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La Gestión de Centros de Enseñanza Obligatoria en Portugal1

João Barroso e Luís Miguel Carvalho


Universidade de Lisboa

RESUMO

O artigo aborda os problemas da gestão escolar em Portugal no contexto de uma


análise mais alargada dos processos de definição e de regulação das políticas e da
acção pública em educação. Partindo desse enquadramento, o texto procede a um
exame de cinco temáticas ilustrativas das dificuldades com as quais se debate a
direcção das escolas do ensino obrigatório em Portugal: a influência dos novos modos
de regulação, a autonomia das escolas e o reforço da prestação de contas, a pluralidade
de referentes da actividade dos directores, as transformações no exercício da profissão
docente, e os problemas da heterogeneidade discente e da diversificação curricular. O
artigo caracteriza as acções empreendidas - em contextos de administração, de
formação e de colaboração entre escolas - para apoiar a resolução dessas dificuldades.
Finalmente, propõe um conjunto de áreas de intervenção a privilegiar de modo a
promover um apoio efectivo à resolução das dificuldades e às iniciativas inovadoras
postas localmente em marcha, subordinando as medidas de modernização da gestão à
valorização da dimensão política e comunitária da escola pública.

INTRODUÇÃO

A descrição e a análise da gestão de escolar não podem ser feitas fora do contexto de
uma análise dos processos de definição e de regulação das políticas e da acção pública
em educação. Por um lado, esta situação decorre da própria natureza do objecto de
estudo (a escola como organização) que exige uma abordagem multidisciplinar,
nomeadamente, através da mobilização dos contributos da administração educacional,
da sociologia das organizações educativas e da análise das políticas públicas. Por outro
lado, a gestão das organizações educativas constitui, em si mesma, um instrumento de
regulação política e é influenciada pela alteração dos modos do governo e da
administração educativa em geral, no quadro dos processos de recomposição do papel
do chamado “Estado Educador”.
Neste sentido, e embora respeitando o esquema proposto pelos organizadores para este
documento, iremos fazer na Introdução algumas referências muito breves sobre o
contexto político-administrativo em que se exerce actualmente a gestão das escolas
obrigatórias em Portugal e seleccionaremos na secção seguinte, “Realidad y
problemáticas de los centros”, temáticas que relevam, não só da organização e
funcionamento dos centros, mas também da emergência de novos modos de regulação,
da função política que é atribuída ao gestores escolares e da diversidade de lógicas de
acção, entre outras.

Enquadramento político-administrativo da gestão escolar em Portugal 2


1
Capítulo de Livro. In J. Gairín (Ed.), La gestión de centros de enseñanza obligatoria en Iberoamérica.
S.l.: Redage

1
Uma das principais características da gestão das escolas em Portugal resulta da
manutenção, desde 1974 e até ao início do presente ano de 2009, dos princípios da
elegibilidade e da colegialidade dos cargos de direcção de topo e intermédia. Apesar de,
historicamente, esta prática não ser original, uma vez que foi legalmente consagrada
como forma de escolha dos reitores dos liceus, entre 1910 e 1928, ela aparece
claramente associada ao movimento político e social que se sucedeu ao golpe militar de
25 de Abril de 1974, responsável pela restauração da democracia política no nosso país.
Não admira, por isso, que o princípio da eleição dos órgãos de direcção das escolas
constitua um dos fundamentos da chamada “gestão democrática”, expressão consagrada
na Constituição e na Lei de Bases de 1986. Este princípio manteve-se em vigor, até
hoje, embora sujeito a várias alterações formais-legais no seu modo de execução.
Pode dizer-se que até 2008 e no que se refere à gestão escolar, o poder político não pôs
em causa, directamente, os princípios da elegibilidade do director e da colegialidade
profissional dos docentes na direcção de topo e intermédia, embora sempre tenha
procurado limitar os seus efeitos pela manutenção de uma administração centralizada e
burocratizada, reforçada pela criação das Direcções Regionais (estruturas
desconcentradas do Ministério da Educação). Contudo, esta situação tem vindo a
alterar-se, no quadro de transformações mais vastas de que se salientam a recomposição
do papel do “Estado educador”, a emergência de novos modos de regulação das
políticas e da acção públicas, e a generalização das práticas do “new public
management”.
No que se refere à gestão das escolas, estas transformações vão no sentido de, por um
lado, reforçar a autonomia das escolas e, simultaneamente, abri-las ao escrutínio público
e ao controlo social da comunidade envolvente. Isto é feito, nomeadamente, através da
participação de representantes autárquicos, comunitários e parentais em órgãos colegiais
de administração escolar, assim como através da exigência da produção de instrumentos
de gestão estratégica (projecto educativo de escola, projectos curriculares de escola e de
turma, plano actual de actividades), criando espaço para a operacionalização de
programas de auditoria e de avaliação interna e externa centrados na verificação da
concretização de metas e actividades previstas. Por outro lado, assiste-se à
individualização da liderança escolar na pessoa do director, bem como ao reforço das
suas competências e à “modernização” dos processos de gestão.
A última alteração legislativa sobre a autonomia e a gestão das escolas (Decreto-lei nº
75/2008), introduzida em 2008, põe termo à gestão colegial introduzindo, pela primeira
vez depois da revolução de 1974, e com carácter imperativo para todas as escolas, o
órgão unipessoal de director.3 Este responsável pela administração e gestão da escola
passou a ser eleito (após um processo prévio de candidatura e selecção) pelo “Conselho
geral”. Este órgão desempenha funções de direcção estratégica e é responsável pela

2
Para um maior desenvolvimento deste ponto consultar Barroso, João, Afonso, Natércio, Dinis, Luís
Leandro (2007) donde foi extraído parte do texto incluído nesta secção. A versão oficial do relatório foi
editada em OECD (2007) e encontra-se disponível em http://www.oecd.org/dataoecd/44/56/40710632.pdf
3
Em 1991 (Decreto-lei 172/91) tinha sido introduzida, a título experimental (em cerca de 50 escolas), a
figura do “director”. Em 1998 (Decreto-Lei 115-A/98) foi introduzida uma alteração que permita às
escolas optarem entre o órgão colegial “conselho executivo” e o órgão unipessoal “director executivo”.
Para uma completa descrição e análise do processo de evolução da gestão escolar em Portugal, entre 1986
e 2006, consultar entre outros Lima (2007).

2
definição das linhas orientadoras das actividades da escola, assegurando a participação e
representação da comunidade educativa (pessoal docente e não docente, pais e
encarregados de educação, alunos (no ensino secundário), município e comunidade
local. O presidente do Conselho Geral é eleito de entre qualquer um dos seus membros
(docentes ou não docentes, excepto alunos) e o director participa nas reuniões sem
direito a voto. De acordo com o legislador este novo diploma (que faz o corte com a
situação anterior) justifica-se para promover o “reforço da participação das famílias e
comunidades na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino” e favorecer a
“constituição de lideranças fortes”. Neste sentido, e para se demarcar da tradição
existente em Portugal desde a revolução de “25 de Abril de 1974”, o próprio texto
legislativo refere: “ (…) com este decreto-lei procura-se reforçar a liderança das
escolas, o que constitui reconhecidamente uma das mais necessárias medidas de
reorganização do regime de administração escolar. (…) Impunha-se, por isso, criar
condições para que se afirmem boas lideranças e lideranças fortes, para que em cada
escola exista um rosto, um primeiro responsável, dotado da autoridade necessária para
desenvolver o projecto educativo da escola e executar localmente as medidas de
política educativa”.
Do ponto de vista formal, esta legislação reforça a autonomia que é concedida às
escolas, nomeadamente, no que se refere à sua auto-organizando e prevê o alargamento
das suas competências através de “contratos de autonomia” (já aprovados em 1998, mas
que não tinham ainda passado a fase da experimentação). Simultaneamente são
alargados os dispositivos de prestação de contas através da avaliação interna e externa,
condição indispensável à efectivação do princípio da contratualização.

REALIDAD Y PROBLEMÁTICAS DE LOS CENTROS

Para caracterizar os factores que influenciam a organização e gestão das escolas


seleccionamos cinco grandes temáticas que ilustram as principais dificuldades com que
se debate a direcção das escolas do ensino obrigatório, em Portugal. Essas temáticas vão
da regulação externa à regulação interna e abrangem os principais actores envolvidos no
seu funcionamento: directores, professores e alunos.

A influência dos novos modos de regulação na gestão escolar

Os gestores escolares são confrontados hoje com um conjunto de alterações a montante


e a jusante do contexto em que exercem a sua acção que condicionam claramente a sua
missão e funções, as competências mobilizadas, os procedimentos utilizados e os
resultados obtidos.
Essas transformações incidem, em particular, sobre (1) os modos de regulação das
políticas públicas de educação, (2) as práticas de gestão e (3) os processos pedagógicos.
No primeiro caso, estamos perante a emergência de novos modos de regulação com o
surgimento do “estado avaliador” que substitui o controlo a priori através das normas,
por um controlo a posteriori através dos resultados. No segundo caso, assistimos à
mudança de paradigma no modo como são concebidas a organização e a gestão, com a
substituição do “modelo burocrático” por formas alternativas de tipo pós-burocrático.
No terceiro caso, verifica-se um aumento da flexibilidade do currículo e da
diversificação das estratégias pedagógicas tendo em vista lidar com a heterogeneidade

3
crescente dos públicos e promover a adequação dos percursos escolares às
características dos alunos.
Neste sentido, os desafios que se colocam hoje à gestão e à liderança das escolas só
podem ser resolvidos no quadro de um conjunto mais vasto de medidas políticas que
ultrapassam o campo restrito da escola e dos seus responsáveis. Entre essas medidas
salientamos pela sua relevância: (i) a reconversão do papel do Estado e da sua
administração reforçando a sua função de regulação e garantia dos princípios e
objectivos gerais, de correcção das desigualdades e de compensação distributiva dos
recursos; (ii) a promoção da descentralização territorial e administrativa com uma
efectiva transferência de competências e de recursos para os municípios ao nível da
provisão e da regulação local do sistema de ensino, (iii) a garantia de uma efectiva
autonomia organizacional da escola no contexto da sua multidependência funcional e da
multirregulação política (estado, autarquia, “stakeholders” e comunidade interna) e (iv)
a qualificação dos gestores escolares, a profissionalização dos professores e outros
agentes educativos, o reforço da participação de pais e alunos. É no quadro destes
desafios mais globais que devem ser pensados o desenvolvimento da liderança e a
melhoria da gestão nas escolas.

A autonomia das escolas e o reforço da prestação de contas

Ao nível da gestão escolar tem-se assistido a um progressivo reforço das competências


das entidades locais, em particular das escolas e, em menor grau, das autarquias. Do
ponto de vista das estruturas esse reforço é visível na legislação sobre autonomia e
gestão escolar, que começou a ser aprovada a partir dos finais da década de 80 (Barroso,
2000, 2004, 2006). No que se refere às escolas a autonomia traduz-se, nomeadamente:
pela possibilidade de as escolas escolherem os seus dirigentes (em vigor desde a
revolução de 1974); pela capacidade de definirem o seu projecto educativo e
regulamento interno (dentro de limites estabelecidos pela lei geral); pela existência de
uma relativa margem de escolha na organização interna da escola, ao nível da
composição dos órgãos de gestão de topo e intermédia; por uma relativa flexibilização
orçamental, nomeadamente ao nível da gestão de recursos humanos e financeiros; pela
possibilidade de disporem de receitas próprias geradas pelo aluguer de instalações,
venda de serviços e cobrança de certas taxas; etc. Quanto às autarquias, elas passaram a
intervir nos órgãos de gestão das escolas e devem constituir órgãos consultivos de
gestão municipal para a educação (os Conselhos Locais de Educação), embora no
essencial ainda estejam bastante longe de ter uma intervenção activa, quer por falta de
dotações orçamentais quer pelo facto de as leis da descentralização estarem ainda por
regulamentar. O Ministério da Educação é assim o principal responsável pelo
financiamento público da educação, sendo o financiamento das autarquias muito
limitado.
O reforço da autonomia das escolas previsto na legislação é muito condicionado pelo
exercício do poder das estruturas desconcentradas do Ministério da Educação
(Direcções Regionais da Educação), pela produção de inúmeras normas
regulamentadoras por parte dos diversos serviços da administração, pelas práticas
burocráticas ainda existentes e por uma cultura de dependência que marca ainda muitas
escolas. Além disso (e com as limitações referidas), a autonomia limita-se sobretudo aos
aspectos organizativos, faltando uma definição clara das competências e recursos que
serão transferidos para os órgãos de governo das escolas.

4
Recentemente foram aprovados, a título experimental, “contratos de autonomia”
realizados entre as escolas, as autarquias e os serviços desconcentrados da
administração, que atribuem novas competências e recursos em função de um projecto
desenvolvimento por um período de dois anos. Apesar de a autonomia ainda estar numa
fase muito incipiente, não deixaram de se fazer sentir, nos últimos anos, novas
modalidades de regulação baseadas num reforço dos dispositivos de avaliação externa
das escolas, postos em prática pelos serviços da Inspecção.
Neste contexto o trabalho da gestão das escolas complexificou-se não só pela
necessidade de arbitrar os vários interesses em presença na definição do projecto
educativo e outros instrumentos de planeamento, mas, sobretudo, pela sobrecarga de
tarefas de natureza administrativa inerentes ao processo de avaliação da escola e do
desempenho dos professores, bem como de outros dispositivos de prestação de contas.

Diferentes concepções do director escolar

Se o “administrador” e o “líder profissional” constituíram os dois grandes referentes da


actividade dos directores das escolas (ver Barroso, 1995, 2005a, 2005b, Carvalho,
2000), assiste-se hoje (principalmente a partir da década de 80 do século passado) à
emergência de novas representações e princípios de justificação para o exercício deste
cargo, presentes quer nos diplomas legais que regulam esta matéria quer na própria
prática dos actores. Este alargamento dos referentes deve-se, não só, à evolução teórica
no domínio da organização e da administração educacional, mas também às
transformações políticas decorrentes da emergência de uma regulação mercantil e da
pressão social para um maior articulação entre a escola e a comunidade.
Assim, é possível identificar, hoje, quatro concepções diferentes do que é ser um
director de escola (Barroso, 2005b):
- uma concepção burocrática, estatal e administrativa, em que o director é visto,
fundamentalmente, como um representante do Estado na escola, executante e
vigilante do cumprimento das normas emanadas do centro e um elo de
ligação/controlo entre o Ministério e sua administração central ou regional e o
conjunto de professores e alunos que frequentam a escola.
- uma concepção corporativa, profissional e pedagógica, em que o director é
visto como um primus inter pares, intermediário entre a escola (principalmente
os professores) e os serviços centrais ou regionais do Ministério, garante da
defesa dos interesses pedagógicos e profissionais docentes, perante os
constrangimentos burocráticos e financeiros impostos pela administração.
- uma concepção gerencialista, em que o director é visto como se fosse o gestor
de uma empresa, preocupado essencialmente com a administração dos recursos,
com formação e competências técnicas específicas, com o grande objectivo de
garantir a eficiência e a eficácia dos resultados alcançados.
- uma concepção político-social, em que o director é visto como um negociador,
mediador entre lógicas e interesses diferentes (pais, professores, alunos, grupos
sociais, interesses económicos, etc.), tendo em vista a obtenção de um acordo ou
compromisso local quanto à natureza e organização do “bem comum” educativo
que a escola deve garantir aos seus alunos.
Embora estas concepções tenham funcionado como referentes ideais do exercício do
director, ao nível da produção de diferentes diplomas, elas nunca se encontram isoladas
na prática profissional dos responsáveis pela direcção das escolas. Este facto é tanto

5
mais notório quanto a crescente complexidade da organização escolar e a margem de
autonomia estratégica inerente aos diferentes actores sociais se encarregaram de criar
um fosso crescente entre o que é prescrito e o que é praticado, ou seja entre a concepção
legal dominante e as diversas concepções que são postas em acção.

As transformações no exercício da profissão docente

A profissão docente vive um período de crise e de mudança que provoca, nos professores,
um sentimento generalizado de insegurança e receio. Receio das relações cada vez mais
difíceis com os alunos. Receio da participação dos pais na gestão das escolas. Receio do
reforço do poder das autarquias. Receio daquilo que consideram serem tentativas do
Ministério da Educação, para aumentar o controlo sobre o seu trabalho. E nestes receios
misturam-se perigos reais e fantasmas, imaginados por detrás de cada despacho, de cada
decreto, de cada discurso, seja sobre a autonomia e gestão, a flexibilização dos currículos,
a disciplina escolar, a avaliação formativa, etc.
À semelhança do que se passa em outros países, também em Portugal, os professores têm
receio que a “crise do Estado Educador” signifique perda de poder. A redução (ou
alteração) do papel do Estado na Educação, as novas modalidades de gestão pública (“new
public management”), a subordinação a “lógicas de mercado” são vistas como ameaças ao
poder que os professores (e os seus sindicatos) detinham (directa ou indirectamente) sobre
o sistema de ensino. Hoje, as certezas e os consensos (ainda que aparentes, muitas vezes)
desapareceram. Há uma crise de confiança no valor, no sentido e na qualidade da educação
que se repercute naturalmente sobre os professores e o seu trabalho.
Os professores estão mais expostos e facilmente se transformam no “bode expiatório” de
todos os males que afligem a escola e a educação das crianças e dos jovens. A pressão para
mudar de métodos, de práticas, de papéis, é grande. O apelo à sua dedicação, motivação,
entusiasmo é permanente. A intensidade do trabalho é cada vez maior e as condições mais
difíceis.
Finalmente, os professores têm receio dos efeitos que a desregulamentação administrativa,
a participação comunitária, as parcerias locais, o trabalho em equipa, a presença de outros
especialistas ou técnicos, possam ter sobre o seu estatuto e identidades profissionais. Como
diz Ballion (1998): «os professores têm a impressão que a sua identidade profissional está
ameaçada, não só pelas mudanças de papéis que se esperam deles, mas também por aquilo
que eles sentem serem pressões e medidas institucionais (...) visando reduzir a sua
independência, fazer-lhes perder aquele estatuto de especialista, a quem foi delegada, com
plena responsabilidade, a missão de ensinar.» (p.220)
É nesse contexto que a gestão escolar tem que intervir para procurar mobilizar os
professores para as mudanças necessárias, da organização ao currículo, das relações com
os professores às relações com os alunos, do trabalho pedagógico à intervenção
comunitária. Trata-se de um desafio difícil que exige o exercício de uma liderança
transformacional, distributiva e pedagógica que mobilize os membros da organização
escolar para a melhoria dos processos e dos resultados das aprendizagens dos alunos
(Barroso, 2005a).

A heterogeneidade dos alunos e a diversificação curricular

O núcleo duro da organização pedagógica tradicional permanece, nos horários, na


constituição das turmas, na divisão das disciplinas, na transmissão do saber, no processo

6
de classificação dos alunos, na relação pedagógica, no ensino em classe. A manutenção
desta forma escolar de educação e da ordem burocrática de organização constituem,
hoje, os factores estruturais mais expressivos que contribuem para o mal-estar que se
vive nas nossas escolas e para um crescente sentimento de ineficácia e injustiça no seu
funcionamento.
A escola massificou-se sem se democratizar, isto é, sem criar estruturas adequadas ao
alargamento e renovação da sua população e sem dispor de recursos e modos de acção
necessários e suficientes para gerir os anseios de uma escola para todos, com todos e de
todos. Verifica-se, assim, um claro desfasamento entre a “procura” e a “oferta”
escolares resultantes da manutenção, nas actuais circunstâncias, de uma organização
pedagógica criada para públicos homogéneos, previamente seleccionados, o que se
traduz na existência, segundo Madureira Pinto (1997), de uma «contradição estrutural
entre condições, socialmente diferenciadas, de acumulação de capital cultural e de
lógicas, tendencialmente uniformizadoras, de difusão e certificação de saberes
propriamente escolares» (p.7).
Esta contradição é responsável pela perda de sentido do trabalho pedagógico (entre o
desejo de instruir, a necessidade de educar e a utilidade de estudar), quer para alunos
quer para professores, e pelo agravamento de conflitos e situações de ruptura no
quotidiano escolar, em particular na sala de aula.
Por isso é possível dizer que, embora não exclusivamente, a “crise da escola” é hoje
acima de tudo pedagógica e organizacional, se não nos esquecermos que, neste caso, a
pedagogia e a organização são sobredeterminadas pela interacção do meio educativo
com o meio social mais geral e, evidentemente, com as opções políticas que regulam
essa interacção.
A resposta a esta situação exige que se introduzam dispositivos pedagógicos que
permitam uma outra “linguagem” e a uma outra “gramática” para a relação educativa.
Esta é uma situação que interpela profundamente o trabalho da gestão escolar e que
provoca profundas alterações na organização e funcionamento da escola.
Desde os finais da década de 70 do século XX que foram introduzidas diversa reformas
em Portugal com o fim de promover a individualização e a diferenciação das
aprendizagens e favorecer a equidade e a eficácia do sistema escolar.
Sem pretender ser exaustivo eis uma breve listagem das várias iniciativas tomadas neste
domínio:
- A construção escolas de “área aberta” com a alteração da concepção espacial
tradicional de sala de aula (pela supressão das paredes divisórias entre as salas de
aula de um mesmo núcleo) contrariando, assim a ordenação serial e segmentada do
espaço escolar.
- A introdução do regime de fases no ensino primário ao acabar com a selecção
anual dos alunos pôs em causa o princípio da rotação anual das classes e da divisão
homogénea dos alunos.
- A criação de um sistema de avaliação baseado no princípio da “progressão
contínua” que pôs em causa a função selectiva e distributiva das classificações
anuais dos alunos;
- A criação da “área-escola” (e mais tarde o “trabalho projecto”) como unidade
curricular transdisciplinar que pôs em causa a seriação do saber e a
compartimentação do trabalho docente.
- A gestão flexível dos currículos que pôs em causa a uniformização dos programas
e das aprendizagens para os alunos de uma mesma classe.

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- A flexibilização da duração das aulas, ou a passagem para 90m, que pôs em causa
a uniformização do tempo escolar, fundamental para o funcionamento da classe.
- O apoio ao estudo no quadro das “actividades de enriquecimento curricular” que
permite introduzir actividades individualizadas de remediação.
A nível europeu assiste-se igualmente a uma intensa actividade reformadora que tenta
introduzir mudanças estruturais e de práticas que vão no sentido de alterarem a “forma
escolar” em vigor desde o século XIX e de que também há exemplos isolados em
Portugal.4
- O fim da repetência e a progressão curricular por ciclos.
- A “tutoria” quer por um professor quer por outros alunos para promover uma
estreita relação interpessoal tendo em vista apoiar um percurso individual de
aprendizagem.
- Actividades de remediação na aula (com a utilização de um professor de apoio)
ou fora do tempo de aula.
- A criação de “grupos de nível” (na aprendizagem de determinadas disciplinas).
- As turmas “multi-níveis” (como acontecia com as antigas classes de professor
único) e é praticado por vezes na “pedagogia Freinet”.
- A introdução do “ensino modular “ com a criação de diferentes tipos de
sequências de ensino (módulos disciplinares, inter ou pluridisciplinares).
- A utilização das TIC e em especial de diversas modalidades de e-learning
(como as plataformas pedagógicas tipo moodle).
Esta descrição é suficiente para perceber que, ao contrário do que as teses gerencialistas
defendem, o trabalho da gestão escolar se deve centrar nas questões pedagógicas e que é
ai que deve residir o essencial das mudanças da organização e funcionamento das
escolas. Essa intervenção é necessária para gerir, em cada escola, a heterogeneidade dos
alunos preservando, ao mesmo tempo, os princípios comuns à universalização do ensino
público.

SISTEMAS Y APOIOS

Os apoios às escolas para vencer as dificuldades descritas na secção anterior são


reduzidos e podem dividir-se em três tipos: intervenção das autoridades administrativas
(principalmente as Direcções Regionais de Educação); formação dos gestores; parcerias
e redes colaborativas com outras escolas ou entidades.

Intervenção das autoridades administrativas

Num sistema ainda bastante centralizado o Ministério da Educação continua a ser o


principal agente de definição, acompanhamento e controlo das actividades das escolas.
É no quadro destas funções que se podem encontrar algumas medidas de apoio às
escolas e sua gestão, em particular no quadro de processos de mudança desencadeados a
partir do centro da administração. Neste processo cabe uma função principal às
Direcções Regionais de Educação (estruturas desconcentradas do Ministério). Elas
assumem-se sobretudo como estruturas de mediação, alternando e combinado práticas
de apoio pedagógico com práticas de controlo administrativo, junto das escolas.

4
Ver a este propósito Feyfant (2008).

8
Praticando uma “regulação de proximidade”, dominadas por técnicos profissional e
culturalmente próximos dos professores e das escolas, as Direcções Regionais de
Educação funcionam como instrumentos de persuasão junto das comunidades
educativas locais: “ajudam” o governo a convencer as escolas da “bondade” das suas
medidas e “ajudam” as escolas a cumprir da melhor forma as directivas do governo.
Outro agente importante do Ministério da Educação no apoio às escolas é a Inspecção-
Geral de Educação que, nos últimos anos, tem procurado assumir mais do que as
tradicionais funções inspectivas de supervisão e controlo da legalidade, desdobrando-se
por funções de avaliação e assessoria.
Além desta intervenção directa e constante da administração, existem também medidas
políticas centradas na promoção da iniciativa dos professores e das escolas,
nomeadamente programas de financiamento de projectos de inovação e de melhoria. De
sublinhar, ainda, a criação em 1996 dos Territórios Educativos de Intervenção
Prioritária (TEIP) que são objecto de políticas de “discriminação positiva” à semelhança
das ZEP francesas.
Contudo, a maior parte das iniciativas políticas concretas têm continuado a reflectir uma
lógica normativista, investindo em reconfigurações de aspectos específicos da gestão do
currículo e da organização das escolas, encarando o gestor escolar mais como uma
presumível “força de bloqueio” das reformas propostas do que como alavanca da
mudança ou da inovação. Esta posição é contraditória com uma retórica que salienta o
papel central dos gestores na orientação da escola para a promoção do sucesso escolar,
bem como as vantagens da autonomia das escolas para desenvolverem planos de
melhora e angariarem recursos.
Além do Ministério da Educação os municípios também contribuem (principalmente no
ensino obrigatório) para o apoio às escolas, sobretudo através do exercício das suas
competências nos seguintes domínios: transportes escolares; alojamento de alunos;
auxílios económicos directos; apoio a projectos das escolas; educação extra-escolar.
Contudo é no domínio dos chamados “projectos sócio-educativos” que este apoio é
mais visível. Trata-se de projectos promovidos ou apoiados pelos municípios, em
colaboração com as escolas, no quadro das actividades extra-curriculares, ocupação de
tempos livres ou na ligação entre a escola e a cidade. Contudo, a importância destes
apoios varia muito de município para município, em função das opções políticas das
autoridades locais e dos recursos disponíveis5.

A formação dos gestores

A formação dos responsáveis pela direcção das escolas constitui igualmente um meio de
apoiar a resolução de problemas de organização e gestão.
A existência de formação no domínio da administração escolar é um fenómeno
relativamente recente em Portugal, embora em acentuada expansão a partir dos meados
da década de 1990. Este fenómeno não é muito diferente do que se passou em outros
países europeus, embora no nosso caso a sua emergência tenha surgido com mais de dez
anos de atraso. Para este facto muito contribuíram: o aparecimento tardio de
investigação e estudos nesta área, nas instituições do ensino superior; a pouca

5
Para uma análise das competências dos municípios em Portugal, no domínio educativo, consultar. entre
outros , Pinhal (2006).

9
“densidade” profissional do cargo de „director”, diluído formalmente em estruturas
colegiais eleitas; a débil autonomia formal-legal da função de gestão escolar.
Actualmente, a situação tem vindo a inverter-se quer no domínio da investigação quer
da formação em administração educacional, embora de maneira avulsa, conjuntural e
numa lógica reactiva determinada pela agenda política das sucessivas reformas quer da
gestão escolar quer da formação de professores.
Não existindo uma carreira de gestor escolar, nem formação inicial específica para
acesso ao cargo, é sobretudo na formação contínua que se verifica o aumento da oferta.
A formação ministrada é muito eclética quer do ponto de vista dos modelos e técnicas
de formação adoptados, quer do ponto de vista dos seus referenciais teóricos e perfis de
competências visados. Não existe em Portugal qualquer tipo de “plano de formação”
dos responsáveis pela gestão das escolas (como acontece por exemplo em Itália), nem
qualquer definição prévia de “standards” ou “perfis de competências” (como acontece
por exemplo na Inglaterra com o NPQH - National Professional Qualification for
Headship).
Os programas de formação promovidos quer pelo Ministério da Educação, quer pelas
instituições de ensino superior quer pelos Centros de Formação das próprias escolas
(associadas para o efeito) são sobretudo centrados em actividades de natureza reflexiva
e investigativa (sobretudo os que preparam para graus académicos de mestrado) a partir
de estudos de caso ou análise de práticas. Esta formação é bastante influenciada pela
investigação existente neste domínio que, no geral, não se baseia em perspectivas
normativas e prescritivas, mas privilegia, pelo contrário, abordagens de tipo
“construtivista” onde é posta em evidência a diversidade e especificidade dos contextos
que definem cada gestor e o modo como exerce as suas funções.
De registar, finalmente, a importância que tem tido ultimamente a difusão pelos
organismos oficiais do Ministério ou pelas instituições do ensino superior de “boas
práticas” com o fim de incentivar os processos de “benchmarking” no desenvolvimento
das escolas, na melhoria da sua gestão e na resolução dos seus problemas.

Parcerias e redes colaborativas

No que se refere à colaboração entre as escolas, não existem redes que tenham impacto
significativo, para além de iniciativas isoladas de criação de projectos educativos locais
fruto da acção pontual de líderes locais. A colaboração existente tem um carácter
meramente formal e enquadra-se na concretização de medidas governamentais com
outros objectivos (associações de escolas para a criação de centros de formação,
agrupamentos de escolas para rentabilização de recursos). Contudo, informalmente, as
redes sócio-profissionais que se estabelecem entre os directores das escolas, fruto de
afinidades diversas ou encontros esporádicos, representa um importante processo de
partilha de conhecimentos práticos e de resolução de problemas.
De registar ainda as parcerias que as escolas fazem com agentes locais, nomeadamente,
na área da saúde, da economia e do desenvolvimento local, bem como com associações
profissionais, culturais, desportivas e outras. Porém a dinâmica destas relações depende
de um conjunto de factores conjunturais internos e externos à escola que fazem com que
os apoios sejam muito desiguais.
Uma palavra final para o envolvimento dos pais dos alunos e das suas associações
representativas no apoio à escola. Também aqui as situações são muito diversificadas.
Embora exista um sentimento generalizado relativo ao défice de participação parental,

10
em particular, nos órgãos de gestão de que fazem parte, o certo é que as escolas mais
activas recorrem à participação e colaboração de grupos de pais na promoção das suas
actividades.

ACTUACIONES ORGANIZATIVAS Y DE GESTION

Não é possível generalizar o modo como as instituições escolares respondem, através


das suas dinâmica e actuações internas, aos desafios e problemas anteriormente
identificados. O funcionamento das escolas, enquanto organizações, depende de
múltiplos factores que fazem de cada caso uma situação singular dificilmente passível
de extrapolação. Contudo, a investigação realizada em Portugal neste domínio tem
permitido ilustrar algumas dessas actuações bem como os seus fundamentos. De um
modo geral elas não se afastam do que a investigação internacional tem registado no
domínio das “escolas eficazes” ou da “ melhoria das escolas”6.
Tendo em conta os desafios que se colocam à gestão das escolas do ensino obrigatório
em Portugal e as iniciativas inovadoras desencadeadas, em muitos casos, para fazer face
aos problemas existentes, iremos enunciar de modo breve algumas das principais áreas
de intervenção que podem ser privilegiadas neste processo de mudança.

Autonomia

A concessão de autonomia às escolas enquadra-se num processo mais vasto de alteração


dos modos de regulação das políticas educativas e deve ter em vista permitir, no quadro
de um serviço público nacional de educação, maior flexibilidade, adequação e eficácia
da oferta educativa às necessidades específicas dos alunos e das suas comunidades de
pertença. Neste sentido, as políticas de reforço da autonomia das escolas não podem ser
dissociadas das medidas que devem ser tomadas, com o mesmo fim, no domínio da
descentralização municipal e da recomposição dos serviços centrais e desconcentrados
do Ministério da Educação.

Participação

Os modos de governação das escolas devem permitir uma participação funcionalmente


equilibrada dos diversos interesses em presença na prestação do serviço educativo
(regulação sócio-comunitária), com particular destaque para: o Estado, enquanto garante
e regulador de um serviço público nacional de educação; dos professores, enquanto
profissionais especializados na prestação do serviço educativo; dos alunos e seus
responsáveis familiares, no exercício do controlo social que deve existir sobre a escola,
enquanto cidadãos e primeiros destinatários do serviço público de educação.

Democracia

O problema actual da gestão escolar é o de saber como é possível dispor de boas formas
de coordenação da acção pública sem que isso ponha em causa o funcionamento
democrático das organizações. Neste sentido, o “director” de uma escola deve

6
Para uma síntese destas investigações ver entre outros Lima (2008).

11
assegurar, no quadro de uma gestão participada, a mediação entre lógicas e interesses
diferentes (pais, professores, alunos, grupos sociais, interesses económicos, etc.), tendo
em vista a obtenção de um acordo ou compromisso quanto à natureza e organização do
“bem comum” educativo que a escola deve garantir aos seus alunos. Isto significa que
ele deve possuir, não só, competências no domínio da educação, da pedagogia e da
gestão, mas também capacidade de liderança e sentido de serviço público, necessárias
ao exercício da dimensão político-social da sua função.

Liderança

Os desafios atrás referidos exigem que sejam reforçadas as dimensões, transformadora,


distributiva e pedagógica da liderança escolar7. No primeiro caso, trata-se de
desenvolver o que vários autores, na linha de Burns (1978) chamam de “liderança
transformacional”. Este tipo de liderança «actua, acima de tudo, sobre a cultura
existente, sobre as representações, emoções, atitudes e crenças dos diferentes actores e,
por isso, sobre a realização dos seus objectivos individuais ou colectivos. Uma liderança
deste tipo visa necessariamente instaurar e manter uma cooperação profissional, na
medida em que instaura uma dinâmica relacional e específica entre os diversos
parceiros» (Thurler, 2000: 167). No segundo caso, a dimensão distributiva dá lugar a
uma liderança cooperativa, colegial, participativa que desenvolve a capacidade de
liderança dos diferentes membros do grupo. Ela visa, segundo Elmore (baseado em
Spillane, Halverson et al., 1999), estabelecer a coerência entre as múltiplas fontes de
pilotagem e de direcção da organização, que resultam da diversidade de competências,
conhecimentos, aptidões, interesses específicos dos seus diferentes membros. No
terceiro caso, a dimensão pedagógica resulta da própria especificidade da organização
escolar, o que obriga «a equacionar a liderança não só como um meio para o
desenvolvimento de uma acção pedagógica nas escolas, mas a conceber a própria
liderança como objecto de acção pedagógica» (Costa, 2000: 27). Mas liderança
pedagógica significa também uma liderança que visa fundamentalmente guiar e dirigir a
acção educativa, o processo de ensino e de aprendizagem o que exige competências
específicas neste domínio. A liderança e a pedagogia são, em contexto educativo, duas
faces de uma mesma moeda, ou como diz Pelletier (2002), «uma não pode excluir a
outra».

Projecto

Apesar das ambiguidades (e por causa delas), o processo de definição e execução de um


projecto educativo de escola (bem como a construção da autonomia e a prática de novas
formas de gestão que lhe estão associadas) constituem, hoje, uma evidente "arena
política", onde se confrontam diferentes concepções e modelos de escola. O projecto
educativo surge, assim, como um lugar de busca de compromissos locais e um tempo de
mudanças: mudança política, mudança cultural, mudança pedagógica e mudança de
gestão. O projecto materializa, de um ponto de vista estrutural, a organização em rede e
constitui, ao mesmo tempo, o princípio da justificação e da legitimidade da acção
colectiva.

7
Para desenvolvimento deste tópico consultar Barroso (2005a).

12
Redes

A utilização da metáfora da rede pelos autores de gestão dos anos 90 serve para marcar
a ruptura com uma visão estruturalista e burocrática das organizações, pondo em
evidência uma perspectiva interaccionista, baseada na multiplicidade de conexões
possíveis entre elementos que podem desempenhar funções distintas. O conceito de rede
serve assim para identificar (como assinalam Boltanski e Chiapello, 1999, p. 156)
«estruturas debilmente, ou nada, hierárquicas, leves e não limitadas por fronteiras
traçadas a priori». Apesar de existirem desde sempre, as redes, nas organizações
burocráticas, só tinham uma existência informal ou clandestina e eram vistas como
perturbadoras da hierarquia. Mas numa concepção conexionista de organização, as
redes constituem a própria organização, com a natureza fluída, flexível e não pré-
determinada das suas formas e fronteiras. Neste tipo de organizações, as relações
pessoais e a troca de informações e conhecimentos desempenham um papel essencial,
mas não são definidas em função de uma qualquer “racionalidade a priori”. Antes pelo
contrário resultam dos interesses e estratégias dos actores organizacionais. «Num
mundo em rede, cada um procura estabelecer os laços que lhe interessam e com as
pessoas da sua escolha. As relações, mesmo aquelas que não dizem respeito,
directamente, ao mundo do trabalho, mas à esfera familiar, são electivas». (Boltanski e
Chiapello, 1999, p. 156)

Formação

Os modelos de formação de professores têm de estar orientados para a mudança dos


comportamentos e das práticas, o que exige um trabalho simultâneo sobre a pessoa do
professor, sobre o seu universo simbólico e sobre as suas representações, mas também
sobre os seus contextos de trabalho e o modo como se apropriam deles (perspectiva
crítico-reflexiva). Já não se trata de, primeiro, "formar professores", para que depois
eles possam aplicar o que aprenderam, na transformação das escolas, mas, partindo do
princípio que, como diz Rui Canário (1994), «os indivíduos mudam, mudando o próprio
contexto em que trabalham», fazer da mudança das escolas um processo de formação (e
mudança) dos professores. Isto implica estabelecer uma integração entre o “lugar de
aprender” e o “lugar de fazer”, criando condições para que se produza uma outra relação
entre “o saber” e o “poder”, nas escolas. Para isso, é preciso que as escolas disponham
de espaços significativos de autonomia e que a sua gestão seja assegurada de modo
participativo através de lideranças individuais e colectivas. Só assim é possível
empreender as mudanças necessárias para que a formação se possa finalizar na inovação
e no desenvolvimento organizacional da escola.

Atractividade

Com o desenvolvimento da interdependência e, por vezes, competição entre as escolas


de um mesmo território é necessário que a gestão seja capaz de desenvolver a sua
capacidade de atracção dos diferentes públicos (mesmo num regime de “carta escolar”
que continua a vigorar em Portugal, no ensino obrigatório, embora com várias
possibilidade de excepção). Essa atractividade pode ser “passiva” e “activa” (Barroso,
Dinis, Macedo e Viseu, 2003).

13
No primeiro caso (atractividade passiva) verifica-se quando os factores que levam os
alunos a frequentar a escola resultam de situações e/ou determinações (em regra de
natureza institucional) exógenas à própria escola, isto é, factores externos que são
definidos por outros (legislação, medidas específicas determinadas pelo nível local ou
regional da administração educativa, ou as preferências das famílias).
No segundo caso (atractividade activa) verifica-se quando existe uma acção intencional
da escola, desenvolvida com o intuito de “captar” e “satisfazer” os alunos, traduzindo-
se, nomeadamente, na definição de estratégias, na promoção de acções, no despoletar de
iniciativas ou medidas que têm esse objectivo claro, ou, em última análise, embora não
tendo essa intenção expressa produzem ou concorrem para o efeito de atracção sobre os
alunos.

CONCLUSIONES

As mutações recentes nas políticas públicas sobre a gestão das escolas surgem num
contexto mais vasto de alteração dos modos de regulação da escola pública, de que são
exemplo: a redução (e progressiva extinção) do papel do Estado na educação, com o
consequente aumento da privatização do serviço educativo; prioridade às reformas de
gestão (inspiradas na gestão empresarial) e subordinação das preocupações pedagógicas
aos critérios de eficiência e qualidade, definidos segundo uma lógica de mercado; redução
dos poderes dos professores e seus sindicatos com a “abertura à sociedade civil”
corporizada no aumento da influência dos pais e das empresas na configuração da oferta
educativa e sua gestão.
Sem pôr em causa a necessidade de introduzir alterações no modo como são governadas e
geridas as nossas escolas é importante chamar a atenção para o facto de a defesa da
chamada “modernização da gestão” ser utilizada, muitas vezes, como pretexto para reduzir
o funcionamento democrático das instituições educativas. Em abstracto, poderíamos dizer
que as duas preocupações (modernização e democracia) não são antagónicas. Isto é, nada
obrigaria (antes pelo contrário) que o desejo de uma maior eficácia e qualidade do serviço
público prestado pela escola fosse incompatível com a democraticidade do seu
funcionamento e a equidade da sua acção. Contudo, a análise política e a investigação
empírica têm mostrado (nos mais diversos países e contextos) que as medidas de
“modernização da administração pública”, não passam, muitas vezes, de uma simples
recomposição do poder e controlos perdidos pela administração, sem que em nada se
alterem as relações de dependência entre administradores e administrados e, pior ainda,
muitas vezes à custa do próprio funcionamento democrático das instituições e da lógica de
serviço público.
Por isso, o problema actual da gestão escolar é o de saber como é possível dispor de
boas formas de coordenação da acção pública sem que isso ponha em causa o
funcionamento democrático das organizações. Não basta ter em conta só os eventuais
efeitos que a chamada “profissionalização da gestão” pode ter em termos de
“produtividade” e eficácia” da gestão de recursos, mas também os efeitos que produz no
domínio da justiça e da equidade do serviço educativo, da promoção da cidadania, da
coesão social e da democracia nas escolas.
Um bom ponto de partida para uma reconceptualização da gestão escolar poderá ser a
valorização da dimensão política e comunitária da escola pública, libertando-a quer da

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burocracia estatal quer da concorrência mercantil, e fazendo do gestor escolar um
mediador local de interesses e valores, na construção da cidadania democrática.

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