentam uma reconciliação, mas
não é esclarecido o desfecho: Alex os recebe mal, mas a seqüência é cortada antes que
ele possa dar uma resposta definitiva aos apelos dos seus pais para que os perdoem.
A terceira narrativa mostra-nos a prisão de Alex e sua detenção, seguida do tra-
tamento a que se submeteu como voluntário em troca de sua liberdade, e do seu drama
em se livrar do condicionamento daí adquirido – o que inclui seu contato com um grupo
político que lhe oferece ajuda.
Este parte do filme trata da relação de Alex com os poderes constituídos da soci-
edade, seus representantes e suas instituições: primeiramente será o Sr. Deltoid (espécie
de tutor ou oficial de condicional de Alex), depois a polícia e os guardas da prisão que,
juntamente com a direção do presídio, e o Ministro do Interior, constituirão o Estado
com quem Alex tem contato (além dos representantes legais, nesta seção Alex convive-
rá com o capelão do presídio).
As relações de Alex com as autoridades são principalmente dúbias, exceto no
seu trato com os guardas do presídio e os policiais – sugestivamente, autoridades meno-
res. Com os primeiros, apesar de ter sido hostilizado em sua admissão na prisão, Alex
parece conseguir manter uma relação neutra e pacífica. Já no contato com os policiais,
tal não se dá: ele é espancado na delegacia, e, quando revê os seus antigos colegas, ago-
ra policiais, a relação entre eles também não terá nuances, sendo francamente agressiva
e negativa. O diretor da prisão lhe é antipático, mas não lhe causa maiores problemas.

23
Com os médicos do programa Ludovico, suas relações serão somente “profissionais” e
superficiais.
Seu campo de “relacionamentos dúbios” se inicia com o Sr. Deltoid, que em sua
primeira aparição mantém com Alex um longo diálogo cheio de indiretas, ameaças ve-
ladas e sub-entendidos de parte a parte (e, sugestivamente, em sua segunda aparição, o
Sr. Deltoid socará um Alex já dominado pelos policiais). Seguirá com o capelão, a
quem aparenta enganar realmente ao se fingir interessado em ajudar na missa e ler a Bí-
blia (com a qual ele se diverte de uma maneira não muito cristã). Seu relacionamento
mais complexo, porém, será com a maior autoridade com quem ele mantém contato, o
Ministro do Interior. Uma seqüência em especial, que inclui o Ministro e Alex, logo a-
pós a demonstração dos resultados do Projeto Ludovico, será analisada mais adiante,
mas, por agora, vale citar a última seqüência do filme, quando Alex recebe a visita do
Ministro em seu leito hospitalar e este tenta negociar seu apoio ao governo que repre-
senta. Nesta conversa ambos colocam-se (ou Alex se coloca com o Ministro) em pé de
igualdade: ou ambos são políticos negociando, ou são malandros armando um golpe. O
caráter da relação (e de quem está no controle dela), aliás, é bem explicitada pelo modo
como, a partir do momento em que o Ministro passa a servir a comida na sua boca, e lhe
explicar o que quer dele, Alex vai abrindo-a para receber as porções de forma cada vez
mais ostensiva e debochada.
Se nas duas sub-tramas anteriores (tanto nas suas relações com outros indivíduos
como na sua relação com a família) Alex se movia com segurança e desenvoltura, no
seu contato com a dimensão coletiva da sociedade a sua relação é mais complexa e mo-
vediça. É sugestivo pensar, por exemplo, que todos os personagens que sofreram com as
ações de Alex na parte “individual” da história (o mendigo, os dois colegas revoltosos e
o escritor que teve a sua casa invadida) retornam na terceira narrativa (a do âmbito cole-
tivo ou social) para se vingarem – e o conseguem. Aqui, Alex está deprotegido, portan-
to. Já não domina a situação nem se impõe tão facilmente como nas outras instâncias, é
verdade, mas, ainda assim, do seu jeito, vai ao poucos se adaptando às situações e a-
prendendo a se impor de outras maneiras, através de subterfúgios mais sutis do que a
recorrência explícita à força bruta, por exemplo.
Para termos uma visão mais clara disto, será interessante tentarmos ver, agora, a
história de Alex como um todo, pensando na seguinte questão: o que “Laranja Mecâni-
ca” nos diz ao contar a história deste delinqüente? Pensaremos nisso melhor se conse-
guirmos descobrir uma resposta a outra pergunta: o que quer Alex?

24
Em um primeiro momento poderíamos ficar inclinados a identificar como sendo
o objetivo de Alex a sua própria liberdade15. Porém, é preciso observar que Alex apa-
rentemente passou pela prisão de forma relativamente tranqüila – e até resignada –, e
que a sua saída de lá, no final das contas, só lhe trouxe mais e maiores problemas.
Concentremo-nos, assim, na situação final de Alex, pois, se no final do filme ele
se satisfaz com o que obteve, aí está a indicação do que ele procurava. Sim, pois, mes-
mo que haja uma transformação no decorrer do filme, como o abandono de um objetivo
inicial declarado por um novo, uma história sempre será a busca de um herói por seu
objetivo (neste caso, havendo uma mudança de objetivo, tal como o personagem aban-
donou o que buscava, em nossa análise o imitaríamos). Igualmente, o mesmo valeria
para uma situação em que o herói não alcança o seu objetivo: o raciocínio continuaria o
mesmo, exceto que deveríamos nos concentrar agora no que ele não conseguiu.
Assim, percebemos que Alex só encontrou o seu estado final, aquele que lhe sa-
tisfez, quando foram revertidos os resultados do tratamento Ludovico. Aliado a isso,
podemos também utilizar a sub-trama que mostra o relacionamento de Alex com sua
gangue. Durante ela há uma situação em que ocorre uma quebra em relação à situação
inicial e que ele procura reverter: o momento em que Alex reafirma a sua liderança, que
vinha sendo ameaçada, em um breve combate com George e Dim. Adicionando a isso o
desprezo que Alex parece nutrir pela auto-indulgência, como na ocasião em que diz não
suportar pessoas “de qualquer idade” que estejam na mesma situação do velho mendigo
bêbado que canta pateticamente largado na rua (o mesmo que ele está a momentos de
espancar); podemos considerar que ele tem um conceito um pouco mais complexo de
liberdade, indo além, digamos, do simples direito “de ir e vir” que seria cerceado pela
prisão, e abarcando principalmente a sua capacidade e/ou competência para controlar
sua própria vida, seu “destino”, determinar suas ações e ditar suas próprias “leis”. Po-
demos considerar que Alex preza, acima de tudo, a sua autonomia, portanto16.
Dessa forma, quase que como decorrência do exposto acima, podemos constatar
facilmente que é a possibilidade de depender dos outros ou das circunstâncias o que A-
lex mais teme. Assim, retomando os exemplos acima, podemos dizer que Alex, no caso
do início de contestação de sua autoridade por parte dos membros de sua gangue, se re-
voltou com a possibilidade de não ter autoridade sobre as ações do grupo, e de, assim,

15
Como veremos, posteriormente, ser o caso de Mickey e Mallory em “Assassinos por Natureza”.
16
Curiosamente, ao protestar contra a “cura” de Alex argumentando, como veremos, que o tratamento
Ludovico atentava contra o livre-arbítrio do prisioneiro, o capelão da prisão esteve mais próximo de zelar
pelos interesses de nosso herói do que o próprio.

25
depender de seus colegas17. No caso da sua experiência com o tratamento Ludovico, a
falta de autonomia é mais óbvia ainda: nem mesmo de que música gostar ele poderia
mais decidir.
Por fim, quem podemos considerar que contribuiu para o sucesso da busca de
Alex? Quem foi o seu maior aliado? Tendo em mente que o objetivo de Alex era se li-
vrar do condicionamento do tratamento Ludovico, veremos que não pode ser sua família
ou seus colegas de gangue, que nenhuma participação tiveram nesse momento da histó-
ria de Alex. O grupo do escritor, que fazia oposição ao governo, nada fez para curar A-
lex, antes pelo contrário: forçaram a sua tentativa de suicídio na esperança de terem um
herói. Efetivamente, seja por que interesses forem, quem curou Alex foi o mesmo res-
ponsável pelo seu condicionamento: o Estado, na pessoa do Ministro do Interior.
Esta conclusão reforça o caráter dúbio da relação de Alex com o Estado e nos dá
possibilidades interpretativas muito ricas, mas, antes de nos concentrarmos em explorá-
las, gostaria de atentar para a seqüência imediatamente seguinte à demonstração que o
Ministro do Interior faz dos resultados do Programa Ludovico (quando Alex reage abje-
tamente às provocações de um homem que lhe espanca e ao desejo sexual diante de uma
mulher seminua) e que é muito representativa do que nos apresenta o filme, resumindo-
o exemplarmente e, ao mesmo tempo, nos permitindo avançar um pouco mais em nossa
análise, por nos acrescentar mais elementos.
Nesta seqüência, está reunida em um pequeno teatro uma platéia que assistira à
demonstração do Ministro. Entre o público está o Dr. Brodsky, o diretor da prisão, o
chefe dos guardas, o capelão do presídio e o próprio Ministro do Interior. Enquanto A-
lex, sentado na beira do palco, se recupera da apresentação recém finalizada, o Ministro
se aproxima dele e inicia um orgulhoso discurso sobre o que todos acabaram de ver.
Explica que o programa consiste em causar um grande desconforto no paciente assim
que ele tem “a intenção de agir com violência”, cessando somente quando ele desiste
desta intenção.
Assim que o Ministro encerra seu discurso o capelão da prisão avança para o
palco protestando que o programa não dá a Alex a possibilidade de “escolha” e que sua
mudança é hipócrita pois ele se humilha somente para escapar da dor imposta, deixando

17
Como esclarecimento, gostaria de ressaltar que me refiro aqui a uma dependência diferente da que há
entre cúmplices, onde cada um “depende” de uma confiança mútua mínima em relação aos demais, e que,
no presente caso, se não existisse (mesmo que enganosamente), não permitiria que Alex alegasse ter sido
traído quando de seu rompimento (no caso específico, Alex confiava, no mínimo, que sua autoridade era
clara e não mais seria contestada). No caso, portanto, “depender” está sendo usado no sentido de não se
ter independência de ações, de se ter que esperar que outro lhe diga o que, como e quando fazer.

26
de “ser um malfeitor, mas deixando também de ser uma criatura capaz de escolhas mo-
rais”. À medida que fala, o capelão pousa a mão no ombro esquerdo de um aparente-
mente confuso Alex, que olha alternadamente para o Ministro e para o capelão, pare-
cendo não compreender as palavras deste último. Neste instante, o Ministro intervém,
dizendo que as palavras do capelão são “sutilezas”. Imediatamente, Alex semicerra os
olhos e começa a esboçar um sorriso malicioso e satisfeito. Enquanto o Ministro diz que
não se preocupa com “éticas elevadas, mas com a diminuição da criminalidade e com a
solução da superlotação de nossas prisões”, Alex sorri cada vez mais aberta e confian-
temente, balançando a cabeça levemente, como que em aprovação. Colocando a sua
mão no ombro direito de Alex, que agora tem ambos os ombros ocupados, o Ministro
completa que o prisioneiro é agora um “verdadeiro cristão, pronto a dar a outra face e a
ser crucificado ao invés de crucificar” e que “o importante é que funciona!” enquanto a
câmera concentra-se em um Alex cada vez mais radiante.
As mãos do Estado e da Igreja pousadas, cada uma delas em um dos ombros de
Alex, simboliza muito bem, como apontou Paulo Menezes (2001a), a dupla tentativa de
dominação que sofre Alex, no qual cada uma dessas instituições procura decidir pelo
seu destino. Sugiro, entretanto, que nos concentremos um pouco em Alex, o indivíduo,
deixando um pouco de lado as instituições que desejam influenciar (se não “controlar”)
o seu destino. Fazendo isso, veremos que a sua inicial e aparente confusão, era, na ver-
dade, uma certa preocupação com relação às palavras do capelão. Alex as entendeu per-
feitamente, e temeu que o capelão pudesse fazer com que prevalecesse o seu ponto de
vista, tanto que, assim que o Ministro o rebateu, deixando claro qual a opinião que pre-
valeceria, Alex se deu por satisfeito – e bem satisfeito.
Ora, uma situação como esta não seria exatamente o que Alex mais deplora, ou
seja, ser dependente de alguém, não ter autonomia sobre as suas ações? Bem, percebe-
se que Alex, no que lhe diz respeito, tinha total controle sobre a situação e exercia o seu
desejo (o de sair da prisão, sendo o seu “tratamento” o caminho para isso), mesmo que
indiretamente. De fato, ele estava tão e somente aplicando o que, segundo o próprio
Ministro do Interior, aprendera na prisão: “o sorriso falso, as mesuras da hipocrisia, o
riso untuoso, dissimulado, bajulador”. E, lembremo-nos, a prisão é uma instituição do
Estado.
Como decorrência da análise desenvolvida até aqui, só podemos constatar que
“Laranja Mecânica” nos diz, sobre a relação indivíduo/sociedade, que, se em um mundo
de indivíduos (em tudo muito semelhante a um “Estado de Natureza” hobbesiano) reco-

27
nhecidamente só pode valer o individualismo, em um mundo social a situação em es-
sência não difere muito, a não ser, talvez, pelos métodos: força bruta em um e adaptabi-
lidade em outro. E é principalmente interessante notar que o mesmo Estado que causou
problemas a Alex é o que lhe oferece soluções – mesmo que indiretamente e exclusiva-
mente para quem saiba tirar proveito das circunstâncias. Desse modo, sozinho o indiví-
duo foi enganado pelo Estado, mas, beneficiando-se da tentativa de um pequeno grupo
de outros indivíduos em derrotá-lo (que, principalmente, no caso do escritor, visavam
mais a seus próprios objetivos do que ajudar Alex ou uma suposta comunidade), este
acaba vitorioso ao final, sem ser assimilado, como foram George e Dim.

Taxi Driver
“Taxi Driver” nos conta a história de Travis, motorista de táxi em Nova Yorque.
No filme há quatro narrativas principais, sendo que três delas são estanques entre si, ha-
vendo, entretanto, uma que permeia as anteriores. Elas são, respectivamente: a que nos
mostra a relação de Travis com Betsy; a de Travis com Iris e seu mundo (representado
por Sport, principalmente, e o dono do hotel); e a relação de Travis com a sua profissão
e seus colegas. Além destas, que considero como as principais, há a que nos mostra
Travis armando-se e preparando-se para libertar Íris.
Considerando ainda que, fora destes três pequenos “universos”, só nos são mos-
trado breves e fortuitos encontros de Travis com outros personagens (como o dono da
loja de conveniência, a atendente do cine pornô, entre outros), é possível afirmar que,
diegeticamente falando, o filme nos apresenta essencialmente a relação de Travis com o
mundo. E esta é uma relação que é caracterizada principalmente pela incompreensão e
pelo distanciamento.
A primeira narrativa, como dito, é sobre Travis e Betsy. Neste breve relaciona-
mento, a incompreensão e a incomunicabilidade estão sempre presentes, como estarão
por todo o filme, recorrentes que são a todos os relacionamentos que Travis mantém no
decorrer da história.
Travis conhece Betsy por acaso, observando-a trabalhar no escritório político do
Senador Palantine. Travis se aproxima dela de forma audaciosa e consegue o seu inte-
resse. Tomam um café naquela tarde e marcam um segundo encontro. Tudo parece ir
bem, Travis até compra-lhe um presente, mas, ao decidirem ir ao cinema, Travis comete
o erro de levá-la ao tipo de filme que ele, em sua vida solitária, está acostumado a assis-
tir: um filme pornô. Betsy o abandona, ofendida, mas Travis não entende o que pode ter

28
feito de errado. No decorrer do filme, essa será uma das poucas vezes em que a incom-
preensão (no sentido de não aventar a possibilidade de alteridade em seu relacionamen-
to com as pessoas) partirá de Travis, não sendo ele vítima dela.
A segunda narrativa é sobre o relacionamento de Travis e Íris, e é tão vaga e fu-
gidia quanto a anterior. Os dois terão, inicialmente, alguns encontros fortuitos até Travis
resolver ir falar com ela. Travis parece projetar muito dos seus sentimentos e vivências
nas mulheres do filme. Da mesma forma como intuíra a solidão de Betsy, “resolveu”
que Íris precisava de ajuda para se livrar de Sport, coisa que ele tinha certeza de que ela
queria devido à noite em que, drogada, ela entrou em seu táxi e esboçou uma tentativa
de fuga. Aparentemente, o suposto desejo de fuga de Íris na verdade era o próprio dese-
jo de fuga de Travis, como a solidão de Betsy era somente um espelho para a sua. Com
Íris, Travis parece ter menos problemas de comunicação do que com as outras pessoas
com quem convive: por mais que sua atitude diante dela seja desconcertante e o que ele
lhe diz, estranho, Íris parece aceitá-lo bem. Na verdade, ela demonstra compreender a
ligação que eles têm ao dizer que não sabe quem, entre ambos, é mais maluco. Mas, de-
pois de duas conversas, as coisas se precipitam e Travis tenta libertá-la, matando a todos
que a acompanham, no processo.
O início da terceira narrativa coincide com o início do filme, quando Travis en-
tra em uma companhia de táxi à procura de emprego. Como essa é a seqüência inicial
do filme, aquela que verdadeiramente o abre (se desconsiderarmos o pequeno prelúdio
com os letreiros de abertura), é importante nos determos um pouco nela, já que é por
meio dela que o personagem é introduzido ao público.
Assim, em poucas palavras, através das perguntas secas do encarregado que lhe
atende, Travis se apresenta a nós: vinte e seis anos, recém dispensado dos fuzileiros na-
vais, solitário e com muito tempo livre. Aqui acontecerá algo que será raro no decorrer
do filme: Travis tenta ser simpático, fazendo uma piada. É imediatamente cortado pelo
atendente, que lhe diz que não está para brincadeiras18. Essa será só a primeira de mui-
tas dificuldades de comunicação de Travis com o mundo, mas, de qualquer forma, ele
consegue o emprego.
Grande parte da relação de Travis com o seu trabalho e seus colegas será cons-
truído, filmicamente, através de grandes silêncios, no primeiro caso, em que ele é mos-
trado percorrendo a cidade à noite, e com conversas vazias, piadas e historinhas tolas

18
Outro momento em que algo parecido ocorre, e com resultados semelhantes, é quando Travis tenta fler-
tar com a balconista de um dos cinemas pornôs que freqüenta.

29
em lanchonetes e cafeterias, no segundo caso. Nesses momentos, em que Travis se reú-
ne com seus colegas, apesar da chance de relacionar-se com eles isso não ocorre verda-
deiramente, pois ele se mantém sempre reservado e calado.
Sintomaticamente, na única vez em que Travis toma a iniciativa de realmente
conversar com um colega, que é o momento em que ele aborda Wizard pedindo-lhe um
conselho (momento esse de tal intimidade, que eles se retiram da lanchonete para con-
versar a sós), a incomunicabilidade mostra-se maior do que nunca: Travis simplesmente
não consegue se expressar claramente, somente falando de forma incoerente e vaga so-
bre o que sente e o que lhe incomoda. Wizard, apesar disso, diz entender, mas aparen-
temente passa a falar de si mesmo, à guisa de aconselhamento, e também de forma to-
talmente incoerente, vaga e confusa. No fim, ambos desistem de persistir no diálogo que
tentvam estabelecer, mas Wizard garante (talvez mais a si mesmo do que a Travis) ao
colega que ele ficará bem. Da mesma forma, com os dois únicos passageiros – o Sena-
dor Palantine e o marido traído – com os quais o filme nos mostra como se dá o relacio-
namento de Travis com o mundo no âmbito profissional, não há entendimento: no pri-
meiro caso, Travis não é compreendido, e, no segundo, Travis não compreende19.
A quarta narrativa, como dito, traspassa as outras três e, em certo sentido, dá-
lhes a ligação que de outra forma não teriam: Travis adquire suas armas através do con-
tato de um colega taxista, utiliza seu arsenal para libertar Íris, e, antes disso, faz um a-
tentado frustrado ao Senador (para quem Betsy trabalha), ataque esse que dará, em suas
palavras, “sentido” à sua vida: empreender o seu ataque ao mundo que condena.
Para chegarmos à compreensão disso, do que seria “o mundo que condena”, po-
demos tentar especular sobre o que incomodava Travis.
Travis parece se incomodar com a solidão, sobre a qual nos fala algumas vezes,
mas o que realmente lhe revolta é, em suas palavras, “essa escória”, opinião que ele ex-
pressa ao responder ao Senador Palantine sobre “o que mais lhe incomoda” na cidade.
Este desprezo de Travis não parece ser de cunho moralista, resultando, eventualmente,
de alguma possível crença religiosa sua (já que nada neste sentido nos é apresentado),
mas sim de um código moral próprio que possui uma lógica e uma hierarquia peculiar
de valores (para Travis, por exemplo, condenar a prostituição e apreciar pornografia não
constitui nenhum tipo de conflito interno ou drama de consciência – para não citar a
prática de assassinato). Assim, podemos considerar que o que incomoda Travis é um

19
Exceto, talvez, que, no que diz respeito ao segundo caso, Travis possa ter aprendido sobre violência e
armas como a solução para as suas frustrações.

30
certo estado de coisas, a “situação” que ele testemunha pela janela de seu táxi ao rodar
pela cidade, e que ainda não temos condições de nomear.
Entretanto, Íris obviamente personifica “a vítima” a ser libertada de tal situação
– talvez por ter sido a única, em seu entendimento, que esboçou algum desejo de fazer
este movimento20, iniciativa de que nem ele próprio foi capaz – que, em suas palavras, é
“um inferno”. Podemos considerar, assim, que a “situação” a que nos referimos é a de-
gradação a que Travis considera que a cidade se entrega. Porém, é preciso frisar que a-
qui não se trata de uma degradação exclusiva e necessariamente de natureza moral
(mesmo porque, para Travis, ela é absoluta, cobre todas as instâncias da vida, o corrói
por dentro, como a úlcera que ele imagina ter), mas uma degradação do ser humano, de
sua dignidade – de seu ponto de vista, portanto, algo mais profundo e totalizante.
Esta degradação é personificada por Sport (a quem ele considera um “verme”),
como podemos inferir por Travis tê-lo matado mesmo isto não sendo necessário para a
consecução seu objetivo, que era libertar Íris.
Tendo isso em mente e nos lembrando da aparente sinceridade com que Íris se
deixa convencer tanto por Travis (a fugir) quanto por Sport (a ficar), surge daí o caráter
dúbio da relação da garota com ambos, já que ela parece ficar honestamente divida entre
seguir os conselhos de Travis e confiar em Sport, além de ser ela quem fornece a Travis,
indiretamente, o sentido que este buscava para sua vida, o que ocorre quando ele decide
“libertá-la”. Portanto, podemos considerar que libertar Íris é para Travis, metaforica-
mente, libertar a sociedade: ambas não têm consciência da situação degradante em que
estão, e é preciso que ele lhes motre isso – e as salve também, é claro.
Se Travis pretende acabar com a degradação que vê à sua volta, mas não o faz
por um desejo moral, por qual motivo poderia ser? Considerando que o estado final de
Travis (ou seja, a sua situação ao final do filme) é de reconhecimento por suas ações,
ou, mais do que isto até, é de compreensão, por parte dos demais personagens, para com
os seus atos, podemos concluir que a busca de Travis é por aceitação.
Entretanto, é preciso observar que no filme não há elementos suficientes para de-
terminarmos se esta busca de Travis é por uma aceitação perdida (a ser recuperada, por-
tanto) ou por uma totalmente idealizada e desejada (diferença esta que poderia ser rele-

20
Refiro-me à cena em que Travis vê Íris pela primeira vez: ela entra repentinamente em seu táxi e pede-
lhe que a leve para longe dali, mas Sport a obriga a desistir. Obviamente, este primeiro contato impres-
sionou muito Travis, o que reputo a isso: aos olhos de Travis, a débil tentativa de Íris (depois, ela mesma
não se lembraria do ocorrido, alegando estar drogada) em se livrar daquele mundo foi algo importante,
que merecia ser valorizado.

31
vante para a nossa análise caso confirmada), pois muito pouco nos é dito sobre o seu
passado: sabemos que Travis esteve no exército, mas, se lá não permaneceu e com ele
não manteve vínculos, é de se supor que lá não lhe foi oferecido o que buscava; o mes-
mo podendo ser dito em relação à sua família, com quem ele aparentemente mantinha
contato, mas somente para mentir sobre sua vida.
A propósito de seu final, que nos indicou qual seria a natureza da busca de Tra-
vis, “Táxi Driver” é um filme realmente desconcertante: depois da seqüência do tiroteio
no hotel, quando Travis aparece agonizante em cena e a câmera faz um recuo dramático
em plano-seqüência a partir de seu corpo ensangüentado, sobrevoando toda a cena da
chacina, saindo do hotel e ganhando a rua e os céus, como que simbolizando a alma de
Travis que desencarnava, eis que um corte abrupto nos leva de volta para o quarto de
Travis. A câmera, em travelling, filma as paredes, onde recortes de jornais, por meio de
suas manchetes, nos dizem que ele está sendo tratado como herói. Simultaneamente a
este movimento de câmera, uma voz masculina em off, que se identifica como o pai de
Íris, dá voz a uma carta de agradecimento pelo salvamento de sua filha, também cha-
mando Travis de herói. Novo corte nos leva para uma cena já típica de Travis e seus
colegas taxistas: todos indolentemente recostados em postes e em seus táxis, contando
histórias enquanto esperam passageiros. Nenhum comentário de tipo algum sobre a cha-
cina, a possível recuperação de Travis e o seu heroísmo. Nenhuma pista também sobre o
intervalo de tempo transcorrido desde a matança do hotel.
Uma passageira entra no táxi de Travis, que embarca e arranca com o carro. Só
com o táxi em movimento ele olha pelo espelho retrovisor e reconhece a passageira: é
Betsy, que calmamente o cumprimenta. Travis, sorrindo, lhe devolve o cumprimento.
Rodam mais um pouco e Travis lhe pergunta sobre a campanha do Senador. Betsy res-
ponde e comenta que leu as notícias sobre ele nos jornais. Travis diz que não foi nada,
que a imprensa sempre exagera. Depois de saltar do táxi, Betsy ainda tenta falar com
ele, que nada responde, não aceitando sequer receber pela corrida, após o que, lhe sorri
e parte com o carro.
A respeito deste final inusitado, o crítico norte-americano de cinema, Roger E-
bert (2007), observa:

“Houve muita discussão a respeito do final [do filme], no qual vemos recortes
de jornais a respeito do „heroísmo‟ de Travis, e então Besty entra em seu táxi e parece
admirá-lo ao invés de sentir-se repelida como antes. É uma cena fantasiosa? Travis so-

32
breviveu ao tiroteio? Estamos vivenciando seus devaneios agonizantes? A seqüência
poderia ser aceita como a verdade literal?”

Realmente, esta seqüência destoa muito do filme: tem um andamento mais lento,
cortes mais sutis e não há trilha sonora até o momento em que Betsy, refletida de forma
esfumaçada no retrovisor, como se fosse uma visão ou um sonho, diz que leu as notícias
e pergunta a Travis como ele está21.
Como observa Ebert no mesmo artigo, entretanto, devaneio ou realidade, pouca
diferença faz: fruto de um delírio que “molda sua realidade” (Ebert, 2007) ou não, fil-
micamente, que é sempre o que nos interessa, fica demonstrado que, se não é o que Tra-
vis conseguiu, a aprovação geral era o que ele desejava (e, nesse sentido, é mais sigini-
ficativo conhecermos seus devaneios do que a “realidade”); ou seja, obter reconheci-
mento e admiração da sociedade por ter salvado Íris, devolvê-la à sua família, onde ele
mesmo provavelmente gostaria de estar (projeções, sempre), ver Betsy reconhecendo-
lhe o valor e, finalmente, manter a sua rotina de trabalho sem modificações.
Travis, portanto, tinha o que considerava a solução para a degradação que via na
sociedade, mas não tinha dela (sociedade) “permissão” para ser o seu salvador, pois a
incompreensão do mundo para com ele também aí se dava, sendo a sua relação com Íris
uma boa metáfora disso, já que ela, como a sociedade, também “não sabia” que precisa-
va de um salvador – mas Travis, é claro, a “salvou” assim mesmo. O Senador Palantine
pode ser considerado o mais próximo de uma figura representativa das instituições soci-
ais que está presente no filme, e a tentativa inicial de Travis em assassiná-lo pode ser
visto como um repúdio a uma solução por essa via (é preciso levar em conta que, de
certa maneira, e mesmo que por vias tortas e somente através de Betsy, ao ser voluntário
na campanha do Senador, Travis estava “comprando” esta solução – a de confiar no sis-
tema político).
É interessante, entretanto, especular sobre este fracasso: como não parece haver
uma relação de causalidade óbvia entre este atentado frustrado contra o Senador e o ata-
que para libertar Íris (diante do fracasso Travis toma finalmente a solução em suas
mãos, mas não podemos inferir, por exemplo, que em caso de sucesso ele desistiria de
libertar Íris), fica em aberto qual seria a função fílmica deste atentado e qual foi o seu
impacto sobre o personagem dentro da lógica diegética.
21
Os únicos aspectos coerentes com o desenvolvimento do filme que esta seqüência apresenta é o silên-
cio, as meia-palavras e os subterfúgios a que os personagens recorrem para não explicitar, através do diá-
logo, o que sentem.

33
Assassinos por natureza
“Assassinos por Natureza” conta a história de um casal de criminosos (Mickey e
Mallory Knox) que lutam por suas liberdades, objetivo este que buscam durante prati-
camente todo o filme (diegeticamente não nos é dito que esta seja uma situação originá-
ria perdida para Mallory, que, ao contrário, parece nunca tê-la experimentado antes de
conhecer Mickey, mas para este último é dado a crer justamente o oposto disto). Conse-
qüentemente, o inimigo, ou seja, quem tentará impedi-los de alcançar o seu objetivo, é a
polícia, que primeiro os caça, captura-os, manda-os para a prisão e depois luta para que
eles lá permaneçam. Na história a polícia é representada, principalmente, pelo Detetive
Jack Scagnetti e pelo Diretor Warden Dwight McClusky, que, juntos ou separados, se-
rão os responsáveis pelas ações que visam alcançar os objetivos acima mencionados em
relação ao casal.
Para alcançarem seu objetivo pode parecer que Mickey e Mallory não tiveram
nenhum auxílio, mas, de maneira extremamente dúbia, quem cumpre este papel durante
todo o filme é o apresentador de TV Wayne Gale, que, após ter insuflado o ódio da po-
lícia contra o casal de criminosos através de seu programade TV, e de ter tentado se
contrapor às crenças que Mickey afirmava na entrevista que com ele realizou, literal-
mente os ajuda a fugir da prisão (tendo papel fundamental no final da fuga, como refém
voluntário). No sentido inverso à relação que estabelecemos entre a polícia, o detetive e
o diretor da prisão, portanto, consideramos que, por metonímia, Wayne, para o discurso
fílmico que se pretende construir, é o avatar da imprensa, que hesitará entre apoiar e
combater Mickey e Mallory.
Em relação à sua estrutura narrativa, “Assassinos por Natureza” se divide em
três vertentes principais (a da relação de Mallory com sua família; a do relacionamento
entre Mickey e Mallory; e a que mostra a perseguição a ambos, sua prisão e posterior
fuga) e uma secundária (a que nos mostra o encontro do casal com o índio que matam).
Porém, na análise deste filme, ao invés de nos determos em cada uma delas, como fize-
mos anteriormente com os demais filmes do grupo selecionado para esta pesquisa, ire-
mos nos concentrar em uma única seqüência, uma que sintetiza exemplarmente muitos
dos recursos técnicos e estilísticos, e quase todas as principais características formais e
discursivas de “Assassinos por Natureza”, o que nos permitirá, a partir dela, tentar dis-
cutir e examinar a obra como um todo. Estamos nos referindo, é claro, à seqüência em
que Wayne entrevista Mickey na prisão, pois, afinal, neste momento são duas das prin-
cipais visões de mundo apresentadas pelo filme que se encontram em confronto: a de

34
Mickey e a de Wayne. A concepção desta entrevista dentro do filme, a propósito, é bas-
tante engenhosa, pois, ao mesmo tempo em que é perfeitamente verossímil e razoável
dentro da lógica diegética, é também um excelente instrumento para explicitar ao espec-
tador o discurso que está sendo apresentado pelo filme, principalmente através de Mic-
key, seu “porta-voz”.
Contra a vontade de Scagnetti e do Diretor Warden, sendo que este último foi
forçado a permitir que a entrevista ocorresse devido a pressões incontornáveis de seus
superiores (“afinal, é a imprensa”, diz ele), o encontro se dá dentro de uma espécie de
jaula em que todos os envolvidos estão, simbolicamente, presos. Aos guardas da prisão
e ao seu Diretor só restam se posicionar espalhados em volta da mesa em que estão sen-
tados Wayne e Mickey, observando o espetáculo, vagamente alheios e impotentes (e, no
caso do Diretor Warden, especialmente, demonstrando não compreender muito bem o
que está acontecendo).
Durante esta seqüência, como dito, serão usados muitos recursos formais que vi-
sam reforçar e completar o discurso fílmico, e que, apesar de não serem inéditos, certa-
mente são incomuns na tradição do cinema norte-americano considerado “comercial” e
totalmente estranhos à linguagem consagrada pelo cinema clássico, especialmente no
que se refere à luz e à montagem.
De fato, aqui a luz, que não tem no decorrer do filme nenhuma preocupação em
ser “natural” ou simular uma iluminação que, como seria de se esperar, fosse semelhan-
te à “real” (devido, principalmente, à sua variação abrupta e ostensiva de intensidade),
serve principalmente para frisar as emoções do personagem sobre a qual incide (soturna,
serena, tensa, intensa, etc.), para destacar uma fala importante (neste caso, com o perso-
nagem sendo, literalmente, colocado sob os holofotes), ou para auxiliar a construção de
uma cena que se pretenda “teatral”22 ou onírica – no caso específico da seqüência da
entrevista, a luz é mais utilizada visando os dois primeiros fins.
No caso da montagem, no filme por vezes é utilizada a técnica criada por Eisens-
tein que Bazin (1991, p. 231) chama de “montagem de atrações” e que consiste em
construir (ou obter), a partir da montagem de diferentes e aparentemente desconexas
imagens, significados que não seriam esperados que as mesmas carregassem por si
mesmas (ainda que de forma fragmentada e/ou incompleta) ao tomarmos estas mesmas

22
Aqui, o adjetivo está sendo propositalmente utilizado no sentido que ele ganha no senso comum, ou
seja, de “representação artificial, exagerada”, em oposição ao pretenso naturalismo da representação ci-
nematográfica. Tal se dá por estarmos tentando identificar o efeito que, pretende-se, estas imagens teriam
sobre o espectador. Nada mais razoável, portanto, que utilizemos seus termos.

35
imagens isoladamente, mas que surgem com a sua confrontação (ou, no caso, mais pre-
cisamente, através da montagem).
Entretanto, em “Assassinos por Natureza” também é utilizado (exageradamente,
até, inclusive no caso da seqüência em questão) o que Brito (1995, p. 203-208) chama
de “montagem metafórica”, que também é tributária de Eisenstein23, e que consiste na
alternância de um plano que pertence à diegese fílmica com um outro que não perten-
ce24 (op. cit., p. 204). Como demonstração de que tal prática não é inédita no cinema
Hollywoodiano, recorremos ao próprio Brito, que nos diz que

“(...) antes do advento do som no cinema, quando por certo tempo se confundiu o espe-
cífico da linguagem cinematográfica com a sua visualidade, era comum o recurso à me-
táfora heterodiegética25 e Eisenstein não foi o único a utilizá-la. Um diretor da „pureza
discursiva‟ de Chaplin fez uso dela em alguns filmes mudos: veja-se a cena inicial em
„Tempos Modernos‟, em que, à imagem de pessoas saindo de um metrô, se interpõe a
de carneiros que entram em um curral. Como esses carneiros não integram o universo
fictício do filme (que apenas retrata a vida operária nas grandes cidades durante a de-
pressão americana), é preciso um esforço intelectivo, por parte do espectador, para justi-
ficá-los e, assim, chegar ao efeito metafórico desejado pelo autor do discurso” (p. 204-
205).

Porém, tal recurso foi abandonado com o tempo26, e o que se consagraria, déca-
das depois, como o “cinema clássico”, não mais a utilizaria (assim vemos que, ao menos
nesse aspecto, a fama de “experimental” ou “inovador” que por vezes é atribuída a “As-
sassinos por Natureza”, não é merecida).
Voltando à entrevista em si, resumirei a seguir os seus pontos principais tentan-
do, quando conveniente, integrar à descrição a análise: em seu início, ao ser perguntado
“quando começou a pensar em matar”, Mickey diz que matar está no seu sangue, que
ele teria nascido assim, mas Wayne contra-argumenta dizendo que “ninguém nasce

23
Na verdade, talvez até seja possível afirmar que as mais viáveis e utilizadas (ou as que melhor sobrevi-
veram e chegaram aos dias de hoje, pelo menos) técnicas de montagem alternativas ao cinema clássico
foram criadas por Eisenstein.
24
“Conferir, como um exemplo entre muitos, a famosa cena em „Outubro‟, de Kerensky no palácio cza-
rista: um plano-tese mostra a figura do político russo, um plano-antítese, a imagem heterodiegética [Cf.
nota seguinte] de um pavão se coçando” (Brito, p. 204).
25
Brito (op. cit., idem) conceitua elementos homo e heterodiegéticos através de exemplos, e o faz da se-
guinte forma: “uma música que o protagonista escuta é homodiegética; uma música que seja audível para
os espectadores, mas não para os personagens do filme, seria heterodiegética, no sentido de estar „fora‟ da
diegese, embora não esteja fora do efeito de conjunto que o filme como um todo provoca”.
26
Talvez, entre outros motivos, devido ao advento do som, como Brito dá a entender no trecho acima.

36
mau, é algo que se aprende”. A seguir, Wayne pergunta como Mickey pode matar pes-
soas inocentes, ao que ele responde que “ninguém é inocente”, e que na natureza todas
as espécies se matam umas às outras e “a nossa mata todas, inclusive a natureza, e cha-
mamos isso de indústria, não de assassinato”.
Até aqui, na fala de Mickey, temos identificável a construção de uma oposição
indivíduo e sociedade. É interessante notar que na discussão inicial entre ele e Wayne
há uma reprodução clara de conceitos clássicos do pensamento político, principalmente
em relação a algumas idéias de caráter hobbesianos e rousseaunianos. Assim, Mickey
levanta argumentos típicos do primeiro tipo, ao dizer, sobre a sua vontade de matar, que
nasceu assim, que ninguém é inocente e que, na natureza, toda as espécies se matam.
Wayne, por sua vez, contrapõe que ninguém nasce mau, que a maldade é algo que se
aprende e trata as vítimas de Mickey como inocentes. Podemos especula, portanto, que
Mickey parece ser um homem que, dentro da sociedade, vive como se ainda estivesse
enfrentando o “estado de natureza” (ou, ao menos, é o que podemos dizer sobre ele a
esta altura da análise).
Neste momento fílmico há um corte para uma montagem que se utiliza de um
filme de arquivo para representar, filmicamente, uma família que assiste à entrevista de
Mickey na TV. A julgar pela mobília, TV, roupas e penteados que aparecem em cena,
aparentemente se trata de um filme da década de 50 do século passado. Interpretar tal
inserção pode ser problemático, pois teríamos que especular sobre o que os realizadores
do filme esperariam que uma típica família da década de 1950 pudesse, potencialmente,
evocar no imaginário do público (não só norte-americano, mas mundial). Algo mais ou
menos óbvio poderia ser “ingenuidade”, o que é plausível, visto que Mickey falava, an-
teriormente, justamente sobre inocência. Outra importante “pista” é que, no momento
em que o plano desta família anacrônica é inserido, Mickey está falando, após dizer que
há pessoas que merecem morrer, que “muitas pessoas por aí já estão mortas, só preci-
sam acabar com o seu sofrimento”. Levando em conta tudo isso, parece-nos aceitável
que, com esta montagem metafórica, “Assassinos por Natureza” esteja dando a sua opi-
nião sobre o espectador médio do filme (o mesmo que, como a família representada,
assiste à entrevista de Mickey): um ingênuo, na melhor das hipóteses, ou um zumbi, um
morto-vivo, na pior delas27.

27
Sugestivamente, alguns planos depois será inserido o plano heterodiegético de um homem ensangüen-
tado e decapitado levantando-se de uma poltrona – talvez ainda evocando a família “morta” que assistia,
sentada em poltronas, a Mickey na TV.

37
Voltando (diegeticamente) ao local da entrevista, Wayne aproveita a deixa de
Mickey sobre a indústria para desviar o assunto para as corporações e a guerra com fins
econômicos. A expressão de desconforto de Mickey demonstra claramente, entretanto,
que não é sobre isso que ele quer falar. Wayne se empolga em seu monólogo e só pára
de falar diante dos sinais franéticos de sua assistente para que se controle (a transmissão
era “ao vivo”). Aqui, é claro, temos a imprensa, representada por Wayne, como tenden-
ciosa, parcial e manipuladora, o que, justamente com o sensacionalismo com que Way-
ne edita e pauta seu programa, sintetiza muito bem a forma como ela é retratada neste
filme.
Perguntado, a seguir, se estaria arrependido de algo, Mickey diz que sim: de ter
matado o índio que queria ajudá-los por ter visto o demônio que havia neles, Mickey e
Mallory (e que há em todos nós e que se alimenta do nosso ódio, completa ele). Com
estas falas, e relembrando detalhes do encontro com o índio a que Mickey se refere, po-
demos avançar um pouco mais na caracterização simbólica de Mickey.
Durante o encontro referido, e enquanto conversavam com o índio e seu neto,
frases e palavras são projetadas sobre os corpos de Mickey e Mallory, e, entre elas, se-
guindo-se a “demônio”, havia “muita TV”. Sobre isso, o índio explica ao seu neto (que,
como ele, parece conseguir ver as palavras reveladoras) que Mickey e Mallory são de-
mônios sim, loucos que “vivem perdidos em um mundo habitado por fantasmas”. O fato
destas “informações” serem reveladas ao espectador através de um índio, é interessante.
Como no caso da família dos anos 50, é possível (ou razoável especular) que o discurso
fílmico esteja brincando com estereótipos do espectador. Ou seja, no caso, um índio
como selvagem pré-civilizado28, que, entretanto, não se identifica com Mickey. Isso já
nos faz pensar que Mickey poderia não ser somente um homem incivilizado, “fora da
civilização”, mas sim alguém que teve, potencializado e exacerbado pela civilização,
instintos assassinos, uma maldade, com a qual ele já havia nascido. De certa forma, um
amálgama da visão “nascemos mau” de Mickey e do “aprendemos a ser mau”, de Way-
ne: nascemos não muito bons e aprendemos a ser muito pior. Ainda sobre esta seqüên-
cia, se lembrarmos que Mickey, sem intenção, acaba por matar o índio, que morre di-
zendo que havia sonhado que um demônio (ou seja, pensando-se em Mickey, um “sel-
vagem” civilizado) o mataria (a ele, um “selvagem” puro), torna-se sugestivo conside-

28
É verdade que o índio não é caracterizado desta forma no filme, aparentando ser até razoavelmente
“aculturado”, mas, repito, a lógica do raciocínio que está sendo apresentado apóia-se no pressuposto de
que o filme trabalha com possíveis estereótipos que o espectador movimenta para compreendê-lo (a ele,
filme), e não com os estereótipos que ele, filme, eventualmente forneceria aos seus espectadores.

38
rarmos que pode estar havendo aqui um diálogo entre personagens metonímicos: o índio
como “todos os índios” e Mickey como “todos os homens brancos”.
Quando Mickey diz, a seguir, na entrevista, que “a única coisa que mata o de-
mônio é o amor”, seu pensamento, no nível em que o estamos investigando, é auto-
evidente: na situação em que ele se encontra, indivíduo “corrompido” pela sociedade, a
única coisa que poderá lhe ajudar, a única coisa que poderá “matar o demônio” é Mal-
lory. E ele sabe que ela é a sua salvação, diz ele, porque ela estava ensinando-o a amar.
É o que ocorrerá, realmente, no final do filme, quando, finalmente livres, o casal tratará
de constituir uma família, abandonando o passado de crimes.
Nesse contexto, torna-se simbolicamente muito significativo as falas seguintes
de Mickey, quando ele diz a Wayne ser “como a sua sombra na parede”, perguntando a
seguir, “você não pode se livrar de sua sombra, pode?”. Igualmente, questionado por
Wayne sobre “realização”, Mickey diz que “o momento da realização vale mil orações”
(significando, talvez, que, simplesmente cumprir o seu “destino”, pragmaticamente, é
mais importante do que esperar soluções) e que um instante de sua pureza vale toda uma
vida de mentiras do jornalista. Com isso Wayne se irrita, ao que Mickey responde: “eu
era como você, aí evoluí. Você se acha um homem. Pra mim, é um macaco. Nem mes-
mo macaco, uma pessoa da mídia”. E prossegue: “assassinato é puro, vocês o tornaram
impuro”. “Vocês, com a sua violência, vendendo o medo”. Wayne continua não acredi-
tando no que Mickey diz, e agora ordena que ele pare de mentir. “Acho que tem de se-
gurar uma arma e [você] entenderá, como entendi da primeira vez”. “Foi quando ouvi o
meu único e verdadeiro chamado na vida”, prossegue Mickey, aquele que o fez saber
que era “um assassino por natureza”. Essas palavras, é claro, são um flashforward29 a
nos remeter diretamente à seqüência da fuga da prisão, quando Wayne, com uma arma
na mão, será um auxiliar empolgado dos fugitivos, atirando e matando tão entusiastica-
mente que Mickey lhe tomará a arma, argumentando que ele está descontrolado, e, em
substituição, lhe dá a câmera de TV para usar na fuga.
Neste momento da entrevista o Diretor Warden interrompe a transmissão por ter
estourado uma rebelião entre os prisioneiros que assistiam ao programa e ouviam as pa-
lavras explosivas de Mickey. Palavras estas que, ao mesmo tempo em que eram sobre si
mesmo, também eram sobre eles (e, talvez, sobre todos nós).

29
Segundo Brito (1995, p. 189), flashforward é um recurso estilístico que “nos informa sobre o futuro do
enredo do filme, num momento em que ainda não temos condição semiótica de conhecer o seu desenvol-
vimento ou desenlance”. É importante perceber, portanto, que o flashforward não é, simplesmente, um
flashback com sinal invertido.

39
Clube da luta
Em “Clube da Luta” observamos que o filme é dividido em três narrativas prin-
cipais e uma secundária, que corre paralelamente às outras. As principais são: a relação
do Narrador30 com Marla; a relação do Narrador com Tyler até a criação dos clubes de
luta; e a transformação destes clubes em uma organização paramilitar que deseja refor-
mar a sociedade. A narrativa secundária nos mostra o Narrador em seu trabalho (o que
inclui suas viagens e a sua relação com seu chefe, no escritório).
Depois de um prelúdio em que o personagem-narrador da história se apresenta
ao espectador descrevendo a sua própria vida como vazia e insatisfatória, ele nos situa
em relação ao seu drama mais imediato: a sua insônia persistente.
A seguir, nesta primeira narrativa, temos o Narrador em busca de algo que ele
ainda não consegue identificar corretamente, confundindo um problema pontual (sua
insônia) com o seu real incômodo. Inicialmente ele recorre a uma instituição formal,
através do médico que consulta. Este médico representa, em última análise, a razão – ou
mesmo a ciência. Mas ela – a razão – não só não pode se ocupar dele (há outros em pior
situação), como menospreza o seu sofrimento: “quer ver sofrimento mesmo? Experi-
mente os grupos de apoio doentes terminais”, lhe diz o médico.
Assim, uma solução momentânea lhe é oferecida por uma pequena comunidade
(representada por Bob) que o aceita nos grupos de apoio, e a comunhão que ele experi-
menta interrompe sua insônia. Aparentemente era seu isolamento, sua falta de contato
com outras pessoas, o que lhe causava sofrimento. Porém, com a chegada de Marla a
mentira que ele teve que contar para ser aceito no grupo é por ela refletida, pois ela
mente com os mesmos propósitos. Curiosamente, antes da chegada de Marla a consci-
ência da mentira vivida não incomodava o Narrador – aparentemente, é insustentável
que alguém saiba da mentira que ele vive, ao passo que, se ninguém souber, não há pro-
blemas ou dramas de qualquer tipo. Esse desequilíbrio, entretanto, é restabelecido atra-
vés de um arranjo entre os dois. Ou seja, entre dois indivíduos que desrespeitam as re-
gras do grupo no qual convivem, e que decidem criar as suas próprias regras – aquelas
que lhes permitirão viver da forma que desejam.
Depois disso, Marla revela um incômodo maior do que a insônia do Narrador:
ela deseja morrer. A esta altura, porém, o Narrador já não se sente obrigado a lhe prestar
auxílio, e a ignora. Tyler, o amigo com quem o Narrador está morando, intercepta a li-

30
O personagem principal de “Clube da Luta” não tem nome, sendo identificado nos créditos somente
como “Narrador”.

40
gação de Marla para este e a salva de sua tentativa de suicídio. Porém, a relação que se
dará entre os dois a partir disso, a exemplo da que ela experimentou com o Narrador,
será baseada somente por interesse (sexual, no caso).
A partir deste ponto a análise se torna mais confusa e limitada pela falta de ele-
mentos que esta narrativa desmembrada nos oferece: ainda não temos informações sufi-
cientes para tentar entender o que ocorre na busca de Marla, alternadamente, por Tyler e
pelo Narrador, e como as reações destes últimos aqui se encaixam e se desenvolvem,
principalmente se considerarmos que, depois de idas e vindas, o Narrador se descobre
apaixonado por Marla. Esta descoberta do Narrador tão pouco pode, neste ponto, ser
esclarecida, mas é importante registrar que, após um período de separação, no desfecho
do filme eles se reencontram. Não fica claro, entretanto, quais podem ser as conseqüên-
cias desse reencontro, já que o filme termina exatamente neste momento.
Na segunda narrativa, o Narrador conhece Tyler em um avião e, depois de ter o
seu apartamento explodido, acaba hospedado na casa deste após uma longa conversa em
um bar. Antes de levá-lo para casa, entretanto, Tyler pede ao Narrador que lhe bata “o
mais forte que puder”. Neste momento, algo inusitado ocorre: o tempo fílmico é “con-
gelado” para que o Narrador apresente ao espectador mais algumas informações sobre
Tyler, o que é feito em uma conversa direta e metalingüística conosco, com o Narrador
olhando diretamente para a câmera e sendo auxiliado por Tyler, que participa da con-
versar com comentários e esclarecimentos. Levando em conta que Tyler já nos fora a-
presentado em um momento anterior do filme e que está é uma interrupção abrupta e
pouco usual (além de contrastar fortemente com a lógica narrativa fílmica adotada até
aquele momento), podemos inferir que algo muito importante está sendo comunicado.
No caso, que Tyler, como projecionista, insere frames pornográficos em filmes infantis
e, como garçom, “sabota” a comida que serve, urinando nos pratos.
Visto que as seqüências seguintes mostram como as lutas entre os dois ganham
adeptos até ser criado um clube de lutas, e se cinematograficamente já foi citado que
este interlúdio sobre as atividades de Tyler é invulgar, narrativamente o mesmo se dá.
Na verdade, este interlúdio pode ser considerado como uma seqüência independente
devido ao seu caráter expositivo, interpondo-se entre as duas meia-partes de uma unida-
de dramática que, de outro modo, transcorreria sem problemas: Tyler pede a agressão,
ela ocorre e o Clube da Luta nasce. Não acontecendo isto, é reforçada a sensação de
quebra neste ponto. Visto que a seguir o Narrador falará sobre as conseqüências positi-
vas que sua participação no Clube da Luta traz à sua vida (permitindo-lhe, até, que en-

41
frente o seu chefe), observa-se claramente que o interlúdio anteriormente citado, que é o
único que poderia conter uma explicação de causa e efeito (dentro da diegese fílmica,
obviamente) para a transformação do Narrador, nada apresenta – nada de identificável,
ao menos. Assim, devido ao grande entrelaçamento das narrativas, principalmente, esta
é outra seqüência que por ora nos permanecerá misteriosa.
Finalmente, há o retorno diegético de Bob, que vai a um clube da luta com o
Narrador. Esta seqüência termina com ambos agradecendo o “presente” que foi a cria-
ção deste espaço. A volta de Bob é significativa. É como um círculo que se fecha nesta
narrativa: depois do Narrador abandonar os grupos de terapia, no qual para ele havia um
espaço, através de Bob, algo a ele retorna – o senso de comunidade, ao menos. O Nar-
rador havia, na narrativa anterior, dito a Marla, durante a conversa telefônica em que ela
pedia para que ele a ouvisse morrer, que havia abandonado os grupos de terapia em fa-
vor de um grupo “de outro tipo”, e a volta de Bob à vida do Narrador, simbolicamente
confirma isso.
A terceira narrativa é quase um prolongamento da anteriormente apresentada:
inicia-se com a entrada de Lou no porão de sua propriedade, local em que funciona, sem
o seu conhecimento, o Clube da Luta. Até este momento, este espaço, literalmente sub-
terrâneo, estava a salvo do mundo externo, até ele, representado por Lou, o invadir, exi-
gindo explicações e justificativas que nenhum deles estava disposto a dar. Tyler, então,
combate Lou literalmente jogando-lhe na cara uma atitude e um comportamento que
este não compreende, simbolizando a falta de comunicação existente entre o Clube da
Luta e seus membros, e o mundo exterior – e, aproveitando-se desta incompreensão,
Tyler consegue o que quer.
Sintomaticamente, na seqüência imediatamente seguinte, Tyler criará a prática
das “lições de casa”, que será o início do Projeto Destruição que por sua vez é a radica-
lização do Clube da Luta (posteriormente, Tyler dirá que o Projeto Destruição é o Clube
da Luta “saindo do porão”). A partir daí, o confronto deste grupo de pessoas com a so-
ciedade se escancara através do alistamento de novos membros (os Macacos Espaciais –
entre eles Bob, cuja participação legitimadora de pertensa é tão importante para o Nar-
rador, que este o ajuda a entrar no projeto, “trapaceando”) e a prática de atividades ter-
roristas, voltando a ocorrer, com o Comissário de Polícia, um enfrentamento muito se-
melhante (simbolica e visualmente) ao que ocorrera com Lou.
Momentos tão semelhantes, na verdade, que nos permitem reavaliar o confronto
anterior tendo este último como referência: em ambos os personagens estavam enfren-

42
tando o “mundo exterior”, mas, se da primeira vez, como um clube de lutas, eles forma-
vam um grupo desorganizado, da segunda, através do Projeto Destruição, esse confron-
to se dá de igual para igual. Se antes, ao terem o seu mundo invadido por Lou, que des-
ceu aos porões, eles estavam em desvantagem, no segundo confronto, ao invadirem os
salões das autoridades, eles tinham o controle da situação. Tyler ter começado a distri-
buir aos membros do grupo pequenas tarefas a serem cumpridas (as “lições de casa”)
logo após a retirada de Lou do porão, caracteriza a formação do Projeto Destruição co-
mo uma espécie de declaração de guerra.
No episódio seguinte o Narrador se descontrola em um confronto dentro do Clu-
be da Luta e massacra um de seus membros. Como justificativa, ele diz que “queria des-
truir alguma coisa bonita”. Levando-se em conta que este acontecimento terá conse-
qüências que se desdobrarão nas seqüências seguintes até a derrocada do Projeto Des-
truição (a partir desta luta Tyler e o Narrador brigam e o primeiro parte), é viável supor
que a “coisa bonita” a que se refere o Narrador era a própria comunidade do Clube da
Luta, já que a sua atitude foi o estopim da destruição deste.
É de se supor que, neste momento da narrativa, a consciência do amor do Narra-
dor por Marla estivesse se desenvolvendo, pois ele só poderia ficar com ela se comba-
tesse o Clube da Luta, que era o que os separava. O momento em que este turning point
se dá não nos é possível precisar, porém este conflito Marla X Clube da Luta, que divi-
dirá o Narrador, irá se exacerbar, em um crescendo, até o momento em que o Narrador
terá que protegê-la dos membros do Projeto Destruição. A morte de Bob (de novo ele),
mostrada na seqüência seguinte, foi, finalmente, o acontecimento que precipitou todo o
resto, assumindo o Narrador, a partir daí, uma postura de confronto com Tyler e seus
projetos, buscando encontrá-los para pará-los. Ainda nesta lógica de confronto entre o
Narrador e Tyler, a seqüência em que o Narrador “apresenta” Tyler como um envene-
nador de alimentos e um corruptor de filmes infantis, ganha um conotação específica:
através daquele pedido para socá-lo, ação esta que daria origem ao Clube da Luta, Tyler
entrava na vida do Narrador para envenená-la e sabotá-la.
Porém, agora se dá a principal revelação do filme: o Narrador e Tyler são a
mesma pessoa. Tyler não existe e é só uma fantasia criada pelo Narrador. Tudo o que
Tyler faz e diz é feito e dito pelo Narrador. Tal fato, é claro, joga luz sobre o que estava
obscuro ainda na primeira narrativa, ou seja, sobre o relacionamento entre Marla, Tyler
e o Narrador – considerando que estes dois últimos eram a mesma pessoa. Marla obvi-
amente, não tinha uma relação dúbia e confusa com ambos. Ao contrário, era o Narra-

43
dor que, com a sua dupla personalidade, mantinha uma relação dúbia e confusa com
Marla.
Finalmente, através da recriação acima realizada, percebe-se que a segunda e a
terceira narrativa estão muito conectadas, quase formando uma única, enquanto a pri-
meira permanece independente. Isso demonstra, simbolicamente, o conflito que vive o
Narrador: de um lado, a opção pela solução individualista (representado por Marla, ou-
tro indivíduo), de outro, a vida em comunidade, não importa de que tamanho e de qual
abrangência (representado por Bob, Tyler, os grupos de apoio, o Clube da Luta e o Pro-
jeto Destruição).
Finalizando a abordagem das diferentes narrativas do filme, temos a que nos a-
presenta o relacionamento do Narrador com o seu chefe e o seu trabalho. O “mundo do
trabalho”, aqui, é um universo que somente oferece frustrações e aborrecimentos. Muito
disso é materializado na figura do chefe do personagem, que sempre é ridicularizado e
acidamente criticado. Como possível instância intermediária, portanto, nada há aqui que
possa satisfazer a busca do Narrador.
Dessa forma, podemos dizer que a transformação sofrida pelo Narrador durante
toda a narrativa do filme o leva de uma sua situação inicial de completa reclusão até a
sua situação final onde escolhe o amor por Marla rejeitando a vida em comunidade
(mesmo sendo uma comunidade que ele próprio criara, e não uma “pronta”, social, do
tipo que poderíamos considerar como “imposta”). O objeto que o Narrador desejava
desde o início era uma aceitação em que o seu provedor nunca esteve muito bem defini-
do: ele poderia tanto se satisfazer em ser aceito em um grupo, como algum pelos quais
ele passou, como o ser por uma única pessoa – como de fato ocorreu, através de Marla.
Revezando-se no papel de objeto, Marla e os grupos revezam-se também no papel de
auxiliadores e oponentes do Narrador em sua busca31. No fim de tudo, entretanto, é o
Narrador que define seu objeto definitivo: e escolhe Marla. Nesse contexto, o Clube da
Luta, o Projeto Destruição e os grupos de apoio, analisando-os retrospectivamente, as-
sumem definitivamente o papel de oponentes, ao constatarmos que durante todo o filme
eles afastam o Narrador de Marla. Paradoxalmente, é o desenvolvimento de um deles (o
Projeto Destruição) que assume em definitivo o papel de auxiliar, levando Marla ao en-
contro do Narrador, quando era de se esperar que ela tivesse saído da cidade para se
proteger.

31
Pois, se no final o Narrador escolheu Marla em detrimento dos grupos que formou, durante o decorrer
do filme o movimento realizado, na maioria das vezes, foi em sentido oposto.

44
Durante todo o filme o Narrador foi um personagem apático, fraco e sem inicia-
tiva (todas as características opostas às de Tyler). Dessa forma, toda a disputa final entre
o Narrador e o Projeto Destruição, desde o episódio em que ele pede ajuda à polícia, até
o confronto final com Tyler, é a transformação que o Narrador precisará desempenhar
para adquirir seu objetivo. E é através dela, desta transformação, que ele chegará ao to-
po do prédio e conquistará a competência para matar Tyler: fortalecendo-se, e, de certa
forma, tornando-se um pouco o seu adversário.
Analisando-se a narrativa de “Clube da Luta”, portanto, verifica-se que o filme
representa a busca de um lugar na sociedade por um indivíduo que a ela não estava ade-
quado. Ele percorrer as suas (dela, sociedade) várias instâncias, passando por, desde as
“institucionalizadas” (como a do trabalho, por exemplo) até as que ele mesmo cria (co-
mo o clube de lutas). Tudo em busca de um lugar que permita a ele sentir-se adequado e
que lhe permita descansar (ou, no caso, “dormir”). A sua resposta, entretanto, não estará
em nenhum nível coletivo ou comunal, mas sim no individual, representado por Marla,
somente outro indivíduo. Assim, para um problema de ordem social sofrido coletiva-
mente (se não o fosse assim assumido pelo filme, o Narrador não arregimentaria tantos
membros para os grupos que formava), o indivíduo buscou uma solução de caráter indi-
vidual – e este é o ponto principal aqui.

45
4. RELACIONANDO OS FILMES

Para tentar relacionar os filmes, primeiro os “embaralharemos” tentando visuali-


zar ocorrências, omissões e pontos em comuns, para, em um segundo momento, tentar
emparelhamentos que nos permitam entendê-los um pouco melhor individualmente, pa-
ra, finalmente, passarmos às possíveis conclusões.
Os quatro filmes apresentam heróis individuais frente a massas emburrecidas
(“Laranja Mecânica”), apáticas (“Assassinos por Natureza”), inconscientes (“Clube da
Luta”) e indiferentes (“Taxi Driver”). A intenção de liderar só existe em um dos casos
(“Clube da Luta”), mas mesmo assim ela é negada e, se assim podemos dizer, “incons-
ciente”. Em “Assassinos por Natureza” Mickey tem influência direta na rebelião que
estoura no presídio, mas isso se dá sem o seu planejamento.
Em todos os filmes o indivíduo é principalmente um solitário, apesar de nem
sempre isto ser visto como um problema (casos de “Laranja Mecânica” e “Assassinos
por Natureza”). As relações individuais se apresentam como superficiais e instrumen-
tais, quando não prevalece simplesmente a incomunicabilidade e a incompreensão, sen-
do que em “Laranja Mecânica” e “Assassinos por Natureza” o interesse coletivo não é
considerado pelos protagonistas, que se preocupam, antes, com os seus interesses indi-
viduais, claramente glorificando a “lei do mais forte”. Em “Clube da Luta” e “Taxi Dri-
ver” o indivíduo se coloca como portador das soluções para os males coletivos, mas ela
(a solução) será sempre imposta por ele à sociedade (não há caminho para a negociação,
por exemplo). A postura diante da família varia, sendo de indiferença em “Laranja Me-
cânica”, ódio em “Assassinos por Natureza”, rancor em “Clube da Luta”, para ser valo-
rizada em “Taxi Driver”.
Em relação à sociedade, há em “Clube da Luta” e “Assassinos por Natureza” a
defesa de um momento anterior a ela, que seria mais puro e saudável para o homem. De
maneira geral, entretanto, ela (sociedade) é tematizada em todos os filmes, sendo apre-
sentada como um estorvo em “Laranja Mecânica”, degradada e degradante em “Taxi
Driver”, deturpadora em “Assassinos por Natureza” e massacrante em “Clube da Luta”.
Já o Estado, é invisível em “Taxi Driver” e “Clube da Luta” (exceto, neste último, pela
presença dos policiais), claramente opressor em “Assassinos por Natureza” e oportunis-
ta em “Laranja Mecânica”. Em relação à autoridade, só há uma franca posição agressiva
em relação a ela em “Clube da Luta”, sendo muitas vezes ridicularizada, principalmente
através da figura do chefe do Narrador e da polícia (em “Taxi Driver”, basicamente ela

46
está ausente). Em “Laranja Mecânica” as relações são mais elásticas e dúbias, havendo
malícia de ambos os lados. Em “Assassinos por Natureza”, a figura social de autoridade
é vista, através da polícia, principalmente como incompetente e abobalhada.
Exceto em “Laranja Mecânica”, o amor é muito importante para os protagonistas
de todos os filmes, seja como salvação (“Assassinos por Natureza”), redenção (“Clube
da Luta”) ou objeto de desejo (“Taxi Driver”). A religião, que poderia exercer o papel
que o amor tem, mal é colocada em “Laranja Mecânica”, o único filme em que ela é te-
matizada – porém, com fins de deboche.
Os valores defendidos pelos protagonistas são muito variados, mas pode-se di-
zer, que, na maioria, eles dizem respeito ao indivíduo: liberdade, identidade, lealdade,
amor e autonomia. Somente em “Clube da Luta” e “Taxi Driver” pode-se dizer que há
um sentido coletivo nos objetivos do protagonista, mesmo que deturpados.
Dos quatro filmes analisados dois são da década de 1970 (“Taxi Driver” e “La-
ranja Mecânica”) e os outros dois da década de 1990 (“Clube da Luta” e “Assassinos
por Natureza”). São subgrupos muito pequenos para se pretender que sejam representa-
tivos de suas épocas, mas, observando-se que há mais em comum, de um lado, entre
“Taxi Driver” e “Clube da Luta” e, de outro, entre “Laranja Mecânica” e “Assassinos
por Natureza”, passa a ser mais interessante pensarmos em uma comparação diacrônica
do que em uma sincrônica.
Os protagonistas de “Taxi Driver” e “Clube da Luta” são sujeitos solitários que
não conseguem se comunicar adequadamente com seus semelhantes e, quando o fazem,
o resultado é frustrante, devido à superficialidade das relações e a incomunicabilidade
reinante. Apesar disso, ambos ainda encaram suas angústias individuais como tendo al-
gum tipo de relação com a sociedade em que vivem: de alguma forma ela (a sociedade)
estaria “errada” e cabe a alguém remediar isso – não importa como. O caminho do Nar-
rador do “Clube da Luta” na busca deste “ajustamento” envolve uma iniciativa coletiva,
enquanto a de Travis, de “Taxi Driver”, é um caminho totalmente solitário. O amor32
em “Clube da Luta” serve para tirar o Narrador desse caminho e até o leva a combater
as iniciativas do grupo que estão em andamento (da mesma forma, foi a morte de um
amigo que o “acorda” e o leva a tentar interromper o processo que ele mesmo, afinal,
havia iniciado – sobre isto, cf. Pimentel, 2004, p. 53), dando a entender que as relações
indivíduo/indivíduo são mais importantes do que a relação indivíduo/sociedade. Em

32
O amor é percebido aqui como um outro tipo de relação entre indivíduos e, no que nos interessa, dife-
rente da relação indivíduo/sociedade.

47
“Taxi Driver”, por outro lado, o amor é algo desejado e procurado (valorizado, portan-
to), mas nunca posto acima da “missão” a que Travis se propõe, e com isso quero dizer
que Travis pode ter, indiretamente, objetivos pessoais, como apontado (aceitação e va-
lorização), mas, além deste personagem procurar na sociedade (e não em outro indiví-
duo, como o Narrador de “Clube da Luta”) a satisfação destes obejtivos, ele também
parece considerar o auto-sacrifício por um “bem maior” como um meio seguro de con-
seguir o que procura.
Da mesma forma, o relacionamento dos protagonistas com o que poderíamos
considerar como “instâncias intermediárias” da vida social também se diferencia subs-
tancialmente. Enquanto o Narrador vê o seu trabalho como um estorvo e fonte de frus-
trações, Travis tem nele uma referência que, se não é fundamental ou a mais importante
de sua vida, seguramente não tem paralelos com a visão que nos é dada em “Clube da
Luta” – é sugestivo, aliás, comparar frases recorrentes em “Clube da Luta” como “você
não é o seu trabalho” com o que Wizard, colega de Travis diz: “o homem se torna o seu
trabalho”. Da mesma forma, em “Clube da Luta” a família nunca é vista positivamente,
enquanto o é em “Taxi Driver” (e, apesar de estar acima do indivíduo, ainda está abaixo
da sociedade33).
Por fim, podemos concluir que o Narrador de “Clube da Luta” busca a sua pró-
pria identidade, o que ele realmente é e não o que lhe dizem que ele é. Daí a negação de
tudo o que é social (“Você não é o seu carro, nem as suas roupas, nem quanto dinheiro
tem no banco, etc.”) e poderia lhe imputar alguma identidade que, por também ser soci-
almente determinada, de nada lhe vale. Daí também uma busca idealizada por uma situ-
ação pré-social (visto no momento em que Tyler especula sobre uma sociedade primiti-
va). Daí também o Narrador, no final do filme, se voltar contra Tyler, o seu “alter-ego”
que bagunça toda sua auto-percepção como indivíduo. Travis, por outro lado, tem as
suas referências fundamentalmente enraizadas na sociedade: é ela quem dará sentido à
sua vida, e, do mesmo modo, a sua degradação também o atinge. Não ser compreendido
por Betsy ou Íris não importa tanto, pois, quando a degradação for atingida, elas, como
parte do corpo social, reconhecerão o benefício que ele lhes ofereceu (o que vemos no
final do filme).

33
Dois bons exemplos disso: a forma como Travis tenta convencer a Íris a voltar para a sua família inde-
pendentemente de como ela se sente em relação a seus pais (o raciocínio é, simplesmente, que “a família
é importante”) e como o próprio Travis se desculpa com seus familiares por estar distante, justificando
isto com fictícios “trabalhos pro governo” – é verdade que estas referências militarizadas de Travis pode-
riam ser mais facilmente relacionadas com o seu caráter totalitário e violento, mas creio que isto seria
tomar as causas pelas conseqüências.

48
Em relação aos protagonistas de “Laranja Mecânica” e “Assassinos por Nature-
za” (para facilitar o raciocínio, quando conveniente considerarei o casal Mickey e Mal-
lory como uma só persona: o protagonista), todos estão interessados em suas liberdades
individuais, com sutis divergências sobre o que isso significa (como vimos, quero crer
que Alex conceitua “liberdade” de um modo um pouco mais sofisticado que Mickey e
Mallory). Ambos não vêem a sociedade com bons olhos (no caso de “Laranja Mecâni-
ca”, como um entrave aos interesses do indivíduo, em “Assassinos por Natureza” como
prejudicial e degradadora do indivíduo) e mantém relacionamentos dúbios com quem a
controla: no caso de “Laranja Mecânica”, o Estado, no caso de “Assassinos por Nature-
za”, a mídia (não mais o Estado, perceba-se, que assume aqui mais um papel adminis-
trativo). É possível negociar com o real controlador, pois trata-se simplesmente de um
arranjo de interesses, e é isso o que os protagonistas fazem. Como efeito disso, temos
que todos são, em algum momento, prejudicados pelos controladores, mas é tudo nego-
ciável: eventualmente, eles podem até aceitar ser manipulados e/ou enganados, mas só
como subterfúgio para que o benefício por eles almejado venha a ser alcançado – sendo
a eficiência do expediente, uma aposta.
Em “Laranja Mecânica” o amor não tem papel, enquanto é fundamental em “As-
sassinos por Natureza”. Como visto, é só ele que pode combater o demônio resultante
dessa relação “proibida” entre indivíduo e sociedade. Para “Laranja Mecânica”, essa
relação nunca chegou a se dar, o indivíduo sempre preservou o seu espaço, então não há
o que ser recuperado, somente defendido – isto é, o seu espaço. A família também é vis-
ta de formas antagônicas, mas ainda como uma espécie de extensão da sociedade, um
“braço” seu (“Assassinos por Natureza”) ou como uma versão em menor escala da
mesma (“Laranja Mecânica”). Assim, em suma, para “Laranja Mecânica”, da mesma
forma como o indivíduo pode viver em sociedade ignorando-a, o mesmo pode ser dito
sobre a família, enquanto, para “Assassinos por Natureza”, da mesma forma como a so-
ciedade destrói o indivíduo, a família também o faz.
Fechar uma análise totalizadora, ou seja, construir uma interpretação que dê con-
ta de “explicar” os discursos e visões de mundo de todos os quatro filmes analisados,
parece-me, à esta altura, não só muito difícil como também desaconselhável. Creio que
há uma temática que os une, e diz respeito, basicamente, às relações dos indivíduos com
as sociedades em que estão inseridos. Porém, esta visão não é (e talvez nem possa ser)
única. Mas creio ter sido muito válido identificar que todos colocam a relação como
problemática, diferindo, entretanto, em relação à forma como esta relação é trabalhada.

49
Poderíamos, neste aspecto, se aceitarmos que unanimamente é posto que temos um pro-
blema nesta relação, identificar duas vertentes opostas no tratamento fílmico dispensado
a este tema: uma que poderíamos chamar de “reformadora”, representada por “Taxi
Driver” e “Clube da Luta”, e outra que poderíamos chamar de “pragmática”, represen-
tada por “Assassinos por Natureza” e “Laranja Mecânica”.
A reformadora seria exemplarmente representada por “Taxi Driver”, que preten-
de colocar a necessidade de se restaurar a sociedade para resolver o que atinge o indiví-
duo, enquanto “Clube da Luta” proporia uma solução bem mais radical: destruir a soci-
edade atual para recomeçá-la em outras bases (o fundamental aqui, entretanto, é que não
se nega a viabilidade de uma organização social, só a procura em outras bases – ou seja,
“Clube da Luta” ainda poderia ser entendido como “reformador”, estando ainda no
mesmo “espectro” conceitual de “Taxi Driver”).
Já a pragmática seria perfeitamente exemplificada por “Laranja Mecânica”, que
diz-nos exatamente isto: não importa tanto as origens e desenvolvimento dos problemas
desta relação34, mas como nos adaptamos a ela. Não se aceita que o indivíduo foi feito
para viver em sociedade, mas, já que a situação está dada, que saibamos tirar o melhor
dela. “Assassinos por Natureza” parte de um princípio semelhante (a saber, a inadequa-
ção desta relação), mas tira conseqüências mais radicais daí: esta relação é perversa e, se
possível, deve ser evitada (apesar do radicalismo, porém, considero esta visão como a-
inda pragmática, principalmente por não buscar um arranjo que permita ao indivíduo se
recolocar, limitando-se, dessa forma, a contornar o problema, não enfrentando direta-
mente o “inimigo”).
Este fechamento, entretanto, é totalmente especulativo e se assume assim. Só a-
crescento que, coerente com este “espírito especulativo”, gostaria de encerrar este rela-
tório observando (o que até pode ser visto como uma sugestão para posterior investiga-
ção) que, nas duas vertentes, é sempre o filme mais recente que dá o tom mais radical da
proposta em que insere. É possível, portanto, que haja algum tipo de movimentação dia-
crônica na forma como o imaginário, através do cinema, aborda e trabalha estes temas e
seus desdobramentos.

34
Referindo-me a “relação”, refiro-me à relação indivíduo/sociedade.

50
APÊNDICE:
A VIOLÊNCIA NO CORPUS ESCOLHIDO

Quando da elaboração do projeto desta pesquisa, o tema escolhido a ser investi-


gado foi a violência. Tal se deu principalmente pela falta de hipóteses e questões defini-
das que eu pudesse apresentar ao corpus de filmes selecionados. O que havia, na verda-
de, era mais uma vontade pessoal de investigá-lo e uma intuição de que esta investiga-
ção seria produtiva do que uma certeza e/ou segurança em relação à minha escolha (na-
turalmente, por isso acabou sendo um pouco tardia a identificação do tema). A saída
mais simples, então, foi tratar do tema mais óbvio, que mais saltava aos olhos em qual-
quer visão mais superficial sobre os filmes escolhidos. Não foi exatamente uma fuga da
busca das verdadeiras questões, simplesmente porque, naquele momento, não eu não
possuía instrumentos adequados para buscá-las – o que, entretanto, acabou ocorrendo
durante o processo de pesquisa e de seu consequente amadurecimento.
Entretanto, não pretendo negar, a violência, em diferentes níveis, está presente
nos filmes deste corpus e não pode (e certamente nem deve) ser ignorada. De fato, exce-
to pelo percentual de “intuição” na seleção, um fator importante para mim durante a es-
colha dos filmes com os quais trabalharia foi a repercussão e polêmica conseguidas por
cada um ao longo do tempo. Nos presentes casos (coincidentemente ou não), tanto um
como outro desses requisitos foram “conquistados” justamente através da violência ne-
les presentes. Dessa forma, por pretender ainda, esboçar que seja, uma “resposta” à esta
complexa questão, é que me proponho a refletir brevemente sobre o tema utilizando,
como referência, duas tipificações da violência encontrada em filmes da década de 1990
(caso de dois de nossos filmes: “Clube da Luta” e “Assassinos por Natureza”): a “ima-
gem-violência” de Rose Hikiji (1998b) e a “crueldade irônica” de Jean-Claude Bernar-
det (1994).
Hikiji construiu a sua classificação a partir de sua constatação pessoal de que
“(...) cenas com detalhes de violência física extrema (...) eram recebidas com gargalha-
das da platéia e debates empolgantes da crítica especializada”, o que a levou até a espe-
cular sobre o surgimento de novas formas de representação fílmica da violência ou de
sensibilidades em relação a ela. Procedendo à sua análise, entretanto, Hikiji percebeu
que os filmes estudados que apresentavam as imagens mais violentas eram aqueles que,
de alguma forma, refletiam sobre “a própria violência midiática, ou, mais precisamente,
fílmica” em seu desenvolvimento. E, mais do que isso, eram filmes cujas imagens vio-

51
lentas era construídas de forma violenta, provocando reações também devido a sua for-
ma (ritmo da cena, representação anti-naturalista – exagerada, irônica, improvável, etc.
– da ação, entre outras características) e não só devido ao seu conteúdo. Assim, “tema e
ao mesmo tempo forma, a violência nestes filmes revela-se como linguagem, no limite,
metalinguagem” (1998b, p. 67-68).
Já Bernardet procura refletir principalmente sobre o cinema brasileiro feito no
início dos anos 90, mas, para além disto, tece também considerações sobre exemplos
afins no cinema mundial, chegando à conclusão de que o cinema em questão é “o cine-
ma da crueldade irônica”, por mesclar, em sua construção, crueldade e ironia, represen-
tando, dessa forma, uma possível “faixa de sensibilidade atual” (não por acaso, o filme
estrangeiro que ele considera demonstrar que a “crueldade irônica” não é especialidade
brasileira, é “Cães de Aluguel”, filme analisado por Hikiji na construção de sua “ima-
gem-violência”). O próprio autor, entretanto, admite ser a sua “uma idéia indefensável,
pois não faltam filmes, peças de teatro, poemas que, no decorrer dos tempos, mesclaram
crueldade e ironia” (1994, p. 42-43).
De fato, pensando-se nos quatro filmes deste corpus, constata-se que “Assassi-
nos por Natureza” apresenta uma violência representada com as características do que
Hikiji chama de “imagem-violência”, principalmente por pretender fazer uma crítica
exatamente em relação à exploração sensacionalista da mídia (na seqüência final, após a
morte de Wayne, o filme constrói, utilizando-se da montagem metafórica, uma relati-
vamente longa seqüência de casos escandalosos que contaram com cobertura televisiva,
como o do julgamento de O. J. Simpson). Já em relação aos demais, “Clube da Luta” e
“Laranja Mecânica” (extrapolando a classificação cronológica) poderiam ser classifica-
dos como filmes cuja violência é do tipo “crueldade irônica”, mas “Táxi Driver” não se
encaixaria em nenhum dos dois tipos.
É verdade que uma explicação do tipo totalizante sempre é muito improvável,
ainda mais no caso de um grupo de filmes cujo ponto em comum mais sólido é a temá-
tica, mas quero crer que a pista para o entendimento desta questão esteja justamente
nesta constatação: talvez a abordagem de certas questões exija um tipo específico de
retórica, uma que seja coerente com o que se quer dizer, valorizando a mensagem da
maneira que for, até mesmo através do impacto. Assim, talvez a violência seja impor-
tante narrativamente, na construção do discurso, mas não seja o discurso.
Em essência, o que estou dizendo não nega a possibilidade de ter a violência
nestes filmes como tema ou objeto de estudo, só lhe tira a centralidade. Pois, na verda-

52
de, o que afirmo não seria algo muito diferente do que Hikiji propõe com a “imagem-
violência”, exceto por ser fácil constatar que meu entendimento retira a carga metalin-
güística da violência apresentada nos filmes (empobrecendo-as analiticamente, talvez,
não nego), já que não as entendo como se pretendendo ser uma crítica ou reflexão em
relação a uma prática cinematográfica, mas sim e mais simplesmente como uma espécie
de recurso instrumental (talvez, até, “retórico”) mais concernente e coerente ao trata-
mento de uma questão “maior”. E a possibilidade de haver esta coerência e o que a de-
termina, finalizo, é só o que parece mesmo: uma hipótese. Pois não tenho condições
nem a pretensão de responder, aqui, a estas questões.

53
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FILMOGRAFIA

ASSASSINOS POR NATUREZA (Natural Born Killers). EUA, 1994.


CLUBE DA LUTA (Fight Club). EUA, 1999.
LARANJA MECÂNICA (A Clockwork Orange). Grã-Bretanha, 1971.
TAXI DRIVER (Idem). EUA, 1976.

56
FICHA TÉCNICA DOS FILMES35

ASSASSINOS POR NATUREZA (Natural Born Killers).


EUA, 1994.
Direção: Oliver Stone.
Roteiro: Richard Rutowski, Oliver Stone e David Veloz.
Fotografia: Robert Richardson.
Som: Robert Batha.
Edição: Brian Berdan e Hank Corwin.
Música original: Brent Lewis.
Diretor de arte: Margery Zweizig
Figurino: Richard Hornung
Elenco36: Woody Harrelson (Mickey Knox), Juliette Lewis (Mallory Knox), Tom Size-
more (Detetive Jack Scagnetti), Rodney Dangerfield (Ed Wilson, pai de Mallory), Edie
McClurg (mãe de Mallory), Russell Means (o índio), Tommy Lee Jones (Diretor War-
den Dwight McClusky) e Robert Downey Jr. (Wayne Gale).

CLUBE DA LUTA (Fight Club).


EUA, 1999.
Direção: David Fincher.
Roteiro (adaptação do livro homônimo de Chuck Palahniuk): Jim Uhls.
Fotografia: Jeff Cronenweth.
Som: Richard Hymns.
Edição: James Haygood.
Música original: John King e Michael Simpson (The Dust Brothers).
Diretor de arte: Chris Gorak
Figurino: Michael Kaplan
Elenco: Edward Norton (o Narrador), Brad Pitt (Tyler Durden), Helena Bonham Carter
(Marla Singer), Meat Loaf (Robert “Bob” Paulsen) e Zach Grenier (Richard Chesler, o
chefe do Narrador).

LARANJA MECÂNICA (A Clockwork Orange).


Grã-Bretanha, 1971.
Direção: Stanley Kubrick.
Roteiro (adaptação do livro homônimo de Anthony Burgess): Stanley Kubrick.
Fotografia: John Alcott.
Som: Brian Blamey.
Edição: Bill Butler.
Música original: Walter Carlos.
Diretor de arte: Russell Hagg e Peter Sheilds
Figurino: Milena Canonero
Elenco: Malcolm McDowell (Alex de Large), Patrick Magee (Sr. Alexander, o escritor),
Michael Bates (chefe dos guardas), Warren Clarke (Dim), Adrienne Corri (Sra. Alexan-
der, esposa do escritor), Carl Duering (Dr. Brodsky), Paul Farrell (mendigo), Clive
Francis (inquilino dos pais de Alex), Michael Gover (diretor da prisão), Miriam Karlin
(mulher dos gatos), James Marcus (Georgie), Godfrey Quigley (capelão do presídio),

35
Fonte: Internet Movie Database – IMDB, disponível em http://www.imdb.com/. Acessado pela última
vez em 06 de julho de 2007.
36
Somente serão listados os atores cujos personagens foram citados neste trabalho.

57
Sheila Raynor (mãe de Alex), Anthony Sharp (Ministro do Interior), Michael Tarn (Pe-
te) e Philip Stone (pai de Alex).

TAXI DRIVER (Idem).


EUA, 1976.
Direção: Martin Scorsese.
Roteiro: Paul Schrader.
Fotografia: Michael Chapman.
Som: Gordon Davidson, James Fritch, Sam Gemette e David M. Horton.
Edição: Tom Rolf e Melvin Shapiro.
Música original: Bernard Herrmann.
Diretor de arte: Charles Rosen
Figurino: Ruth Morley
Elenco: Robert De Niro (Travis Bickle), Cybill Shepherd (Betsy), Peter Boyle (Wizard),
Jodie Foster (Íris Steensma), Harvey Keitel (“Sport” Matthew) e Leonard Harris (Sena-
dor Charles Palantine).

58
ANEXO:
PROJETO DE MESTRADO

Como produto direto de minha pesquisa de Iniciação Científica, anexo o meu projeto de
mestrado (intitulado “Indivíduo e sociedade: mudanças de habitus e identidade na con-
temporaneidade através de alguns filmes escolhidos”), apresentado ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr.
Paulo Menezes, visando à seleção para o ingresso no ano de 2008. Tal projeto, preten-
do, dará continuidade e aprofundará as reflexões que acabo de apresentar por meio deste
relatório.

59

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