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A análise do filme, ou, por favor professor, eu quero uma receita para fazer crítica de cinema.
Lisandro Nogueira*
Quem gosta de cinema sempre se pergunta sobre a análise do filme. Como fazer? Existe um
método? Um comentário no jornal pode ser chamado de crítica? No texto acadêmico cabem
análise e interpretação?
Para começo de conversa temos que distinguir “Crítica” de “Análise”. Segundo Jacques
Aumont, a primeira tem a “dupla função de informação e de avaliação”; a segunda, tem por
objetivo “esclarecer o funcionamento e propor uma interpretação da obra artística”.
O que podemos vislumbrar são orientações e vários caminhos possíveis para uma
aproximação com o filme. O primeiro item a ser discutido é a relação do cinema com as
outras áreas do conhecimento.
Eu mesmo participei de inúmeros debates com psicanalistas que falam da psicanálise mas não
enxergam o filme. Fazem comentários extrafilme e utilizam os pressupostos de uma área
específica do conhecimento para “ver o filme”.
Não sou contra esse procedimento. Afinal, o cinema é uma prática social e pode e deve ser
usado para refletir sobre o mundo. Porém, não resta dúvida de que um psicanalista que busca
conhecer melhor o cinema, sua história e linguagem, vai enriquecer sua abordagem. Na
verdade, ele vai mesclar o extrafilme, que traz da psicanálise, com o seu cabedal
cinematográfico. Geralmente as análises feitas por Maria Rita Kehl e Jurandir Freire Costa
são próximas do que estou exemplificando.
Por outro lado, é extremamente desestimulante ouvir ou ler um psicanalista que não fala
sobre o filme. Ele descreve inúmeros personagens com um vocabulário psicanalítico distante
da forma cinematográfica. Raras vezes são psicanalistas bem preparados. Muitas vezes,
contudo, conquistam a plateia porque utilizam termos sedutores que vão ao encontro da
demanda afetiva das pessoas. Os bons psicanalistas são cuidadosos e tentam mesclar o
cinema com as teorias de Freud e Lacan.
Lembro-me também de uma aula na USP, no começo dos anos 90, sobre análise do
audiovisual. A professora era de uma simpatia sem tamanho. Ao mesmo tempo, seus
exemplos de análise, baseados em Greimas e Barthes (Barthes do anos 70 e não aquele dos
anos 80), eram terrivelmente equivocados. Brincávamos que bastava colocar o filme de
cabeça para baixo e estava pronta uma análise baseada em Greimas.
Dessa forma, para quem se pergunta sobre o “método” para a análise de filmes o melhor
mesmo é aproveitar algumas contribuições teóricas do cinema e de outras áreas do
conhecimento, gostar muito de ver e rever filmes, abusar da sensibilidade latente e lançar-se
na prazerosa tarefa da análise. Afinal, não há modelo ou receita para fazê-la.
Eu, por exemplo, utilizo três pilares: o comentário, a análise e a interpretação – oriundos dos
estudos literários. O professor Rubens Machado, da ECA-USP, trabalha com esses pilares. O
comentário pode ser dividido em dois ramos. O primeiro, denominamos comentário
extrafilme oriundo da informação. Essa é a atividade dos jornalistas. Geralmente reúnem
inúmeras informações (sobre o diretor, produção, detalhes do orçamento, marketing,
celebrização dos atores) e dão uma pitada de interpretação (opinião). É o que faz, por
exemplo, Isabella Boscov, crítica de cinema da revista Veja.
Lisandro Nogueira
A análise do filme propriamente comporta os três pilares: descrição (análise da obra
cinematográfica), comentário e interpretação. Conforme afirmei no post anterior, na
composição do texto os três se fundem, para constituir o que se denomina a análise do filme.
A apresentação separada dos três tem função exclusivamente didática.
Um artigo de jornal ou revista (dei o exemplo dos textos da Isabela Boscov da revista Veja)
comporta geralmente a interpretação (opinião jornalística) e o comentário. Não há a
descrição, que é a análise propriamente dita, pois o propósito é informar e fazer uma
avaliação, tendo em vista um objetivo mais imediato.
A análise do filme
O comentário pode ficar no plano da informação, como no caso do jornalismo que acabei de
exemplificar, mas pode também alçar-se ao plano do conhecimento. Diferentemente da
crítica, a análise do filme, segundo Jacques Aumont, tem por objetivo “esclarecer o
funcionamento e propor uma interpretação da obra artística”. Por isso, o comentário
extrafilme oriundo do conhecimento (sociologia, psicologia, história, psicanálise) difere do
comentário jornalístico.
Ele é um dos pilares da análise do filme porque contribui decisivamente para compreender o
funcionamento da obra e para interpretá-la. Não adianta apenas ter conhecimento de cinema
(história e linguagem) para fazer a análise. É importante e fundamental que o conhecimento
de quem a faz, resultado do acúmulo de longos anos de vivência e estudo, faça sentido e que
o ajude efetivamente a descrever e interpretar a obra.
Geralmente, peço ao aluno para “blocar” o filme. Isso significa separar a tabela em quatro
colunas. Ou seja, na primeira observar as sequências (cenas que comportam enquadramentos
e planos; planos que comportam os ângulos de filmagem), anotando o tempo (minutagem),
com um breve resumo do conteúdo (diálogos, vozes) e a indicação das alterações de
enquadramento, planos e cenas. Essa blocagem pode ser separada em quatro colunas,
deixando a mais à direita para breves anotações pessoais.
É um trabalho “chato”, conforme resmungam alguns alunos. Todavia, é o primeiro passo para
o sucesso da empreitada. Sem a blocagem o trabalho é ainda maior e o analista pode
encontrar sérios óbices mais adiante/lá na frente. Uma dica: feita a blocagem, fica fácil
recordar uma sequência importante, recuperar um diálogo determinante ou mesmo apreender
o “estilo” do cineasta.
A blocagem não precisa ser exaustiva (saturada e cheia de minúcias e detalhes), nos moldes
dos procedimentos estruturalistas dos anos 70. Na maior parte das vezes, os adeptos dessa
vertente teórica passaram a valorizar mais a “equação” do que o filme, daí a análise tornar-se
ser quase sempre ininteligível.
Após a blocagem, que só deve ser feita depois de ver o filme mais de uma vez, é hora de
iniciar a composição do texto.
00:00
RUA/ JIM-BEBADO
Câmara no chão
01:23
DELEGACIA/ JIM
PM/P. conjunto
02:11
DELEGACIA /JIM-JUDY
02:27
PC/PM/Campo-Contracampo/Close
05:23
DELEGACIA/JIM-PLATÃO SOLIDARIEDADE
06:28
DELEGACIA/JUDY-DELEGADO (p.c.)
Profundidade de Campo