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Recensão Crítica do Texto “Por que é tão difícil democratizar a

gestão da escola pública?” do autor Licínio C. Lima

Pedro Catarino Vasquinho


A pergunta que enforma o artigo evidencia, desde já, que o autor sugere que a
democratização da gestão da escola pública é uma utopia, difícil de alcançar e irrealizável, apenas
existente no plano teórico, e que não se concretiza efetivamente (a nível prático). Tal como indica
no título, a problematização da democratização da gestão da escola pública. O autor, segundo o
artigo, revela várias características que na sua perspetiva tem bastante impacto na gestão escolar
da atualidade. Inicia a sua introdução por divergir entre duas perspetivas antagónicas: por um lado
asseguram-nos que esta democratização se encontra “empiricamente concretizada”, porém em
termos práticos resulta numa admissão de várias dificuldades na sua consecução. Numa segunda
perspetiva, o autor refere-nos que há uma impossibilidade nesta concretização democrática pois
há falta de eficácia e eficiência técnica nos processos de gestão. De facto, há aqui uma dicotomia
entre aquilo que é a normalidade legal, e aquilo que verdadeiramente acontece no sistema
organizacional da gestão da escola pública, no meu entender acontece pois há falta de
credibilidade no sistema educacional e pouco segmento de trabalho com processos por objetivos.
Licínio, refere o “direito de gerir” por parte de gestores envolvidos no sistema da gestão escolar
e considera que estes deveriam ser profissionais, pois “só comparados com os objetivos e os
resultados contratualizados junto das autoridades políticas e de outros interessados
(“stakeholders”), aí se incluindo, por exemplo, as famílias dos alunos”. Segundo esta afirmação
o autor propõe uma afirmação profissional na parte gestora da escola pública, envolvendo também
a potencialização de objetivos e resultados em articulação com a comunidade escolar geral,
considero que isto é positivo no âmbito da gestão, pois os resultados teriam maior impacto
escolar/social, toda a comunidade iria ter acesso aos resultados obtidos, e por sua vez, glorificar
a máquina gestora da escola pública.

Segue-se com um discurso comparativista entre várias práticas realizadas em contexto da


gestão escolar. A primeira, uma versão formalista, faz uma ligação quase perfeita entre o plano
de orientações para o plano de ação organizacional. Segundo Licínio Lima, esta prática resume-
se numa “abordagem tradicional e de cariz positivista” que se encarrega de reproduzir regras
legais em contexto escolar. O autor evidencia que estas raízes implementadas nesta prática têm
influências nos regimes autoritários que o nosso país viveu entre 1933-1974 e partilha ainda
literatura que estuda sobre esta matéria como por exemplo, Sander (1995), Barroso (1997) e Souza
(2008). Depois de analisar estas afirmações e a respetiva literatura, concordo com o autor e
considero que estes regimes tiveram bastante influência no sistema gestor da escola pública e não
só. A nível social, cultural, trouxe vários elementos normativos e burocráticos que se arrastaram
e vivemos nos dias de hoje. O autor traz-nos ainda referências sobre o regime autoritário vivido
em Portugal e julga que esta transformação deveria ocorrer naturalmente pois seria refletido o
regime democrático implementado em cada escola. No meu entender, esta prática pode trazer
alguns problemas educacionais pois, quando o processo é sempre regido por leis normativas ou
reprodução de regras legais, a tendência é para que, em contexto de gestão / educação, não traga
resultados positivos, nem objetivos concretos.

A segunda perspetiva que o autor nos apresenta é focada no “Novo Gerencialismo” que
se insere num quadro de uma postura moderna, com visões empresariais. Passo a citar: A reforma
do Estado keynesiano de bem-estar social através de processos de modernização, de supervisão,
de avaliação e de prestação de contas, de contratualização e de parcerias público-privadas que,
genericamente, foi associada ao “Estado gestionário” (CLARKE; NEWMAN, 1997). Esta
prática considero que seja algo próximo a uma gestão empresarial onde a escola é a entidade
principal e os alunos e toda a comunidade escolar são os principais consumidores. Consiste numa
gestão próxima daquilo que é a gestão privada de uma instituição, porém, segundo Licínio, foram
tomadas várias medidas estatais que levaram a uma prática demasiado burocrática. Segundo a
minha leitura do artigo, neste contexto entra em vigor a Nova Gestão Pública que se baseia na
lógica da privatização escolar. Passo a citar: A privatização, em diversos sentidos, incluindo a
criação de mercados internos e a celebração de contratos de curto prazo para a prestação de
serviços, passou a ser associada ao aumento da eficiência da gestão pública (LANE, 2000, p.
95). O que, para mim, é bastante positivo pois conseguimos encontrar aqui um regime híbrido
entre aquilo que é o serviço público e a coerência de resultados de uma gestão privada. No entanto,
revemo-nos, novamente, com algumas dificuldades em conseguir verdadeiramente democratizar
a gestão da escola, pois nesta segunda perspetiva decorrem “diversas práticas de gestão
democrática tornaram-se ideologicamente incompatíveis e foram afastadas em vários países por
força da adoção do princípio da empresarialização e privatização (…)” (Stephen Ball (2007, p.
113).

O autor, passa a enumerar as dificuldades que sente na problematização da


democratização da gestão escolar. Primeiro as marcas que os regimes ditatoriais implementaram
em toda a sociedade, incluído no campo escolar em Portugal e no Brasil; O segundo contratempo
centra-se no poder que o regime político atual tem nos processos da democratização escolar, pois
são eles que implementam e aprovam legislação compatível ou não ao mesmo processo, o autor
refere ainda que a importância da presença e participação de todos os cidadãos nas escolas é
crucial para iniciar processos de gestão democrática. A terceira complexidade resume-se naquilo
que é a negação pelo contexto político vivido, por conveniência ideológica. Esta medida é
eruptiva aquilo que diz respeito ao conceito de democracia e pode ainda acabar por destruir aquilo
que foi a conquista revolucionária democrática. Como quarta e última adversidade, temos o
contexto histórico-política da gestão escolar, propriamente dita. Esta requer alguma “evolução
democrática “coerentes e com continuidade” e nos dias de hoje, no meu entender, não há ainda
essa ligação de coerência entre o contexto escolar e o que lhe rodeia.
O próximo capítulo o autor intitula-o de “Dos obstáculos à democratização da gestão
escolar” e vai cercar o seu discurso no esclarecimento de cada obstáculo face à democratização
escolar. A primeira passagem que Licínio Lima faz questão de abordar, novamente, são as
consequências do plano não democrático vivido em Portugal não há muitos anos, e concorda que
esse é um dos maiores obstáculos à democratização da gestão escolar. Segundo o autor, muitos
oposicionistas da altura criticavam o sistema político reforçando que a democratização da gestão
escolar só iria ser concebível quando existisse uma democratização política. A meu ver, é notório
aqui uma ligação clara entre aquilo que é a sistema educacional e o sistema político.

O autor reforça, mais uma vez, a questão de que a democratização económica, social,
cultural e educativa é muito mais exigente e difícil de atingir do que a mera democratização
política (democratização formal das instituições políticas), isto é, a cultura democrática não se
obtém rapidamente, é um processo lento que exige tempo para se consolidar e ser bem praticado,
contrariamente refere que nunca deverá ser feito através de práticas oligárquicas, patrimonialistas
ou tecnocráticas. Outro ponto importante neste capítulo é a dimensão do processo de
democratização que, segundo Licínio, é um processo que pode levar a certas discordâncias e a
medidas descontínuas que provocam atrasos na “agenda democratizadora” e dos direitos
educacionais que pareciam, por um lado legalmente assegurados e socialmente aceites, porém na
prática não se encontram totalmente consolidados e na verdade não funcionam. De seguida, o
autor menciona que a escola não foi construída num plano de perspetiva democrática, pelo
contrário. O que vivemos nos dias de hoje é apenas uma adaptação do modelo educacional à nossa
estrutura democrática, e ter sido, há relativamente pouco tempo, considerada um direito humano.
Logo, entende-se aqui uma verdadeira utopia naquilo que é a democratização escolar, pois, tal
como diz o autor, é um processo que precisa de consolidação para se verificar concretizada.

Em jeito de conclusão, se repararmos o autor no artigo “Por que é tão difícil democratizar
a gestão da escola pública?” critica ambas as perspetivas de gestão pública: por um lado repudia
sistemas autoritários, em que a democracia não se verifica de todo na prática, apenas na parte
legal que, mais cedo ou mais tarde se reflete no meio educacional, mas, por outro lado, ao longo
do artigo Licínio critica várias formas capitalistas de gestão da educação, como por exemplo,
associada à privatização, deixa mais de lado o papel do Estado, ou seja, toda comunidade escolar
(encarregados de educação , professores e alunos) têm poder de escolha e um papel mais ativo,
mas não é isso que se verifica na prática. Os alunos, os docentes e a comunidade escolar em geral
são vistos quase como instrumento, são seres que servem um fim ou uma utilidade. Neste caso,
desse ponto de vista, a educação serve para formar técnicos, capazes de estar ao serviço do
mercado de trabalho e da sociedade. Em suma, não há participação de todos os elementos (que é
isso que a democracia prevê), mas antes existe uma hierarquização, visto que a escola é gerida
como uma empresa. Existe alguém a comandar os alunos e professores e que servem os seus
interesses, como por exemplo económicos ou estatísticos.

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