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Indice

O Direito de necessidade do art. 34º


Estado de necessidade desculpante
Distinção entre o estado de direito ofensivo e defensivo
Conflito de deveres
Questão das ordens dos superiores hierárquicos
Conceito de Consentimento
Conceito de Culpa
O direito de necessidade do art. 34º
De acordo com o disposto na al. b) do art. 34º, só tem lugar a justificação por direito de
necessidade se houver “sensível superioridade do interesse a salvaguardar
relativamente ao interesse sacrificado”. Aqui deparamo-nos verdadeiramente com o
cerne da figura em análise: o princípio do interesse preponderante, segundo o qual a
lei exige que se pondere o valor dos interesses conflituantes, nomeadamente dos bens
jurídicos em colisão e do grau do perigo que os ameaça, ou seja, dos decursos possíveis
do acontecimento em função da violação dos bens jurídicos que lhe está ligada.
Nota- Destaca-se que é importante dizer interesses protegidos e não bens jurídicos,
uma vez que não tem necessariamente de ser protegido pelo DP. Podem ser interesses
tutelados por outros ramos .

⮚ Exemplo- Saber até que ponto é exigível, numa questão de perigo de vida de um
paciente, se configurar uma situação de estado de necessidade, quando se retira
um rim a terceiro para se salvar outra pessoa. Artº 34, al. c) do CP: nega-se este
estado de necessidade tendo em conta o grau de lesão.
Contrariamente à situação do rim, já é perfeitamente equacionável que haja estado de
necessidade relativamente a determinados tipos de produtos humanos que são
regeneráveis. Nesses casos, pode-se lesar a esfera jurídica de terceiro (Exemplo: a
extração de sangue para salvar a vida de outrem é lícita. Aqui, o grau de lesão que pode
vir a ser sofrido pelo necessitado é manifestamente superior ao grau de risco de lesão
que é afetado).
Deve-se ter sempre em conta a autonomia pessoal do lesado, nos termos do art. 34º al.
c). Na situação do rim, mesmo que essa seja a única forma de, por via de transplante,
salvar a vida de B, a tanto se opõe (apesar de o bem jurídico “vida” ser superior ao da
“integridade jurídica”), a autonomia pessoal de A, que deve ser preservada. O mesmo já
não acontece em relação à extração de sangue, visto que não está em causa um prejuízo
grave (o art. 34º, al. c) é um critério de exigibilidade).

De algum modo relacionada com o tema acabado de se considerar está a questão de


saber se o sacrifício da vida humana de pessoa já nascida deve entrar na ponderação
própria do estado de necessidade ou, pelo contrário, dela ser pura e simplesmente
excluída.
A doutrina absolutamente dominante corre neste sentido: a vida é um bem jurídico de
valor incomparável e insubstituível, que ocupa um primeiro e indispensável lugar na
hierarquia dos bens jurídicos. Logo, não são legítimas quaisquer diferenciações (sejam
qualitativas, entre uma criança e um idoso, ou quantitativas, pois a vida de um vale
exatamente o mesmo que cem).
(Exemplo- atirar crianças borda fora para salvarem a própria vida. Para o DP, a vida de um
recém nascido e a de um idoso é igualmente valiosa, tal como a de alguém doente e a de alguém
saudável. Não há nenhum critério valorativo para considerar que a vida de uma pessoa é mais
valiosa que outra.)
Nesta situação, não há nenhum interesse superior a ser salvaguardado: os interesses são
iguais, já que se sacrifica uma vida humana por outra. Assim, nunca podemos falar na
atuação de um tipo justificador. Em caso de conflito de vida contra vida, deve assentar-
se no princípio da imponderabilidade da vida para efeito de estado de necessidade
justificante. A conduta não deixa de ser ilícita, podendo ficar em aberto uma eventual
causa de exclusão da culpa.

Há uma ideia de exigibilidade relacionada com o juízo de culpa. Todo o ser humano e a
sua vida pode ser condicionado por circunstâncias indígenas/características intrínsecas
ao agente, que façam com que ele não seja suscetível de um juízo de culpa (exemplo: a
inimputabilidade).
Mas também se destacam características exógenas (por exemplo, numa situação de
naufrágio, há dois sobreviventes e apenas uma tábua para que um sobreviva. Existe aqui
uma tensão psicológica grave, que se resume a matar ou morrer. Atualmente, não é
exigível que estas pessoas deixem de lutar pela sua sobrevivência, independentemente
de qualquer ordem moral ou religiosa. Tal atuação não poder ser censurável à luz do
DP).
Na questão do barco, o critério é o mesmo. Apenas não há um tipo justificador porque o
interesse não é superior. Desta forma, esta situação não é englobada pelo art. 34º, mas
pode caber no art 35º, uma vez que o interesse é igual.
O problema aqui não é um problema de direito de necessidade, uma vez que a vida das
pessoas que permaneceram no barco teria que ser significantemente mais relevante do
que o das pessoas que foram atiradas borda fora, o que não é verdade. Como tal,
poderíamos muito estar perante um caso de necessidade desculpante do art 35.

Estado de necessidade desculpante (art. 35º)


Nos termos do art. 35º, tal como na legítima defesa, no estado de necessidade o perigo
tem também de ser atual. Contudo, o Dr. Figueiredo Dias e outros autores admitem um
alargamento da atualidade da defesa, defendendo que se pode atuar ainda um pouco
antes da agressão ser iminente (Ex- alguém entra num terreno de um vizinho para
apagar um incêndio no prédio do outro vizinho).
Neste caso, pode haver já um estado de necessidade mesmo sem estar já instalado um
incêndio com uma dimensão considerável. Quando começam as primeiras fagulhas, ou
seja, quando começa a ignição, o perigo já é atual, o que não aconteceria do ponto de
vista da legítima defesa. No estado de necessidade, admite-se que se possa atuar mesmo
antes do perigo, antecipando-o.

Para além de ser atual, o meio tem de ser adequado para evitar essa mesma lesão.
Quando se fala de adequação, fazemos uma remissão para a teoria da adequação: o
meio tem de ser previsível à luz do concreto agente, para que se possa evitar a lesão
daquele mesmo bem jurídico.
Tal como na legítima defesa, não estamos perante uma situação de estado de
necessidade se houver uma pré-ordenação do agente, ou seja, não pode ter sido o
próprio agente a ter criado a situação de perigo (porém, o art 34 prevê um incentivo
para o agente afastar na mesma o perigo, podendo continuar a beneficiar do estado de
necessidade).

Por último, já sabemos que em todos os tipos de justificadores existe um elemento


subjetivo comum. Também no estado de necessidade é preciso que o agente saiba que
está a atuar segundo o estado de necessidade Só que destaca-se ainda um elemento
subjetivo especial: a consciência que se está a salvaguardar um interesse mais
importante.
Assim, no estado de necessidade, não basta que se prove que o agente sabia que estava a
atuar sobre um tipo justificador, mas também é necessário que saiba que estava a
salvaguardar um interesse manifestamente superior ao lesado.

Distinção entre o estado de necessidade ofensivo e defensivo


A partir do século XIX, começaram a surgir alguns escritos sobre uma lacuna que pode
existir no DP quando estamos perante uma agressão que é lícita e em que essa agressão
provém de uma fonte de perigo.
➔ Exemplo- Um ciclista que está a cumprir as regras do código da estrada perde a
dada altura a direção efetiva da bicicleta por qualquer falha mecânica e, por isso,
dirige-se em direção a outra pessoa. Naturalmente, por instinto defensivo, a
pessoa empurra o ciclista, acabando este por bater com a cabeça e morrer.

Ora, nesta situação, não se pode dizer que estamos perante um caso de legítima defesa,
uma vez que a agressão não era ilícita (já que o ciclista estava a cumprir todas as regras
do CP, simplesmente houve uma falha mecânica). Mas também não estamos perante um
estado de necessidade, uma vez que não há um terceiro (há sempre um terceiro em
qualquer estado de necessidade).
Esta seria uma situação que ficaria sem resposta do ponto de vista da justificação ou
exclusão da culpa por parte do DP. Por isso, começou a defender-se que estamos
perante um estado de necessidade defensivo.
Estado de necessidade defensivo: situação em que o próprio agente defende-se
contra uma ação lícita que atinge a própria esfera da fonte de perigo . Até agora, temos
estado a falar do estado ofensivo. Contudo, este estado de necessidade defensivo
também pode funcionar como um tipo justificador, à luz do art. 34º.
A diferença entre ser um tipo justificador ou uma causa de exclusão da culpa tem haver
com a natureza dos interesses que estão a ser postos em causa.
➔ No caso do ciclista, sacrifica-se uma vida por outra vida e, assim sendo, não há
uma exclusão da ilicitude, já que o interesse não é manifestamente superior mas
igual. Deste modo, pode ser aplicado o artº 35, ou seja, pode haver uma causa de
exclusão da culpa.

Conflito de deveres
O conflito de deveres é um outro tipo justificador previsto no Art 36 nº1 do CP,
repousando no mesmo fundamento justificador do direito de necessidade. Existe um
conflito de deveres quando na situação colidem distintos deveres de ação, dos quais
só um pode ser cumprido.
➔ Exemplo- Um salva-vidas tem duas pessoas a afogar-se, mas não consegue
salvar as 2. Há um conflito de deveres.
Deverá o agente ser punido pela morte da pessoa que não salvou? Será que se pode
imputar o crime de homicídio da pessoa que afogou ao salva vidas?
De acordo com o artº 36 nº1 do CP, considera-se justificado o facto correspondente ao
cumprimento de um dos deveres em colisão, mesmo à custa de deixar o outro
incumprido, desde que o valor do dever cumprido seja igual ou superior (mesmo que
não “sensivelmente”) ao daquele que se sacrifica.
E o que acontece se o que se sacrificar tiver uma valia inferior do que se protege?
Não obtemos bem uma resposta, mas tal não significa que esta situação não tenha uma
tutela por parte do DP. Defende-se a aplicação analógica do artº 35: este pode ser
aplicado quer em situações de estado de necessidade desculpante quer em conflitos de
deveres subjetivos ou desculpantes. Aqui a analogia é permitida pois é matéria
favorável ao indivíduo- artº 3 do CP
O art. 35 nº2 diz respeito a interesses que estão em perigo e que têm uma natureza
diversa, não precisando contudo de ter uma natureza pessoal. Aqui, a pena pode ser
especialmente atenuada, não havendo uma causa de exclusão da culpa, pois o agente
será na mesma punido. O que pode haver é uma especial atenuação da pena ou uma
dispensa de pena.
(nota: Especial atenuação de pena- Remissão para o art 73 do CP- diz como se faz a
contabilização da moldura penal abstrata. Dispensa de pena- art 74)

Questão das ordens de superiores hierárquicos (art. 36º, nº2 do CP)


Até ao estado de direito democrático, qualquer ordem dada por um superior hierárquico
tinha de ser cumprida pelo respetivo inferior, mesmo que ela levasse à prática de um
crime (sendo depois responsabilizado o superior hierárquico).
Esta era uma teoria contrária ao Estado de Direito, uma vez que no Estado de Direito
não se considera um inferior hierárquico como um mero objeto/instrumento do seu
superior, mas sim como um ser autónomo. Com o surgimento das constituições liberais,
o inferior deixa de ser considerado uma extensão do superior hierárquico, sendo esta
teoria completamente afastada.
Nas constituições republicanas, tal como a atual CRP, no que toca à administração
pública, está estipulado que quando o superior hierárquico dá uma ordem ao respetivo
inferior hierárquico cujo cumprimento constitui a prática de um crime, o inferior tem o
direito de resistência de não cumprir essa ordem (e se a cumprir, poderá igualmente ser
responsabilizado penalmente).O inferior hierárquico é considerado como alguém que
pode e deve distinguir o lícito do ilícito, e por isso deve atuar segundo aquilo que o
ordenamento jurídico exigir.
O que acontece quando a norma que é dada pelo superior não configura a prática
de um crime mas de uma contraordenação?
Destacam-se 2 posições:

● teoria da legalidade- uma vez que a ordem é ilícita, apesar do art. 36 nº2 do
CP falar de “crime” e não contraordenação, defende-se uma interpretação
extensiva da norma. O dever de legalidade exige o incumprimento da ordem
dada pelo superior.

● teoria da respeitosa representação- Provém da época do Estado Novo,


defendendo que quando a ordem dada pelo superior resultar numa
contraordenação, o inferior deve “representar junto do superior”, ou seja, colocar
novamente a questão ao superior hierárquico por escrito. Deste modo o inferior
fica protegido. Caso o superior confirmar a ordem por escrito, apenas o superior
poderá ser responsabilizado.

A última teoria tende a ser abandonada e, como tal, ficamos pela teoria da legalidade.

Consentimento
Durante muito tempo vigorou um paradigma monista nas questões do consentimento em
que só havia esta figura do consentimento. Entretanto, o autor Costa Andrade introduziu
uma nova figura da doutrina alemã semelhante ao consentimento: o acordo.
● Acordo- Resolve a questão a nível da tipicidade. É uma causa de exclusão da
tipicidade (a conduta acordada nem sequer se encaixa num tipo de ilícito).
● Consentimento- Resolve o problema a nível da ilicitude. Funciona como um
tipo justificador legal.
No acordo, o objetivo do ordenamento jurídico é o mesmo que o do titular do bem
jurídico. No consentimento, a conduta é típica, mas não é ilícita, funcionando como
causa de exclusão da ilicitude (há uma divergência entre a vontade do titular do bem
jurídico e o ordenamento jurídico).
(Por exemplo, no artigo 191º do CP, só se pode dizer que se pode colocar em abstrato a
possibilidade de alguém invadir o domicílio se o titular do bem jurídico não o consentir. Se
houver consentimento, estamos perante uma situação de acordo. O acordo elimina logo o caráter
típico da conduta. Tanto o ordenamento jurídico como o titular querem que só entre no lar do
titular quem ele quiser).

Já o consentimento é diferente. Eu posso consentir que ofendam a minha integridade


física, mas não deixa de haver tipicidade (artigo 143º CP). Em regra, se houver
consentimento, o agente não será punido.

● No ponto de vista do acordo- Não há nenhuma perda do bem jurídico e por isso
é uma causa de exclusão da tipicidade
● No ponto de vista do consentimento- há sempre alguma perda, havendo porém
um tipo justificador

O consentimento durante muito tempo foi tratado como tendo uma justificação
diferente: como uma carência de interesses (Eduardo Correia). No entanto, também no
consentimento há uma ponderação de interesses entre a pessoa que consente e a
exigência do ordenamento jurídico de que não haja lesão de bens jurídicos.
Para que o consentimento seja válido, é necessário preencher os requisitos do art
38 do CP
1. O consentimento é válido e eficaz se disser respeito a interesses juridicamente
disponíveis
Como é que sabemos que os interesses são juridicamente disponíveis?
Exemplo: a vida é indisponível por terceiros mas disponível pelo próprio. Se me tentar
suicidar, o ordenamento jurídico não me censura. Coisa diferente é o incentivo ao
suicidio- artº 131 do CP (já há censura).
Por sua vez, o consentimento na integridade física já é uma situação mais complicada, e
por isso é que o art 38 do CP se refere a “além dos casos previstos na lei” (artº 143 e ss
do CP). Diz-se que a integridade física é livremente disponível, podendo eu dispor da
minha liberdade física. Contudo, podemos ter situações extremas e, assim sendo, diz-se
que a integridade física é disponível até certo limite (não é lícito cortar um membro).
Estes limites estão expressamente previstos no 149 nº2 (não obstante a enumeração aqui
prevista ser meramente exemplificativa).
A norma do art. 38º faz referência aos “bons costumes”, porque o que se exige para que
o consentimento seja válido é que o facto não ofenda os bons costumes. Bons costumes
é um conceito indeterminado que tem de ser concretizado casuisticamente. São
valorações gerais de uma dada sociedade num dado tempo.
Como é difícil concretizar os bons costumes, temos um artigo muito mais preciso e
seguro: o artº 149. Assim, aquilo que se defende é que os critérios do art. 149º, nº2
sejam aplicados a todos os bens jurídicos penalmente relevantes, e não só ao
consentimento da ordem jurídica.
Por outro lado, segundo esse artigo, é necessário que o consentimento seja expresso
através de uma vontade séria, livre e esclarecida, podendo ser revogado a qualquer
momento até à execução do facto.
O consentimento assume 2 modalidades:
❖ consentimento real /efetivo- art 38 do CP
➢ Pode ser efetivo expresso
➢ Pode ser efetivo tácito

❖ consentimento presumido- art39º do CP


Consentimento real: O artº 38 do CP exige um índice etário, sendo o consentimento
apenas é válido e eficaz se for exercido por quem tenha mais de 16 anos e por quem
tenha o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance quando presta esse
consentimento.
A lei parte do princípio de que quem for menor de 16 anos nunca poderá livremente
consentir, mas exige mais: podem haver pessoas que, apesar de terem mais de 16 anos,
não têm capacidades para entender o sentido e o alcance. Por isso, o consentimento não
será eficaz. Quem está sujeito ao estatuto de maior acompanhado, por exemplo, pode até
ter 50 anos e não ter capacidade para entender o alcance e o sentido do seu ato, pelo que
o consentimento não será válido.
Artº 38 nº4: aplica-se a todo o ordenamento jurídico, nomeadamente a quem não sabe
que está a atuar a coberto de um tipo justificador. Aplicar-se-á a pena aplicável à
tentativa.
Se todos estes requisitos estiverem preenchidos, o consentimento é válido

Consentimento presumido: Imaginemos que alguém chega a um hospital


inconsciente e é necessário realizar uma intervenção cirúrgica urgente. Neste caso,
presume-se o consentimento da pessoa. Assume-se que o cidadão médio consentiria em
tal atuação.
Ño entanto, existem situações em que tal não acontece:
➔ Exemplo- religiões que não permitem intervenções cirúrgicas. Se for conhecido
esse caso, a intervenção cirúrgica resulta num caso de violação de liberdade de
culto, religião,etc.. Mas é preciso que tal seja evidente ou que seja conhecido.

Culpa
É possível encontrar o conceito de culpa em várias disciplinas científicas. Não obstante,
no DP a culpa é sempre um juízo de censura individual e concreto.
Ao contrário da ilicitude, em que o juízo de censura é geral e abstrato, não sendo
necessário remeter para o caso concreto, a culpa exige que se remeta ao concreto agente.
Só posso dizer que um determinado agente atuou de forma culposa quando conheço
todas as circunstâncias do caso concreto. A culpa é o reino da subjetividade, ao
contrário da ilicitude que é o reino da objetividade.
O conceito de culpa para o DP repousa num outro conceito sem o qual não se pode
configurar a culpa: o conceito de liberdade humana.

Liberdade humana
Até hoje, não há uma concepção unívoca do que é a liberdade. Destaca-se a questão do
determinismo e do indeterminismo: saber se somos realmente livres ou não.
● indeterminismo- somos livres
● determinismo- não somos livres. Somos fruto das nossas circunstâncias
Na verdade, partimos de um princípio de indeterminismo relativo, que no fundo, tira o
melhor das duas perspectivas: não somos totalmente determinados, nem totalmente
livres.
No crime concorrem fatores de natureza biológica, psicológica e social, sem que haja
uma natureza preferencial de uns em relação aos outros. Não temos um único fator
responsável pelas práticas desses crimes, tal como não temos um único fator
responsável pela liberdade humana. Assim sendo, temos que aceitar que o agente teve a
liberdade de atuação para aceitar a punibilidade de um crime (um inimputável não é
livre, daí ele não poder praticar crimes).
Podemos considerar internamente que a liberdade humana existe, embora não seja uma
certeza. Deste modo, podemos partir da ideia de liberdade humana como:
● uma liberdade de adesão ( adere-se a esta ideia tal como se adere a uma crença)
● uma hipótese de trabalho
Para certos autores, como Schunemann, a liberdade é uma hipótese de trabalho. Estes
autores mais deterministas afirmam que a liberdade é uma mera hipótese de trabalho.
Assim, seguindo uma perspetiva mais funcionalista e utilitarista, aproveita-se o facto da
comunidade no seu conjunto acreditar que é livre para repousar neste conceito de
liberdade a culpa.
Destacam-se 2 grandes concepções de culpa que marcaram as últimas décadas,
desde a década de 1940 ( 2º Guerra Mundial) até à atualidade:
1- Autores neokantianos/ normativistas
Cavaleiro de Ferreira, Eduardo Correia, Bockelman, Mezger. Estes autores
denominavam a culpa de formas diferentes, mas a ideia era a mesma.
➢ Bockelman falava na culpa na condução da vida
➢ Eduardo Correia falava na culpa pela não formação da personalidade .
A base é sempre a mesma. Estes autores partem da ideia de que o ser humano é livre, ou
seja, partem de uma ideia indeterminista de que o ser humano pode ser responsabilizado
pelos seus atos devido ao seu livre arbítrio.
No entanto, caso se consiga provar que uma pessoa não foi livre durante uma certa
conduta, então não poderia haver culpa e, consequentemente, pena. Isto leva-nos ao
problema dos delinquentes por tendência.
A pena relativamente indeterminada- artº 83 e ss. do CP – trata de dois grupos de
delinquentes:
● delinquentes por tendência
● alcoólicos equiparados
Esta pena relativamente indeterminada significa que o condenado não será punido com
uma pena fixa. A pena relativamente indeterminada tem apenas um mínimo e um
máximo. Será em função do comportamento do agente que veremos o exato tempo de
pena que será cumprido. Este foi um instrumento criado pelo Dr. Eduardo Correia para
os delinquentes mais graves que têm tendência a reincidir no crime.

Destacam-se 2 tipos de reincidência:


● Reincidência homótropa- Comete vários crimes da mesma natureza
● Reincidência polítrota- pratica crimes de natureza diferente

Os delinquentes por tendência representam um problema para os quadros do conceito de


culpa destes autores, uma vez que são menos livres devido às tendências que os
empurram para os crimes. Como tal, seriam menos culpáveis e, consequentemente, a
pena poderia ser menor (ou até mesmo não haver pena). Assim, a sociedade ficava
desprotegida contra estes agentes, que acabavam por ter uma perigosidade maior que a
de um criminoso comum.
Eduardo Correia diz que é verdade que quando o agente pratica o crime, esse agente
está condicionado e, como tal, apresenta pouca ou até nenhuma liberdade. Mas o que se
diminui em termos de liberdade na prática do facto deve ser aumentado em termos de
culpa pelo agente não ter formado a sua personalidade como deveria. O agente podia e
devia ter agido de outra maneira. Era exigido que criasse adequadamente a sua
personalidade. O facto de vivermos em sociedade faz com que todos nós tenhamos que
formar a nossa personalidade de uma forma a que não se violem os bens jurídico-penais.

2- Teoria da culpa da pessoa de Figueiredo Dias


Figueiredo Dias é um autor existencialista, seguindo a filosofia de Sartre. Como tal,
afirma que a concepção de Eduardo Correia não pode ser seguida, uma vez que é
profundamente indeterminista. Nós nunca somos totalmente livres, e a ideia de que ao
longo da vida poderíamos ter formado a nossa consciência de acordo com o
ordenamento jurídico é irrealista. Existem certos condicionalismos que podem
dirigir/conduzir o agente para uma determinada consciência delinquente (ambiente
familiar, situação económica, características biológicas…).
Em alternativa, Figueiredo Dias propõe então que a culpa deva ser aferida tendo em
conta a vida do indivíduo na sua plenitude. É necessário ter em conta todo o percurso
dessa pessoa .Há um momento na vida da pessoa em que ela se rebela/ revolta contra o
Direito e decide que não vai seguir o dever ser jurídico penal, mas o oposto. Temos que
ter em atenção este momento de decisão existencial, e é neste momento que reside a
culpa do agente, que depois se traduz numa determinada personalidade.
É importante destacar que o DP não pune uma determinada personalidade, mas sim uma
determinação ação/ um determinado ato. Apenas censura a personalidade manifestada
nos atos, pois são estes o que realmente importa.

A posição de Figueiredo Dias é atualmente maioritária mas não é uma posição que
esteja isenta de críticas:

⮚ Como é que iremos escolher esse direito da decisão existencial? Não há


resposta. Há uma dificuldade prática, já que na prática este critério é muito
difícil de concretizar (os tribunais seguem esta posição).

Tendo tudo isto em conta, na prática, seguir uma ou outra posição não tem quaisquer
tipo de reflexos/consequências sensíveis. Assim, a formulação de dizer que posso dirigir
um juízo de culpa a um agente no sentido de o agente deve agir de outra forma pode ser
entendido numa perspetiva muito mais prática.
Ao invés de se dizer que o agente devia ter agido de outra forma, segundo o sentido da
formação da sua personalidade, podemos seguir uma perspetiva muito mais
axiologicamente neutra e dizer que era exigível uma outra atuação simplesmente porque
o ordenamento jurídico assim o exige.

Para que se possa dirigir um juízo de culpa são necessários 3 requisitos:

● Que seja imputável


● Que seja exigível uma conduta diferente da que teve
● Que haja a consciência da ilicitude da conduta

Estes elementos são cumulativos, sem um deles não há culpa.

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