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TEORIA GERAL DO

DIREITO CIVIL
CASOS PRÁTICOS
DE
APOIO ÀS AULAS
PRÁTICAS
II
2022/2023

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1.
A “Associação dos Cuidadores das Crianças” acolhe crianças de meios
económicos e sociais desfavorecidos, prestando-lhes apoio em variados domínios,
promovendo atividades desportivas, acompanhamento escolar e apoio psicológico.
Diana é uma das crianças que, desde a constituição da Associação, beneficia do seu
apoio. Na sequência de um trágico acidente de automóvel, os pais de Diana faleceram,
deixando-a órfã. Poderá a Associação adotar Diana?

2.
A é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de pronto-a-vestir e que
em 2018 celebrou o cinquentenário da sua actividade. No âmbito das comemorações
realizou um filme promocional que divulgou nas redes sociais. O filme obteve cerca de
100.000 visualizações.
Acontece que no filme, obtido através de um drone, se incluíam imagens da casa
de B. Tais imagens ocupam cerca de 20 segundos consecutivos num filme de 3 minutos
e foram captadas e divulgadas sem pedido prévio a B. Este último, desagradado com a
situação, enviou a A uma mensagem de correio electrónico, com o assunto “Uso
abusivo de imagem”, na qual reclama imediata reparação para os seus direitos.
(A partir do Acórdão do TRP, de 11/4/2019, relator Miguel Baldaia de Morais)
Pronuncie-se sobre a pretensão de B e sobre a tutela que o ordenamento jurídico
civil lhe pode, eventualmente, conceder.

3.
A Associação de apoio ao deficiente motor “Mobilidade” comprou a um dos
associados um terreno, com o objetivo de construir nele a sua nova sede.
a) Berta, interessada naquele negócio, moveu uma ação judicial contra a
“Mobilidade”, alegando que o negócio é inválido, pois a Associação não tinha
capacidade para o realizar. Quid iuris?
b) Quid iuris se a Associação “Mobilidade” comprasse o terreno com o objetivo de o
vender a Berta pelo dobro do preço e dividir os lucros pelos associados?

4.
A, tendo aceite uma oferta de trabalho no estrangeiro, decidiu vender todos os
seus bens antes de deixar o país. Assim, vendeu os radiadores e a caldeira do
aquecimento central de sua casa a B e, mais tarde, antes ainda de estes serem
desmontados, vendeu a própria casa a C e o seu recheio a D.
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B, um mês depois da venda da casa, apresentou-se no local, juntamente com um
técnico, a fim de desmontar os aparelhos do aquecimento central. C, no entanto, não
permitiu a entrada de B, dizendo que os ditos aparelhos eram seus. Perante o sucedido,
B pretende ser indemnizado por A, mas este defende-se dizendo que o contrato de
compra e venda do aquecimento central não foi validamente celebrado, na medida em
que não revestiu a forma de escritura pública exigida para bens imóveis. Por outro lado
C sente-se enganado porque julgava ter comprado a casa mobilada. No entanto, quando
a foi habitar, já D tinha retirado todo o recheio da casa.
Quid juris?

5.
Em Outubro de 2015 D, agricultor da zona do Dão, vendeu a E, produtor
vinícola, a sua colheita de uvas do ano seguinte. Entretanto, em Fevereiro de 2016, D
vendeu a sua quinta a F. Nesse mesmo ano, na época das vindimas, E vem exigir de F as
uvas que tinha comprado no ano transacto.
Quid juris?

6.
Em Março deste ano, A e B celebraram um contrato de resinagem relativo a um
pinhal de que o primeiro era proprietário na zona de Leiria. No entanto, antes que se
tivesse procedido à extracção da resina das árvores, o pinhal foi devastado por um
violento incêndio. Assim, B pretende que A lhe devolva o preço entretanto pago pela
resina. Terá êxito na sua pretensão?
(Cfr. Acórdão do STJ, de 23 de Abril de 1998, in Colectânea de Jurisprudência,
Acórdãos do STJ, VI, 2, 1998, pp. 46 a 49)

7.
Em março de 2019, a “Sobe e Desce – Elevadores, Lda.”, que se dedica ao
fornecimento e instalação de elevadores, celebrou com a “Construções Jaime Martins,
Lda.” dois contratos de fornecimento de dois grupos de elevadores, que foram
reduzidos a escrito, a instalar nos prédios "A" e "B", com 4 pisos cada, do complexo “X”
de Vila Nova de Gaia, que esta sociedade construía para revenda. Foi convencionado o
preço de 45.000 € por cada grupo de 2 elevadores, a pagar em 4 prestações e que a
propriedade dos elevadores e respetivos materiais se manteriam propriedade da “Sobe
e Desce – Elevadores, Lda.” até ao integral pagamento do seu preço. Esta forneceu e
instalou os elevadores, nos termos convencionados, mas a sociedade construtora não

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pagou, do preço convencionado, a importância de 15.000 €. Entretanto, o prédio “A” foi
alienado a Carlos e o prédio “B” a Daniela e a “Sobe e Desce – Elevadores, Lda.” vem
alegar que mantém a propriedade sobre os elevadores, seus componentes e materiais,
em virtude do seu não integral pagamento. Quid juris?
[Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/05/1993 (Eduardo
Baptista), in http://www.dgsi.pt]

8.
Filipa viveu durante 5 anos num imóvel arrendado de Guilherme. Durante o
período em que lá habitou, reparou a janela da cozinha, substituindo-a por uma nova,
em virtude de a original ter sido quebrada na sequência de um assalto de que foi vítima.
Devido ao receio que o assalto lhe causou, optou ainda por substituir a fechadura da
porta de entrada do imóvel por uma mais moderna e segura. Entretanto, instalou
também um painel de azulejos novo na cozinha. Uma vez findo o contrato de
arrendamento, Filipa entende que tem direito a uma compensação pelos investimentos
que fez no imóvel, à luz do disposto no art. 1074.º, n.º 5 que remete para os art. 1273.º e
1275.º, todos do Código Civil. Guilherme opõe-se. Quid juris?

9.
A é credor de B da quantia de 2.500 euros, em virtude de um empréstimo
realizado em favor deste último em Dezembro de 2018. Nada ficou acordado quanto ao
momento da devolução da quantia emprestada, tendo, no entanto, A, concordado com a
restituição da quantia em singelo.
Entretanto B, encontrando-se com sérias dificuldades económicas, doou a sua
casa a um seu filho e vendeu uns terrenos de que era proprietário a um seu empregado,
tendo sido acordado com este a devolução dos mesmos terrenos quando B se
restabelecesse financeiramente.
Terá A alguma possibilidade de agir contra estes negócios?

10.
a) Na sexta-feira, dia 6 de março, Hélia comprou, por 500 €, a Joaquim, titular de
uma papelaria, 50 dicionários de Língua Francesa, da edição de janeiro de 2020 da
Editora Z, para incluir na biblioteca do seu Instituto de Língua Francesa. Acordaram
que Joaquim entregaria os dicionários no estabelecimento de Hélia na segunda-feira,
dia 9 de março, ao início da manhã. Porém, durante o fim-de-semana, o estabelecimento
de Joaquim é assaltado. Parte dos 80 dicionários que ele tinha em stock são subtraídos e

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os que não são levados pelos assaltantes são destruídos. Não restando, na papelaria de
Joaquim, qualquer dicionário em bom estado, quid juris?
b) Imagine, antes, que Joaquim era um alfarrabista, Hélia uma colecionadora de
livros antigos, e a compra e venda respeitava a um exemplar da primeira edição de um
conceituado dicionário que se encontrava em exposição no interior da loja. Quid juris?
c) À luz das classificações dos negócios jurídicos estudadas, classifique o contrato
de compra e venda celebrado entre Hélia e Joaquim na alínea anterior.

11.
B, pretendendo comprar uma máquina de cortar relva eléctrica, enviou uma
carta nesse sentido à empresa C, especializada na venda de materiais de jardinagem
através de catálogo, especificando o modelo pretendido. A carta foi expedida, na
modalidade de correio azul, no dia 14 de Abril. Na noite do mesmo dia 14, aquando da
realização das suas compras mensais num hipermercado, B deparou-se com o mesmo
modelo de máquina de cortar a relva na secção de promoções, à venda por um preço
substancialmente inferior. Assim, pretendendo desvincular-se da encomenda efectuada,
enviou nessa mesma noite um fax para os escritórios da empresa C, considerando sem
efeito a sua carta de 14 de Abril. A pessoa encarregada de "despachar" as encomendas
tomou conhecimento do fax na manhã do dia seguinte, no início do expediente, antes
mesmo de receber a correspondência do dia, onde se incluía a carta de B. Poderá B
devolver a máquina encomendada quando, dias mais tarde, ela é enviada à cobrança
para a sua morada?

12.
No dia 12 de Abril A telefonou a B propondo-lhe a compra da sua mota da marca
BMW, com matrícula de 2010, pelo preço "de mercado". B respondeu imediatamente
"negócio fechado", ficando combinado que A iria buscar a mota à garagem X, onde ela
estava guardada, e que "levantaria" a chave na recepção da mesma garagem. No
entanto, quando A foi buscar a mota dois dias mais tarde, foi informado que a mota
tinha sido roubada na véspera, juntamente com outros veículos motorizados que se
encontravam na garagem. Perante esta situação, A entende não ter que pagar a quantia
de 2.000 euros que B lhe vem exigir, apesar de concordar que este era o preço
correspondente à antiguidade e estado de conservação da moto... se esta lhe tivesse sido
entregue.

13.
a) A recebeu no dia 10 de Abril uma carta de B pela qual este manifestava o seu
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desejo de lhe vender a sua casa de férias pelo preço de 200 mil euros e respondeu-lhe
uma semana mais tarde, via fax, mostrando-se disposto a pagar 170 mil euros pelo
imóvel.
Alguns dias depois, B enviou a A uma segunda carta dizendo que aceitava a sua
oferta e marcando a escritura pública de compra e venda para 15 de Maio.
No dia acordado, quando A compareceu no cartório notarial, tomou
conhecimento de que a casa de férias de B tinha entretanto sido vendida por este a C,
pela quantia de 190 mil euros. Quid iuris?
b) Supondo que, não obstante o contrato concluído com C, é celebrada a escritura
de compra e venda agendada para 15 de Maio e que A regista imediatamente a sua
aquisição (antes mesmo de C o fazer), diga que direitos assistem a A sobre o imóvel.

14.
1. A, pretendendo arrendar um apartamento de que era proprietário na zona de
Matosinhos, colocou para o efeito um anúncio num jornal de âmbito nacional,
indicando a área do imóvel, a sua localização e o preço pretendido. Perante as inúmeras
respostas recebidas, A decidiu colocar novo anúncio no mesmo jornal, exigindo uma
renda superior em 20% à indicada primeiramente.
Perante o sucedido, Z, cuja resposta foi a primeira a chegar à redacção do jornal,
vem reivindicar para si a condição de novo arrendatário da fracção, acrescentando,
porém, que apenas pagará a renda inicialmente publicitada. Terá razão na sua
pretensão?
2. E se, entretanto, A morre num acidente de automóvel, antes mesmo de
responder a Z?

15.
C, vizinho de D, constatou que este último tinha colado uma folha de papel no
vidro lateral do seu automóvel da marca Renault com a inscrição “Trata o próprio”
seguida de um número de telemóvel. Pretendendo adquirir um automóvel para as
férias e conhecendo o bom estado de conservação do Renault, logo telefonou para o
número indicado, oferecendo a quantia de 4.000 euros. D mostrou-se muito satisfeito
com a oferta e combinaram acertar os detalhes do pagamento no final da semana. No
entanto, quando C reencontrou D, este comunicou-lhe que tinha entretanto vendido o
carro a X, que lhe ofereceu 5.500 euros a pronto pagamento.
a) C não se conforma com a situação e alega que o carro é seu uma vez que o
vendedor tinha concordado com a oferta realizada. Quid iuris?

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b) Suponha, diferentemente, que foi C que, mais tarde, no momento em que D se
preparava para lhe entregar as chaves e a documentação do automóvel, veio dizer que
tinha mudado de opinião e que, afinal, já não precisava do carro. D, porém, pretende
haver de C o valor de 4.000 euros, devidos, no seu entender, em virtude do negócio
concluído. Terá êxito na sua pretensão?
c) Considere, por último, que C e D efectivamente acordaram na venda do
automóvel mas que Y, mulher de D, veio, algum tempo depois, exigir a restituição do
veículo, dado que não tinha sido consultada nem tinha autorizado o negócio. Diga se os
direitos de C poderão ser afectados por esta reivindicação de Y.

16.
A e B acordaram na celebração de um contrato pelo qual o primeiro venderia ao
segundo um imóvel de que era proprietário pelo preço de 100.000 euros. No entanto, na
escritura de compra e venda, o preço declarado foi apenas de 50.000 euros, pretendendo
desta forma A e B minorar as suas obrigações fiscais. Ainda assim, as partes redigiram
um documento particular, assinado por ambos, onde constava o real preço do imóvel e
através do qual A e B se comprometiam a não revelar as verdadeiras condições do
negócio e a não invocar qualquer invalidade a ele inerente.
B, porém, após o pagamento da quantia de 50.000 euros, declarou a A que "a sua
dívida estava liquidada" e nada mais lhe devia, como de resto decorria da própria
escritura pública. Poderá A, perante esta atitude de B, exigir a devolução do imóvel,
alegando a nulidade do contrato celebrado?

17.
B, correligionário político de C (titular de um cargo público), pretendendo
compensá-lo por diversos favores que este lhe prestou ao longo de vários anos de luta
partidária, resolveu oferecer-lhe um quadro a óleo de Amadeo de Souza-Cardoso,
pertencente à sua colecção particular. No entanto, pensando que este tipo de “atitudes”
poderiam ser vistas com desconfiança pelos partidos da oposição e pelo público em
geral, combinou com D, negociante de arte, realizar com este um “negócio fantasma”,
pelo qual lhe venderia o óleo em questão, devendo D, de seguida, realizar com C um
outro negócio do mesmo teor. Ficou acordado que nenhum preço seria pago aquando
destas transacções. Assim, em Fevereiro deste ano, B e D reduziram a escrito um
contrato de compra e venda do óleo de Souza-Cardoso. Porém, D, vendo-se na posse do
quadro e do título de aquisição respectivo, mudou de opinião e recusou-se a entregar o
quadro a C quando este, no dia acordado, se dirigiu ao seu estabelecimento a fim de
“levantar” o quadro.
Diga de quem seria a propriedade do quadro tendo em conta que, entretanto, D
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o vendeu a E.

18.
D é titular de um vasto património imobiliário e, no ano de 2017, vendeu dois
terrenos com viabilidade de construção em altura à sociedade “Imobiliária do Douro,
SA” pelo valor de 800.000 euros. Já durante este ano, E, filho de D, tendo tomado
conhecimento do negócio, veio arguir a sua anulabilidade. E alega que a sua
autorização seria necessária uma vez que F, seu irmão, é sócio maioritário da
“Imobiliária do Douro, SA”.
Diga se E terá alguma possibilidade de reagir contra o negócio.

19.
F casou em Agosto de 2015 com G, o qual era conhecido pela sua moral
conservadora, razão pela qual F lhe ocultou alguns factos ocorridos durante a sua vida
de solteira. G veio, no entanto, a falecer precocemente em Dezembro de 2017, em
consequência de um acidente de viação. Alguns meses antes F havia sido abordada por
um seu antigo condiscípulo, H, que exigira que ela lhe doasse um barco de recreio, sob
pena de contar a G factos da vida passada de F, designadamente o facto de ela ter
vivido maritalmente com I durante vários anos. F acedera prontamente às exigências de
H e em Julho de 2017 comprara a J um barco de recreio usado, que imediatamente
doara e entregara a H. Porém, para que o seu marido de nada desconfiasse, F havia
convencido J a fingir uma compra e venda com H, de modo a que, embora sendo ela a
pagar o preço acordado, não figurasse como interveniente no negócio que J e H
reduziram a escrito.
F pretende hoje reaver o barco que doou a H, pelo que, já em Janeiro deste ano,
instaurou a competente acção.
Terá F êxito na sua pretensão? A solução seria a mesma se o objecto do negócio
tivesse sido um terreno?

20.
A, pai de C, vivia maritalmente com B há já vários anos num apartamento de que
o primeiro era proprietário quando lhe foi diagnosticada uma doença fatal. Pouco
tempo depois, celebrou com D, filha de B, um contrato de compra e venda, mediante
escritura pública, do referido imóvel pelo preço de 85.800 euros. O preço em causa
nunca chegou a ser pago, uma vez que A pretendia beneficiar B, que dele cuidou
durante a sua doença.

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Após a morte de seu pai, C, seu único herdeiro, veio propor uma acção pedindo
que seja declarada nula a compra e venda de imóvel identificado, celebrada entre A e D,
“por ter sido celebrada com simulação absoluta e, em consequência, restabelecida a
situação pré-existente à data da celebração do referido contrato, devendo, para o efeito,
o imóvel voltar a pertencer à herança por morte do referido C e rectificar-se o registo
predial em conformidade”.
[Acórdão do STJ de 21.02.2019 (Nuno Pinto de Oliveira), in <www.dgsi.pt>]
Diga se C terá êxito na sua pretensão.

21.
B, toxicodependente, durante uma crise de privação de consumo, assalta a casa
de A e, imobilizando-o, obriga-o a assinar declaração de venda do seu automóvel sob
ameaça de agressão a F, mulher de A.
Posteriormente, entrega o automóvel a C, “dealer”, em troca de algumas doses
de heroína. Ao tomar conhecimento da localização do automóvel, A intentou acção cível
com vista à recuperação do automóvel.
Pronuncie-se sobre a validade dos negócios em causa e sobre a viabilidade da
pretensão de A.

22.
X, especialista em filatelia e coleccionador de selos raros, sabendo que Z, seu
habitual fornecedor, dispunha de um selo que há muito tempo procurava, decidiu-se a
adquiri-lo imediatamente, antes que outros coleccionadores tivessem conhecimento da
sua existência. No entanto, não podendo deslocar-se pessoalmente ao estabelecimento
de Z, pediu ao seu amigo W que o fizesse, dando-lhe instruções precisas quanto ao selo
a adquirir: um selo "D. Maria II" de 1853. W, uma vez no estabelecimento de Z, pediu-
lhe "o selo raro de 1953, com a D. Maria II, para o Sr. X". Z, embora estranhando o
pedido de X, uma vez que o selo em causa (uma edição comemorativa da edição do selo
de facto pretendido por X) era bastante vulgar, limitou-se a cumprir com o pedido.
Poderá X, uma vez descoberto o engano, "desfazer" o negócio?

23.
Em Janeiro de 2010, A adquiriu a B uma pintura a óleo intitulada “Pôr do Sol”,
da qual constava, no canto inferior direito, manuscrito, “José Malhão/1919”. No
momento da entrega da obra foi imediatamente pago o preço acordado de vinte e cinco
mil euros.
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Alguns meses mais tarde, quando A confiou a pintura a um galerista para lhe ser
colocada uma nova moldura, este levantou algumas reservas sobre a autenticidade do
quadro, o que levou A a solicitar um exame pericial do mesmo ao Instituto Português
do Património Cultural. Tendo esta entidade concluído, em Novembro do mesmo ano,
que a obra em causa não era da autoria do pintor José Malhão. Apercebendo-se, então,
A de que o valor comercial do quadro não ultrapassava os cento e cinquenta euros,
pretende agora de B a devolução do preço pago acrescido dos juros entretanto vencidos.
B, por sua vez, alega que também ele desconhecia a falsidade da pintura, sendo
certo que esta se encontrava em depósito no Museu José Malhão até ser adquirida por A
e que, inclusive, o mesmo museu por diversas vezes se tinha interessado pela sua
aquisição.
Quid juris?
(Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 9 de Maio de 1994, in Colectânea de
Jurisprudência, III, 1994, pp. 194 a 197).

24.
Em Agosto de 2016, A celebrou com B um contrato de compra e venda, mediante
escritura pública, de um terreno com 2.000 m2.
Alguns meses mais tarde, depois de ter solicitado aos serviços camarários
competentes uma licença de construção com vista à edificação de uma moradia no local,
A foi informado por estes serviços de que o terreno em causa se encontrava situado na
“Reserva Ecológica Nacional”, concretamente numa “Área de Salvaguarda Restrita”,
onde não era admitida a construção de moradias para habitação própria.
Perante esta informação, A sente-se enganado por B e pretende reaver dele o
preço que pagou pelo imóvel. B, no entanto, alega que embora soubesse que A
procurava um terreno para construir, pensava que ele não desconhecia o facto de o
terreno estar integrado na “Reserva Ecológica Nacional”, imaginando que A iria aí
construir a sua moradia clandestinamente.
Quid juris?
(Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 1999, in
<http://www.dgsi.pt>).

25.
A, convencido de que sofria de uma grave doença que em breve o vitimaria,
decidiu dispor do seu património ainda em vida a favor dos únicos parentes que tinha:
os seus dois sobrinhos B e C. Depois de uma reunião em sua casa em que pôs B e C ao
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corrente do seu estado terminal, deslocaram-se ao cartório notarial onde foram
celebradas as escrituras públicas de doação de uma moradia na Avenida da Boavista e
de uma quinta no Minho a favor de B e de C, respectivamente.
Algum tempo depois, A realizou novos exames médicos que revelaram a
inexactidão do primeiro diagnóstico. Perante a expectativa de muitos anos de vida, A,
verdadeiramente “renascido”, pretende reaver as suas propriedades.
Poderá A reaver, efectivamente, os imóveis doados?

26.
A é cliente do banco X há vários anos.
Em Outubro de 2012, porém, após vários contactos do seu gestor de conta B,
procedeu à conversão de um depósito a prazo, no valor de 100.000 €, em obrigações
daquela instituição bancária. Nos vários contactos que manteve com o gestor de conta,
A foi informado apenas de que as obrigações representavam um “empréstimo a um
banco com mais de 150 anos” e eram um “produto financeiro seguro e muito
vantajoso”.
Acontece que A, pretendendo, em Janeiro de 2018, proceder ao levantamento de
100.000 €, verificou que, afinal, o “produto” que havia adquirido tal não lhe permitia,
uma vez que o vencimento das obrigações só ocorreria em Outubro de 2019.
A sente-se assim defraudado nas suas expectativas e enganado e pretende reaver
de imediato o montante em causa e terminar a relação com o banco X.
1. Pronuncie-se sobre a(s) possibilidade(s) de efectivar a sua pretensão.
2. Suponha que B, deliberadamente e sem o conhecimento do banco, tentou
enganar A, acerca das características das obrigações, com o intuito de prejudicar a
empresa. Que alterações introduziria na resposta anterior à luz deste facto?
(A partir do Acórdão do STJ, de 18/01/2018, relator Roque Nogueira)

27.
G, comerciante, perante a ameaça de H (a quem G deve várias centenas de
milhares de euros) de requerer ao tribunal competente a sua insolvência, concorda em
vender ao mesmo H o seu automóvel da marca Jaguar pelo preço de cem euros. Algum
tempo mais tarde, depois de ter pago integralmente a sua dívida a H, G pretende reaver
o automóvel alienado. Poderá fazê-lo? Quid juris se G opta antes por receber de H o
preço acordado (tendo em conta que este não tinha sido pago no momento da conclusão
do contrato)?

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28.
D, antiquário, convenceu E a vender-lhe alguns livros da biblioteca que havia
herdado de um seu avô dizendo-lhe que, apesar do seu escasso valor (não mais de 100
€, assegurou), estava disposto a pagar-lhe o dobro dessa quantia pela sua antiguidade e
por ser um curioso das matérias tratadas.
Alguns dias antes de o negócio se concretizar, E recebeu um telefonema de F
ameaçando-o fisicamente, prometendo “partir-lhe as pernas” caso não vendesse os
referidos livros a D.
E ignorou as ameaças de que foi alvo mas, ainda assim, decidiu ir avante com o
negócio, considerando o preço oferecido por D muito vantajoso.
Um ano mais tarde, E tem conhecimento de que F tinha entretanto adquirido os
livros em causa a D por um valor elevadíssimo, visto tratarem-se de algumas primeiras
edições de tratados clássicos de direito.
1ª Hipótese: E, pretendendo reaver os livros vendidos, intenta uma acção judicial
com fundamento no comportamento de F.
2ª Hipótese: E alega ter sido enganado por D.
Quid iuris?

29.
A, encontrando-se crivado de dívidas e sendo constantemente pressionado pelos
seus credores para pagar, resolveu pedir ajuda a um seu amigo de infância, B. Numa
conversa mantida pelo telefone, B disponibilizou-se a emprestar a A a quantia por ele
pedida para fazer face a uns juros de que era devedor e que entretanto se venciam.
a) Diga em que momento se poderá considerar celebrado um contrato de mútuo
entre A e B.
b) Supondo que B só fingiu aceder ao pedido de A porque o viu tão desesperado
que temeu que este atentasse contra a própria vida — mas que nunca foi sua intenção
emprestar-lhe qualquer quantia —, pronuncie-se sobre as possibilidades que A tem de
obter de B o cumprimento da sua promessa, indicando, por outro lado, os argumentos
que B poderá aduzir para obstar ao seu cumprimento.
c) Suponha, por último, que B efectivamente adiantou a A a quantia por este
solicitada e que, como contrapartida, A concordou em vender a B a produção de vinho
verde que vier a obter este ano numa pequena vinha que ainda lhe resta na região de
Mondim de Basto. Caracterize o contrato celebrado entre A e B e identifique o momento
da transmissão do direito real sobre a produção vinícola objecto do contrato.

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30.
1. Por ocasião da recente visita do Papa Bento XVI ao Porto, A contratou com B,
mediante o pagamento de uma avultada quantia, a possibilidade de utilizar a varanda
de um apartamento deste último a fim de assistir às cerimónias religiosas agendadas
para esta cidade. Verificou-se, no entanto, que no dia previsto para o efeito foi negado a
A o acesso ao prédio de B pelos agentes da polícia responsáveis pela segurança da
cerimónia, tendo A sido informado no local que toda aquela zona tinha sido evacuada
conforme tinha sido atempadamente comunicado aos moradores logo que foi
anunciada a visita Papal. Desiludido, A pretende conseguir de B a devolução da quantia
já paga pela utilização da varanda. Quid iuris?
2. A situação alterar-se-ia se, diferentemente, as cerimónias em causa tivessem
sido canceladas face à impossibilidade de deslocação do Papa em virtude da nuvem de
cinza que afectou o tráfego aéreo?

31.
D adquiriu uma cómoda num leilão de antiguidades por 5.000 euros. No
catálogo previamente distribuído aos assistentes, a cómoda vinha descrita como
“Cómoda do séc. XIX; pau-santo com embutidos; base de licitação: 3.500 euros”. O
preço foi imediatamente pago no final do leilão, e a cómoda foi entregue em casa de D
no dia seguinte.
Alguns dias mais tarde, quando D levou a cómoda a um especialista para fazer
um pequeno restauro, foi informado por este de que a cómoda não era, na realidade, de
pau-santo mas sim de castanho pintado. Indignado, D confrontou, de imediato, E,
leiloeiro, com esta realidade. E limitou-se, no entanto, a alegar que desconhecia por
completo tal facto, acrescentando que ele próprio tinha adquirido o móvel em causa na
convicção de que se tratava de pau-santo.
a) Caracterize o processo contratual encetado por D e E e diga em que
momento se considera celebrado o contrato de compra e venda.
b) Poderá D reaver o montante pago, tendo em conta que havia muito tempo
que havia pedido a E que o informasse sempre que surgissem no mercado móveis de
pau-santo, de que era grande apreciador, nunca tendo adquirido na leiloeira em causa
mobiliário com características diferentes?

32.
A vendeu a B um automóvel da marca Mercedes em segunda mão por 28.000€. O
veículo havido sido importado da Alemanha e apresentava uma quilometragem de
85.000kms. O aspecto geral da viatura era bom e B pagou o preço a pronto. A emitiu a
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seguinte “Declaração”:
Declara, sob compromisso de honra, sem quaisquer reservas e para todos os devidos e
legais efeitos, ter procedido, no dia 20-12-14, à venda de um veículo automóvel a … B … pelo
preço de € 28.000,00, importância que recebeu deste, da qual lhe dá a correspondente quitação.
Mais declara que, à data da referida venda B, o veículo apresentava uma quilometragem
de cerca de 85.000 Kms.
Por ser verdade e corresponder à sua vontade, vai a presente declaração ser datada e
assinada, em sinal de plena e total concordância com o seu teor.
Porto, 20-12-2014”.
Algum tempo mais tarde, tendo B mandado fazer uma revisão ao carro durante
uma viagem à Suíça, o funcionário da Mercedes de Lausanne efectuou uma busca
informática ao histórico do veículo e verificou que este, numa intervenção mecânica
realizada em 28-11-13, na Alemanha, apresentava no conta-quilómetros uma contagem
de 138.410kms.
B vem agora exigir a devolução do preço pago dizendo que nunca teria
comprado o carro se conhecesse o seu verdadeiro estado, correspondente a um preço de
não mais do que 17.500€. A argumenta, porém, que quando importou o carro este
“marcava” 79.000kms e que nunca desconfiou que o conta-quilómetros pudesse ter sido
alterado.
Diga se B terá êxito na sua pretensão.
[Ac. do STJ de 28.04.2016 (Abrantes Geraldes), in <www.dgsi.pt>]

33.
A e B viveram maritalmente durante 23 anos num apartamento adquirido pela
primeira com recurso ao crédito à habitação. A partir de um dado momento B começou
pedir a A que colocasse metade da fracção em seu nome dizendo-lhe que ou A
outorgava a escritura pública de transmissão de metade da fracção ou a abandonava. A
acabou por ceder à pressão de B e, mediante escritura pública, A e B outorgaram o
contrato de compra e venda através do qual esta declarou que “pelo preço de trinta mil
euros vend[ia] (...) metade indivisa da fracção com um aparcamento (…)”, e que “já
recebeu do comprador o citado preço”. B não entregou, porém, a A o preço referido na
escritura.
Um ano mais tarde A e B separaram-se e B vem propor uma acção de divisão de
coisa comum, que A contesta dizendo que “o contrato de compra e venda invocado
pelo autor com vista à presente acção de divisão de coisa comum, (foi) simulado, para
enganar os filhos da ré, e que esta assinou, (...) com medo e receio de que o mesmo a
abandonasse”.
14
Tendo em conta a factualidade descrita, pronuncie-se sobre a viabilidade da
pretensão de B.
[Acórdão do STJ de 11.04.2013 (Hélder Roque), in <http://www.dgsi.pt>]

34.
A encomendou a B a compra de 500 acções ao portador do Banco X. B, uma vez
que ele próprio era titular de uma grande quantidade de acções de X, e que as pretendia
vender, nomeou C seu substituto, combinando com ele a venda das acções. Assim, C
comprou a B, em nome de A as 500 acções do Banco X.
Pronuncie-se sobre a validade deste negócio.

35.
D, natural de Lisboa, tendo obtido transferência da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra para a Faculdade de Direito da Universidade do Porto, e
pretendendo encontrar alojamento nesta última cidade, pediu à sua colega E para o
ajudar nesta procura. E, apesar de o ano lectivo já estar a decorrer, conseguiu encontrar
um quarto vago num apartamento propriedade de F. Este, no entanto, não foi
esclarecido de que o quarto não era para E, mas sim para D, pelo que quando o mesmo
D se apresenta no local, pretendendo ocupar o quarto, F não permite a sua entrada.
Terá F razão nesta sua atitude? Poderá ele exigir a renda acordada a E?

36.
F, galerista, e G, coleccionador de arte, concluíram um contrato pelo qual o
segundo comprou uma fotografia de grandes dimensões de um renomado artista
plástico nacional. F actuou em nome de X, que lhe tinha confiado em tempos a venda da
obra. Não obstante, X havia entretanto mudado de opinião quanto à venda da fotografia
e, algum tempo antes do negócio, tinha informado F disso mesmo e pedido a devolução
da obra. A fotografia foi entretanto entregue na casa de G.
Terá X alguma hipótese de reaver o trabalho em causa?

37.
A encarrega B, seu filho de 17 anos, de comprar uma enciclopédia "do reino
animal e vegetal". B, estudioso das ciências da natureza, escolheu a obra que entendeu
mais reputada na matéria depois de analisar as diferentes opções existentes na livraria
de C, habitual fornecedor de A. A enciclopédia em 10 volumes foi entregue na casa de
15
A, tendo B pedido a C para somar o preço respectivo "à conta" de A na livraria, uma vez
que a enciclopédia era para A e essas tinham sido as instruções dadas pelo seu pai (A
liquidava no fim de cada mês os montantes em débito na livraria). No entanto A, tendo-
se entretanto desinteressado do estudo da natureza, recusa-se a pagar quando C no fim
do mês em questão lhe apresenta a conta correspondente, argumentando que a compra
foi efectuada pelo seu filho e por isso nem sequer é válida, uma vez que este ainda não
completou 18 anos de idade.

38.
A e B, encontrando-se com dificuldades financeiras, resolveram vender um
terreno de que eram proprietários. C, informado por um amigo comum, mostrou-se
interessado na compra e acabaram por acordar o preço de €500.000. Entretanto C
solicitou um empréstimo bancário para pagamento do preço, empréstimo que lhe foi
negado. No entanto, C convenceu A e B que esse empréstimo seria facilmente obtido se
estes o nomeassem seu procurador para a venda do imóvel, podendo, de seguida, ser
marcada a escritura pública de compra e venda.
Assim, a 23 de Setembro de 2016, A e B compareceram no Cartório Notarial,
juntamente com C, e emitiram a seu favor uma "Procuração irrevogável" com o seguinte
teor:
"A e B constituem seu bastante procurador C a quem conferem os poderes
necessários para prometer vender, vender, alugar a quem entender pelo preço e
condições que entender convenientes um prédio denominado XX, com a possibilidade
de substabelecer (...). O procurador poderá celebrar negócio consigo mesmo (...) ficando
dispensado de prestar contas aos representados pelo exercício e cumprimento desta
procuração. A presente procuração é também emitida no interesse de C, e por
conseguinte irrevogável e não caduca por morte ou incapacidade dos representados".
Entretanto C celebrou um contrato-promessa com D de compra e venda do
mesmo imóvel e, de seguida, substabeleceu no mesmo D os poderes que lhe foram
conferidos na procuração.
Em 1 de Julho de 2017, foi realizado um "Aditamento ao Contrato Promessa de
Compra e Venda", pelo qual D, por si e na qualidade de procurador substabelecido de
C, declarou aditar ao contrato promessa a seguinte cláusula: "A escritura pública de
compra e venda será outorgada, em qualquer Cartório Notarial, até o dia 31 de
dezembro de 2020, data em que se presume estarem emitidos e reunidos todos os
documentos necessários à realização de tal acto público". Com base nesta promessa, a
aquisição da propriedade foi inscrita no registo predial em nome de D, a título
provisório.
A e B querem agora anular o contrato-promessa em causa bem como a
16
procuração outorgada com fundamento em erro, nos termos do art. 247° do CC.
Quid iuris?

39.
A, solteiro, titular de uma grande fortuna, decidiu doar um solar do século XIV,
que havia herdado dos seus avós, ao seu sobrinho e afilhado B. A, no entanto pretende
condicionar a doação à residência de B no solar, bem como ao seu casamento com C,
filha de um seu grande amigo de infância.
- Poderá a escritura de doação ser lavrada com este conteúdo?
- E se A pretendesse sujeitar a doação à exigência de B nunca vender o imóvel a
D, seu inimigo visceral, que por várias vezes mostrara já interesse em o adquirir? Seria
esta cláusula válida?
- Supondo que A efectivamente doou o imóvel a B, introduzindo, no entanto, no
contrato esta última cláusula referida, diga se o mesmo A poderá exigir o solar de volta
quando, dois anos mais tarde, toma conhecimento que o seu sobrinho o vendera a D
por uma soma considerável.

40.
Em Maio de 2018 A ofereceu a B, seu filho, um automóvel. B era um ex-
toxicodependente e A avisou-o de que o automóvel deixaria de ser seu se nos 5 anos
seguintes B “voltasse às más companhias e ao consumo de drogas”. B passou de
imediato a utilizar o automóvel.
Em Novembro de 2018 B vendeu o automóvel a C. A, acreditando que B voltou
ao mundo das drogas e que a venda do automóvel se destinava já a custear o seu vício,
exigiu a sua devolução imediata e ofereceu-o ao seu filho mais novo.
1ª hipótese: De facto B não recuperou da sua dependência, voltando a consumir
drogas a partir de Fevereiro de 2019, tendo ingressado num centro de desintoxicação
em Abril último.
2ª hipótese: B estava sob o efeito de estupefacientes quando contratou com C.
3ª hipótese: B recuperou completamente, tendo A criado a convicção do contrário
por o ver frequentemente acompanhado de D, também toxicodependente, mas em fase
de recuperação.

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41.
A herdou uma quinta no Alto Minho com um solar e uma capela particular
bastante degradados e a precisar de um restauro profundo. Uma vez avaliados os
custos da respectiva obra, e vendo-se A sem possibilidades económicas para arcar com
a despesa por inteiro, não hesitou quando recebeu uma proposta de compra da capela,
por um preço bastante alto, vinda do pároco local. Apesar de ser intenção inicial de A
manter aquele património na família, pareceu-lhe que o sacrifício da capela seria um
custo menor que permitiria salvar o imóvel principal, para além de proporcionar um
novo local de culto à freguesia.
Algum tempo após a outorga da escritura de compra e venda do imóvel, A
constata, no entanto, que este está a ser usado como garagem para o automóvel do
pároco, não manifestando este último qualquer intenção de a restaurar ou sequer abrir
ao culto.
A, sentindo-se ultrajado com a atitude do padre, pretende “desfazer” o negócio,
argumentando que se soubesse da sua intenção nunca lhe teria vendido a capela.
Quid iuris?

42.
B e C venderam um terreno ao Município onde este se situava estabelecendo-se
no contrato que o local se destinava a acolher a feira mensal da região. O terreno estava
localizado numa zona muito central e as partes introduziram no contrato uma cláusula
de acordo com a qual a utilização do terreno para um fim distinto dava direito aos
vendedores recuperarem o imóvel. Quando a Câmara Municipal decidiu transferir a
feira mensal para um parque municipal de exposições e deu início à construção de
blocos de apartamentos no terreno, B e C intentaram uma acção com vista à recuperação
do prédio em causa. Qual deverá ser o fundamento da referida acção?
[Cfr. Acórdão do STJ de 19/10/2004 (Araújo Barros), in http://www.dgsi.pt]

43.
A, tendo completado 80 anos, doou todo o seu vasto património imobiliário ao
seu primo B, ficando estipulado no contrato que este último lhe deveria pagar uma
pensão mensal de mil euros. Durante o primeiro ano posterior ao contrato B cumpriu
com a obrigação assumida mas, no início do segundo ano, deixou de pagar alegando
que o seu primo ainda tinha ficado com um conjunto muito valioso de móveis que
poderia sempre vender.
A, muito magoado com a atitude do primo B, vem intentar uma acção com vista

18
à devolução das suas propriedades com fundamento nos arts. 270º e 276º do Código
Civil. Terá êxito na sua pretensão?

44.
C, pretendendo adquirir um terreno agrícola para iniciar um negócio de
agricultura biológica, foi convencido por D, procurador de E, de que um terreno de que
este era proprietário em Paredes reunia as condições ideais para o efeito. Numa visita
ao local o terreno encontrava-se, inclusive, alagado, tendo D explicado que “a água era
tanta que teria que ser encanada para não invadir as plantações”. Celebrado o negócio,
C vem a descobrir que o terreno não dispunha de qualquer fonte de irrigação e que D
mandava vir uma cisterna de água sempre que algum interessado visitava o local.
1. Que direitos assistem a C?
2. Diga o que poderá C fazer quando souber que afinal D nem sequer tinha uma
procuração de E para vender o dito terreno.

45.
C é uma sociedade comercial e dedica-se à mediação e angariação imobiliária. D
foi advogada e procuradora de C a quem esta, a 22 de Março de 2016, outorgou uma
procuração nos termos da qual lhe conferia, entre outros, "poderes para
individualmente, comprar, vender, permutar, bem como prometer comprar, prometer
vender e prometer permutar as fracções autónomas do prédio X, estipulando as
cláusulas e condições que entender convenientes, e, bem assim, receber as respectivas
importâncias, em dinheiro ou tituladas por cheque bancário, que pertençam à
sociedade, por qualquer via ou título, passando recibos e dando quitação".
D, munida da procuração que lhe foi conferida, e sem o conhecimento de C,
celebrou com E um contrato de compra e venda de quatro fracções autónomas, pelo
preço de 600.000€. E, porém, nada pagou a D, uma vez que tinham combinado mais
tarde repartir os lucros da revenda das fracções.
Diga se C poderá exigir de E o pagamento do preço estabelecido.
Poderá C, em alternativa, “desfazer” o negócio concluído entre D e E com base
no testemunho de Y, que conhecia o acordo secreto que estes haviam estabelecido?

46.
C prometeu, numa conversa mantida com o seu único filho, D, doar-lhe uma
vivenda de que era proprietário na zona das Antas se este casasse com E, uma parente
afastada da sua mulher. D veio a casar algum tempo mais tarde com E e a escritura de
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doação do imóvel foi lavrada de seguida sem qualquer menção ao casamento.
Volvidos alguns meses, D e E divorciaram-se e D assumiu uma relação
homossexual mantida com X há já muitos anos.
1. C, profundamente abalado com os acontecimentos, vem exigir o prédio de
volta. Terá êxito na sua pretensão?
2. Supondo a factualidade do caso anterior, diga quem é o titular do direito de
propriedade sobre o imóvel atendendo à seguinte hipótese:
Antes mesmo de intentar qualquer acção com vista à devolução do prédio, C não
hesita em aceitar uma oferta de F pela sua aquisição, celebrando com ele um contrato de
compra e venda mediante documento particular autenticado. F, verificando que o
prédio se encontrava inscrito no registo predial em nome de C, regista de imediato a
sua aquisição.

47.
C entregou à sua afilhada D a quantia de 30.000€, correspondentes às poupanças
de uma vida de trabalho, a fim de D fazer obras em sua casa e construir um novo quarto
para albergar C e lhe proporcionar habitação e agasalho no seu agregado familiar para o
resto da sua vida. Volvidos 2 anos, C continua a viver num lar e pretende obter o
dinheiro de volta. Quid iuris?

48.
E doou ao seu filho, F, dois imóveis “com a condição de o donatário cuidar da
doadora na saúde e na doença, com todos os cuidados próprios à sua idade,
designadamente no que disser respeito à sua alimentação, vestuário, tratamentos
médicos, farmacêuticos e hospitalares, reservando a faculdade de considerar resolvida a
doação feita ao donatário faltoso”. O donatário aceitou aquela doação sujeita àquele
encargo e com aquela faculdade de resolução. Porém, F “não cumpriu o seu dever de
prestar, pois não cuida da doadora nem quando esta está de boa saúde nem quando
está doente, nem lhe presta os cuidados próprios da sua idade, não lhe fornece nem a
auxilia na alimentação, e não acompanha nem financia os tratamentos médicos,
farmacêuticos e hospitalares de que a autora vai tendo necessidade”. Entretanto F, por
sua vez, doou os dois prédios às suas duas filhas.
E pretende agora reaver os prédios doados com fundamento no abandono de F,
propondo uma acção para o efeito.
[Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2.04.2019 (Moreira do Carmo),
in <www.dgsi.pt>]

20
Quid iuris?

49.
Entre a sociedade imobiliária A e o Município B foi celebrado um contrato de
permuta, tendo por objecto três lotes de terreno para construção, no valor aproximado
de 17.000 € cada.
Desse mesmo contrato constava a seguinte cláusula: “o incumprimento do prazo
previsto para a entrega do último lote de terreno [30 de Setembro de 2017], por parte do
Município B, confere a A o direito de exigir do mesmo Município, em substituição dos
referidos lotes, uma indemnização no valor de €150.000, bastando que para tal remeta
comunicação nesse sentido, por carta registada a B”. Por vicissitudes várias, o
Município não cumpriu o prazo acordado e A exigiu o pagamento da quantia de
€150.000.
Os serviços jurídicos de B, reconhecendo embora o incumprimento, pretendem
apenas pagar o valor do lote de terreno ainda não entregue a A.
1. Terá viabilidade esta sua pretensão?
2. Suponha que o incumprimento de B foi devido a devastação provocada por
um grande incêndio florestal na região. Que alterações introduziria na resposta anterior
à luz deste facto?
(A partir do Acórdão do STJ, de 03/11/2015, relator Júlio Gomes)

50.
1. No dia 20 de Abril de 2016 A e B celebraram um contrato-promessa de compra
e venda de uma fracção autónoma X, correspondente ao rés do chão com logradouro,
destinado a habitação, do prédio urbano W em regime de propriedade horizontal, sito
na Freguesia Z. A, promitente comprador, vem a verificar mais tarde que o referido
logradouro não é de uso exclusivo da fracção X mas sim uma parte comum do imóvel,
de uso comum de todos os condóminos. Tendo-se decidido pela compra daquele
imóvel pelo facto de este compreender um logradouro, que pensou ser de seu uso
privativo, A não compareceu na escritura pública de compra e venda marcada para o
dia 6 de Junho de 2016. A enviou, entretanto, um email a B declarando resolver o
contrato-promessa com fundamento em incumprimento da contraparte. B, por sua vez,
pretende accionar judicialmente A pelo incumprimento do contrato-promessa.
Quid iuris?
2. Suponha que A e B celebraram um contrato-promessa de compra e venda de
uma fracção autónoma de um imóvel destinada a habitação. A pretendia realizar
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algumas obras no imóvel, tapando um logradouro de uso exclusivo da fracção, de
modo a aumentar a sua área útil, tendo solicitado o licenciamento da obra em causa. As
partes acordaram verbalmente que a celebração do contrato de compra e venda
dependeria da aprovação das obras, embora nada tenha sido previsto nesse sentido no
contrato. Tendo em conta que as referidas obras não foram aprovadas e que A perdeu o
interesse na compra do apartamento, diga se este se poderá desvincular da obrigação
assumida.
A situação alterar-se-ia se no contrato-promessa tivesse sido expressamente
ressalvado que a marcação da escritura de compra e venda ficaria dependente da
possibilidade de realização das obras?

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