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Direito Penal III

2021/2022
2º semestre

Daniela Pinho
3º ANO | DIREITO | ULP
A Parte Especial do Código Penal
Na Parte Geral são estudadas normas gerais sobre o crime, como dolo e culpa, tentativa e
consumação, nexo causal, concurso de agentes, fixação da pena, concurso de crimes, etc.

Na Parte Especial estão localizados os crimes em espécie, ou seja, as normas incriminadoras e


suas respetivas penas.

Tal divisão não é aleatória, por óbvio, obedecendo uma classificação sistemática, de modo a
aglutinar crimes de acordo, principalmente, com os bens jurídicos afetados.

A sistematização da parte geral é o reflexo da sociedade que temos, muito influenciada pela
cultura (deixamos de achar que grafiti era coisa má para ser arte; deixamos de achar que um
piropo era elogio para o punir criminalmente). O que achamos como fundamental é o valor
primário do nosso Código Penal o que leva a comparar o Código Penal de 1886 com o atual,
sendo que no 1º a parte inicial da parte especial começa pelos crimes de abuso de funções
religiosas e contra a religião que comparativamente ao atual código o 1º título são as ofensas à
vida da pessoa humana. Em termos de sistematização se então se via o valor essencial do estado
e só depois da pessoa, em 1982 abre nos crimes contra as pessoas e só depois contra o
património e quase no fim contra o Estado.

Para ver uma clara diferenciação vemos que se no art.131º prevemos uma moldura penal de 8 a
16 anos no art.143º a moldura é de prisão até 3 anos ou pena de multa – há uma diferença entre
a valoração entre vida e integridade física.

Função aglutinadora: os crimes na parte especial estão arrumados, o modo dessa arrumação no
Código Penal tem um significado, há uma sistematização e eventual hierarquização dos valores
sociais refletidos em bens jurídicos. As opções que encontramos são sintomáticas (reflexo de
uma coisa maior). Esta função faz corresponder uma moldura penal a uma conduta ofensiva
numa lógica de proporcionalidade.

Função descritiva: uma das coisas que separa as partes geral e especial é a cristalização do tipo
legal de crime que tem diversas funções mas acaba por ser esse conjunto uma unidade com
intencionalidade (ainda que os tipos legais de crimes sejam lidos por si mesmos não fazem
sentido sem a parte geral)

O que seria da parte especial sem a parte geral? Se não houvesse parte geral o que poderia
fazer para que fosse tida em conta a legítima defesa? Não havendo parte geral, todos os tipos
legais de crime deveriam ter explícito as características gerais que a eles se aplicavam (omissão,
legítima defesa, tentativa, negligência etc.)

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Fragmentaridade de 1º e 2º grau: o Direito Penal, contrariamente ao Direito Civil, é
fragmentário. O que encontramos na parte especial é justamente os precisos bens jurídicos que
são essenciais à convivência comunitária, sendo só esses merecedores de tutela pelo que nem
todos os direitos são merecedores de tutela penal, estamos aqui perante a fragmentaridade de
1º grau. O valor da amizade, que é tão importante na nossa vida, não tem tutela penal o que nos
faz perceber que nem todos os bens têm proteção jurídica.

Entende-se que não podemos confundir os valores importantes para a realização individual
como pessoas dos valores comunitários/importantes para todos. Além desta 1ª lógica de
fragmentaridade há a fragmentaridade de 2º grau que são os modos de ofensa relevantes para
a tutela jurídica em que nem todas as ofensas ao bem jurídico definido na 1ª fragmentaridade
tem relevância penal (nem todos os crimes são punidos por tentativa ou negligência, por
exemplo).

Princípio da perequação das penas: há uma dependência mútua entre as condutas descritas e
as penas previstas sendo que a pena tem que refletir em termos proporcionais a legitimidade da
conduta e, por outro lado, a punição da ofensa e do bem jurídico. Tal moldura penal está
embebida das finalidades da punição, ou seja, se seguirmos Faria Costa será a neo-retribuição
ou por Figueiredo Dias a punição preventiva.

A moldura penal abstrata no fundo tem de criar o equilíbrio entre 2 tipos de desvalor, o desvalor
da ação e o desvalor da privação da liberdade do cidadão. Os limites máximos em geral das
penas cumprem uma função e nesse sentido o limite mínimo define o linear abaixo do qual o
legislador considera desnecessária a intervenção penal.

O traço característico da parte especial é o tipo de crime enquanto recorte seletivo e portanto é
como uma folha de papel em que só a parte recortada vai para o Código Penal. No fundo, em
relação aos cidadãos cada vez que faço um recorte estou a trazer como consequência à vida dos
cidadãos menos liberdade. Para lá daquilo que é o recorte, não pode ser possível incluir outras
condutas não descritas.

Os tipos da parte especial devem ser estudados por uma certa lógica. Nós só legitimamos a
intervenção penal através da identificação do bem protegido pelo que o 1º passo é a
identificação do bem jurídico de cada tipo legal de crime. Em seguida, vamos ao designado
tipo-objetivo na lógica descritiva em que pensamos se há causas de exclusão da culpa e formas
especiais do crime.

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Os crimes contra a Vida
O crime de homicídio descrito neste preceito constitui o tipo legal fundamental dos crimes
contra a vida. Deve sublinhar-se que o tipo de ilícito objetivo constante do art.131º basta para
caracterizar o conteúdo essencial do ilícito de todos os "crimes contra a vida" de pessoa já
nascida, sendo o mesmo em qualquer deles o bem jurídico protegido: a vida de outra pessoa já
nascida. É a partir deste tipo legal fundamental que a lei constrói os restantes tipos de crimes
contra a vida, ora qualificando-o (homicídio qualificado), ora privilegiando-o (homicídio
privilegiado, homicídio a pedido da vítima, infanticídio), ora especializando as formas de
ataque ao bem jurídico (incitamento ou ajuda ao suicídio, exposição ou abandono e
propaganda do suicídio) ou o tipo subjetivo de ilícito e o tipo de culpa congruente (homicídio
por negligência).

O "assassinato" não é nem de um ponto de vista racional, nem de um ponto de vista


teleológico algo de qualitativamente diferente, segundo o seu conteúdo de ilícito, do
homicídio. Em Portugal não se faz diferenciação entre assassinato e homicídio, temos uma
conceção monista de tipo fundamental que nos diz que a todos os títulos é muito mais simples
ter um único crime que se identifica um tipo fundamental/referência e consoante as normas de
ofensa/gravidade teremos punições ou privilegiamentos.

Quando começa a tutela penal de pessoa já nascida?


No homicídio e no aborto são jurídico-penalmente distintos os bens jurídicos protegidos e
não apenas os objetos do ataque que contra eles se dirija; e isto ainda mesmo quando se deva
considerar que ambos constituem "vida humana". A precisão a que deverá então ser-se
convidado é à de que o bem jurídico protegido pelo homicídio (não o mero "objeto do facto")
não é a vida humana em todas as suas formas possíveis, mas, mais rigorosamente, a vida de
pessoa já nascida; no preciso sentido de "vida da pessoa cujo ato ou processo de nascimento já
se iniciou". Sendo a vida humana (de pessoa já nascida) o bem jurídico que ilumina os crimes
contra a vida, torna-se verdadeiramente essencial determinar qual o momento em que a pessoa
adquire a qualidade de pessoa já nascida, bem como o momento em que aquela qualidade
termina.

No que respeita à questão da determinação do momento em que se inicia a vida humana para
efeito de proteção pelos crimes de homicídio, duas teses se apresentam como possíveis.

Segundo uma dessas teses a vida começaria, tal como para o direito civil é prescrito
pelo art. 66° nº1 do CC, com a completação do processo de nascimento (o "nascimento
completo e com vida").

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A 2ª tese acredita que o fim de proteção da norma do homicídio impõe que a morte dada
durante o parto, seja qual for a via pela qual este se opere, se considere já um verdadeiro
homicídio, antes que um aborto. A esta consideração funcional-teleológico acresce
aliás, se tanto se julgar necessário, um argumento textual, o de que, por um lado, o art.
136° pune como homicídio privilegiado (infanticídio), não como aborto, a morte dada
pela mãe ao seu filho durante o parto e, por conseguinte, num momento em que o
processo de nascimento não se completou ainda; e o de que, por outro lado, o crime de
aborto é expressamente considerado como crime contra a vida intrauterina, o que
significa que ele não tem lugar quando começou já o período de expulsão.

Quando deva considerar-se que se iniciou o ato de nascimento é questão que, em alguns casos,
pode conduzir a dificuldades.

A melhor solução, perante o estado daqueles conhecimentos, é a de considerar que esse


momento se verifica- não necessariamente quando se inicia o "processo de dilatação", mas -
quando se iniciam contrações ritmadas, intensas e frequentes que previsivelmente conduzirão à
expulsão do feto. Que tais contrações surjam naturalmente ou artificialmente induzidas
(nomeadamente por meios medicamentosos), deve considerar-se em princípio indiferente. Se,
mesmo que as contrações com as características aludidas se não verifiquem, tiver lugar o
processo cirúrgico ("cesariana"), será então o momento em que este processo começa, através
de uma intervenção sobre o corpo da grávida, a marcar o início da possibilidade de realização
do tipo de ilícito objetivo do homicídio.

Suficiente é que a criança, no referido momento inicial do processo de nascimento, esteja viva.
Por isso o crime de homicídio é possível relativamente a crianças que, tendo nascido vivas,
pelos mais diversos motivos não tenham nenhuma possibilidade de continuar a viver fora do
ventre materno. À contrario, se não há para efeitos penais vida não há bem jurídico para
proteger por homicídio.

As chamadas condutas médicas pré-natais vêm suscitando um complexo e muito discutido


problema de distinção entre o preenchimento dos tipos objetivos de ilícito do homicídio e do
aborto. Seguro se tem geralmente considerado que, sempre que a produção do efeito lesivo tem
o seu início num momento em que o processo de nascimento ainda não começou, o tipo legal
preenchido pela conduta só pode ser o do aborto, não o do homicídio.

As dúvidas são porém muitas e fundadas-vindo a dividir, p. ex., a doutrina e a jurisprudência


alemãs- quando as condutas pré-natais têm efeitos lesivos do produto da conceção verificáveis
só depois de iniciado o processo de nascimento. Não falta quem queira aplicar de forma estrita,
ainda neste contexto, a doutrina constante do art. 3º, considerando decisivo para o efeito o

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momento da "conduta"; pelo que ainda aqui as atuações pré-natais agora em causa não poderiam
considerar-se integrantes de um crime de homicídio, mas única e eventualmente de aborto.
defende mos esta última solução, na base de que o problema em causa não é, em sentido
próprio, o do "momento da prática do facto" para efeito do art. 3º, mas o do preenchimento do
tipo em função do âmbito de proteção da norma e portanto já poderíamos punir a conduta a
título de homicídio. – princípio nulla crime sine lege.

O Termo da Vida
A segunda das grandes questões relativas ao tipo objetivo de ilícito do homicídio contende com
a determinação do momento da morte, do momento a partir do qual cessa a tutela jurídico-penal
dispensada por aquele tipo. A qualidade de pessoa para efeito do tipo de ilícito objetivo do
homicídio termina com a morte: o cadáver não é mais pessoa para este efeito.

Uma vez que são distintos os pressupostos e a amplitude da colheita de órgãos legalmente
admissível em vivos ou em cadáveres há uma forte tendência tanto entre nós, como na literatura
internacional, para associar o debate em torno da questão da definição do momento da morte ao
da recolha de órgãos para transplantação.

resolução do problema encontra-se não no CP, mas na L 141/99 de acordo com a qual "a morte
corresponde à cessação irreversível das funções do tronco cerebral" (art. 2°). Definição
legal que representa o culminar de um percurso, feito em Portugal, como em tantos outros
países, pela ciência médica e pela doutrina jurídico-penal, de substituição do critério tradicional,
a síndroma cardiorrespiratória, pelo critério da morte cerebral.

A Morte Medicamente Assistida


Não existe nenhum bem jurídico meio entre a vida e a integridade física; se a ofensa for ao
ponto de a pessoa ficar em estado vegetativo não deixa de ser ofensa à integridade física. Faria
Costa propõe um novo bem jurídico que é a integridade pessoal – quando a pessoa perde a
capacidade de autonomia/comunicação – proposta esta que ainda não encontrou aceitação, mas
surgindo justamente porque o avanço das ciências médicas sempre foi espetacular tendo feito
até com que se alterasse o conceito “morte”.

Com tantos avanços passou a ver-se a morte como uma doença, assistindo-se a um fenómeno da
“obstinação terapêutica”, ou seja, em termos médicos as pessoas não tinham informação
nenhuma e não discutiam com os médicos pelo que não obstante aquilo que se fazia, por mais
agressivo que fosse, ainda que com nenhuma utilidade terapêutica, se conseguisse impedir ou

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atrasar a morte fazia-se gerando os cuidados paliativos e a perceção de que a medicina
intensivista não ajudava o doente.

O nosso sistema ocidental é de diferenciação positiva. O nosso Código Penal assume que cortes
feitos por auxiliares de saúde autorizados, desde que com propósito terapêutico, a tipicidade
desaparece, não há ofensa à integridade física. Como temos este regime especial de
diferenciação positiva relativamente aos atos médicos, o médico também não respondia por ser
tão invasivo. Começa a surgir a questão relacionada com a eutanásia que vai bulir a proteção da
vida, o direito de proteção médica e a autodeterminação. A questão surge porque com o
prolongamento quase imensurável da vida os doentes começaram a reclamar pela falta de
respeito pela sua vontade pelo que hoje a eutanásia é pensada dentro da tutela da
autodeterminação mesmo com o direito penal médico. Figueiredo Dias utiliza a expressão
“ajuda à morte” dos alemães o que é desnecessário sendo que o termo eutanásia já implica a
vontade de morrer.

Durante muito tempo discutia-se se o médico que desligava a máquina estava a praticar
homicídio por omissão. Outra coisa que foi discutida mas gerou muita discussão, era a lógica da
medicação para as dores porque estas medicações viciam o corpo; o problema era, os médicos
ao aumentarem a dosagem, têm alguma consciência que tal medicamento vá encurtar o período
de vida (o que é considerado homicídio) gerando-se o problema de se punia o médico ou se
criavam limites de dosagem.

p.s. Hoje já não se fala, juridicamente, em “eutanásia” mas sim em “morte medicamente
assistida”.

Por ajuda à morte no enquadramento jurídico-penal deve entender-se “o auxilio prestado, de


acordo com a sua vontade, real ou presumida, a uma pessoa severa e irrecuperavelmente
enferma, frequentemente em insuportável sofrimento, no sentido de lhe permitir uma morte em
condições que o enfermo reputa, ou há razões para presumir que repute, humanamente dignas”.

Formas de ajuda à morte


Eutanásia passiva: a doutrina tem chegado a algum consenso porque se o que está em causa é
equilibrar a tutela da vida e a autodeterminação das pessoas (art.156º e 157º); se o doente está
ligado a uma máquina/precisa de um cocktail de medicamentos/precisa de quimioterapia o
médico não pode, contra a vontade do doente, manter a máquina ligada/não pode agir contra a
vontade do doente. Logo, quando o doente assim o expressa, o médico deixa de estar investido
do dever de garante pelo que não tem qualquer problema penal.

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Por ajuda à morte passiva deve entender-se, como se disse, a não realização de um tratamento
ou a sua interrupção, quando tal se traduza num encurtamento do tempo de vida que ao paciente
poderia ser artificial mente concedido.

Quatro hipóteses devem ser distintamente consideradas:

O paciente recusar a intervenção ou a continuação da intervenção: neste caso decide a


vontade do enfermo que deve, em qual quer caso, ser respeitada por todos.
o interrupção de tratamentos técnicos, nomeadamente o desligar da máquina de
respiração assistida por desejo do paciente: questão de saber se a conduta em
causa deve ser considerada uma ação, uma omissão, ou uma omissão através de
ação. Seguro parece que, se a conduta for levada a cabo pelo médico ou pessoa
garante, deve ser jurídico-penalmente considerada como omissão. Face à
vontade expressa do doente nesse sentido entendemos que não se depara com
um ilícito-típico de homicídio.
omitir um tratamento ou a sua continuação contra a vontade expressa do paciente :
Detendo o omitente uma posição de garante, a sua conduta, desde que determinante de
uma morte antecipada do enfermo, constitui por via de princípio um homicídio doloso
sob a forma de omissão. Esta só pode ser contrariada nos casos extremos em que o
cuidado solicitado em nada sirva para alterar o período de vida ou para alivio do
sofrimento.
renúncia a medidas de prolongamento da vida quando o paciente se não encontra em
condições de exprimir a sua vontade: Estando em causa doentes inconscientes ou em
estado análogo relativamente aos quais o processo de morte se iniciou já o agente não
pode ser punido por homicídio.

Eutanásia ativa: existem 2 variações: a indireta e a direta.

Indireta: intervenção direcionada sobre o doente com o seu consentimento de atenuar a


dor; eu não trato a causa, mas trato a dor não tendo qualquer intuito quanto à vida do
doente. Se a vida ficar mais curta como efeito secundário o médico não tem qualquer
responsabilidade. Há aqui uma intenção terapêutica e o médico está a agir de acordo
com seu conhecimento e com a permissão do doente.

ela é tida generalizadamente, nos círculos jurídico-penais e médicos, como não


constituindo nem homicídio, nem homicídio a pedido desde que corresponda à
vontade, real ou presumida, do paciente.
a admissibilidade da ajuda à morte ativa indireta conduz à atipicidade da conduta ou
antes à sua justificação face à incriminação do homicídio ou do homicídio a pedido

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A tese da atipicidade louva-se fundamentalmente na diferença de conteúdo de
sentido social que se verifica entre uma ação homicida e a ação destinada a aliviar o
sofrimento insuportável de um paciente moribundo ou incurável.

Direta(morte medicamente assistida): eu não posso consentir da minha própria morte, o


bem jurídico vida não é disponível (não posso dizer “mata-me”) pelo que o
consentimento aqui tem limites quanto ao bem jurídico vida; simultaneamente a vida
não tem tutela absoluta (art.24º CRP “a vida humana é inviolável” pelo que uma
ingerência na vida humana é inconstitucional). A legítima defesa é uma causa de
justificação, deixando de ser ilícito o comportamento (se matar em legitima defesa não
sou punido) podendo esta causa dizer que a tutela da vida não é absoluta. A morte
médica assistida assenta numa lógica de justificação; existem causas que não funcionam
como é o caso do consentimento e outras que funcionam como por legítima defesa.

Enquanto conceito a morte medicamente assistida é a intervenção, por parte do médico,


direta na vida do doente, é uma injeção letal. Sem autodeterminação a eutanásia é
homicídio.

Objetivamente, esta forma de eutanásia é a única punida jurídico-criminalmente pelo


nosso CP pelo art.134º; as demais formas estão diluídas no contexto penal médica como
na vida. A morte medicamente assistida nasce porque aqui o médico que cumprisse o
pedido do doente teria que se preocupar.

O doente tem de estar sempre a reiterar que quer que o processo continue; esta matéria
não se confunde com os cuidados paliativos que têm que ver com doentes em doença
terminal que já não querem mais intervenção terapêutica ativa.

Atualmente, nós, o que vemos é uma compreensão holística compreensiva em que a


vida só é julgado, em termos de moldura penal, nos termos do art.134º. Para todos os
efeitos a autodeterminação das pessoas tem um limite que é a própria vida.

É importante distinguir estas situações das que podem entrar no âmbito do homicídio. O
significado e a intensidade da tutela da vida é diferente de caso para caso.

O Suicídio
o Código Penal português é explícito no sentido de que o tipo objetivo de ilícito do homicídio
exige que se mate outra pessoa, e dizer, pessoa diferente do agente. Assim pois o suicídio não é
punível, e não o é porque a conduta respetiva não integra sequer o tipo objetivo de ilícito do
homicídio.

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Todavia, quando se afronta a questão de uma eventual comparticipação, suscita-se uma
problemática que não será exagero considerar como uma das mais complexas e tortuosas de
toda a Parte Especial do Direito Penal. Suicídio, existe só quando alguém se dá a si mesmo a
morte por suas próprias mãos e sem interferência de terceiros. A questão a ponderar já é outra,
por conseguinte, quando para apontar apenas dois exemplos paradigmáticos - um moribundo
pede ao (ou exige do) médico A que interrompa o tratamento para assim por fim ao seu
sofrimento atroz e irreversível; ou quando alguém - mesmo que decidido, em plena
autorresponsabilidade, a morrer- solicita ao seu amigo B que lhe forneça umas drageias de
cianeto de potássio para por suas mãos por fim aos seus dias. Por ora não se afirma (nem se
nega) a hipótese de A ou de B poderem vir a integrar, com as suas condutas, um tipo objetivo de
ilícito de homicídio (arts. 131º, 132º, 133°, 134°, 135º). Mas é indiscutível que aqui se toca uma
linha de fronteira entre o suicídio e aquele tipo de ilícito.

Ainda quando alguém se dá a si mesmo a morte por suas próprias mãos, o resultado morte pode
relevar para integrar o tipo de ilícito do homicídio se um homem-de-trás dever ser jurídico-
penalmente responsabilizado como autor. Isso sucederá seguramente quando ele dever ser
considerado autor mediato, por exploração de uma deficiência da vontade do homem-da-frente
(do suicida) e sua utilização como "instrumento"; como igualmente sucederá quando o homem-
de-trás dever ser considerado verdadeiro instigador. Em qualquer destes casos, ao homem-de-
trás pertence o domínio do facto da morte, devendo ele ser por isso considerado autor de
um crime de homicídio e não de um crime de incitamento ou ajuda ao suicídio.

Não terminam com isto os problemas de fronteira aqui suscitados, nomeadamente, quanto a
saber se o (tentar) "dar-se a si mesmo a morte por suas próprias mãos" deve pressupor ainda um
suicídio "livre e responsável",

O Homicídio Simples
importa concluir que o tipo objetivo de ilícito do homicídio simples se consuma com a morte de
outra pessoa, isto é, com o causar, por ação ou por omissão, a morte de pessoa diferente do
agente; só sendo conveniente acentuar que "causar a morte" implica a necessidade de se
estabelecer o nexo de imputação objetiva (e subjetiva) do resultado à conduta.

O tipo subjetivo de ilícito do homicídio previsto no art. 131° exige o dolo em qualquer
das suas formas contempladas no art. 14°: direto, necessário ou eventual.
serão em princípio irrelevantes o erro sobre o decurso da causalidade e o erro sobre a
pessoa objeto da conduta homicida

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As Causas de Justificação
A doutrina geral das causas de justificação, quando conexionada com o tipo de ilícito do
homicídio, conduz a que devam acentuar-se sobretudo os pontos seguintes:

Consentimento: não excluí a ilicitude do homicídio doloso, mas pode conduzir a que a punição
venha a ocorrer, antes que pelo art. 131°, pelo art. 134° (homicídio a pedido).

Legítima defesa: Não é linear se a legítima defesa pode existir se o bem ameaçado for de
hierarquia inferior ao bem violado – é discutível se eu para salvar o meu património posso matar
alguém em legítima defesa. Como falamos dos crimes contra a vida a questão de
proporcionalidade não se aplica. Exigindo-se uma lógica de proporcionalidade entre o bem
agredido e a consequência da defesa, dificilmente essa morte pode vir a ser justificável como
legítima defesa dados os patamares bastante diferentes pelo que o mínimo de patamar
justificável tem que ver com a integridade física.

Forças de segurança: têm legislação específica de admissibilidade do uso de arma de fogo pelo
que a possíveis práticas tendo como resultado o homicídio, não há uma especificidade de causas
de justificação.

Adequação social: condutas socialmente adequadas para determinadas circunstâncias


(encontrões em transportes públicos) Os crimes praticados em período de guerra: preocupação
com uma lógica de tipicidade. São entendidos como crimes incluídos na teoria da adequação
social. Homicídios de guerra – entre soldados e não contra civis.

Causas de exclusão de culpa: Nesta matéria pouco há que assinalar de específico


relativamente ao homicídio. As causas mais frequentes e praticamente mais relevantes de
exclusão da culpa residirão quer em situações de inimputabilidade (art. 20° nº1) ou de estado de
necessidade desculpante (art. 35°), derivadas de estados de afeto.

Formas Especiais do Crime:

tentativa: é punível nos termos gerais do art.23º nº1; tendo em conta o critério da cessação do
momento da vida. Imagine o caso de alguém que está num estado de morte cerebral (cessação
irreversível das funções do tronco cerebral), mas ainda respira e o coração bate. Se tentarem
matar essa pessoa ela já está morte para efeitos criminais temos uma tentativa impossível – que
não é punível nos termos gerais. Podemos então ter um crime de profanação de cadáver pelo
254º.

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Como atentar contra a vida humana é dos atos mais censuráveis há tendência, para quando
perante tentativa, esticar a corda para considerar um ato de execução (tentativa) algo que na
realidade não o é, é apenas um ato preparatório (que por norma não é punível). Esta tendência é
errada porque não se justifica distorcer a lei para proferir uma proteção de âmbito diferente a
este crime

comparticipação: remissão para as regras gerais e colocar a questão “é possível no caso de


comparticipação que um dos agentes seja punido pelo crime de homicídio simples e outro a
título de homicídio qualificado”

concurso: O crime de homicídio do art. 131° cede sempre relativamente à sua qualificação
como homicídio privilegiado (art. 133°) ou qualificado (art. 132°), não se verificando aqui, em
rigor, qualquer "concurso" de crimes. Uma questão de concurso poderá já, todavia, ser
equacionada se o homicídio qualificado ou privilegiado não tiver passado do estádio da
tentativa, enquanto o homicídio simples se consumou.

A Pena:

A pena cominada para o crime de homicídio simples é a de 8 a 16 anos de prisão.

De um ponto de vista político-criminal, a moldura penal consagrada é perfeitamente aceitável


(mesmo em um ordenamento jurídico-penal, como o nosso, que não conhece as penas de prisão
perpétua e de morte) e corresponde às exigências preventivas próprias de um sistema racional e
humanista.

O Homicídio Qualificado
A relação com o homicídio simples:

O legislador português de 1982 seguiu, em matéria de qualificação do homicídio, um método


muito particular e até certo ponto, neste domínio, original: a combinação de um critério
generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica chamada dos exemplos-
padrão.

Por outras palavras, a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente
numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos relativamente indeterminados,

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elementos estes assim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo
de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se
verifiquem outros elementos substancial e teleologicamente análogos aos descritos e que
integrem o tipo de culpa qualificador.

De forma mais simples: O homicídio qualificado é uma forma agravada de homicídio, e não o
contrário. Argumentos neste sentido: no art.132º nº1 começa por “se a morte” contendo uma
remissão implícita para o artigo anterior, assim o padrão é o 131º ; a teleologia dos artigos
revela que o ponto do qual se partiu foi o homicídio simples que depois era agravado.

Análise do art.132º
O seu nº1 é uma cláusula geral extensiva que depois é ajudada pelos exemplos do nº2 que são
mais do que meros exemplos mas menos do que propriamente presunções, são exemplos-padrão
bastante variados entre si o que indica que há várias coisas que podem ser suscetíveis de indiciar
esta censurabilidade acrescida.

Não há uma relação automática entre o facto de uma conduta se enquadrar num dos exemplos
do nº2 e portanto preencher os pressupostos do nº1. É possível estarmos perante situações que
se enquadram no nº2 mas que por razões do caso concreto não preencha os requisitos do nº1;
pelo contrário, pode não enquadrar no nº2 e mesmo assim ser considerado homicídio
qualificado. A razão para esta não automatização é que o relevante é o critério da culpa
agravada, o nº2 serve apenas para auxiliar o intérprete e o aplicador da lei a saber o que pode
indiciar esta tal culpa agravada. Confere-se então bastante flexibilidade ao aplicador da lei,
importando também saber como a jurisprudência atua. A flexibilidade não pode ser total sob
pena de violação do princípio da legalidade porque era deixar nas mãos do aplicador um poder
excessivo de aplicação (se só existisse o 132º nº1). Por isso é que a doutrina considera que não
basta pura e simplesmente invocar o nº1.

Deve entender-se, então, que na perspetiva adotada em aula, se tem em conta uma analogia
valorativa, ou seja, se eu quero saber se determinada conduta é ou não reveladora de especial
censurabilidade/perversidade vou às razões do nº2 procurar perceber porquê que tais exemplos
assim são valorados.

Apesar de tudo, nem toda a jurisprudência tem acolhido esta ideia, há jurisprudência que afirma
que é possível recorrer diretamente ao 132º nº1 sem apelo ao nº2; há ainda quem defenda que os
exemplos dados no 132º nº2, são de facto um elenco taxativo/fechado de situações que o
legislador quis definir como de especial censurabilidade (quando no art.132º nº2 se diz “entre
outras” inviabiliza esta doutrina defendida). Há uma tendência de alargamento dos exemplos do
nº2, já em várias alterações ao CP foram mexidos estes exemplos e foram sempre no sentido de
alargar, como o caso das alterações em 1998, 2007, lei 19/2013 (mexeu na alínea F acrescentou

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a “identidade de género” que tem que ver com a transexualidade), lei 59/2014 (alterou a alínea
L acrescentando a referência “agente de execução”), lei 16/2018 (alterou a alínea B com o
objetivo de acrescentar o “namoro”)

Estas opções são, como sempre, suscetíveis de alguma discussão e crítica. As críticas que
Figueiredo Dias dirige às alterações anteriores, na perspetiva do doutor, aplicam-se às alterações
posteriores. Esta tendência de alargamento tem vindo a produzir um efeito negativo, vindo a
qualificar o crime com condutas usando única e exclusivamente o exemplo padrão, não aferindo
no caso concreto o nº1, se releva especial culpa. Isto leva a uma situação paradoxal e
estatisticamente absurda, por causa do alargamento do nº2 parece que estatisticamente a
maioria dos homicídios cometidos é qualificado o que é incongruente na medida em que
por alargar tanto os exemplos leva a que a especial censurabilidade passe a ser visto como
o normal.

O que é decisivo para a qualificação do crime é um tipo especial de culpa traduzido numa
especial censurabilidade. Gera-se aqui um contrassenso por ser “estranho” falar-se em especial
censurabilidade na medida em que o Direito Penal é já a mais alta forma de censurabilidade de
condutas. Mas é claro que mesmo a censura do Direito Penal tem gradações, pelo que é nesta
distinção do grau de culpa de condutas que o legislador quer incluir o tipo especial de
censurabilidade.

Especial perversidade: tem que ver com qualidades da personalidade do agente –


exemplo do 132º nº2 a
Especial censurabilidade: reconduz-se ao modo da realização do facto – exemplo do
132º nº2 i
o claro está que esta articulação é feita conjuntamente por um lado, pelos
exemplos, mas temos que pegar e avaliar isso conjuntamente com a conduta do
próprio agente e assim obter o que se chama a “imagem global do facto”, saber
se a conduta revela o especial tipo de culpa. Por causa desta necessidade é que
os exemplos do nº2 não são presunções (não devemos pensar que é Homicídio
Qualificado por se enquadrar numa alínea a menos que algo indique o
contrário) os exemplos do nº2 são uma chave de leitura para procurarmos a
especial censurabilidade.

Análise das alíneas do art.132º nº2:


alínea a. está em causa uma certa consideração especial que o legislador entendeu relevar
ao nível das relações familiares; é especialmente perverso devido aos laços de sangue e
dependência física, emocional etc. para que se considere revelador de especial

13
perversidade não basta conhecer o parentesco, é necessário que tal tenha sido essencial
para a minha conduta.
a qualificação pode ser afastada se o pai mata o filho (ou vice-versa) dominado pelo
desespero de o ver sofrer de forma atroz no estádio terminal de uma doença incurável e
dolorosa; ou, se a filha mata o pai para terminar com os maus tratos que a vítima infligia
à mulher e mãe da agente.
é legitimo qualificar um homicídio, por apelo a uma estrutura valorativa correspondente
à da alínea a) do art. 132°nº2, no caso da morte dada pelo padrasto ao enteado, ou por
este àquele, ou no caso em que entre agente e vitima intercede uma relação fáctica,
embora não jurídica, de "adoção".
alínea b. o elenco é baseado no elenco da violência doméstica (152º) pela lógica de que
deve haver um respeito fundamentalmente maior pelas pessoas com quem tenhamos
algum tipo de compromisso/respeito acrescido. Se a razão de ser desta inclusão tem que
ver com o respeito acrescido pela pessoa com quem queremos fazer uma vida em
comum; esse respeito acrescido deveria deixar de existir a partir do momento que as
pessoas cessam a relação, mas a razão pela qual parecem ter sido incluídos foi pela
equiparação com a violência doméstica, previsões que aí parece terem em certo tipo de
comportamentos praticados por um dos ex-parceiros sobre o outro em virtude de des
contentamento pelo fim da relação, que a criminologia vem identificando sob a
designação de stalking.
Trata-se, não obstante e como sempre, de um indicio que carece de confirmação pela
imagem global do facto, sendo as relações conjugais um campo privilegiado para a
derrogação da força qualificadora do exemplo-padrão. Seja porque a morte é dada por
razões de solidariedade e de compaixão, como sucede de modo paradigmático no caso
daquele que tira a vida ao cônjuge para o libertar de sofrimento e dores atrozes e
irreversíveis; seja porque a própria vitima tudo fez para des merecer a solidariedade do
agente, sujeitando-o com regularidade a maus tratos e humilhações, aparecendo o
homicídio, na perspetiva do cônjuge maltratado, como um meio, porventura único, de
se libertar da opressão a que se encontra sujeito.
alínea c. subjaz uma ideia de que é especialmente perverso matar alguém pela
incapacidade de defesa, pela vulnerabilidade da vítima. É a situação de especial
vulnerabilidade da vítima que poderá justificar a qualificação e por esse motivo um
qualquer tipo de conexão deverá existir entre algum daqueles estados enunciados pelo
legislador e uma menor capacidade da vítima para enfrentar o ataque à sua vida.
Nem por ser assim, todavia, se dirá ainda que a situação objetiva de fragilidade da
vítima desencadeia por si a agravação: a morte infligida por razões de misericórdia a

14
uma criança ou a um ancião moribundos e em sofrimento, por exemplo, não terá a força
qualificadora correspondente à estrutura valorativa desta alínea; mas já a poderá ter,
porventura, uma ausência total de defesa derivada de uma situação de desamparo social
profundo e irreversível.
alínea d. a censurabilidade já tem que ver com o modo de execução do facto,
entendimento de que há algo de particularmente cruel naquela conduta. Está em causa
matar mas com sofrimento aumentado da vítima. Isto é, em o agente se servir de uma
forma de atuação causadora da morte em que o sofrimento físico ou psíquico infligido,
pelo ato de matar ou pelos atos que o antecedem, ultrapasse sensivelmente, pela
intensidade ou duração, a medida necessária para causar a morte.
Questiona-se aqui se quando este artigo fala em tortura refere os atos previstos no 243º
CP ou se se podem entender outros casos não inseridos(há situações que podem ser
valorativamente análogas às compreendidas no art.243º ainda que não inseridas).
Também aqui, por um lado, pode ter ocorrido tortura ou ato de cruel dade e, todavia, a
qualificação não ter lugar, maxime, porque o agente atuou dominado por compreensível
emoção ou por motivo de relevante valor social ou moral que exclui a especial
censurabilidade ou perversidade exigida pelo art. 132° nº1. Como, por outro lado, pode
a morte ser causada por ato que, não devendo qualificar-se de tortura ou cruel,
constitua em todo o caso um tratamento degradante ou desumano cuja estrutura
valorativa e cuja gravidade sejam correspondentes à do exemplo-padrão
legislativamente descrito e permitam por isso, da mesma forma, indiciar uma especial
censurabilidade ou perversidade do agente.
alínea e. Elenca, no cerne, motivações do agente e as motivações do agente já estariam
incluídas na ideia de “especial censurabilidade” pelo que ainda assim se achou
importante fazer esta listagem como linha de equilíbrio; estruturado com apelo a
elementos estritamente subjetivos, relacionados com a especial motivação do agente.
Ser determinado a matar por "avidez", significa a pulsão para satisfazer um desejo
ilimitado de lucro (em último termo económico) à custa de uma desconsideração brutal
da vida de outrem
pelo "prazer de matar" significa o gosto ou a alegria sentidos com o aniquilamento de
uma vida humana, sem que todavia eles devam reconduzir-se a uma "anomalia
psíquica”
para "excitação ou para satisfação do instinto sexual" significa que a motivação
requerida se verifica não apenas quando a morte da vitima visa determinar a libertação
do agente da pulsão sexual, mas também sempre que aquela serve a prática de atos
necrófilos ou simplesmente visa o despertar do instinto sexual

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por "qualquer motivo torpe ou fútil" significa que o motivo da atuação, avaliado
segundo as conceções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado
pesadamente repugnante, baixo ou gratuito
A estas estruturas integrantes do exemplo-padrão em análise acrescentou a alteração do
CP de 1998 a circunstância de o agente ser determinado pelo prazer de causar
sofrimento. O acrescentamento parece absolutamente inútil. Já a alínea anterior, com
efeito, refere a circunstância de o ato servir para aumentar o sofrimento da vítima.
Ainda aqui podem existir motivações não expressamente descritas que, pela sua
estrutura valorativa correspondente a uma das descritas, permitam a qualificação. Como
pode, de outro lado, a situação ser uma tal que a motivação, se bem que expressa, não
possa em definitivo valer como especial censurabilidade ou perversidade, maxime, por
se ligar a um estado de afeto particularmente intenso (ex: o ciúme ligado à paixão).

alínea f.A Revisão de 2007 alargou o teor do exemplo-padrão, parecendo procurar alinhá-lo
pela nova redação dada aos tipos legais de crime de discriminação racial, religiosa ou
sexual, previstos no art. 240°. Intervenção que cm parte se mostrava desnecessária,
nomeadamente, na referência ao ódio gerado pela cor, origem étnica ou nacional,
menção redundante e como tal supérflua e desaconselhável num regime de exemplos-
padrão. o acrescento de 2013 sobre a identidade de género é definitivamente um
acrescento, ainda que, face a estarmos perante o exemplo padrão do ódio de massas,
estava já tao incluído matar um conjunto de indianos e um conjunto de transsexuais. O
fundamento que temos que encontrar tem que ver com a ideia de ódio de massas.
alínea g. É necessária a circunstância de o agente "ter em vista preparar, facilitar,
executar ou encobrir um outro crime". Não é assim necessário que este outro crime
venha a ter lugar, ainda que mesmo só sob a forma tentada, bastando que, no plano do
agente, o homicídio surja (relação meio/fim) como determinado, ainda que só de forma
eventual, pela perpetração de um outro crime. Como necessário não é, por outro lado,
que o homicida seja agente do outro crime, podendo este ser cometido por "terceiro"
(nomeadamente, quando o homicídio se destina a encobri-lo). Como necessário não é
ainda (apesar da expressão legal "ter em vista...") que o homicídio seja cometido com
dolo intencional ou direto, bastando o dolo eventual. A reforma de 1995 acrescentou as
2ª e 3ª partes desta alínea sendo estas também vistas como redundantes por serem
equiparadas ao encobrimento.
alínea h. existem aqui 3 construções diferentes; apesar de tudo há uma ideia transversal
que permite congrega-las que é a especial perigosidade da conduta. “praticar o facto
com pelo menos mais 2 pessoas” – o meio torna-se particularmente perigoso devido à
maior dificuldade da vítima em se defender

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Olhando para o art.299º nº5, coloca-se a questão em relação ao 132º se quando se diz
“praticar o facto juntamente com pelo menos mais 2 pessoas” se está implicado que tem
que ser no contexto de uma ação criminosa. Não obstante, entende-se que o único
propósito é remeter para a especial perigosidade pelo que não é exigidos os elementos
da associação criminosa.

“utilizar meio particularmente perigoso” – mantém a ideia de diminuir as possibilidades


de defesa da vítima, seja por método, instrumento, processo, qualquer coisa que na
verdade represente esta dificuldade acrescida de defesa da vítima e portanto será
importante perceber o que pode tornar particularmente perigoso (o meio em si tem de
revelar quid que o torna de perigosidade superior aos meios usados para matar – ou
seja, diferença entre uma adaga e uma faca de cortar queijo p.ex.)
alínea i. é um “crime específico às mulheres” (dogmaticamente incorreto mas estatisticamente
falando), 98% dos crimes através do uso do veneno é praticado por mulheres. É
semelhante à lógica da alínea anterior, relaciona-se com meios insidiosos, meios
trapaceiros. Por isso se considera agora que a utilização de veneno deve ser posta ao
mesmo nível da de qualquer outro meio insidioso. O que serve também para dar a
compreender que "insidioso" será todo o meio cuja forma de atuação sobre a vitima
assuma características análogas à do veneno.
alínea j.resume-se na palavra “premeditação”; tem que ver com o significado de haver um
planeamento racional, frio em que há um comprometimento com o planeamento da
morte de outra pessoa (não pode ser o desejo instantâneo)
alínea l.considera como importante na República Portuguesa quem lá está descrito; é quase caso
para perguntar “quem posso matar que não esteja nesta alínea?”; há degradação do que
era o significado desta alínea, o confronto com o nº1 é particularmente significativo
porque a qualidade de PR e “membro da comunidade escolar” estão, nesta alínea, ao
mesmo tempo. Dar especial atenção para confirmar que existe a especial perversidade
alínea m. abuso de autoridade concretizado com a displicência pela pessoa humana; se um
funcionário, nessa qualidade, mata outra pessoa fora dos casões de justificação ou de
exclusão da culpa terá existido sempre abuso de autoridade e este terá sido sempre
grave.

O dolo e erro no homicídio qualificado


O homicídio qualificado é, tal como o homicídio simples, um tipo unicamente punível a título
de dolo sob qualquer uma das suas formas inscritas no art. 14º, direto, necessário ou eventual. O
que não significa que em relação a determinados exemplos-padrão se não deva reconhecer a sua
incompatibilidade com a figura do dolo eventual, como acontecerá, de modo paradigmático, no
caso de morte produzida por agente determinado pelo prazer de matar. Sendo um crime doloso o

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agente também tem de representar a agravante. Dessa perspetiva, quando falamos em casos
análogos, mesmo em relação a esses tem que haver a ideia de representação. É a partir desse
momento que no patamar da culpa consigo ver a especial perversidade

Uma vez, porém, que os exemplos-padrão não fazem parte do tipo objetivo de ilícito, uma de
duas: ou se mantém a plena congruência entre tipo objetivo e tipo subjetivo de ilícito-caso em
que ao dolo não será necessária nem a representação, nem a vontade de realização dos ele
mentos integradores dos exemplos-padrão, tudo se passando nesta sede como se de um
homicídio simples se tratasse; ou, em nome de argumentos específicos de proteção e defesa do
agente, análogos aos que dão corpo ao principio da legalidade, se exige que o agente tenha
representado e querido os elementos que constituem os exemplos-padrão.

O que o aplicador tem de fazer é tão-só como sempre sucede em matéria de dolo partir da
situação tal como ela foi representada pelo agente. E a partir dela perguntar se a situação, tal
como foi representada, corresponde a um exemplo-padrão ou a uma situação substancialmente
análoga; e, em caso afirmativo, se ela é suscetível de revelar uma especial censurabilidade ou
perversidade do agente.

As formas especiais do crime


Em termos de tentativa, não há propriamente o início fixo mas tenho que considerar se já
existem atos de execução e se nesses atos eu já posso afirmar a existência de especial
censurabilidade/perversidade caso contrário não posso punir por tentativa de Homicídio
Qualificado.

Exemplo: A, determinado por um motivo fútil, dispara sobre B para o matar, mas não o atinge;
ou C supõe erroneamente que D está ainda vivo e exerce sobre ele tortura no propósito de por
esta forma lhe causar a morte  hipótese de tentativa impossível

Quando assim seja o tipo-de-ilícito do facto permanece no estádio da tentativa, dando-se


a qualificação por via do preenchimento de ele mento indiciador da especial
censurabilidade ou perversidade. Casos que, por simplificação conceitual, poderíamos
designar de homicídio tentado qualificado. Assim, questão será só saber se, tendo em
conta a factualidade representada pelo agente, os atos de execução praticados integram
já por si um exemplo-padrão ou situação equiparável e, para além disso, revelam já a
especial censurabilidade do agente. Em caso afirmativo o agente deve ser punido por
tentativa de homicídio qualificada; em caso negativo por tentativa de homicídio simples

Pode acontecer às vezes haver consumação em lógica de Homicídio Simples e as


circunstâncias se terem ficado pelo estado da tentativa quanto ao Homicídio Qualificado;

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aqui fundamentalmente vamos desde logo punir o agente por Homicídio Simples consumado e
ter isso em consideração e atender às medidas agravantes da pena.

Não esquecer as especificidades do Homicídio Qualificado enquanto tipo de culpa, mas também
da insusceptibilidade da transmissão da culpa na comparticipação na medida em que a
contribuição de cada um dos agentes para o facto tem de ser valorada autonomamente, enquanto
fundamentadora ou não de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente respetivo.

Não é pensável na nossa ordem jurídica, relativamente ao mesmo facto, um concurso entre
homicídio qualificado e homicídio simples. Como tal, quando o agente consuma um homicídio
simples, mas não se verifica o integral preenchimento de um exemplo-padrão por si
erradamente representado e querido, só deverá responder pelo homicídio simples, não se
chegando então a suscitar qualquer problema de concurso.

A Pena
A moldura penal aplicável ao crime de homicídio qualificado foi fixada pelo CP de 1982 em 12
a 25 anos de prisão; e assim se manteve até hoje. Deve considerar-se justificável, no plano
politico-criminal e no da articulação intrassistemática das penas no novo código, uma tal
moldura penal. Ela é, por um lado, suficientemente moderada para em nada desdizer os
propósitos de humanização, de personalismo e de racionalidade funcional da lei penal; sem
prejuízo todavia de dever considerar-se o seu mínimo injustificadamente elevado. Casos haverá,
decerto, em que uma tal moldura penal se revelará insuficiente para dar vazão a sentimentos
comunitários de castigo, de repugnância e de vingança social. Mas é sabido e indiscutível que a
satisfação sentimentos em nada auxilia (bem pelo contrário) a prevenção; e que, por outro lado,
a penitenciária é lugar de todo em todo inadequado para os ter em conta.

O preceito em apreço não é aplicável ao agente inimputável em razão de anomalia psíquica, por
definição incapaz de culpa.

O Homicídio Privilegiado
Temos uma forma atenuada em face do preceito base que é o Homicídio Simples do art.131º; é
uma conduta que atenta contra o mesmo bem jurídico, muda apenas o grau de culpa, sendo este
cuja sensível diminuição é o denominador comum das hipóteses taxativas do 133º para
privilegiar o homicídio. A emoção violenta compreensível, a compaixão, o desespero ou um
motivo de relevante valor social ou moral privilegiam o homicídio quando e apenas quando
"diminuam sensivelmente" a culpa do agente.

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É também pela relação de interdependência entre a cláusula geral de privilegiamento e os
respetivos elementos concretizadores que se abre caminho à compreensão do fundamento que,
em sede de culpa, motiva a atenuação da responsabilidade do agente. Embora, naturalmente,
experienciados pelo agente sobretudo num plano endógeno, os estados de afeto a que a lei se
refere têm, em regra, a sua génese ligada a razões de índole exógena, a situações ambiente que
per turbam de modo significativo as normais inibições em dar a morte a outrem e que por essa
via suavizam o desvalor de atitude do agente.

Os estados ou motivos assinalados pela lei não funcionam por si e em si mesmos, mas só
quando conexionados com uma concreta situação de exigibilidade diminuída por eles
determinada; neste sentido é expressa a lei ao exigir que o agente atue "dominado" por aqueles
estados ou motivos. Para a ponderação da menor exigibilidade assumirá, em princípio,
relevância o eventual contributo do próprio agente para a génese do estado de afeto que o levou
a agir. Se na sua base está um seu comportamento juridicamente desaprovado, não deverá o
agente poder contar com o reconhecimento de uma exigibilidade mitigada determinante de uma
atenuação da culpa. Não é uma qualquer diminuição da culpa, mas sim uma sensível como
sinónimo de significativa/Grande diminuição da culpa.

Daqui retira-se que para o art.133º aquilo que é verdadeiramente relevante é que o ambiente, o
contexto, o estado emocional em que ocorre a conduta e que determina/provoca a diminuição
sensível da culpa, faz com que se considere que seria inexigível pedir ao agente que atuasse de
outra forma. No fundo, o desvalor de resultado aleada ao desvalor de ação das ações normais é
aqui convertido a um desvalor de resultado aleado a um desvalor de ação diminuído. Continua a
haver culpa, mas há diminuição sensível da mesma e portanto um menor desvalor da culpa.

Neste tipo legal de crime não está em causa situações de imputabilidade diminuída nem falta de
consciência da ilicitude, independentemente do estado de elevada afetação emocional, o agente
aqui tem consciência das consequências da ação e respetivas consequências bem como da
ilicitude da sua conduta; não estamos a referir-nos aqui a inimputabilidade. O que é diminuído é
a exigibilidade e consequentemente o respetivo grau de culpa.

Conflito espiritual: há uma divisão de sentimentos; por um lado, porque não há falta de
consciência de ilicitude, por outro a verificação de um conjunto de circunstâncias que impele o
agente a tirar aquela vida. Retira-se do preceito que qualquer pessoa colocado nesta situação não
poderia deixar de ser possível a ela mesma. Independentemente deste conflito, é preciso que se
conjugue uma das hipóteses com a diminuição da culpa e que o agente atua dominado por essa
emoção. É preciso que a conduta seja determinada por aquela emoção.

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p.s. Em princípio o agente não pode ter contribuído para a sua colocação neste estado
emocional.

O art.72º fala-nos de um conjunto de circunstâncias que podem justificar uma atenuação


especial da pena; se o legislador já prevê esta cláusula não conseguiríamos a conduta do 133º
por aplicação do 72º? Tem-se entendido que faz sentido ter o 133º porque a moldura penal
prevista é específica sendo que as regras de aplicação na moldura penal do 72º não se encaixava
– devemos estar perante um homicídio atenuado porque está especialmente previsto no 133º
dado que a aplicação de um ou outro poderia levar a resultados diferentes; o legislador quis
também especificar/indicar circunstâncias particulares que privilegiam o homicídio
diferentemente da cláusula geral do 72º na medida que o elenco deste último é exemplificativo,
por oposição o elenco do 133º é taxativo. Alem disso, se repararmos a atenuação especial
prevista no 72º pode ocorrer por diminuição da culpa mas também outras circunstâncias da
ilicitude e necessidade da pena enquanto que no Homicídio Privilegiado o que está em causa
não é um tipo de ilicitude de culpa mas sim um grau diminuto de culpa

Podemos simultaneamente um crime enquadrado como Homicídio Privilegiado e depois nos


termos do art.72º?

A mesma circunstância não pode ser valorada duas vezes por violação da proibição da dupla
valoração. No entanto, não havendo dupla valoração, podemos ter uma atenuação especial por
questões relativas à culpa (pelo 133º) e pela ilicitude ou necessidade da pena (pelo 72º)

Os Elementos Privilegiadores
alínea a. compreensível emoção violenta: forte estado de afetação emocional mas que
verificamos de forma objetiva, ou seja, não entram para avaliarmos considerações
morais ou sociais. Por outro lado, não basta que a pessoa sinta esta emoção, é exigível
que seja compreensível, entendendo-se, uma ligação objetiva verificável entre as
circunstâncias e a emoção violenta, ou seja, que a pessoa não está assim por questões
que nada têm que ver com a circunstância em que se encontra. É preciso ver a situação
no seu todo para ver se a presença desta emoção diminui ou não a presença de culpa,
esta afirmação faz com que não seja muito importante saber se a razão desta emoção é
ou não ilícita do comportamento do agente. É necessário estar perante a chamada
“provocação suficiente”, ou seja, aquela que atingiu uma necessidade tal que, face a ela,
seria razoavelmente de esperar que o provocado reagisse através de uma agressão.
A jurisprudência portuguesa tendia tradicionalmente a interpretar a exigência de que a

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emoção fosse "compreensível" no sentido da necessária "existência de uma adequada
relação de proporcionalidade" entre o facto que a desencadeia (a "provocação") e o
facto "provocado". A análise possível dos casos jurisprudenciais mostra em todo o caso
que não se trata no fundo da exigência de "proporcionalidade", mas sim, como deve ser,
de um mínimo de gravidade ou peso da emoção que estorva o cumprimento das
intenções normais do agente e determinada por facto que lhe não é imputável.
Por se exigir da emoção violenta que, além de compreensível, diminua sensivelmente a
culpa é que não assume relevo a questão de saber se na origem do estado emocional
esteve um qualquer comportamento ilícito ou injusto do próprio agente, surgindo a
"provocação" como resposta ou retorsão.

Exemplo: homicídio cometido por uma mulher depois de ter sido violada – há ligação objetiva
entre as circunstâncias e o seu estado e portanto tudo composto diminui sensivelmente a culpa
da agente.

alínea b. compaixão: reconduz-se a uma ideia de piedade; no caso concreto, pena pelo
estado de sofrimento da vítima, podem aqui ser enquadrados casos de ajuda à morte
porque o estado da pessoa é de tal maneira que ela nem pode pedir a outra que o mate e
alguém, movido do sentimento de compaixão, põe fim à vida de outra pessoa. A
compaixão por norma ocorre com pessoa por quem o agente tem
proximidade/afinidade. No entanto, isto não é pressuposto legal. Essencial para que se
verifique esta conduta é que o agente aja para terminar com o sofrimento, seja
conduzido pela compaixão.
alínea c. desespero: estará em causa não tanto a situação de falta de esperança na
obtenção de um resultado ou de uma finalidade, quanto sobretudo estados de afeto
ligados à angústia, à depressão ou à revolta. Casos haverá em que o desespero se
associa (ou dá lugar) a uma súbita emoção violenta que determina a conduta homicida.
Mas a ele reconduzem-se igualmente estados de afeto que, embora não acompanhados
por sinais exteriores de transtorno emocional, são caracterizados por um sentimento
geral de impotência, com pendor depressivo. A estas situações estão frequentemente
ligados circunstancialismos ou comportamentos de forte pressão psicológica exercida
sobre o agente durante períodos relativamente longos que nele desencadeiam um quadro
de perturbação emocional que o impele para o homicídio como única forma de pôr
termo ao quadro opressivo em que se sente aprisionado.

Aqui não se exige que o desespero e a compaixão sejam compreensíveis, contrariamente à


emoção violenta

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alínea d. motivo de relevante valor social ou moral: muito mais ampla que os
pressupostos anteriores. Apesar disso, há determinadas situações que se devem
considerar excluídas liminarmente porque são incompatíveis com valores fundamentais
da ordem jurídica – razões de índole rácica, religiosa- mas, tirando estes valores, já não
cabe propriamente ao legislador e julgador descriminar entre motivos sociais e morais
tidos por bons e tidos por maus. O julgador deve avaliar se existe um valor
objetivamente, não se cabe distinguir se o valor deve ou não ser aceite, apenas importa
que o sejam. Assim, em princípio quaisquer valores sociais ou morais são válidos

formas especiais de crime


tentativa: é pura e simplesmente punível nos termos do art.23º
comparticipação: interessa ver o art.29º (a culpa é avaliada individualmente pelo que
se a culpa é o fator determinante dá-se a situação de em 3 comparticipantes nós termos
3 graus diferentes de culpa)
concurso: o importante é relacionar com o art.131º, pode dar-se o caso de estarem
preenchidos os elementos objetivos do ilícito, porque de facto ambos são crimes de
homicídio, só que a própria lógica do 133º afasta a aplicação do 131º e também é assim
entre o 133º e o 132º, pode haver concurso no sentido de preenchimento entre
elementos objetivos só que nunca pode haver concurso efetivo entre estes 3 porque o
elemento determinante para os distinguir é o grau de culpa que só pode ser um.

A Pena
A medida da pena deve ser fixada entre 1 e 5 anos de prisão. Vista a natureza do
privilegiamento - uma diminuição sensível da culpa do agente-, talvez fosse esta uma hipótese
por excelência em que não devesse fixar-se um mínimo à pena, deixando valer o mínimo geral
da pena de prisão (art.41º) e a questão não deixou de ser discutida, mas deixada de parte na
medida em que se continua a tratar de um crime contra a vida, acabando todavia por prevalecer
a fixação do mínimo de 1 ano como expressão da "gravidade" mínima de um homicídio doloso.
A lei não previu pena alternativa de multa, na base da sua ideia geral de que esta espécie de
pena não deve por via de princípio ser consagrada para crimes dolosos objetivamente graves
contra as pessoas.

23
Homicídio a Pedido da Vítima
O Homicídio a Pedido da Vítima configura para a vítima uma forma de suicídio - de "suicídio
através de mão alheia"- enquanto para o agente representa a produção da morte de outra pessoa;
convergem, assim, a par de uma dimensão de heterolesão, uma dimensão de autolesão. A
ideia que está por traz é que eu faço uso do braço de alguém para me matar; não tem nenhuma
especialidade relativamente ao 131º e por isso não há concurso.

"quando estão em causa os fins próprios. ... a única diferença entre o suicídio e o homicídio a
pedido é apenas a que medeia entre a prossecução de um fim por mão própria ou em divisão do
trabalho; em ambos os casos é a pessoa cansada de viver que determina o fim e o modo de o
alcançar"

As exigências do pedido:

quanto à vítima: manifestação inequívoca de renúncia à tutela do bem jurídico – a


intensidade do ilícito baixa
quanto ao agente: ideia de relação altruísta, não há uma vontade própria mas há dolo na
morte – eu sei e quero fazer – mas há altruísmo e tentativa de ajuda em que não estou a
atuar de acordo com os meus interesses

“nós fazemos mal aos outros por lhes querermos bem”

Nota: Nem todos os ordenamentos jurídicos têm este privilegiamento, mas cada vez mais
estados europeus vão regulando problemáticas da morte medicamente assistida.

O art.134º transparece uma visão paternalista do Direito Penal, este problema coloca-se porque
estou a proteger o bem jurídico de uma pessoa contra o seu interesse, uma ideia de o Direito
Penal impor a obrigação de viver aos cidadãos. Passa também a mensagem de que a vida
humana é o bem jurídico mais importante pelo que deve ser defendido mesmo quando
corresponda à vontade da pessoa.

A limitação entre o 134º e 135º:

“definir quem tem o poder sobre o ponto sobre o qual já não há possibilidade de
viragem” – quem domina a conduta que leva a esse ponto

24
o Exemplo: filme mar adentro em que é a própria vítima que decide tomar o
“cocktail” para suicidar, mas o 3º é punido por ter ajudado, no caso, por deixar
tal cocktail à sua mercê
A área do facto punível a título de homicídio a pedido da vítima começa quando a
cooperação na realização do desejo de morrer de alguém cansado de viver se converte,
de mera ajuda, em comportamento típico de autor. Daí a importância da distinção entre
as duas figuras.
Há ordenamentos jurídicos que têm incriminação do 134º e não do 135º pelo que saber
a distinção entre os artigos implica saber se se deve ou não punir o agente.
Não podemos esquecer nestas matérias as questões internacionais (agir num país e ser
apanhada noutro)

As Características do Pedido

alínea a. Seriedade: há uma vontade consciente e séria daquilo que se está a dizer;
consciência no sentido de ter a ideia firme de que a consequência do que está a pedir é
um resultado de onde não há volta – se a pessoa estiver com uma incapacidade, mesmo
que seja temporária, não pode o pedido ser levado com seriedade; o mesmo acontece se
fizer o pedido pós coação. O truque é, para conseguirmos saber se o consentimento está
no limiar mínimo para ser sério, averiguar se se verificam os pressupostos do art.38º nº3
alínea b. Instantaneidade: revestir uma intensidade suficiente que desperte no agente
(destinatário do pedido) o dolo de morte; se não for instante não tem força suficiente
para vergar a minha vontade. Há quem diga que tal exigência permite classificar o
pedido como um consentimento qualificado, a Dra. não concorda porque o
consentimento mesmo na forma simples pretende que seja eficaz e se acima nos foi dito
que o pedido não pode ser um consentimento qualificado
alínea c. Expresso: o pedido não tem que ser escrito nem dito para ser expresso. Tem,
sim, de ter uma lógica de inequívoco; tem de ser uma coisa clara e orientada para aquele
sentido.

A Conduta Típica
Para além de matar outra pessoa, elemento de comunicabilidade com o crime fundamental de
Homicídio (art. 131°), o que singulariza o homicídio a pedido da vítima e explica o regime de
privilégio que a lei lhe dispensa, é o facto de a produção da morte resultar do exercício
autorresponsável da autodeterminação da vítima.

25
De forma analítica, ao primeiro pressuposto enunciado (matar outra pessoa), têm de acrescer
mais dois: em primeiro lugar a existência de um pedido sério, instante e expresso, em segundo
lugar, que o agente atue determinado por aquele pedido. Resumidamente, são estes três
pressupostos que, no seu conjunto, definem o tipo objetivo da incriminação do art. 135º. Com o
pedido, a vítima tem de dar a conhecer a sua vontade de morrer e de receber a morte das mãos
da pessoa concretamente indicada.

Como expressão da autonomia da vítima, o pedido tem de existir antes e durante a atuação do
agente. E pode ser revogado a todo o tempo. É o pedido que determina o quem, quando e como
da ação de produção da morte. Por vias disso, não beneficiará do regime de privilégio da
incriminação a morte produzida por pessoa diferente da que foi concretamente instada a fazê-lo;
ou concretizada em tempo e modo diferentes dos definidos pelo pedido. A isto se chama um
claro nexo de causalidade entre o pedido e a decisão do agente; sem este nexo de causalidade
não pode ser aplicado o privilégio.

Assim afasta-se situações como: as pessoas que já tinham uma certa ideia de matar; induzir a
pessoa a formular o pedido; existe um pedido mas que não foi direcionado a mim então não há
nexo de causalidade.

Os nossos pensamentos e motivações não são todos preto e branco, o que o tipo legal de crime
exige não é que só tenha uma lógica altruísta – a minha decisão é consequência do pedido, mas
podem haver fatores que não sejam tão altruístas, podem existir motivos secundários egoístas.

Pode o homicídio a pedido da vítima ser praticado por omissão?

Existe alguma discussão doutrinal, mas a resposta é relativamente simples porque para ser
punida por omissão tenho que assumir uma posição de garante, sendo que tal posição cessa com
a oposição da vítima através do pedido.

Formas de Praticar o crime


O Homicídio a pedido da vítima pressupõe o dolo do agente, normal mente, mesmo, o dolo
direto. Embora excecionais, sempre é possível representar hipóteses de dolo eventual.

Se o agente atua sem ter tido conhecimento da existência do pedido, será punido por
homicídio nos termos normais.

Se, inversamente, o agente atuou erradamente convencido da verificação dos pressupostos


objetivos da incriminação, não pode deixar de beneficiar do regime de privilégio do art. 134º.

26
Isto de acordo com a doutrina do erro, segundo a qual a aceitação, errónea de circunstâncias que
atenuam o ilícito, não pode deixar de excluir o dolo em relação ao ilícito mais grave, no caso o
ilícito do crime fundamental.

O Homicídio a pedido da vitima não conhece a forma da negligência.

Causas de Justificação:
não cremos que existam situações em que o homicídio a pedido da vitima possa ser justificado
por legítima defesa na medida em que a lógica deste homicídio é que eu o fiz por pedido da
vítima. Embora as coisas sejam mais controversas, não cremos que outra deva ser a resposta no
que toca ao direito de necessidade.

Formas Especiais de Crime:


Tentativa: sem o nº2 não seria punível, mas a lei dispõe de outra maneira

Comparticipação: na medida em que tenho que ser destinatário do pedido, sendo que este é
que desbloqueou as inibições do agente por altruísmo, se assim o é, quem não é destinatário do
pedido não pode beneficiar do privilégio.

Existe uma outra posição que é permitir que ver que a qualidade de destinatário só interfere no
desvalor da ilicitude então há comunicação conquanto a outra pessoa tenha tido conhecimento
do pedido.

Concurso: pode haver “concurso aparente” em caso de tentativa de homicídio a pedido da


vítima e ofensa corporal consumada pelo que nestes casos valem as regras gerais relativas ao
concurso

A Pena:
O regime do art. 134° — um regime de privilégio - releva também de uma redução da culpa.
Uma diminuição da culpa que radica na "situação de conflito de quase-estado-de-necessidade",
e que, dogmaticamente, configura um manifestação típica de "exigibilidade diminuída”.

O legislador considera que o pedido sério, instante e expresso configura uma circunstância
exterior que, por via de regra, diminuirá as inibições e resistências que o tabu da vida alheia
desperta mesmo numa pessoa fiel ao direito. Por vias disso, já não haverá lugar à redução da
culpa se, com a sua morte, a vítima quer apenas simular um crime da responsabilidade de
terceiro: um homem fiel ao direito não se deixaria motivar por um tal pedido.

As Mudanças que se preveem acontecer quanto à morte medicamente assistida:

27
Já por duas vezes foi apresentado, e por ele revogado, ao Presidente da República decretos com
vista a legalizar a morte medicamente assistida. É expectável que esta questão volte a surgir e
existem dúvidas que se modifique o desenho já feito. Este desenho corta uma fatia aos arts.
134º, 135º e 139º na medida em que se aplicam, nos dias de hoje, a todas as situações.

Os decretos introduzem o nº3 ao art.134º - a conduta não é punível quando praticada nos termos
da lei X  existência de uma causa de justificação extra código que significa que não é afetado
o sistema de proteção do bem jurídico “vida”, apenas se definem 2 casos em que a vontade +
situação clínica da vítima fazem criar uma situação ad hoc.

Este modelo de despenalização é um modelo que se encontra nos Países Baixos, Luxemburgo,
Bélgica e Espanha. Tudo o demais dito sobre o art.134º manter-se-á inalterado. Qualquer um
dos decretos vetados eram muito semelhantes: exigem a maioridade à vítima, tem que haver
sofrimento intolerável, tem que haver uma patologia no requerente (lesão definitiva de
gravidade extrema ou doença incurável e fatal) sendo tais requisitos essenciais para habilitar a
pessoa a fazer o pedido, sendo aqui o pedido mais exigente que o do 134º (tem que ser sério,
reiterado, livre, esclarecido e atual)

Note-se que é um tema tão controverso que o pedido tem que ser feito e justificado 6x,
complicando-se, serão 9x.

As Fases (que se preveem existir) para consumar tal procedimento:

2ª fase
Recebido o pedido deve ser
estudado o historial clínico do
Pedido destinado a um doente, associado ao que
o médico orientador tem que pedir
médico que passa a ser um conhece do doente deve fazer um parecer ao médico especialista
médico orientador; tal um parecer fundamentado a na doença/lesão do doente
pedido tem que ser reduzido esclarecer se o doente preenche sendo o parecer positivo, tal
a escrito os requisitos informação tem que ser transmitida
2º pedido esclarecido da vítima, ao doente e pedir que reitere
depois de estudado o seu caso – novamente a sua posição (3º
reiterou o pedido por escrito pedido da vítima)
depois do parecer positivo do
médico
1ª fase 3ª fase

5ª fase
Comissão de verificação e
avaliação: pega em todo esse 6ª fase
dossiê clínico e entrega à
parecer do médico psiquiatra - a maior parte comissão que 28no prazo de 5 o médico orientador tem
dos sistemas partem de uma lógica igual ao do todos os requisitos formais e
nosso futuro sistema; só se existirem dúvidas
dias tem que dizer se tal
do requerente é que é obrigatório o parecer do processo cumpre todos os passamos concretamente à
médico psiquiatra, caso contrário tal parecer requisitos. O médico informa atuação médica em que o
não é opção sequer o doente que está tudo em doente decide a forma de
volta a informar o doente e pedir nova reiteração (5º pedido) O doente escolhe, combina-se
reiteração (4º pedido) dia, hora, quem pode estar

4ª fase presente e pede-se nova


reiteração (6º pedido)

(facultativa)
O processo todo tem que ser todo reenviado para a inspeção geral das atividades de saúde.
Inicia-se a fase que se leva a cabo o procedimento escolhido pelo doente; o médico tem que
estar presente outro especialista de saúde e tem de haver uma testemunha sem interesses
conflituantes (que pode ser o tal outro especialista de saúde). Além disso, podem estar presentes
as pessoas indicadas pelo doente.
Finalmente, o doente morre.
Só se considera a justificação efetiva se forem cumpridos outros 2 requisitos formais:
O registo clínico tem uma série de exigências e documentação que não constando não
há justificação
O médico só está livre se no prazo de 15 dias após a morte do doente, realizar um
relatório final (sendo obrigatório mesmo nos momentos em que o doente não voltar a
reiterar a vontade ou ficar inconsciente)

Incitamento ou Ajuda ao Suicídio


Artigo 135º

Do ponto de vista sistemático-classificatório, o Incitamento ou ajuda ao suicídio é um delito


independente (delictum sui generis) e não uma forma privilegiada de Homicídio. Dada a
atipicidade do suicídio, o legislador teve de recorrer à incriminação direta e autónoma do auxilio
ao suicídio, emprestando-lhe um recorte típico que se afasta do modelo próprio das formas
derivadas de Homicídio.

O bem jurídico típico é a vida humana e, mais precisamente, a vida de outra pessoa. Este é
também o entendimento consensual entre os autores dos países que dispõem da incriminação. O
que está em causa na incriminação do Incitamento ou ajuda ao suicídio é ainda o propósito de
densificar e reforçar o halo de tutela com que a ordem jurídica quer rodear a vida humana (de
outra pessoa), protegendo-a contra (quase) todas as formas de desrespeito. Todavia, na sua
dimensão jurídico-penal, a conduta não transcende o ilícito material do Homicídio.

É precisamente a identificação da vida humana (de outra pessoa) como bem jurídico tutelado
que empresta -e baliza - a indispensável legitimação material da incriminação do incitamento ou
ajuda ao suicídio. Uma legitimação que alguns pretendem questionar ou mesmo minar, a partir
da irrelevância ou indiferença do suicídio para a ordem jurídico-penal. Só que esta indiferença
do suicídio não se comunica necessariamente ao incitamento ou ajuda ao suicídio. O suicídio
esgota o sentido no desempenho autorreferente e autopoiético da pessoa, não pertencendo ao
sistema social. Já o auxílio ao suicídio assume uma irredutível valência sistémico-social:
independentemente da singularidade da sua trajetória, esta ação projeta-se sobre a vida de outra

29
pessoa. Dito noutros termos, a interferência do terceiro converte o facto num facto pertinente ao
sistema social, estando, como tal, exposto aos seus códigos e valorações.

A Conduta Típica
À semelhança da generalidade das codificações que dispõem da incriminação, a lei portuguesa
prevê e incrimina duas modalidades de conduta: o incitamento e a ajuda ao suicídio. Trata-se de
condutas de sentido e compreensão idênticas às da instigação e cumplicidade, só que aqui não
podem ser nomeadas como tais, uma vez que o suicídio não é um facto criminalmente típico e
ilícito.

Incitar significa determinar outrem à prática do suicídio. A conduta do agente tem de


desencadear um processo causal, sob a forma de influência psíquica sobre a vítima, despertando
nela a decisão de pôr termo à vida. Tem de tratar-se de uma decisão até ali inexistente: se a
vítima já estava decidida a suicidar-se (omnimodo facturus), a ação do agente já só poderá valer
como ajuda. Pode incitar-se por qualquer meio- conselho, exortação, sugestão, promessa,
recompensa, dando uma má notícia, induzindo em erro, infligindo maus tratos desde que de
meio idóneo e eficaz se trate. Por via de regra, o incitamento será pessoal e individualizado, não
estando, porém, excluída a possibilidade de um incitamento coletivo.

Ajudar é toda a forma de cooperação que, não constituindo um incitamento, é causal em


relação à conduta do suicida na sua conformação concreta. Pode ser ajuda "material ou moral
(art. 27°), física ou psíquica. Se a ajuda assenta num acordo entre a vítima e o agente e este
atuar com "excesso de auxilio" - -se ficou acordado que A facultaria a B um produto que lhe
provocaria a morte de forma lenta e, em vez disso, lhe entrega uma substância que lhe provoca a
morte imediata - responderá por homicídio. Também tem de haver um nexo de causalidade
entre a ajuda e o suicídio, a causalidade própria da cumplicidade.

Incitar e ajudar estão inscritas na factualidade típica como condutas alternativas, sendo
qualquer delas bastante para, só por si realizar o ilícito típico. Esta autonomização formal não
significa que, se o agente incitar e ajudar a mesma vítima - começa por incitar a vitima e já
depois de esta estar decidida ao suicídio, ajuda-a a concretizar o seu propósito - realize duas
vezes o crime. O agente deve ser punido por um só crime, embora em sede de medida da pena
possa atender-se à circunstância de o agente ter não só incitado como também ajudado.

Em Portugal, e atendo-nos às tomadas de posição face aos textos legais em vigor desde 1982,
foram sustentadas opiniões muito distintas. Há um entendimento que sugere que "o ato suicida,
seja ele suicídio consumado ou tentado é, por conseguinte, o resultado típico do art. 135º" Em

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conformidade, qualifica a infração como um "crime de perigo concreto com dolo de dano, isto
é, dolo de morte por suicídio, sendo então um crime de resultado" - O que parece apontar para
uma compreensão da infração como crime material ou de resultado.

Enquanto isto, Figueiredo Dias considera que o suicídio (tentado ou consumado) não configura
um elemento do tipo-de-ilícito, nem do tipo-de-culpa, devendo antes ser levado à conta de um
pressuposto da punibilidade, como expressão da dignidade penal da conduta.

A nossa propensão continua a inclinar-se no sentido de considerar o suicídio


(tentado/consumado) como resultado típico da incriminação. Esta é, por outro lado, uma
compreensão das coisas que permite referenciar, como arquétipo do ilícito material típico, o
incitamento/ajuda que pressupõe a ocorrência do suicídio (tentado consumado) como momento
indispensável à consumação da infração. O que nos parece mais ajustado a uma incriminação
preordenada à tutela da vida de outra pessoa.

O Infanticídio
Artigo 136º

O infanticídio ora se traduzia em uma subespécie do homicídio qualificado, justificada por


razões relacionadas com o particular carácter indefeso e vulnerável da vitima e particularmente
censurável do facto, ora em uma subespécie do homicídio privilegiado tratado no art. 133º.

O Código Penal até aos dias de hoje tomou posição sobre a questão da forma seguinte: Em
matéria de (eventual) qualificação deixou que tudo repousasse sobre os critérios do homicídio
qualificado do art. 132º, pondo deste modo fim à existência do infanticídio como tipo autónomo
de homicídio qualificado. Em matéria de privilegiamento - logo ao nível da tipicidade -manteve
o infanticídio privilegiado quando perpetrado pela "mãe que matar o filho durante ou logo após
o parto, estando ainda sob a sua influência perturbadora”.

O facto da ideia de a desonra ter saído do texto significa que saiu dos elementos do tipo do
ilícito, continuando a poder ser valorada ao nível da culpa, o que significa que pode ser
elemento para atenuação especial. Assim sendo, hoje em dia o privilegiamento surge por um
estado de perturbação provocado na mãe, endogenamente(já tinha historial depressivo) ou
exogenamente(induzido por causas externas; desespero no caso de mãe que sabe que não tem
possibilidade financeira para sustentar a criança ). O objeto do crime é o filho, apesar disso o
bem jurídico continua a ser a vida humana, simplesmente é uma vida humana em circunstâncias
muito particulares.

31
Têm por isso cabimento integral, neste contexto, as considerações além aduzidas a propósito do
momento em que a vida deixa de ser, do ponto de vista jurídico-penal, "intrauterina", para
passar a ser a vida que constitui objeto da ação de homicídio. Recorde-se, de resto, que o
presente art. 136⁰, ao considerar infanticídio - e portanto homicídio, não aborto - a morte dada à
criança durante o parto, constitui justamente argumento textual poderoso que convalida o
argumento teleológico e político-criminal conducente a considerar o momento do inicio do
processo de nascimento como aquele a partir do qual o crime deixa de ser o de aborto para
passar a ser o de homicídio.

Matar assume, no presente contexto, precisamente o mesmo significado que igual elemento
típico no crime de homicídio. Apenas se salientará que a conduta deve ter lugar durante ou logo
após o parto, enquanto o resultado (a morte) pode ter lugar em momento posterior. Mas também
não exclui a tipicidade à circunstância de a mãe ter posto antecipadamente em funcionamento as
condições que conduzirão à morte do nascituro desde que tais condições tenham sido mantidas
ou não tenham sido alteradas durante ou logo após o parto.

O crime pode ser cometido por omissão, se a mãe, como garante da vida do seu filho, omitiu
os preparativos devidos do parto e do nascimento ou se não se socorreu do auxilio médico
quando este se revelou previsível mente indispensável. Também aqui a punibilidade por este
artigo se verificará se a mãe, durante ou logo após o parto e sob a sua influência perturbadora,
persiste na não efetivação das possibilidades de evitar a morte do filho.

Que a conduta possa ter lugar logo após o parto é elemento relativamente ao qual se torna
duvidoso se deve conferir-se-lhe uma conotação especificamente temporal ou antes psicológica.
A conduta tem por isso de ter lugar durante o período que temporal mente se segue ao parto e
durante o qual é razoável supor, segundo os pontos de vista objetivos dos conhecimentos da
medicina, que a influência perturbadora deste pode ainda subsistir.

É de valer aqui o princípio in dúbio pro reo o que no caso significa que, verificado que a
conduta teve lugar logo após o parto, se o juiz, depois de produzida toda a prova possível, ficar
em dúvida insanável sobre se a mãe atuou sob a influência perturbadora daquele, ele deve
considerar verificada a tipicidade do art.136º e não deve, em alternativa, punir pelos arts. 131°
ou 132º. Para o efeito, revelar-se-á em regra imprescindível o auxílio de parecer pericial, em
ordem a uma efetiva investigação sobre a existência ou não de condicionamento da conduta
homicida por perturbação derivada do parto. Não será de excluir que a prévia reflexão ou
preparação da morte possa constituir elemento indiciador de que a mãe não foi dominada por
um transtorno relacionado com o parto. Mas não deve ignorar-se que frequentemente a morte é
precedida por sentimentos de negação ou rejeição da gravidez, por vezes acompanhados pela

32
ocultação da gestação e mais tarde do parto, conduzindo a uma predisposição para uma futura
ação homicida.

O tipo subjetivo de ilícito exige o dolo. Se ele falta, porém, o facto é ainda suscetível de ser
punido como homicídio negligente (art. 137°).

As Formas Especiais do Crime


Tentativa: é punível nos termos do art. 23°. Ela pressupõe que os atos de execução tiveram
lugar, ou persistiram, durante ou logo após o parto e sob a sua influência perturbadora.

Comparticipação: Autora pode ser apenas a mãe da criança. Autoria mediata é possível no
caso de a mãe se servir de um terceiro de boa fé para administrar uma poção fatal à criança. E o
mesmo se diga da instigação nos casos em que esta deva ser considerada dentro do quadro da
autoria (art. 26° in fine). Não se está por isso perante um crime de mão própria, mas apenas
perante um tipo que pressupõe determinada qualidade especial de autoria, o ser mãe da criança
(hoc sensu, crime específico) pelo que como tem que ser a mãe a matar o filho estas formas de
atuação são punidas independentemente.

Concurso: O infanticídio pode concorrer com a exposição ou abandono do art. 138°, sobre este
prevalecendo, na relação de unidade de norma que entre ambos intercede. Discutíveis podem ser
as relações de concurso do crime de infanticídio na forma tentada com crimes contra a
integridade física consumados.

A Pena:
A pena é de 1 a 5 anos. Também aqui o legislador optou por não deixar atuar o limite mínimo
geral nem prever a substituição pela pena de multa pelas mesmas razões do homicídio
privilegiado. Apesar de se tratar de um crime privilegiado, pode ainda assim ser objeto de
atenuação nos termos gerais do art.72º desde que não haja dupla valoração.

O Homicídio por Negligência


Artigo 137º

A decisão político-criminal, de punir a negligência no crime de homicídio é


inquestionavelmente justificada. De um duplo ponto de vista: do ponto de vista da dignidade
penal, uma vez que está em causa a tutela de um dos bens jurídicos - a vida humana de pessoa já

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nascida mais importantes e significativos do catálogo; e do ponto de vista da carência de pena,
por isso que o homicídio por negligência se tornou num fenómeno de massa dadas as inúmeras
fontes de perigo para a vida imanentes à "sociedade do risco" contemporânea. Bem se
compreende, destes pontos de vista, a insistência crescente do requisitório em favor de um
tratamento penal cada vez mais severo do homicídio negligente; a ponto de não faltar mesmo já
quem preconize para ele molduras penais cujo máximo exceda o limite mínimo da moldura
penal do homicídio doloso simples.

O Tipo de Ilícito
O bem jurídico tutelado é, assim como no homicídio simples, a vida de pessoa já nascida; o
objeto do facto é outra pessoa, assumindo neste contexto importância ainda maior do que no
homicídio doloso (note-se o caso de que o aborto negligente não é punido).

No que toca à conduta, ela poderá assumir qualquer forma da qual derive a morte da vítima.
Levantam-se aqui todos os problemas que se discutem em matéria de imputação objetiva do
resultado à conduta. Absolutamente seguro é assim que o tipo de ilícito do homicídio negligente
não é preenchido quando o agente, com a sua conduta, não criou, não assumiu ou não potenciou
um perigo não permitido para a vida da vítima ou porque o perigo não chegou ao limite do
juridicamente relevante ou porque, sendo embora a conduta em si perigosa, se manteve dentro
dos limites do risco permitido. Como seguro é que o tipo de ilícito em questão não é preenchido
quando não é o perigo proibido criado pelo agente, mas outro, que se concretiza no resultado
morte.

A imputação objetiva e a tipicidade devem ser negadas, por conseguinte, naqueles casos em que
também a assunção do comportamento devido não teria evitado, segura mente ou com alta
probabilidade, a verificação do resultado. Em definitivo, nenhum problema pode em princípio
ser aqui decidido à margem da consideração da concreta situação de facto.

Fora de consideração neste domínio de imputação do resultado morte à conduta deverão estar as
hipóteses que na doutrina correm sob a designação de colaboração em autocolocação em risco
dolosa (ex., A incita B, por aposta, a guiar o automóvel a uma velocidade excessiva e em
consequência B vem a falecer em acidente) e de heterocolocação em perigo livremente aceite
(ex., C, a pedido do passageiro D, aumenta de forma proibida a velocidade do automóvel e em
consequência despista-se, dando-se a morte de D).

A violação do dever de cuidado


O ilícito-típico negligente tem a sua marca de água constitutiva na violação pelo agente de um
dever de cuidado juridicamente imposto. Do que se trata de apurar para este efeito é se há

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violação pelo agente de exigências de comportamento em geral obrigatórias cujo cumprimento
o direito requer, na situação concreta respetiva, para evitar realizações não dolosas da morte de
outrem.

Para a configuração do cuidado devido em sede de ilícito-típico negligente não relevarão as


capacidades individuais do agente senão quando superiores às do homem médio. A razão está,
na verdade, quando defende que capacidades inferiores à média não podem relevar logo ao nível
do tipo de ilícito, no sentido de excluir a tipicidade, mas só devem ser consideradas ao nível do
tipo de culpa. Também o auto mobilista que mata um peão por erro de condução devido a ter
começado a sentir efeitos de uma esclerose ou de um reumatismo, ou a encontrar-se diminuído
nos reflexos por excesso de álcool, preenche o tipo de ilícito do homicídio negligente. Quanto às
capacidades superiores à média, devem elas ser tomadas em conta no sentido de poderem fundar
o tipo de ilícito do homicídio negligente. A conclusão geral a retirar é pois a de que em matéria
de tipo de ilícito negligente vale um critério generalizador relativamente aos agentes dotados de
capacidades médias ou inferiores à média e um critério individualizador relativamente a todos
os agentes dotados de especiais capacidades.

As Fontes Indiciárias
Fontes que de seguida se explicitarão, mas em relação às quais cumpre antes de mais advertir
que a sua infração tem função meramente indiciária, com força naturalmente diferenciada entre
elas. O desrespeito pelas suas prescrições pode por isso constituir legitimamente indicio do
preenchimento do tipo de ilícito, mas não pode em caso algum fundamentá-lo. À contrário, o
facto de certa medida de cuidado não se encontrar prevista em determinada fonte jurídica ou
regra técnica não afasta a possibilidade da afirmação da violação do dever de cuidado se as
concretas circunstâncias do caso manifestarem um perigo por aquelas não considerado que
obrigue a cuidados acrescidos.

Normas jurídicas de comportamento: Incluem-se aqui quer normas gerais e abstratas,


contidas em leis ou regulamentos, quer normas individuais, constantes de ordens ou
prescrições da autoridade competente, de natureza penal ou extrapenal.
Normas escritas, profissionais e do tráfico, correntes em certos domínios de
atividade: Trata-se aqui de normas escritas de comportamentos (não jurídicas), fixadas
ou aceites por certos âmbitos de atividades e destinadas a conformá-las dentro de
padrões de qualidade e, nomeadamente, a evitar a concretização de perigos para bens
jurídicos que de tais atividades podem resultar.
Muitos casos haverá todavia em que em que faltam por completo disposições escritas,
jurídicas ou não, reguladoras da atividade respetiva. Torna-se então indispensável o
apelo aos costumes profissionais comuns ao profissional prudente, ao pro fissional-

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padrão, e, na sua falta (pense-se, p. ex., em atividades como as de trabalho doméstico,
de babysitting, etc.), impõe-se o recurso direto ao cuidado imposto pelo concreto
comportamento socialmente adequado no tráfico, a denominada figura-padrão cabida ao
caso.
A violação de normas de cuidado assume particular relevo em domínios altamente
especializados que importam riscos para a vida de outras pessoas.

A esta problemática dos domínios especializados da vida- se liga estreitamente a questão


chamada da negligência na assunção ou na aceitação. Trata-se, em geral, da assunção de
tarefas ou da aceitação de responsabilidades para as quais o agente não está preparado,
nomeadamente porque lhe faltam as condições pessoais, os conhecimentos ou mesmo o treino
necessários ao desempenho cuidadoso de uma atividade perigosa. A afirmação da negligência
ficará, em todo o caso, sempre dependente da verificação de que o agente aceitou o desempenho
de uma atividade para a qual não se encontrava física e psiquicamente apto quando o risco dai
resultante era dele conhecido ou era pelo menos cognoscível.

Princípio da Confiança
Segundo este principio, fundado materialmente no principio da autorresponsabilidade de
terceiros, quem se comporta no tráfico de acordo com as normas deve poder confiar que o
mesmo sucederá com os outros.

Grande relevo assume o principio da confiança em matéria de divisão de tarefas no seio de uma
equipa. Também aqui qualquer membro da equipa deve poder contar com uma atuação dos
outros adequada as normas de cuidado (jurídica, profissional estatutária, da experiência). Sem
prejuízo de que, uma vez que erros sejam previsíveis ou venham a ser efetivamente cometidos,
eles devam ser impedidos ou corrigidos pelos colegas e nomeadamente pelo chefe ou
responsável da equipa. Todavia o principio da confiança cessará face ao conhecimento ou à
previsão de erros notórios de outros membros da equipa, que exigem correção; bem assim,
como é obvio, relativamente a membros da equipa que se encontrem ainda em fase de
aprendizagem ou de treino e sobre os quais, por conseguinte, deve exercer-se, por parte dos
restantes membros ou de alguns ou algum deles, uma particular atividade de fiscalização, de
controlo e supervisão.

Finalmente, o principio da confiança deve valer na medida em que, por regra, o agente deve
poder contar com que outros não cometerão factos dolosos.

As causas de justificação
O problema mais complexo neste contexto é o de saber se o consentimento pode em certas
situações constituir uma causa de justificação. Faz-se valer que, na realidade das coisas, o
atingido não consente no resultado "morte" (consentimento que aliás seria também inválido

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face ao disposto no art.134º), mas unicamente no perigo de resultado; quando, acrescenta-se,
este resultado é afinal um elemento que serve para co fundamentar o ilícito negligente e ao qual,
por conseguinte, o consentimento não deveria deixar de diretamente referir-se e abranger. Na
nossa perspetiva, o alegado "consentimento na morte" só pode, em casos deste teor, ter o sentido
de colocação autorresponsável do atingido numa situação de risco de produção do
resultado fatal.

As causas de exclusão da culpa


Sobretudo desde que a doutrina do facto penal assentou na ideia de que a negligência não é só
(ou, segundo alguns, não é mesmo) uma forma ou espécie de culpa, mas (ou também) um tipo
de ilícito autónomo, tornou-se claro que podem, relativamente a ele, verificar-se as causas
gerais de exclusão da culpa, nomeadamente a inimputabilidade, o excesso de legitima defesa
não censurável, o estado de necessidade desculpante.

A negligência grosseira
Não é seguro o que deva, em perspetiva dogmática, entender-se por negligência grosseira; nem
tão-pouco se dispõe já de uma jurisprudência suficientemente precisa, abundante e consolidada
para que possam dissipar-se fundas dúvidas. Seguro é que a negligência grosseira constitui um
grau essencial mente aumentado ou expandido de negligência. Para além disto porém é
importante decidir se o carácter grosseiro da negligência constitui uma mera circunstância
modificativa da moldura penal exclusivamente operante ao nível da medida legal da pena, uma
forma de culpa ou uma graduação do ilícito em função do especial dever de cuidado violado, do
perigo aumentado e (ou) da probabilidade de verificação do resultado.

Formas especiais de Crime


Comparticipação: Autor pode ser não apenas o autor imediato, como ainda, e sem prejuízo dos
limites acima traçados decorrentes do princípio da autorresponsabilidade o autor atrás do autor,
sob várias formas concretas. Assim, desde logo, o mandante ou o incitador de um
comportamento que vem a terminar por um homicídio negligente. Também aqui será de afirmar
que autor é aquele que, com a sua atuação violadora do cuidado imposto, cria ou potencia um
perigo proibido que se concretiza no resultado típico "morte". Por isso que cm caso de co
atuação por negligência do mais que poderá falar-se é de autoria paralela. Aqui entrarão,
nomeadamente sob a forma chamada pela doutrina alemã de autoria secundária ou acessória, as
situações em que o resultado é produzido imediatamente por um, mas só porque outro
anteriormente violou um dever objetivo de cuidado ou o risco permitido.

Exemplo: um médico que numa intervenção viola um dever de cuidado e causa no doente uma menor
resistência a um vírus qualquer; a seguir vem um enfermeiro que não confirmando o estado do doente lhe
administra uma medicação que bule essa doença e o doente morre. Há um resultado independente do 2º

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mas que é causa para o mesmo. A autoria paralela em termos de negligência, normalmente não corre em
paralelo, há 2 percursos de autoria, 1 permite a existência do outro.

Questão interessante é a de saber se relativamente à mesma vitima pode verificar-se um


homicídio doloso cometido por uma pessoa e um homicídio por negligência cometido por outra
em autoria paralela (tanto importa se antecedente ou simultânea). Nada há que obste a uma
resposta afirmativa de princípio.

Concurso: Se através de uma mesma ação são mortas várias pessoas estar-se-á perante uma
hipótese de concurso efetivo, sob a forma de concurso ideal, com absoluta indiferença por que a
negligência tenha sido consciente ou inconsciente.

Se, num crime negligente de perigo concreto para a vida, uma vítima morreu, só deve ser
punido por homicídio negligente, por força de uma relação de subsidiariedade, mas of concurso
efetivo subsiste relativamente a quaisquer outras vitimas que tenham sido concretamente postas
em perigo e não tenham perecido. Concurso efetivo é possível ainda entre o homicídio
negligente e a omissão de auxilio. [art.200º]

A pena
A pena do homicídio negligente é a de prisão até 3 anos ou a de multa, em caso de negligência
grosseira a de prisão até 5 anos. A circunstância de a lei ter cominado, no nº1, pena de multa
alternativa, apesar de se tratar de crime contra as pessoas, fica a dever-se ao facto de se estar
aqui perante um crime sem dolo e sem negligência grosseira e que, por conseguinte, pode
assumir, segundo o seu conteúdo de culpa, uma gravidade relativamente pequena e não se
verificarem relativamente a ele, no caso, exigências preventivas conducentes à aplicação da
prisão.

A Exposição ao Abandono
Artigo 138º

A evolução dogmática do artigo


A atual conformação do presente tipo legal decorre das alterações introduzidas, quer pela
Revisão de 1995, quer pela Revisão de 1998. Pode dizer-se que entre a redação original de 1982
e a redação atual se produziram alterações de tal monta, que, à exceção da modalidade de
conduta prevista na al. a), o tipo legal pouco tem de comum com a redação original.

A revisão de 1995 retirou deste artigo uma agravação que existia em função de algumas
características da vítima (idade, fragilidade, doença) – a vítima ser indefesa já é um pressuposto

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pelo que falar em especial indefensabilidade é recair sobre uma dupla valoração. Removeu
também um privilegiamento que existia no caso de o crime ser cometido pela mãe pela desonra
– é desadequado na nossa realidade atual falar em desonra pelo que é retirado do texto da lei.
Neste caso, para além do que já se disse nos anteriores crimes, há outra razão para retirar o
privilegiamento – não há limite temporal pelo que manter o privilegiamento poderia ter esta
consequência nefasta. Esta revisão acrescentou o agravamento da moldura penal para o que
observamos hoje no nº3. A parte respeitante à alínea b) foi a mais remodelada: em 1995
removeu-se o facto de o agente ter incapacitado intencionalmente a vítima bem como a omissão
de auxílio; destas alterações retira-se que o aspeto essencial deste tipo de crime é a criação de
um perigo e não algo mais.

Já a revisão de 1998 retirou da alínea b) a necessidade de a indefensabilidade da vítima ser


devida a idade, deficiência física ou doença por ser redundante.

O bem jurídico:
Trata-se da vida humana. Temos aqui um crime de perigo concreto o que significa que não basta
que tenhamos uma conduta adotada pelo agente que em abstrato possa ser considerada perigosa,
é preciso que concretamente tenha potenciado o perigo da vítima.

Tipo Legal Objetivo


O agente tem de colocar em perigo a vida de uma pessoa (sobre o elemento perigo para a vida -
art. 144°), através de uma das duas modalidades de conduta descritas. Este elemento típico (que,
como vimos, confere uma especial característica ao tipo legal) implica evidentemente que com
o ato do agente se crie um perigo ou se potencie um perigo. Assim, não haverá crime quando o
perigo já exista e não se encontre mais à disposição 191 do agente qualquer meio de diminui-lo
ou atenuá-lo.

Exposição: colocar a vítima num lugar em que esta não se possa defender só por si de um
determinado perigo; isto implica deslocação espacial, implica que o agente do crime mude a
vítima de um local para outro – é esta deslocação que vai criar/aumentar um perigo relevante. É
necessário que a vítima não possa só por si defender-se: a indefensabilidade não é avaliada de
maneira objetiva, mas sim de maneira subjetiva/caso a caso. Quanto à forma como ocorre a
exposição, ela é indiferente – não é necessário o uso da força.

Abandono: : abandonar a vítima sem defesa aleado ao facto de a vítima ser destinatária de um
dever especial por parte do agente. O abandono pressupõe que a vítima permaneça no local.

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Quanto ao agente há uma divergência doutrinal - há quem adota um argumento literal que tem
que ver com o significado etimológico de abandono que pressupõe que eu me desloque para
lugar distinto do da vítima; para outros, o que é verdadeiramente relevante, não é tanto o
abandono físico, mas mais os deveres e portanto pode verificar-se crime de abandono mesmo
que o agente não se desloque. Reconhece-se que a 2ª posição é a mais coerente porque percebe-
se que o essencial é o abandono dos deveres do agente e não tanto a sua ausência física, mas
decorre daqui que pela equivalência valorativa entre as alíneas A e B do nº1 interpretamos a
palavra exposição num sentido mais literal, por razões de coerência temos também que o fazer
quanto ao abandono e forçosamente exigindo que o agente abandone fisicamente o local do
crime. Isto não prejudica que discordemos e interpretemos a lei de uma ou outra forma.
Pressupõe a existência de um dever especial – pela lei, contrato – este dever especial tem que
ser pré-existente sob pena de não se poderem ver verificados os pressupostos. É preciso haver
ligação entre o dever e a ausência de defesa.

Importa saber se a conduta da própria vítima pode afastar este tipo de crime, se ela criou ou
potenciou ela mesma o crime -é possível – exclui a possibilidade de estarmos perante um crime
de abandono.

Tipo legal subjetivo


O tipo legal só se preenche com dolo, bastando o dolo eventual. Este dolo tem evidentemente de
abarcar a criação de perigo para a vida da vitima, bem como a ausência de capacidade para se
defender por parte da vítima.

Causas de Justificação
São pensáveis hipóteses de justificação, em especial no caso de conflito de deveres (o abandono
para salvar outra pessoa) ou eventualmente de direito de necessidade.

Deve, porém, atender-se a que, no caso de o agente atuar na intenção de salvar a vitima (p. ex.,
abandonando-a ou mesmo deslocando-a com intenção de procurar apoio para ela), o princípio
será o de não existir tipicidade, pois a atuação do agente não visa potenciar os riscos a que a
vítima está exposta, mas, pelo contrário, atenuar aqueles riscos.

Causas de Exclusão da Culpa


São aplicáveis as regras gerais das causas de desculpação. Quer as regras gerais de atenuação da
pena, quer a aplicação, por analogia, do art. 136°, parecem suficientes para a resolução do caso
concreto. Exigível é, porém, que se comprove a existência de dolo, por parte da mãe, quanto ao
colocar em perigo de vida.

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Formas Especiais do Crime
Tentativa: É punível a tentativa deste tipo de crime. Dada a especial configuração do tipo de
crime, a desistência pode ser relevante se o agente voluntariamente impedir a *produção de
resultado não compreendido no tipo (morte ou ofensa à integridade física). Ou seja, tendo já
colocado em perigo a vida da vitima, haverá desistência relevante se o agente diminuir o perigo
criado, impedindo o efetivo dano.

Comparticipação: São aplicáveis as regras gerais da comparticipação, no caso de exposição.


No caso de abandono, tratando-se de um crime especifico, em princípio, haverá a derrogação
daquelas regras. Atendendo à natureza não parece possível a comparticipação no crime do
abandono (tendo em conta o dever especial entre a pessoa A e B).

Concurso: art. 138° é um crime de perigo concreto, pelo que, verificando-se dolo quanto ao
dano não deverá ser aplicado. Pode ser discutível a correta ligação entre este crime (em especial,
no caso da modalidade de conduta de abandono) e o crime de omissão de auxílio (art. 200°).
Poderá, contudo, verificar-se uma situação de concurso entre omissão de auxílio e exposição ou
abandono. Assim, no caso de, estando a vítima numa situação descrita no art. 200°, o agente,
além de não prestar auxilio, deslocar a vítima para outro local, criando ou agravando o perigo
para a vida da vítima.

A Pena
A pena é de 1 a 5 anos, mas existe o aspeto relevante das 2 agravações previstas no nº2 e 3. As 2
categorias da agravação são a do nº2 relativa a qualidade especial do agente e no nº3 a
agravação pelo resultado que se relaciona com dos factos do crime resultar ofensa à integridade
física grave(144º) ou morte. Importa relevar que a agravação pelo resultado pressupõe também
as condições gerais da agravação pelo resultado do art.18º.

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O Aborto
Artigo 140º

O tipo legal de aborto sofreu, ao longo dos tempos, modificações várias, mas apenas no que
concerne à sua "arrumação" e sistematização dentro do CP. Na sua substância este artigo tem
estado inalterado desde o início da vigência do CP de 1982.

A alteração de maior relevo relativamente ao aborto foi a introdução em 1984 das causas de
exclusão de ilicitude específicas do aborto -art.142º.

Alterações com significado: a revisão de ‘95 retirou a ocultação de desonra como atenuante da
culpa; em ´97 houve um 1º referendo em Portugal relativo à possibilidade de a lei permitir que o
aborto pudesse ser legal tendo por fundamento apenas a vontade da mãe (referendo chumbado)
– ainda assim optou-se por alargar os prazos previstos para as causas do 142º;em ’07 houve um
novo referendo com resultado favorável ao aborto, a interrupção voluntária da gravidez é
suficiente para ter um aborto não punível pela lei portuguesa. Há um núcleo essencial que se
mantém inalterado; já no CP de ’86 se continha uma norma relativa ao aborto – continuidade
normativa entre os CP ’s.

Quanto ao bem jurídico protegido:


O bem jurídico é a vida humana intrauterina; tanto esta como a de pessoa humana já nascida são
vida pelo que ambas cabem debaixo do chapéu da vida nos termos do art.24º CRP. Há depois
uma distinção entre ambos tanto do ponto de vista constitucional como penal o que justifica um
tratamento diferenciado; isto porque o TC entende que há um crescendo da vida humana e com
esse aumento aumenta a intensidade da própria proteção o que justifica um tratamento diferente
de ambos a nível penal. A vida intrauterina é um bem jurídico iminentemente pessoal.

Sendo o bem jurídico protegido a vida intrauterina - tal como de resto decorre da sistemática
do próprio CP- pode, desse modo, definir-se também o objeto de proteção jurídico-penal: tem
de estar em causa o embrião implantado no útero da mulher. Assim, e de um ponto de vista
penal, para efeitos de crime de aborto, a intervenção penal só se verifica com a nidação, ou seja
a implantação do óvulo no útero da grávida. Não estamos, pois, de acordo com a interpretação

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segundo a qual o momento do inicio da proteção penal da vida intrauterina se concretiza com a
fecundação.

Além do problema semântico (exatamente "vida intrauterina"), há, de um ponto de vista


politico-criminal, mas também de interpretação sistemática, razões que militam no sentido aqui
defendido. Por um lado, razões político-criminais e de praticabilidade, tanto quanto à prova
como à certeza da existência do embrião/vida intrauterina como, por outro, quanto à
consciencialização pela mulher da sua própria gravidez; razões que, no seu conjunto,
convergem na necessidade de estabelecer a nidação como o elemento mais seguro para a
intervenção penal. Neste sentido, pode dizer-se que são exclusivamente razões de
praticabilidade ou de pragmatismo que justificam a solução no sentido de afirmar que a tutela
penal da vida intrauterina se inicia só após o momento da nidação.

Ao lado do bem jurídico fundamental tutelado pelos crimes de aborto, ou seja, a vida
intrauterina, podem intervir, embora com um papel secundário ou subordinado, outros bens
jurídicos na concreta conformação típica do crime de aborto, em especial os valores da
liberdade e da integridade física da mulher grávida. Aqui intervêm também 2 outros bens
jurídicos de forma auxiliar sendo o 1º a liberdade e o 2º a integridade física sendo que, neste
caso, tal intervenção tem limites (referimo-nos à mãe). Estes bens jurídicos interferem da
seguinte forma: aborto cometido contra a vontade da mãe implica uma punição mais grave; por
sua vez, o consentimento reduz a moldura penal, tal moldura penal não respeita os princípios
para haver crime de aborto consentido na forma tentada; a integridade física é relevante nos
termos do art.141º porque as lesões da mãe são formas de agravar o crime pelo resultado, além
disso intervém no âmbito do 142º nos casos em que o auxiliar a integridade física serve para
salvaguardar a mãe.

Tipo Objetivo do Ilícito


O crime de aborto não distingue, para efeitos de punibilidade, entre o feto e o embrião, como
cientificamente acontece. Como acima se disse, o crime de aborto pressupõe a nidação, ou seja
a implantação do embrião no útero da mulher grávida; passando a partir daí a tutela penal a ser
contínua (desde que não se verifique uma qualquer "contraindicação") até ao momento em que
não se possa falar mais de vida intrauterina (de um feto) e se verifique, assim, o inicio da vida
humana para efeitos de tutela penal (o inicio do ato de nascimento-art. 131°); pelo que a morte
de uma criança após o início do ato de nascimento deverá ser equacionada no âmbito dos crimes
contra a vida.

Mais questionáveis se afiguram outras situações em que se pode discutir se estamos perante um
caso de aborto (e, portanto, se há preenchimento da tipicidade), embora se verifique a

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interrupção da gravidez. São sobretudo os casos de gravidez molar (art. 131°), de gravidez
extrauterina e o caso de o feto ser um anencéfalo. Que nos dois primeiros casos o ato
interruptivo da gravidez não constitui um crime de aborto, é consensual na doutrina. Já no caso
do anencéfalo se deve remeter para as regras gerais da justificação da interrupção voluntária da
gravidez, neste caso, interrupção sem dependência de prazo. O caso da anencefalia era
sobretudo discutível face à situação legal anterior, em que não estava prevista uma causa
específica de interrupção voluntária da gravidez como a atual. Com a atual redação legal parece
ser mais correto entender o caso de anencefalia como um caso de feto inviável.

A forma por que se verifica a fecundação, e consequente nidação, é irrelevante, podendo


resultar de uma inseminação artificial ou extracorporal.

A ação tem de consistir em fazer abortar. A expressão utilizada pelo legislador português não é
de todo inequívoca, pois abortar tanto significa o expulsar prematuramente o feto do ventre
materno, como a eliminação - logo, a morte do feto. Dada a configuração do tipo legal e o bem
jurídico em causa, parece que o aspeto essencial é o resultado: morte do feto. O crime de aborto
é pois um crime de resultado.

A forma por que se provoca a morte do feto é irrelevante ("por qual quer meio"). Tanto pode
ser por intervenção direta sobre o feto por meio mecânico, químico, térmico ou elétrico - como
por intervenção indireta, por atuação sobre a mulher grávida. Decisivo é que aquela atuação, por
um lado, constitua sempre uma intervenção, e, por outro, torne o feto incapaz de vida.

Problemas de Causalidade
Uma primeira dificuldade pode logo surgir quando se queira distinguir entre crime de aborto e
crime de homicídio, no caso de verificação de um parto prematuro. Neste caso, ponto de partida
tem de ser o seguinte: se o parto prematuro è resultado de um ato abortivo, é irrelevante se o
feto morre dentro do ventre materno, ou já no exterior. Não há que exigir qualquer conexão
temporal entre o parto e a morte da criança. No caso de a criança sobreviver e morrer após o
nascimento, então estaremos perante um crime de homicídio.

Um segundo conjunto de dificuldades pode resultar da provocação indireta do aborto, por


atuação sobre a mulher grávida. Neste caso, dada a autonomia dos bens jurídicos, é irrelevante o
destina da mulher grávida para efeitos da afirmação, ou não, do crime de aborto: é irrelevante se
a mulher sobrevive ao aborto, se o agente teve intenção de matar a mulher grávida, etc.

O crime de aborto assume distintas ilicitudes e valorações penais, em função de duas


considerações:

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 No caso mais grave, o crime pode ser praticado por qualquer pessoa (crime comum),
tanto por um leigo, como por um médico mas sem o consentimento da mulher grávida.
Neste caso, aplicam-se as regras gerais da autoria e comparticipação.
 A segunda hipótese é a de se verificar um crime comum, mas em que o aborto é
realizado com o consentimento da mulher grávida. Agente e mulher grávida são
identicamente punidos. A concordância da mulher grávida constitui um fator de redução
do ilícito. Discutível é saber o que deve entender-se por consentimento da mulher
grávida e, evidentemente, indagar dos requisitos exigidos para que aquele
consentimento tenha eficácia redutora do ilícito. A aplicação do art. 142° nº3 está desde
logo arredada pelo facto de o consentimento da mulher grávida não constituir, por si,
elemento justificador, antes carecer da associação a uma particular indicação. Por outro
lado, as regras do art. 38° também não são aplicáveis, na medida em que não só está em
causa um bem jurídico indisponível, como dificilmente seria conciliável com a cláusula
dos bons costumes. Parece-nos, pois, que este consentimento estará, de um ponto de
vista técnico-jurídico, mais "próximo" das figuras do acordo ou do assentimento.
 A terceira hipótese é a de ser a própria mulher grávida a consentir na prática do aborto
realizado por outra pessoa. Com punição idêntica tipifica-se o caso da mulher que se
fizer abortar.

Tipo Subjetivo de Ilícito


O crime de aborto tem de ser realizado dolosamente, sendo suficiente o dolo eventual. O
dolo tem evidentemente que se referir também ao resultado: a morte do feto. Este aspeto pode
contribuir para a resolução de problemas atinentes à punibilidade, ou não, do aborto nas
hipóteses de tentativa de suicídio da mulher grávida.

O erro sobre qualquer um dos elementos exclui o dolo. Assim, o erro quanto ao facto de a
substância ter um efeito meramente impediente da nidação, sendo de facto abortivo, ou o erro
no prognóstico que conclua pela existência de um feto já morto, são situações que excluem o
dolo quanto ao resultado. O erro quanto à verificação do "consentimento" para efeitos do crime
de aborto levará, em princípio, à punição por crime de aborto com consentimento.

Causas de Justificação:
As hipóteses de justificação do aborto são, fundamentalmente, as que estão previstas
expressamente no art. 142º.

Além das circunstancias previstas naquele dispositivo, a única situação em que, ao menos, se
pode discutir uma eventual justificação é o caso de verificação de uma situação excecional de

45
catástrofe, p. ex. com um perigo para a vida da mulher grávida, sem que seja possível a
intervenção de um médico.

Discutíveis podem também afigurar-se as hipóteses de afirmação da legítima defesa em ordem


a proteger o bem jurídico "vida intrauterina". No entanto, acredita-se que possa ser possível
atuar para proteger a vida do feto.

Causas de Exclusão de Culpa:


São aplicáveis, sobretudo para a mulher grávida, as regras gerais das causas de exclusão da
culpa. Podem verificar-se situações de inimputabilidade ou estados de afetos (p. ex., tendências
suicidas da mulher grávida) ou mesmo situações de inexigibilidade. A solução para casos desta
ordem foi remetida para as regras gerais de atenuação especial da pena. É possível, senão
mesmo obrigatória, a atenuação especial da pena, para o caso de aborto cometido pela mulher
grávida ou a que esta tenha dado o seu assentimento.

Formas Especiais do Crime:


Tentativa: foi intenção do legislador negar a punibilidade da tentativa nos casos dos nºs 2 e 3
da presente norma. Assim, não haverá punibilidade da tentativa - seja para o terceiro, seja para a
mulher grávida nos casos em que a mulher grávida tente abortar ou dê assentimento a um aborto
tentado. Mantém-se, porém, punível a tentativa do crime de aborto mais grave, portanto, sem
consentimento da mulher grávida. Em regra, a tentativa iniciar-se-á com a intervenção corporal
sobre a mulher, em ordem a produzir o aborto. São pensáveis as tentativas impossíveis (por
inidoneidade dos meios ou carência do objeto) e são também aplicáveis as regras gerais da
desistência.

Comparticipação: A mulher grávida é quase exclusivamente punível como autora. É possível a


afirmação da cumplicidade por um terceiro. Também são pensáveis hipóteses em que se
verifique, para um mesmo facto, diversas formas de comparticipação numa mesma pessoa:
assim a mulher grávida que dá assentimento ao aborto e que auxilia o terceiro ou que instiga o
terceiro à prática do aborto; nestes casos, aplicam-se as regras gerais, sendo o agente punível
pela forma mais grave. A participação numa interrupção voluntária da gravidez não punível
também não é punível.

Concurso: Uma vez que o bem jurídico protegido pelo crime de aborto é um bem jurídico
pessoal, a pluralidade de abortos implicará, por regra, a pluralidade de crimes. As hipóteses de
concurso de crimes podem manifestar-se de forma algo complexa nos casos de aborto sem
consentimento. De facto, o preenchimento do art.140º nº1 envolverá necessariamente o

46
preenchimento de crimes contra a integridade física e contra a liberdade. Aplicar-se-ão aqui as
regras gerais para esta forma de concurso de crimes. No caso do aborto consensual já não serão
pensáveis - além dos casos previstos no art. 141°- hipóteses de concurso.

A Pena
O crime de aborto é punido com pena de dois a oito anos de prisão, se cometido sem
consentimento da mulher grávida, e com pena de prisão até três anos para os outros casos e
independentemente da qualidade do agente.

Aborto Agravado
Artigo 141º

O fim protetivo da norma é facilmente percetível: agravar a punição por abortos realizados em
situação de particular risco para a vida e integridade física da mulher grávida. para a vida e
integridade física da mulher grávida. É indiscutível mente um caso de crime preterintencional,
resultante da combinação entre um crime fundamental doloso (o crime de aborto) e um evento
agravante (a morte ou a ofensa à integridade física grave da mulher) que, nos termos gerais do
art. 18°, deve ser imputado a título de negligência.

Tipo de Ilícito
Pressuposto primário de realização do tipo legal de aborto agravado a realização de um crime de
aborto pelo agente, podendo este ser realizado com ou sem o consentimento da mulher grávida.

O crime de aborto tem de ser consumado, ou seja, tem de verificar-se a morte do feto. De facto,
embora o tipo legal refira o aborto ou os meios empregados a verdade é que a pena (agravada) é
aplicável "àquele que a fizer abortar". Assim a circunstância (o evento) agravante pode estar
associada aos meios utilizados, mas tem de verificar-se sempre um aborto, para que se verifique
a consumação do crime agravado. Caso não se verifique o aborto, poderá estar em causa
meramente uma tentativa do crime agravado.

Por este crime não pode evidentemente ser responsabilizada a mulher grávida.
Consequentemente, o participante num crime de aborto provocado, ou então executado pela
própria mulher grávida também não será punível pela agravação.

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É necessário que do aborto ou dos meios nele empregues resulte um evento agravante: a morte
ou a ofensa à integridade física grave da mulher grávida. Para ambos os casos de acordo com a
tradição nacional e a regra contida no art. 18º - o evento tem de ser imputado a titulo de
negligência. O agente tem de cometer pela forma descrita um homicídio negligente (art. 137°)
ou uma ofensa à integridade física grave por negligência (art. 148º nº3).

Causas de Justificação
Não há evidentemente causas de justificação pensáveis. Pode, no entanto, discutir-se se fará
sentido o facto de se agravar a pena no caso de aborto consensual. Com efeito, pode aceitar-se
que o aborto é praticado, em parte, por iniciativa da mulher grávida e que, em certo sentido, ela
consente nos riscos inerentes a prática do aborto. Deve, no entanto, advertir-se que, embora isso
possa relevar em termos de imputação do resultado, há também limites à aceitação dos riscos.
Por isso, a agravação do resultado dá-se, não para qualquer ofensa à integridade física, mas só
para as ofensas graves; e, além disso, a cláusula dos bons costumes e da indisponibilidade do
bem jurídico impedem a atribuição de um qualquer valor especial à aceitação do risco pela
mulher grávida.

Formas Especiais do Crime:


Tentativa: É possível a tentativa do crime de aborto agravado pelo resultado quando se tiver
verificado um dos eventos agravantes em razão dos meios empregues, não se verificando,
porém, o aborto (portanto, não ocorrendo a consumação do crime de aborto); mas só é possível
a tentativa, no caso do art. 140º nº1, havendo tentativa do crime fundamental doloso com
verificação do evento agravante.

Comparticipação: É admissível a comparticipação, nos termos gerais em que esta é admissível


nos crimes preterintencionais. As duas únicas exceções residem em que não é punível a
comparticipação da mulher grávida (sob qualquer forma), nem é concebível a participação, para
este tipo de crime, quando o aborto tenha sido realizado, por facto próprio ou alheio, pela
própria mulher grávida.

Concurso: Uma vez que o crime preterintencional constitui uma derrogação às regras do
concurso de crimes, não se colocam quaisquer problemas, em geral, de concurso.

As circunstâncias agravantes:
Análise do art.141º nº2

A primeira circunstância agravante é constituída pelo facto de o agente se dedicar


habitualmente à prática do aborto punível; por habitualidade parece dever entender-se o
cometimento repetido do aborto punível, originado e enraizado numa certa tendência do agente.

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Para que se verifique a habitualidade é necessário que o agente tenha praticado, pelo menos,
dois atos (consumados, no caso de aborto consensual) que estejam por qualquer forma entre si
conexionados. A agravação aqui procura combater fenómenos como as clínicas de aborto ilegais
e nesse sentido desincentivar esse tipo de práticas.

A segunda circunstância agravante é o facto de o agente atuar com intenção lucrativa. O


ânimo do lucro coincide, neste contexto, com o de enriquecimento e significa o propósito de
melhoramento, por qualquer forma, da situação patrimonial. Tal como decorre do elemento
intenção, é necessário que o agente atue com o dolo previsto no art. 14°nº1, não sendo
necessário que o lucro seja o motivo principal, nem, evidentemente, que o agente obtenha a
melhoria da situação patrimonial.

A Pena:
Ao crime de aborto agravado é aplicada a pena do respetivo crime de aborto agravada de um
terço. Isto significa que devem verificar-se as seguintes molduras legais: no crime de aborto não
consensual, uma moldura penal de pena de prisão de dois anos e oito meses a dez anos e oito
meses, no caso de aborto com consentimento, a moldura penal será de um mês e 10 dias a
quatro anos.

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Interrupção Voluntária da Gravidez
Artigo 142º

Notas anteriores
Nos primórdios do nosso Direito Penal a solução geralmente aceite, sobretudo pela influência
que sobre as conceções comunitárias exercia o magistério da Igreja Católica, era a de que não
existia no nosso ordenamento jurídico-penal qualquer cláusula especial de impunibilidade, de
que portanto seria punida como aborto toda a IVG. Quando afinal tais interrupções eram
regularmente praticadas em estabelecimentos de saúde, mesmo públicos. Portugal foi dos
países na UE que mais tarde teve legislação no sentido de admitir a interrupção
voluntária, só sendo introduzida em 1984. Estabelece-se o modelo das obrigações.

No contexto da formulação desta lei houve enorme discussão sobre qual seria a natureza de um
artigo como este. Há sempre enorme contestação quando criamos situações em que a vida podia
ser afetada sem punição. Não poderia haver ponderação sobre o conteúdo das indicações e a
vida intrauterina. Se admitimos a legítima defesa a vida não tem proteção absoluta pelo que a
maioria da doutrina concorda falar-se de causas de justificação especiais para o crime de aborto
(alínea e).

Logo em 1998 considerou-se estarem reunidas as condições para a mulher poder decidir. Fez-se
um referendo (seguido por outro de 2007) em que 50,9% deu uma resposta negativa e abstenção
de 61,8% (para o referendo ter teor vinculativo tem que ter taxa de participação dos votantes
superior a 50%). Havia aqui sempre uma lógica de olhar para o lado aquando estes casos.
Existiu antes do referendo de 2007 um megaprocesso em que mulheres e parteiras foram
condenadas a prisão preventiva com o intuito de a população entender que a interrupção por
opção ser ilegal até então. Acontece que em termos de massa se começou a questionar a
legitimidade de não termos opção de escolha. Dado o efeito oposto ao pretendido deste processo
fez-se um 2º referendo e no contexto desse referendo 59% de respostas positivas e abstenção de
57% - quando as coisas acontecem assim o legislador fica com a batata quente nas mãos mas
tem a expressão clara da vontade popular (apenas ¼ da população se posicionou a favor).
Todavia, entendeu-se politicamente que se devia promover a legislação que hoje vem protegida
na alínea e. nós quisemos atribuir tutela ao embrião, mas mesmo esta alínea sendo acrescentada
há uma ponderação apertada até porque em termos de 10 semanas está Portugal mas para 12
semanas temos a maioria dos países e mesmo assim outros com 14, 16, 18 e 24 semanas (na
lógica de interrupção por vontade da mulher). Dar 10 ou 24 semanas é muito diferente em
termos de tutelar a vida intrauterina na medida em que às 28 semanas, apesar de ainda ser
demasiado cedo, já é possível a expulsão do feto que sobrevive. As atuais propostas são para 14

50
e 16 semanas. As 10 semanas são o 1º ponto em que se considera que não estamos perante um
mero feijão e a partir daí o embrião começa a ser considerado uma pré-pessoa.

Desde a introdução da alínea e) representa 97% dos casos de interrupção da gravidez. Importa
também perceber que a taxa de reincidência é baixíssima, ou seja, há bom planeamento familiar
e não utilizamos o aborto por vontade da mulher como método contracetivo.

A análise do artigo
A interrupção voluntária da gravidez (IVG) não punível é agora assim conformada por um
quadro misto de circunstâncias justificadoras, composto de uma parte por um catálogo de
indicações (als. a) a d) do n° 1) e de outra parte por uma solução de prazo (al. e) do n° 1).

O art. 142° descreve os pressupostos cuja verificação conduz a que uma IVG não seja punível.
Para qualquer dos casos contemplados nas diversas alíneas do nº 1 do art. 142° não têm
fundamento bastante as teses nem, por um lado, da ilicitude, da exclusão da culpa ou da
exclusão da punibilidade (que alguns querem fazer valer para os casos cobertos pelas
"indicações" constantes das als. a), b), c) e d) do n° 1); nem, por outro lado, a tese da atipicidade
(que, para os casos caídos na al. e), valeria para a hipótese do “prazo”.

Os pressupostos comuns para se fazer uso da IVG


Realização por médico ou sob sua direção (nº1 1ª parte): ilícita será pois a IVG efetuada por
não médico (salvo se a gravidez representar um perigo atual para bens jurídicos da grávida que
façam entrar em questão a figura do direito de necessidade contida no art. 34°). A razão de ser
da exigência de que a IVG seja efetuada por médico é claramente a de, no interesse da grávida,
afastar a possibilidade de a intervenção ser feita por qualquer pessoa não completa e
oficialmente capacitada para levar a cabo diagnósticos e intervenções médicas particularmente
melindrosas.

Só nos casos em que a IVG é efetuada por método cirúrgico e tem lugar em estabelecimento de
saúde oficial com departamento ou serviço de ginecologia/obstetrícia parece ser legalmente
imposta a intervenção de médico de uma dessas especialidades. Permitir a lei que a intervenção
não seja efetuada pelo médico, mas apenas sob a sua direção não representa um amortecimento
da exigência primária posta por este pressuposto. Não é admissível, com efeito, nomeadamente
para as intervenções que assumam qualquer forma cirúrgica, uma qualquer direção longínqua ou
meramente burocrática, mas apenas que os atos concretos de intervenção sejam efetuados não
pela mão própria do médico, mas por outrem atuando, em todo o caso, direta e imediatamente
sob o controlo presente e constante do médico.

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Execução em estabelecimento oficial ou oficialmente reconhecido (nº1 2ª parte): Ainda aqui
se trata primacialmente de proteger o interesse da grávida, assegurando-lhe um serviço que dê
garantias de qualidade e de responsabilização. Mas ao interesse da grávida acresce aqui o
interesse estadual em que intervenções que têm como consequência o aniquilamento de
nascituros sejam levadas a cabo apenas em instituições que mereçam tanto do ponto de vista dos
serviços, como das pessoas que nele trabalham a plena confiança do próprio Estado. Daqui, em
definitivo, a exigência de carácter direta ou indiretamente oficial do estabelecimento de saúde
em que deve ocorrer a interrupção.

Quanto ao atestado médico: Não exigindo a lei um processo formal de averiguação da


existência de qualquer das circunstâncias que tornam não punível [lícita] a IVG a praticar, a sua
verificação tem de ser certificada em atestado médico, pelos requisitos do nº2. Em todo o caso,
não se trata aqui de meras "formalidades", senão que de condições que asseguram a
funcionalidade de todo o sistema e se destinam a prevenir abusos e riscos acrescidos para a
própria grávida e para o nascituro.

Quanto ao consentimento: A interrupção voluntária deve ser voluntária; o que rigorosamente


significa que o consentimento da mulher grávida desempenha o papel de um elemento (entre
outros, como vemos) da justificação. O que a mulher tem de decidir (e exprimir através do
consentimento) é se dá primazia ao nascituro e consequentemente aos riscos da continuação da
gravidez e do nascimento (por motivos de consciência ou religiosos) ou, pelo contrário, ao risco
da interrupção. O que faz compreender que o consentimento assuma neste contexto uma
regulamentação especial (constante dos nº 4 a 6) .

A capacidade para consentir é deferida à mulher psiquicamente capaz de idade igual ou superior
a 16 anos (art. 142º- 5 a contrario com o entendimento do art.38º). Se a mulher for incapaz, em
virtude da menoridade ou por razões do foro psíquico, o consentimento é prestado pelas formas
previstas no art.142º nº5 e pelas normas do CC.

A lei renuncia à exigência de consentimento da grávida como condição da justificação (n° 6)


no pressuposto da verificação cumulativa de dois pressupostos: 1) que não seja possível obter o
consentimento nos termos atrás expostos; e 2) que a efetivação da interrupção se revista de
urgência.

Duração da gravidez: Uma questão (fundamental para a determinação das fronteiras da


punibilidade) que se suscita em praticamente todas as alíneas do nº 1 é a de saber de que forma
devem ser contadas as "semanas" que a lei refere. Ainda aqui o critério não pode ser outro senão
o preconizado pela ciência médica. Do seu ponto de vista, teoricamente o início da gravidez
coincide com a fecundação, que se produz nas horas que se seguem à ovulação; donde resulta

52
que o meio mais fiável para determinar o início da gravidez seria a data da fecundação. Como
esta data, porém, só em casos muito raros é suscetível de determinação razoavelmente exata, há,
de um ponto de vista prático (médico), que lançar mão de outros critérios:

1) desde logo o da data da relação fecundante, a qual todavia, não só será


frequentemente desconhecida, como não é em principio precisa, porque a fecundação
pode ter lugar vários dias após a cópula;

2) o primeiro dia da última menstruação um método muito fiável em mulheres com


ciclos menstruais regulares ao qual se adicionarão 14 dias para obter o dia de início da
gravidez,

3) quando possível e necessário nomeadamente por irregularidades dos ciclos


menstruais ou por a data da última menstruação ser desconhecida - a ecografia dita de
datagem da gravidez, a qual deve ser precoce e realizada preferentemente antes das 12
semanas.

As Indicações
A. terapêutica (em sentido estrito): a interrupção tem de constituir não um meio simplesmente
possível ou (e) adequado, não o meio porventura menos pesado, física ou (e) psicologicamente,
para a grávida, mas o único meio de tutela dos valores ou interesses tipicamente protegidos, em
suma, um meio sem alternativa; não encontramos prazo porque nem precisava de estar aqui, é
legítima defesa da vida da mulher pelo que havendo assentimento e este for o único meio para
tutelar a vida da mulher naturalmente não se pode atribuir prazo (aplicação subsidiária).

Necessário se torna que a interrupção se revele indispensável não simplesmente para evitar
( para prevenir), mas para remover o perigo. É preciso por isso que o perigo seja atual e não
meramente potencial, que ele se encontre já "instalado" no momento em que a intervenção tem
lugar. O perigo existente tem, por outro lado, de dizer respeito à vida, ou ao corpo ou à saúde
física ou psíquica da mulher grávida. Indispensável é ainda, por outra parte, que o perigo se
refira a uma lesão grave e irreversível do corpo ou da saúde, devendo ter-se em atenção que
estes requisitos são cumulativos e não alternativos. A alínea refere a saúde psíquica que é um
conceito difuso, aqui entende-se por exemplo o caso de a mulher ser bipolar e com a gravidez
ter que parar de tomar os seus comprimidos o que poderia trazer resultados nefastos.

B. terapêutica (em sentido lato): O primeiro e mais importante desses títulos de maior
aplicabilidade desta indicação é o de se não tornar agora necessário que a interrupção constitua
o único meio de remover o perigo, bastando que ela seja indicada para o evitar. Neste contexto
não se exige por isso a atualidade do perigo, bastando que, ainda segundo o estado dos
conhecimentos da medicina, seja razoavelmente previsível o seu surgimento. Não se trata por

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isso apenas de uma mera possibilidade do perigo, mas de uma sua potencialidade razoável ou
probabilidade e da sua consequente prevenção. A outra diferença reside em que, para além de se
requerer que seja grave, não se exige aqui o carácter irreversível da lesão do corpo ou da saúde,
mas sim que ela seja duradoura (de novo sendo os dois requisitos cumulativos). A decisão deve
ainda ser medicamente fundada, mas não poderá já deixar completamente fora de consideração
as condições pessoais de vida, atuais e futuras, da mulher.

Não pode deixar de considerar-se que, como que "compensando" o alargamento da indicação
médica, a lei restringe aqui drasticamente o prazo dentro do qual a intervenção deve ter lugar,
fixando-o no limite das primeiras 12 semanas da gravidez.

C. Embriopática: a previsão será desde logo integrada pela certeza de que o nascituro sofre já
da doença ou malformação (diagnóstico pré-natal). Fora destes casos assumirá enorme
relevância, como se compreende, o grau de probabilidade de surgimento da doença ou
malformação. Impossível é porem uma sua quantificação exata. Necessário é só que o grau de
probabilidade seja significativo em função da incurabilidade e da gravidade da doença ou da
malformação congénita. Por isso alguns autores recusam em definitivo qualquer critério
quantitativo e substituem-no integralmente por um critério normativo. Este deverá residir em
que a indicação estará presente sempre que o grau de probabilidade, posto em conexão com a
incurabilidade da doença ou malformação prevista, por um lado, e com a condição psíquica da
mulher, por outro lado, torne a continuação para esta da gravidez num peso e num sofrimento
que não é razoavelmente de lhe exigir. Importa porém considerar neste contexto, com
importância decisiva, que os progressos extraordinários da ginecologia, da obstetrícia e da
própria genética têm diminuído significativamente os casos de aplicação da indicação
fetopática; ao mesmo tempo que têm conduzido a um aumento extraordinário do conhecimento
e do rastreio de doenças e malformações que afetam ou podem vir a afetar o nascituro.

A verificação da indicação torna-se necessário que o juízo de previsão se dirija a uma doença ou
malformação congénita, tanto uma como outra grave e incurável; isto é, a uma lesão do corpo
ou do estado de saúde (em sentido amplo) que ou deixa ao nascituro pequenas hipóteses de
sobrevivência ou lhe causa pesados e irreparáveis danos, físicos ou psíquicos. Além disso, é
indiferente a causa do sofrimento do nascituro, que tanto pode ficar a dever-se a uma carga
hereditária, como à influência de condutas ou de estados anteriores ao nascimento; como é por
isso igualmente indiferente que o perigo para o nascituro possa ou não ser imputado à culpa.

No caso que temos analisado, pode haver IVG no prazo de 24 semanas. Com efeito, este prazo
é hoje reconhecido (tanto quanto se pôde investigar, sem discrepâncias notáveis) pela ciência
médica como o mínimo indispensável para levar a cabo certos processos de diagnóstico e de
comprovação de fetopatias. Não concedendo esse prazo, e pelo contrário editando um mais

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curto, corria o risco de aumentar as interrupções ilícitas, mesmo que recobertas com o manto de
uma pretensa indicação médica, sempre que se levantassem suspeitas de que poderia existir uma
indicação fetopática, mas não houvesse possibilidade de as confirmar dentro das 16 semanas.

As situações de fetos inviáveis é dizer, que morrerão no ventre materno ou, de todo o modo,
não terão qualquer esperança de vida fora dele, permitindo que em situações tais a interrupção
seja praticada a todo o tempo. Este alargamento é absolutamente compreensível e justificável,
não se tornando necessária, a este propósito, qualquer precisão ulterior.

D. Criminal: Tratando-se de gravidez causada por ato sexual ofensivo da liberdade ou


autodeterminação da mulher, é-lhe inexigível a manutenção da gestação. A imposição de uma
gravidez e de uma maternidade, mais do que indesejadas, contrárias à vontade da mulher,
constituiria um atentado insuportável à sua dignidade pessoal e acarretaria consideráveis riscos
para a sua saúde psíquica e para a estabilidade das suas relações familiares, tanto durante, como
depois da gravidez.

Questão a colocar é se a expressão crime contra a liberdade e auto determinação sexual deve ser
tomada como exigindo a verificação de todos os elementos constitutivos do conceito de crime;
ou se diferentemente o CP usou aqui a expressão (como noutros lugares o fez) como equivalente
apenas de uma parte daquele conceito. Só esta segunda hipótese é correta: não estaria de acordo
com a teleologia legal que a indicação criminal cessasse apenas porque a violação da mulher foi
levada a cabo, por um inimputável ou por quem, de uma forma mais geral, tenha atuado sem
culpa, ou por um agente relativamente ao qual se não verifique um pressuposto da punição (por
falta de queixa, por amnistia, etc.). Crime significa por isso exatamente, neste contexto, facto
objetivamente ilícito -típico contra a liberdade e autodeterminação sexual.

E. por vontade da grávida: Desde logo, depende de uma manifestação de vontade da mulher
para que lhe seja interrompida a gravidez. A exclusão da ilicitude decorre aqui, nas palavras da
lei, de uma "opção da mulher". Significa isto que é à mulher que cabe a primeira e a última
palavra na tomada de decisão de realização da IVG. É nela, e não no médico ou em qualquer
outra instância, que em último termo radica o poder de decisão, que deve ter-se por insindicável;
sem prejuízo do acompanhamento e aconselhamento que obrigatoriamente deve ser prestado à
mulher.

Este prazo de 10 semanas constitui a segunda condição material de viabilidade da IVG por
opção da mulher. Na comparação com os outros países europeus que adotam um modelo do
prazo, o limite temporal de 10 semanas estabelecido pela legislação portuguesa constitui o mais
curto de todos. Esta opção relativamente restritiva, em detrimento por exemplo do prazo das 12
semanas escolhido pela generalidade das legislações europeias, é explicável não tanto por

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razões ligadas ao processo de formação biológica do nascituro, mas mais pelo contexto politico
que rodeou a aprovação referendária da IVG por opção da mulher (o quadrante político defensor
deste modelo e proponente do segundo referendo, realizado em 2007, optou por uma solução,
digamos assim, minimalista, de forma a aumentar as chances de aceitação referendária do novo
paradigma despenalizador).

Diversos passos e prazos devem ser escrupulosamente respeitados, de modo a assegurar que a
interrupção da gravidez é fruto de uma decisão livre, informada e amadurecida da mulher.
Através da imposição deste procedimento pretende-se evitar ou pelo menos minorar o risco de
uma decisão derivada de impulso precipitado, irrefletido ou mal informado, com lesão
irreversível da vida do nascituro e até porventura da estabilidade psíquica e emocional futura da
grávida.

“objeção em consciência” do médico: a invocação da objeção de consciência parece não ter


que ser motivada, surgindo assim como insindicável. Os médicos e demais profissionais de
saúde objetores de consciência estão impedidos de intervir nas etapas prévias à IVG por opção
da mulher, nomeadamente na consulta prévia e no acompanhamento da grávida durante o
período de reflexão. Com esta proibição o legislador parece ter querido poupar este pessoal
clínico à participação num procedimento que muito possivelmente irá ter como desfecho um ato
que repugna à sua consciência e ainda evitar o risco de a grávida ser posta perante um
profissional de saúde que, pelas suas íntimas convicções pessoais, faça da consulta prévia um
exercício de proselitismo antiaborto, pondo assim em causa a esfera de autonomia e de
liberdade de decisão da mulher.

Conhecimento/erro da justificação: se o médico se dispõe a interromper ilicitamente uma


gravidez, mas se verifica depois que existiam todos os pressupostos necessários à justificação -o
agente é, à partida, punível pelo art. 140°; se a titulo de aborto consumado, ou apenas tentado
por aplicação analógica do disposto no art. 38°/4, é questão que deve considerar-se não assumir
aqui qualquer especialidade relativamente à solução que se defenda, em geral, para as causas de
justificação. É claro que, na ausência da situação objetiva justificante, em princípio não se
encontrará justificado o médico que leva a cabo a intervenção sem ter feito previamente um
exame da situação da grávida; mas, para além de que uma tal hipótese é praticamente
impensável face aos pressupostos - não diretamente atinentes às indicações de que a lei faz
revestir a decisão de intervir , em casos tais o médico não poderá ter deixado de ter uma co-
consciência (imanente à ação) da possibilidade de tais pressupostos não existirem e de ter
atuado conformando-se com aquela possibilidade.

56
Por isso também se deve afirmar que o disposto no art. 16°/2 1ª parte tem plena aplicação nestas
hipóteses. Acabarão então por ficar impunes as situações em que por erro na aferição dos
pressupostos justificantes a IVG seja levada a cabo sem que estejam reunidas as condições
legalmente previstas para o efeito.

Coisa diferente e particularmente importante será verificar se é efetivamente de um tal erro que
se trata, ou se diferentemente o erro versa sobre o âmbito ou os limites da justificação: neste
último caso, como se sabe, o erro não é um erro que exclua o dolo, nos termos do art. 16°/2, mas
sim um erro que só pode relevar pela via da falta de consciência do ilícito, nos termos do art.
17°.

Dos Crimes Contra a Integridade Física

Ofensa à Integridade Física Simples


Artigo 143º

Aspetos Gerais
O crime de ofensa à integridade física simples constitui o crime fundamental em matéria de
crimes contra a integridade física. É a partir da "ofensa ao corpo ou à saúde de outrem" que se
deixam construir uma série de variações qualificadas, como a ofensa à integridade física grave
(art.144º), qualificada (art.145°), privilegiada (art.146°), agravada pelo resultado (art.147°) e por
negligência (art.148°), De realçar a similitude entre a forma como são estruturados neste
Código os crimes contra a integridade física e contra a vida.

O legislador preferiu designar estes crimes como "crimes contra a integridade física", e não
como "crimes de ofensas corporais", aproximando assim o título da norma incriminadora do seu
âmbito de proteção, vale dizer, do bem jurídico tutelado, que não se restringe à integridade
corporal da pessoa em sentido estrito.

Estamos perante um crime de resultado de dano. O tipo legal em análise supõe a produção de
um resultado que é a ofensa do corpo, ou da saúde, de outra pessoa, que tem que ser imputado à
conduta ou à omissão do agente de acordo com as regras gerais de apuramento da causalidade.
Trata-se também de um tipo legal de realização instantânea, bastando para o seu preenchimento
a verificação do resultado descrito (a gravidade dos efeitos produzidos, ou a sua duração,
poderão conduzir à qualificação da lesão como ofensa à integridade física grave, ou ser
valorados no âmbito da determinação da medida da pena).

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O Bem Jurídico
O bem jurídico protegido no Capítulo III é a integridade física, muito embora seja difícil de
determinar o seu exato alcance enquanto objeto de tutela penal. É que, tanto se poderá conceber
a ofensa à integridade física como uma desatenção à pessoa da vitima no seu todo, abrangendo a
integridade corporal ou física em sentido estrito e a integridade moral ou psíquica, uma vez que
o corpo e o espírito não são compartimentos estanques, como se poderá antes enveredar por um
entendimento unilateral, e corporal-objetivo do bem jurídico, autonomizando âmbitos de tutela
penal consoante esteja em causa uma ou outra dimensão da personalidade do sujeito. Terá sido
esta última a opção tomada pelo nosso legislador ao fazer uma clara separação entre os crimes
contra a integridade física e os crimes contra a honra e contra a liberdade da pessoa.

É inegável que, por vezes, é necessário proceder à demarcação interpretativa do alcance dos
tipos legais de crime, em ordem a saber se existe, ou não, um concurso de crimes. Assim, por
exemplo, uma estalada, acarreta necessariamente consequências para a personalidade moral da
vitima, atingindo-a na sua dignidade, decoro e honra, consequências que não deverão ser
sempre autonomizadas, pelo menos onde não tenham a relevância e a intensidade que justifique
a consideração simultânea do tipo legal de injúrias. Entende-se então que se deve atribuir
prevalência ao conteúdo de ilicitude material correspondente ao tipo legal de ofensas à
integridade física sempre que ele se mostre capaz de absorver a ilicitude correspondente ao
crime contra à honra eventualmente aplicável. Já será de entender diferentemente, onde a
pancada, ou a lesão, se mostram puramente simbólicas. Nesta situação, e comprovado que o
dolo do agente se dirigiu à criação de um sofrimento puramente moral, e não a uma "ofensa ao
corpo", deverão antes encontrar aplicação os tipos legais de crime que têm por finalidade a
proteção de outros bens jurídicos.

Por outro lado, há lesões psíquicas com reflexos no "corpo" ou na "saúde" da vítima, que devem
ser consideradas ofensas à integridade física tipicamente relevantes. Será o caso do grave
choque traumático sofrido devido a um acidente de viação, do abalo sofrido com a comunicação
sem fundamento da morte de um familiar, dos efeitos de uma hipnose mal executada p.ex.
Evidentemente que já não será de qualificar como ofensa à integridade física o mero mal-estar
causado, por exemplo, pela necessidade de contemplação de um quadro hipermoderno.

Tipo Objetivo de Ilícito


O objeto da ação é o corpo humano. Contemplam-se aqui unicamente "ofensas contra o físico
ou contra a parte corporal do homem". Diferente é a situação quando são retiradas partes do
corpo humano com a finalidade de proceder mais tarde à sua incorporação. O elemento típico
"corpo" pode ainda abranger próteses quando elas se encontrem ligadas à pessoa com carácter
de permanência. Está unicamente a pensar-se em meios substitutivos de partes naturais do corpo

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humano como costelas metálicas, chumbos dentais, pernas artificiais, ou pacemakers. Não são
abrangidos pelo conceito de corpo os aparelhos artificiais que não se encontram direta e
permanentemente asso ciados à pessoa, como é o caso de aparelhos auditivos ou óculos.

Em relação a dentaduras artificiais, não se torna possível falar, como no primeiro grupo de casos
apontados, de uma parte integrante da pessoa, pelo que parece difícil configurar, no caso da sua
lesão ou destruição, uma ofensa à integridade física, parecendo antes tratar-se de um dano, no
sentido utilizado pelo legislador no art.212º do CP. Tratando-se todavia de uma dentadura fixa
parece ser de aceitar uma alteração na sua natureza, assumindo uma ofensa à integridade física
no caso da sua danificação.

A ofensa ao corpo ou à saúde terá que se referir a "outra pessoa". As chamadas autolesões não
são puníveis como ofensas da integridade física. A participação na autolesão alheia, ou numa
autocolocação em risco da integridade física, também não é punível, dada a não punibilidade do
facto principal. Diferente é a situação quando alguém induz a outra pessoa em erro, ou usa de
coação sobre ela, para que ela se automutile (autoria mediata punível). O critério determinante
de distinção dependerá sempre de saber se a lesão ou a colocação em risco, foi aceite pelo
próprio de forma responsável e com pleno conhecimento dos riscos e do alcance da sua decisão.

Quando se fala de outra pessoa pensa-se inequivocamente num ser humano vivo e já nascido, o
que leva a colocar a questão dos limites da vida. Pode colocar-se a questão de saber se lesões
pré-natais sofridas durante a gravidez, por conseguinte antes da aquisição da qualidade de
pessoa para o direito, mas que se venham a manifestar, ou que perdurem, num momento
posterior ao nascimento, podem ser abrangidas pela tutela jurídico-penal concedida à
integridade física. A doutrina maioritária tende a dar resposta positiva a esta questão, porque se
trata de consequências ou efeitos que afetam uma pessoa. Uma outra posição, também com peso
significativo, arranca da qualidade do "objeto" no momento em que a conduta do agente começa
a produzir os seus efeitos. Não se atende, nem ao momento da execução do facto, nem ao
momento em que se manifesta a última lesão da integridade física, mas ao momento em que a
conduta começa a produzir os seus efeitos. Se a lesão se evidencia toda ela antes do início do
processo de nascimento não se deixa abranger pelo tipo, e não é punível. Se a conduta pré natal
produz os seus primeiros efeitos na criança já nascida (por exemplo, se a infeção com que se
contagiou a mãe se transmite à criança depois do nascimento) já serão de aplicar as normas que
tutelam a integridade física.

A lei distingue duas modalidades de realização do tipo: a) ofensas no corpo e b) ofensas na


saúde. Sob o ponto de vista do preenchimento do tipo legal estes dois conceitos são
perfeitamente equivalentes, deixando-se esgotar entre eles todo o universo de ofensas à
integridade física jurídico-penalmente relevantes. Por outro lado, e no que diz respeito à relação

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entre eles, pode afirmar-se que constituem dois círculos concêntricos que se tocam mantendo a
sua autonomia. Assim, temos ofensas ao corpo que constituem simultaneamente ofensas à saúde
da vítima, ofensas ao corpo que perduram para além do prejuízo para a saúde, ofensas ao corpo
que não afetam a saúde da vítima e finalmente, ofensas à saúde da vítima que não afetam o seu
corpo, podendo inclusivamente aumentar o bem-estar do lesado.

O tipo legal do art. 143° preenche-se através de uma ofensa no corpo, ou na saúde, da vítima,
independentemente da dor ou sofrimento causados. Também não são tipicamente relevantes os
meios usados pelo agressor, ou a duração da agressão. Por principio, a ofensa à integridade
física traduz-se numa atuação direta do agente sobre o corpo da vitima, seja através do uso de
armas, do atiçamento de animais, de pancadas, empurrões ou maus tratos. No entanto, é possível
e pensável que a intervenção tenha lugar de forma mediata, como sucede nas agressões
psíquicas com efeitos no corpo da vitima, e em todos os casos de comissão por omissão. Os
meios usados podem ser qualquer um (mecânicos, químicos, ou outros).

Integram o elemento típico as atuações que envolvem perda ou afetação da substância corporal,
como a perda de dentes, pele, dedos e, ao mesmo tempo, feridas, nódoas negras, inchaços e
contusões, modificações do corpo, como sucede com o corte de cabelo, de um rabo de cavalo,
ou da barba, ou com a pintura de determinadas partes do corpo da vítima com uma substância
de difícil remoção e a perturbação de funções físicas como a afetação da capacidade de
locomoção, da audição através da difusão de um ruído intenso ou do ritmo cardíaco. Os
conceitos de ofensa ao corpo, "mau trato" e "bem-estar físico" são conceitos relativos que
obrigam a considerar o estado da vítima antes da agressão ou ofensa de tal modo que se possa
evidenciar pela comparação com um momento posterior um agravamento da sua situação.

Tratando-se de lesões diminutas, não se pode qualificar como ofensa à integridade física a
cuspidela que provoca uma reação de repulsa na vítima, podendo essa conduta constituir,
quando muito, uma injúria punível nos termos dos arts. 181° e 182° do CP. Já são de valorar de
forma diferente, as situações onde, além da ofensa ao equilíbrio psíquico da pessoa, tem lugar a
perturbação das terminações sensoriais servidas pelos nervos sensoriais do sistema nervoso
central, com graves alterações do sistema nervoso, colapsos ou enfartes. Nestas hipóteses dever-
se-á admitir a existência de uma ofensa ao corpo que constituirá sempre, e simultaneamente,
uma ofensa à saúde.

É de qualificar como lesão da saúde, em primeiro lugar, a criação de um estado de doença, seja
através de uma infeção, do contágio de uma doença sexualmente transmissível, ou por qualquer
outra via, sendo irrelevante a necessidade da intervenção do médico no sentido da cura e sendo
igualmente indiferente a duração da doença, desde que ela não se torne permanente, caso em
que a atuação do agente passaria a integrar o tipo legal de ofensa à integridade física grave.

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Integra também este elemento típico a conduta de quem contribua de forma decisiva para a
manutenção ou agravamento de um estado de doença ou sofrimento já existente. A exclusão
das lesões bagatelares do âmbito deste tipo legal de crime é imposta por critérios de natureza
constitucional, como o princípio da dignidade do bem jurídico protegido e da necessidade da
intervenção do direito penal.

Tratamentos médicos: eles são atípicos à luz das incriminações penais que tutelam a
integridade física. O nosso legislador penal tomou posição expressa no sentido de considerar
que as intervenções médicas curativas constituem formas de conduta socialmente adequadas e
jurídico-penalmente irrelevantes, independentemente do resultado que se venha a produzir.
Assumiu-se assim, pela via legislativa, que o risco envolvido numa intervenção médica,
reunidos que sejam determinados pressupostos de natureza subjetiva e objetiva, é um risco
tolerável, mais do que isso, socialmente desejável, que não pode responsabilizar o médico no
caso de se vir a concretizar num resultado funesto.

Atividades desportivas: podem beneficiar de uma valoração social diferenciada similar à que
vale, ou abrange, as intervenções médicas curativas, assumindo um papel determinante nessa
valoração o cumprimento das regras do jogo e o assentimento que é dado pelo jogador à
participação na modalidade desportiva em causa. Este assentimento não significa o mesmo que
o consentimento na lesão como causa de justificação, dada a dificuldade em apurar os seus
pressupostos e a sua desadequação ao apuramento da responsabilidade do agente em todos estes
casos.

Tipo Subjetivo de Ilícito


O tipo legal de crime tanto pode ser preenchido por ação, como por omissão, quando sobre o
omitente recai um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado.

O dolo do agente (incluindo o dolo eventual) é necessário e suficiente para o preenchimento do


tipo subjetivo de ilícito. O resultado típico (ofensas no corpo ou na saúde do ofendido) tem que
ser inequivocamente abrangido pelo dolo do agente. A motivação do agente é irrelevante,
embora possa ser tida em conta para efeitos de determinação da medida da pena.

Pode suceder que o resultado causado se mostre diferente do pretendido pelo agente, deixando-
se configurar um erro sobre o processo causal. O desvio será irrelevante, sob o ponto de vista do
tipo legal, sempre que o resultado efetivamente produzido seja previsível e ade quado em face
da conduta do agente, e se mostre ao mesmo tempo idêntico, em gravidade e natureza, ao que
foi representado e querido por ele.

61
Causas de Justificação
O consentimento funciona aqui como uma verdadeira e própria causa de exclusão da ilicitude,
uma vez que, não obstante reconhecido o valor da autonomia do titular do bem jurídico e
penalmente tolerada a conduta, está em causa uma manifestação de danosidade social a que a
ordem jurídica não pode ser indiferente. Este consentimento tanto pode ser expresso como
presumido (art.39º). Muito embora reconhecendo a livre disponibilidade do interesse em causa
(art. 149°, n° 1), o nosso legislador penal exige que o facto no qual se consente não contrarie os
bons costumes (art. 149°, n° 2).

A lesão da integridade física pode ter lugar por legítima defesa. Não deve ser admitida a
legítima defesa contra agressões insignificantes. Estando ausente algum dos pressupostos de que
depende o funcionamento da legítima defesa poder-se-á aceitar a intervenção de um direito de
necessidade defensivo, que todavia supõe que o bem lesado pela ação de defesa não tenha um
valor muito superior ao bem que se pretende defender (diferentemente da legítima defesa).

A justificação por intermédio do direito de necessidade também é de aceitar neste âmbito


(diferentemente do que sucede relativamente ao tipo de ilícito de homicídio).

A lesão da integridade física poderá ser excecionalmente justificada em nome de uma dimensão
social dos direitos fundamentais. Pode legitimar-se a intervenção coativa do Estado impondo
ao cidadão o sacrifício do seu direito em nome de outro interesse ou direito (aqui de natureza
social) também constitucionalmente protegido.

É por demais discutida a existência de um direito de correção de pais e outros educadores onde
ele se traduza em concreto, em lesões da integridade física do educando. Na valoração destas
situações há que ter em conta as normas constitucionais que tutelam os direitos da criança. De
acordo com a perspetiva ainda maioritária, a ofensa da integridade física será justificada quando
seja aplicada pelo detentor do poder paternal, com finalidade educativa e com intenção
educativa, onde se mostre adequada a atingir esse fim, e não viole princípios fundamentais de
dignidade humana.

Não existe um direito de correção de crianças alheias. Os pais estão, em princípio,


legitimados ao castigo por força do poder paternal. Consideramos que o exercício de um direito
de correção relativamente a crianças internadas em estabelecimentos de assistência só pode ser
admitido com extremas cautelas, que são impostas pela circunstância de não existir, na maior
parte destes casos, a mesma relação afetiva e de proximidade que existirá entre pais e filhos. É
de afastar, no momento atual, qualquer direito de castigo corporal por parte dos professores,
uma vez que é proibido por lei.

62
Causas de Exclusão da Culpa
Não são de referir aqui quaisquer especificidades. Poderá assim existir uma eventual
inimputabilidade do agente (art. 20°-1), uma falta de consciência do ilícito não censurável (art.
17°-1), um estado de necessidade desculpante (art. 35°) ou um excesso intensivo de legítima
defesa devido a fatores asténicos (art. 33°-2).

Formas Especiais de Crime


A tentativa do crime de ofensas à integridade física simples não é punida dada a baixa moldura
penal do crime que não permite aplicar o regime geral e não existe nenhuma norma que diga
que este crime deva ser punido por tentativa.

Existirá um concurso efetivo de crimes sempre que o agente com uma só ação (concurso ideal)
ou com várias ações (concurso real) lesa a integridade física de várias pessoas. Embora o
art.143º e o art.148º se excluam mutuamente é possível que aja concurso efetivo entre ambas
(relativamente a diferentes vítimas). Há concurso aparente com as formas especiais de ofensas
à integridade física na medida em que estes daquele derivam.

Divergência sobre se a agressão que está na origem da outra tem que ser física ou se pode ser de
outro tipo- a doutrina tem considerado que no caso de termos uma injuria à qual a outra pessoa
responde com agressão física podemos aplicar o 143º nº3.

A Pena
Até 3 anos; crime semipúblico o que significa que o procedimento depende de queixa, só não o
é nos casos do nº2, ou seja, se a vítima for alguém lá elencado – a ideia é, tendo em conta que
ofensa a este agente é uma ofensa a toda a comunidade, há um interesse público naquele
procedimento criminal que ultrapassa a vontade do próprio ofendido. Também importante é o
nº3 na possibilidade de dispensa de pena se perante reciprocidade – há uma ideia de não
necessidade de pena. Há doutrina que critica dizendo que se está a legitimar formas de justiça
privada, é incorreto porque as razões para a não punição têm que ver com o direito e processo
penal.

Ofensa à Integridade Física Grave


Artigo 144º

O crime de ofensa à integridade física grave surge, em termos amplos, como um delito
qualificado pelo resultado, que consubstancia, pelo resultado a que conduz, uma ilicitude mais
grave do que a que corresponde ao tipo de ilícito fundamental, ofensa à integridade física
simples.

63
Contrariamente ao 143ºCP, o 144ºCP já é um crime publico justamente por causa da gravidade
da lesão e, também por causa disso tem uma moldura penal mais grave.

O Bem Jurídico
O bem jurídico protegido corresponde à integridade física do ofendido, entendida esta como
integridade corporal (sem esquecer eventuais efeitos psicológicos, aliás expressamente previstos
na al. c) deste artigo, com consequências sobre a saúde do ofendido), pretendendo-se evitar as
formas de agressão particularmente graves e duradouras descritas de forma exaustiva no corpo
do art. 144°.

O Tipo Objetivo de Ilícito


Em causa tem que estar uma ofensa ao corpo ou saúde de outrem. É suscetível de constituir uma
ofensa à integridade física grave a conduta do agente que "privar outrem de importante órgão ou
membro" ou que o desfigurar "grave e permanentemente". Por membro deve considerar-se
"toda a parte do corpo relacionada externamente com ele, e que desempenha uma função
determinada no contexto geral do organismo".

Ter-se-á que tratar, também, de um importante órgão ou membro, mas não poderá estar em
causa a perda de um órgão ou membro vital, uma vez que, nesse caso, passaríamos a estar
perante um homicídio, e não perante uma ofensa á integridade física.

É discutível o peso a atribuir nesta avaliação a fatores individuais, como a atividade


profissional exercida pelo lesado. No entanto, a maioria dos autores considera que são de ter em
conta fatores de natureza individual nessa definição, incluindo aqui não apenas as qualidades
físicas estritamente individuais (incapacidade ou diminuição especifica, o usar-se a mão
esquerda, por exemplo) como as qualidades extra corporais, como o trabalho ou a profissão da
vítima (nesta perspetiva serão de qualificar como importantes todos os dedos de um pianista).

A alínea a) do art. 144º, começa por se referir à privação de órgão ou membro. Esta tem lugar
sempre que o órgão ou membro ficam completamente separados do corpo. Encontra-se também
abrangida por esta alínea a desfiguração grave e permanente. Como a própria palavra
"desfiguração" deixa antever, está aqui em causa uma alteração substancial da aparência do
lesado capaz de o prejudicar seriamente na sua relação com o mundo envolvente. À semelhança
do que ficou dito em relação à privação de órgão ou membro, entendemos que é preciso ter aqui
em conta a particular situação da pessoa ofendida, a sua profissão, idade, sexo, entre outros
fatores.

A desfiguração terá que ser permanente. Parece-nos que não é de exigir a perpetuidade, sendo
de qualificar a lesão como permanente onde não seja possível prever um fim para ela, e onde
seja de temer que o comprometimento do aspeto exterior da vítima dure por tempo

64
indeterminado. Discute-se também se existindo a possibilidade de afastar a deformação através
de uma intervenção cosmética ela deixa de ser "permanente". A doutrina maioritária alemã
entende que é de negar a natureza permanente da desfiguração sempre que, de acordo com as
regras da experiência médica, a execução da intervenção se mostre capaz de afastar as
consequências da lesão, não apresente riscos relevantes para a saúde ou vida da pessoa
(exequibilidade), e não se lhe oponham obstáculos de outra natureza, inclusivamente de ordem
económica, como os que decorrem do custo excessivamente elevado da intervenção, da
inexistência de seguros, ou da compensação adequada dos danos (exigibilidade).

Na alínea b) deste artigo o legislador penal equipara à perda de um importante órgão ou


membro a perda de determinadas capacidades, pelo que se fala de lesões funcionais. Em causa
tanto poderá estar a perda completa dessas faculdades associada à expressão "tirar-lhe", como a
sua diminuição, consubstanciada em perdas da ordem da percentagem, de capacidade de visão,
auditiva, de trabalho, etc. Quer a perda, quer a diminuição, terão que ser graves, ou seja, não
poderão ser insignificantes ou transitórias, muito embora não se exija a permanência das lesões.
Em primeiro lugar, fala-se de incapacidade para o trabalho. Deve-se entender por incapacidade
para o trabalho a "interrupção da atividade do ofendido relacionada com o exercício da sua força
laboral".

Em seguida, o legislador refere-se às capacidades intelectuais do ofendido. Há ofensa a estas


capacidades "quando são afetadas a inteligência e a vontade, afetação que pode ser passageira
(estado de coma transitório e por período curto) ou duradoura (com duração significativa)".

Há a perda de um sentido quando se verifica a privação absoluta de um sentido. O sentido é "o


processo fisiológico de receção e de reconhecimento de sensações e estímulos que se produz
através da vista, da audição, do olfato, do tato e do paladar".

A par da impossibilidade da utilização de um sentido surgem as diminuições funcionais. Aqui se


devem incluir as lesões que conduzem à perda de um dos olhos da vítima, sem que se possa
falar de cegueira total, ou a diminuições da capacidade visual de ambos os olhos. O mesmo vale
em relação a reduções percentuais da capacidade auditiva sem perda completa de audição.
Relativamente à possibilidade de utilizar a linguagem pode dizer-se que existe uma lesão grave
dessa capacidade quando a pessoa ofendida passa a ter que desenvolver um esforço considerável
para se fazer entender, não sendo possível remediar mesmo assim a dificuldade de
comunicação.

A alínea c) deste tipo legal contempla, como fundamento de agravação, a doença


particularmente dolorosa ou permanente ou a anomalia psíquica grave ou incurável. A
intensidade da dor, a permanência e incurabilidade da doença e da anomalia psíquica são

65
critérios de gravidade das mesmas. É com base na duração e intensidade dos efeitos produzidos
sobre a saúde da vítima, e na impossibilidade de os afastar que se procede à valoração da lesão
face ao sentido material da incriminação. O carácter doloroso da doença, se bem que não haja
indicadores precisos que permitam determinar com rigor níveis de dor (e esta varia de paciente
para paciente), far-se-á depender do tipo de medicamentos e tratamentos necessários e, ao
mesmo tempo, da duração desses tratamentos. A gravidade da anomalia psíquica deverá ser
aferida por critérios médicos de acordo com a intensidade do mal causado.

Na alínea d) contemplam-se situações em que a lesão da integridade física (que pode não ser
grave) gera um perigo para a vida da vítima. Coloca-se a questão de saber se esta alínea
consagra um crime de perigo concreto ou um crime de perigo abstrato, ou seja, se se pode
considerar suficiente para o preenchimento do tipo que das circunstâncias do caso seja razoável
deduzir um perigo para a vida da vítima (mesmo que em concreto ele não tenha existido), ou se
se torna necessária a sua verificação in concreto. O nosso legislador não enumerou as várias
formas de realização pelas quais a ofensa à integridade física dolosa se torna "perigosa" para a
vida, mas preferiu acentuar a importância da criação do perigo enquanto resultado, que pode
surgir de várias formas, e o que parece depor a favor da qualificação desta alínea como um
crime de perigo concreto. Aceitando tratar-se de um crime de perigo concreto, só se deve
considerar que existe um perigo para a vida tipicamente relevante quando os sintomas
apresentados pela vítima, segundo a experiência médica de casos similares, forem suscetíveis de
determinar com elevado grau de probabilidade e iminência a sua morte.

Mostra-se suscetível de integrar esta alínea, a ofensa ao corpo e à saúde causada através da
administração de veneno; através do uso de substâncias que atuam por efeito mecânico ou
térmico como vidro moído, metal triturado, ou líquidos quentes; por via da contaminação com
bactérias, vírus, ou outros elementos causadores de doenças; pelo uso de raios gama ou raios x;
em circunstâncias perigosas.

Particularmente problemática, quer sob o ponto de vista médico, quer jurídico, é a infeção de
outra pessoa com o vírus da SIDA (através de contato sexual, transfusões ou seringas
contaminadas). Parece ser de aceitar (ao considerar que existe uma ofensa à integridade física
com perigo para a vida nestes casos) que estamos perante uma ofensa à integridade física grave
a partir do momento em que se deixem relacionar as manifestações patológicas próprias deste
tipo de infeção com um ato de transmissão determinado.

E muito difícil de afirmar o dolo nestes casos, não só porque na maior parte das vezes o agente
desconhece que está infetado, mas também porque, quando tem conhecimento da doença de que
padece e se dispõe a manter relações sexuais de risco com um ou vários parceiros, coloca-se
sempre perante um risco genérico de transmissão que não ultrapassa os 0,1% a 1% de

66
probabilidade de contágio e que impede falar de uma "decisão", em relação à transmissão do
vírus. No âmbito da luta contra a doença tentou construir-se um conceito especifico de dolo para
estes casos; está em causa uma "objetivização" do dolo ou, se se quiser, a perda do rigor
subjetivo na avaliação dos seus pressupostos, passando ele a poder deduzir-se a partir dos
contornos do caso concreto e da gravidade do resultado a que se liga a conduta de risco. Assim,
limita as exigências de conhecimento e de vontade do agente em relação aos elementos típicos,
bastando-se para a afirmação do dolo eventual com "a consciência de que mesmo perante riscos
de infeção estatisticamente baixos todo o contacto sexual desprotegido pode ser aquele de entre
muitos que tem por consequência a transmissão do vírus, pelo que cada um deles comporta em
si a totalidade do risco de contágio"

Tipo Subjetivo de Ilícito


O dolo do agente tem que abranger não só todos os elementos do crime fundamental, como as
consequências que o qualificam. O dolo eventual é suficiente. Relativamente à al. d), e além do
dolo dirigido à ofensa ao corpo ou à saúde da vitima, basta que o agente conheça as
circunstâncias em que atua e das quais resulta o perigo genérico para a vida da vítima, mesmo
que não as tenha como efetivamente perigosas no caso concreto. Uma parte da doutrina
aproxima-se todavia da exigência do dolo eventual relativamente ao perigo para a vida, e exige
que o agente tome esse perigo como possível, e que o tenha em conta, tornando difícil a
distinção face ao dolo de homicídio.

Causas de Justificação
O consentimento do ofendido não tem, em principio, eficácia justificativa das ofensas à
integridade física graves, mas não pode deixar de se colocar a questão da sua eventual
relevância em situações particulares, como as intervenções médicas não curativas, a colheita de
órgãos para transplante, as cirurgias transsexuais e esterilizações, e a lesão das pessoas
transportadas em veículos (ver arts. 149º, 150º e 157º).

As lesões da integridade física graves não se deixam justificar por via do direito de
necessidade, uma vez que a sensível superioridade do interesse a salvaguardar só se deixa
afirmar sem reservas tratando-se do bem jurídico vida que, ou se deixa titular por um terceiro, e
neste caso mais do que a integridade física passa a estar em causa a autonomia da vontade da
pessoa ofendida e a não exigibilidade do sacrifício que se pretende impor, ou pertence ao
próprio, entrando, mais uma vez, a questão na órbita da autonomia individual e do
consentimento da pessoa.

Em matéria de legítima defesa pouco há aqui a acrescentar que não resulte da análise dos
pressupostos de que depende o funcionamento desta causa de justificação. Não exigindo a lei a
proporcionalidade dos bens, uma vez que se trata da "preservação do Direito na pessoa do

67
agredido", poder-se-ão ter por justificadas ofensas da integridade física graves quando estas se
tornem necessárias para afastar "a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos
do agente ou de terceiro".

Causas de Exclusão da Culpa


Aplicam-se aqui as regras gerais sobre a exclusão da culpa. O agente pode ser inimputável (art.
20°-1), pode ter lugar uma falta de consciência da ilicitude não censurável (art. 17°-1, rara;
considerando que pode ocorrer frequentemente nos casos de excisão), bem como a intervenção
de um estado de necessidade desculpante ou o excesso intensivo, asténico, de legitima defesa
(art. 33°-2).

Formas Especiais do Crime


A tentativa é possível e punível nos termos do art. 23°. Terá lugar sempre que o agente atua em
relação ao resultado (ofensa à integridade física grave) pelo menos com dolo eventual (por
exemplo, se o agente quis a des figuração grave e permanente da vítima que não chegar a ter
lugar porque ela se submeteu a uma intervenção estética). É indiferente sob este ponto de vista
se se consuma ou não o crime fundamental de ofensa à integridade física simples.

Se a conduta do agente tiver produzido mais do que um dos efeitos previstos pelas várias alíneas
do art. 144°, em relação à mesma vítima, considera-se que não existe concurso ideal (a
consideração das várias lesões será de ter em conta ao nível da determinação da medida da pena
como fator de agravação. Entre os arts. 143° e 144º existe um concurso aparente sob a forma
de uma relação de especialidade. Nos casos em que o agente tentou praticar um crime de
ofensas à integridade física com perigo para a vida (art. 144° d)) mas apenas causou ofensas à
integridade física simples (art. 143°), deve admitir-se o concurso entre o crime consumado e
a tentativa do crime mais grave se a ofensa corporal causada não constituir um estádio de
execução do crime mais grave, havendo pluralidade de resoluções criminosas; de outro modo,
deverá ser punido pela tentativa. Entre o art. 144° d), e o art. 200°, existe um concurso
aparente de normas, devendo ganhar primazia a aplicação do art. 144° d), com base numa
relação de subsidiariedade. Existe um concurso aparente sob a forma de uma relação de
consumpção sempre que as ofensas à integridade física graves surjam como factos tipicamente
acompanhantes de um outro crime. Existirá concurso efetivo entre estes tipos legais de crime e
o crime de ofensas à integridade física graves previsto pelo art. 144º, sempre que as ofensas
sofridas pela vítima ganhem autonomia típica ao irem para além do que é necessário para a
consumação do crime.

A aplicação do art. 144º cede sempre face aos tipos legais qualificados dos arts. 146° (ofensa
à integridade física qualificada) e 147° (ofensa à integridade física privilegiada). A ofensa à

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integridade física grave também pode ter sido praticada por negligência, caso em que encontrará
aplicação a moldura penal prevista no n° 3 do art. 148°.

Mutilação Genital Feminina


Artigo 144-A

Surge na sequência da ratificação da convenção de Istambul para a prevenção da violência


contra as mulheres e meninas. Em termos de CP, já tínhamos a incriminação das práticas de
mutilação genital feminina através da alínea b) do artigo 144ºCP. A Convenção de Istambul
veio fazer com que os estados limitassem determinados tipos de práticas – crimes
multiculturais.

Em determinadas culturas as práticas fazem parte de rituais de passagem e trata-se de situações


que não tem associadas nenhum desvalor. A mutilação genital feminina é um ritual de passagem
de menina a mulher, sendo que, para quem nunca saiu dessa cultura, normalmente as meninas
até vão felizes porque vão passar a ser mulheres. Claro que, olhando para a nossa cultura
ocidental, a prática de mutilação genital feminina não é bem vista porque é uma prática que,
independentemente do modo como é realizada (além de poder criar infeções e outras
complicações para a saúde), em último caso retira completamente á mulher a possibilidade de
fruição de qualquer pratica sexual.

Isto para nós (Portugal) é um problema porque começaram a ser adotadas essas práticas em
territórios ocidentais onde essa prática era vista como uma violência. Como se começou a
verificar que começaram a sair do armário vítimas de mutilação genital feminina assinou-se a
Convenção de Istambul e criou-se o artigo 144º-A CP. O consentimento como causa de
justificação nunca é eficaz – nº3 do artigo 149ºCP.

Onde é que se geram enormes problemas na aplicação deste artigo? É no contexto do artigo 17º
CP que tem a ver com uma certa ideia de tolerância. Os crimes culturais cuja conduta em si na
própria cultura não tem qualquer desvalor. Ex.: a curandeira vem 3 dias da Serra Leoa para
praticar o ato tradicional e não conhece o ordenamento jurídico português. Se a família não
estiver cá há muito tempo, nem conhecer a língua nem a cultura corremos o risco de entrar no
contexto do artigo 17ºCP.

Para o Doutor Augusto Silva Dias, quando não há consciência da ilicitude temos de aplicar a
logica do erro do artigo 17ºCP. Mas o artigo 144º-A CP contem em si o direito penal simbólico,
por isso, o Doutor Faria Costa, a propósito do artigo 17ºCP vem defender a posição contraria,
dizendo que há um limite á tolerância (stop definitório), porque se admitir a posição de
Augusto Silva Dias significa que estaremos a admitir uma prática que seja como atentatória da
nossa cultura.

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Assim, se adotarmos a posição de Augusto Silva Dias a curandeira importada não é punida, mas
se adotarmos a posição de Faria da Costa então a curandeira é punida porque o erro é sempre
censurado.

A UNICEF, a WHO e a UNFPA procederam a uma declaração conjunta em que definiram a


mutilação genital feminina como "um conjunto de processos culturais e não terapêuticos, de
natureza irreversível", que abrangem (1) a excisão do clitóris, (2) a excisão do clitóris com
ablação total ou parcial dos lábia minora, (3) a excisão de parte ou totalidade dos genitais
externos e infibulação e ainda (4) o piercing ou incisão do clitóris ou lábios; alongamento do
clítoris e/ou lábios; cauterização através de queimadura do clitóris e tecido circundante;
raspagem do tecido em volta do orifício vaginal (angurya cuts) ou corte da vagina (gishiri cuts);
introdução de substâncias corrosivas ou ervas dentro da vagina para provocar hemorragia ou
para a estreitar. O uso de uma definição tão ampla pode colocar dificuldades de delimitação face
a procedimentos que não são normalmente entendidos como mutilação genital (piercing genital,
operações cosméticas genitais, atividades sexuais sado masoquistas). A solução adotada pelo
legislador penal português parece mais adequada à realidade que se pretende punir, permitindo
atender para efeitos de preenchimento do tipo à gravidade da conduta do agente e à diminuição
funcional gerada com a lesão (terá que comprometer a capacidade de fruição sexual da vítima).
Não se incluem no conceito de mutilação genital feminina, e não constituem uma ofensa à
integridade física grave, as intervenções médicas consideradas necessárias para a salvaguarda da
saúde física ou psíquica da pessoa, os piercings ou tatuagens genitais, a não ser que os seus
efeitos se deixem revestir da gravidade e das consequências aqui descritas, e a episiotomia de
rotina que é levada a cabo durante o trabalho de parto, e que se deixa justificar por razões
terapêuticas.

Ofensa à Integridade Física Qualificada


Artigo 145º

Este tipo legal de crime tem uma estrutura típica paralela à do tipo legal de homicídio
qualificado (art. 132°). A autonomia do tipo legal de ofensas à integridade física qualificadas
justifica-se, tal como a do tipo de homicídio qualificado, em nome da especial censurabilidade
ou perversidade do agente que se depreende da execução do facto em determinadas
circunstâncias, e que se mostra capaz de fundar uma culpa agravada da sua parte. Para aplicar
este artigo temos de ter uma ofensa à integridade simples ou grave à qual se soma a tal especial
censurabilidade ou perversidade(exemplos padrão do art.132º ou por analogia valorativa, tal
como com o homicídio).

70
É suscetível, desde logo, de revelar uma censurabilidade acrescida e determinar a aplicação
deste tipo legal, a conduta do agente que fere pessoa particularmente indefesa, em razão de
idade, deficiência, doença ou gravidez (al. c) do n° 2 do art. 132°), impondo-se aqui a distinção
relativamente a situações de "maus tratos", porque contempladas autonomamente pelo art. 152°-
A. Este tipo legal supõe particulares relações de proteção entre o agressor e a vítima ("à sua
guarda, sob a responsabilidade da sua direção ou educação, ou a trabalhar ao seu serviço..."),
decorrentes não só de laços de parentesco (cf. als. a) e b) do nº 2, do art. 132°), como resultantes
de doença, de deveres de tutela, dependência laboral, etc. Sob este ponto de vista, sob o ponto
de vista das pessoas (vítimas), que o legislador penal quis tutelar, a al. c) do n° 2 do art. 132° é
menos abrangente. E isto uma vez que o fundamento da qualificação é a particular situação de
fragilidade física ou psíquica da vítima ("particularmente indefesa"), decorrente unicamente da
"idade, deficiência, doença ou gravidez" (embora sob outra perspetiva de coisas, sempre se
possa dizer em contrário, que não supõe, esta alínea, diferentemente do art. 152°-A, quaisquer
vínculos de natureza especial entre o agente e a sua vítima). Existe uma relação de concurso
aparente entre o tipo legal do art. 145° e o crime de maus tratos previsto pelo art. 152°-A sob a
forma de uma relação de subsidiariedade.

Nas situações em que a lesão da integridade física é determinada por "avidez" do agente, no
sentido utilizado pela al. e) do n° 2 do art. 132º, nos casos em que o agente pretende facilitar ou
executar outro crime (al. g) do n° 2 do art. 132°), ou comete o crime junta mente com duas ou
mais pessoas ou usando meios particularmente perigosos (al. h) do n° 2 do art. 132°) podem
colocar-se problemas de concurso entre este tipo legal e o tipo legal de roubo. Não há
unanimidade acerca do tratamento jurídico-penal que merecem estes casos sob o ponto de vista
da articulação das duas disposições. As 2 hipóteses são considerar que há apenas concurso
aparente porque há uma relação de consunção na medida em que há 1ª vista estão preenchidos
os pressupostos da ofensa à integridade qualificada e do furto; há quem não concorde porque ao
aplicarmos a pena para o crime do roubo a pena é inferior a quando punimos os crimes de
ofensa e furto em concurso.

Tipo de Culpa
Todas as circunstâncias referidas no n° 2 do art. 132° (para a consideração das quais o
legislador penal expressamente remeteu na disposição que agora analisamos) são relativas à
culpa, e é a gravidade desta culpa assim indiciada que justifica, ou deixa fundar, a agravação de
que fala o nº 1 do art. 145°.

O crime de ofensa à integridade física qualificada apenas é punível a título de dolo; o dolo
eventual é suficiente. A possibilidade de realização do tipo legal de ofensas à integridade
física qualificadas com dolo eventual existirá em relação a muitas das alíneas do art. 132°-2.

71
Todavia em certos casos o dolo eventual não parece suficiente, ou, pelo menos, é dificilmente
compaginável com as circunstâncias das quais se deduz a maior censura pela atuação do agente
(pense-se nos casos de premeditação ou de reflexão sobre os meios utilizados).

Mais complicada é a questão de saber se o agente, para ser punido a titulo doloso por esta via,
terá que ter a representação e a vontade da realização dos elementos constitutivos dos vários
exemplos padrão ou se basta a afirmação do dolo relativa mente ao resultado produzido. A
tendência é considerar que basta dolo quanto ao resultado, temos depois é que apreciar
autonomamente a circunstância qualificadora.

Formas Especiais do Crime


A tentativa deste crime é punível sempre que o agente pratica atos de execução do crime de
ofensa à integridade física, sem que este chegue a consumar-se, em circunstâncias (integráveis
ou análogas às referidas nos exemplos-padrão do art. 132°-2) suscetíveis de revelar especial
censurabilidade. Por isso mesmo, a tentativa tanto se poderá referir a ofensas à integridade física
graves, como a ofensas à integridade física simples. Coloca-se aqui a questão do concurso entre
uma circunstância agra vante e uma atenuante. Como princípio geral deverá o juiz fazer
funcionar no caso todas as circunstâncias que aí concorram, a não ser que ambas digam respeito
à culpa do agente e se neutralizem reciprocamente.

A qualificação das lesões da integridade física deixa-se fundar numa maior censura do agente,
ou seja, é ao fim e ao cabo um problema de maior culpa. Assim sendo, em caso de
comparticipação encontra aplicação o art. 29°, e não o art. 28°, sendo cada comparticipante
punido segundo a sua culpa.

Quanto ao concurso, verificando-se simultaneamente as circunstâncias objetivas de que


depende o privilegiamento (art. 146°) da ofensa à integridade física, tem plena aplicação tudo o
que a este propósito ficou dito no art. 133°

A Pena
A moldura penal prevista para as ofensas à integridade física simples qualificadas é de um mês
a quatro anos, e para as ofensas à integridade física graves qualificadas é de três a doze anos.

Ofensa à Integridade Física Privilegiada


Artigo 146º

Se o art.145º está para os crimes de integridade física como o 132º para o homicídio, o 146º está
a espelhar a ofensa à integridade física privilegiada análoga ao art. 133º (elenco taxativo ao

72
nível do tipo do crime, podendo ser ao nível da culpa – no caso da ofensa). O fundamento da
atenuação reside pois numa atenuação da culpa do agente que, segundo alguns autores, tem
fundamentos diferentes consoante estejam em causa estados emocionais que limitam a
capacidade psicológica do agente e o seu domínio da vontade no caso concreto,
independentemente da existência de qualquer suporte externo e objetivo, ou razões de ordem
social ou moral com relevância externa que exercem uma pressão intolerável sobre o agente e
diminuem a exigibilidade de um comportamento diferente.

Formas Especiais do Crime


É possível e punível a tentativa do crime de ofensas à integridade física graves privilegiadas.

Nada parece ser de acrescentar neste âmbito relativamente à comparticipação e ao


funcionamento das regras gerais nesta matéria. Todavia, e uma vez que o privilegiamento se
funda em razões respeitantes à culpa do agente, aplica-se a regra do art. 29°, o que significa que
um dos comparticipantes pode ser punido através deste tipo legal e outro, ou outros, através do
tipo legal fundamental ou qualificado.

Pode existir um concurso entre este tipo legal de crime e a atenuação especial da pena prevista
pelos arts. 72° e 73°.

A Pena
As ofensas à integridade física privilegiadas são puníveis com pena de prisão até 2 anos ou com
pena de multa no caso do art. 143° (al. a) do art. 146°) e com pena de prisão de 6 meses a quatro
anos no caso do art. 144° (al. b) do art. 146°).

Crimes de Ofensas à Integridade Física Agravados pelo Resultado


Artigo 147º

Estamos perante um delito qualificado pelo resultado que se caracteriza por uma especial
combinação de dolo e negligência (tradicionalmente designado por crime preterintencional).

A estrutura deste crime abrange um crime fundamental doloso e um resultado agravante


negligente que se consubstancia na morte ou lesão da integridade física graves da vítima, sendo
a pena substancialmente elevada com base numa especial censurabilidade do agente. A opção
de agravar pelo resultado este tipo de crime resulta não só de uma ideia de desvalor de resultado
acrescido , mas também porque há uma desatenção qualificada por parte do agente em relação
ao perigo que a sua conduta inicial pode provocar.

73
O crime fundamental será, no nº1, qualquer crime enquadrável nas ofensas simples, grave,
qualificada ou privilegiada; já no nº2 a ofensa fundamental pode ser simples, simples
qualificada ou simples privilegiada. Sucede que se verifica o crime fundamental a que se soma o
resultado agravante que pode ser diferente nos nº1 e nº2. No nº1 o resultado agravante é a morte
da vítima enquanto que no nº2 é a produção de ofensas à integridade física graves.

Bem Jurídico Protegido


Através deste tipo legal protege-se a integridade física e a vida, uma vez que se esta
incriminação não existisse, a punição seria feita através das regras do concurso de crimes, o que
implicaria a consideração autónoma e diferenciada dos dois bens jurídicos (ofensa dolosa da
integridade física e homicídio negligente). Existe uma punição agravada em relação aos dois
crimes (fundamental doloso e agravante negligente) que pressupõe bens jurídicos distintos.

Tipo Objetivo de Ilícito


As condutas previstas por este tipo legal correspondem ao preenchimento dos tipos legais de
ofensas à integridade física simples e de ofensas à integridade física graves. O comportamento
lesivo da integridade física tanto se pode traduzir numa ação, como numa omissão; ponto é, que
nesta última hipótese, o agente seja titular de um especial dever de garante, e não tenha evitado
dolosamente a concretização de um resultado de ofensas à integridade física que conduziu à
morte da vítima.

Poder-se-á discutir se o resultado agravante tem que decorrer do resultado pretendido de ofensa
à integridade física ou se pode resultar da conduta dirigida a causar a ofensa da integridade
física. De acordo com a formulação deste tipo legal esta última hipótese parece ser de recusar,
uma vez que a letra da lei exige a consumação das ofensas à integridade física ("se das
ofensas...") das quais, e da forma como são praticadas, deverá resultar um perigo específico cuja
concretização se possa imputar à negligência do agente. Assim, nos exemplos dados, existirá
uma tentativa de ofensa à integridade física e um homicídio negligente, que não se fundem num
crime preterintencional apenas por atenção à especial perigosidade dos meios empregues.

A morte ou a ofensa à integridade física grave devem ser expressão de um perigo especifico
contido nas ofensas à integridade física inicialmente queridas pelo agente (é aqui, na especial
censurabilidade do agente que violando o cuidado imposto, não previu, ou não previu
corretamente, a possibilidade de da sua conduta fundamental resultar o resultado agravante, e no
ilícito adicional que assim se faz presente que reside o fundamento da agravação associada ao
crime preterintencional e que explica o afastamento da solução do concurso de crimes entre o
crime fundamental doloso e o crime negligente). O perigo tem que estar diretamente
relacionado com o crime fundamental doloso (que apresenta uma determinada natureza e que

74
por isso anda associado a efeitos de determinado tipo), não se podendo responsabilizar o agente
por consequências imprevisíveis ou anormais que em nada se relacionem com o mesmo crime.

De acordo com o que ficou dito, parece ser de aceitar que o resultado mais grave produzido não
foi concretização de um perigo específico típico contido no crime de ofensas à integridade física
doloso, e de afirmar a quebra do nexo causal, quando a vitima de uma ofensa corporal simples
foge do local da agressão e na fuga cai mortalmente.

Tipo Subjetivo Ilícito


O agente tem que ter atuado em relação ao resultado agravante pelo menos com negligência. A
questão que se coloca é a de saber se o evento agravante pode ter sido dolosamente produzido
sendo certo que o legislador penal deixou de utilizar a expressão "tão-só" referida à intenção do
agente de produzir as ofensas corporais utilizada no n° 2 do art. 145º, da redação originária.
Embora genericamente a combinação crime fundamental doloso - evento agravante doloso
pudesse ser uma possibilidade de acordo com a regra geral do art. 18°, a única solução
defensável em face da formulação e da estrutura do art. 147°, consiste em afastar a sua
consideração sempre que o agente atue dolosamente em relação ao facto agravante, mesmo que
onde o seu dolo seja apenas eventual. Neste caso, tem-se entendido que existe um concurso
legal ou aparente de crimes, sendo de aplicar os tipos legais de crime que se referem ao
resultado agravante, seja ao homicídio doloso consumado, seja às ofensas à integridade física
graves. É fundamental que as ofensas à integridade física abrangidas pelo dolo do agente
contenham em si o perigo de ocorrência da morte, ou das ofensas à integridade física graves.

Os pressupostos da negligência devem encontrar-se reunidos no momento de realização do


crime fundamental, não sendo suficiente que se venham a apurar num momento posterior,
durante, por exemplo, o transporte da vítima ao hospital.

Causas de Justificação
Relativamente ao consentimento do ofendido valem as regras gerais (arts. 38°, e 149°). Assim,
onde o resultado último da conduta do agente é a morte, e dada a natureza indisponível do bem
jurídico em causa, a autonomia do titular do bem jurídico não é relevante, vale dizer que o
consentimento não se mostra suscetível de dirimir a ilicitude.

Relativamente a factos praticados no âmbito da legítima defesa parece não existir qualquer
especificidade que mereça ser sublinhada. Se a lesão da integridade física (dolosa) foi praticada
pelo agente para afastar uma agressão atual e ilícita, também ela dolosa, contra interesses
juridicamente protegidos do agente ou de terceiro (art. 32°) a sua atuação é justificada. Se o
agente se exceder na defesa, o facto é ilícito, e quaisquer consequências mais graves que
previsivelmente possam decorrer das ofensas à integridade física causadas podem-lhe ser

75
imputadas a título de agravação pelo resultado, onde se cumpram os pressupostos deste tipo
legal de crime (outra questão, diferente, diz respeito ao excesso asténico de legítima defesa que
pode excluir a culpa). Pode ainda suceder que o agente pratique o facto justificadamente, mas
que venham a ocorrer consequências mais graves que lhe podem ser imputadas, mas aí, com
base no preenchimento dos pressupostos dos crimes negligentes fundamentais (arts. 137° e 148°
do CP), porque, por exemplo, não chamou a ambulância para levar o agressor ao hospital.

Formas Especiais do Crime


A tentativa deste crime parece dificilmente compatível com o que se disse atrás. Se o crime
fundamental doloso não passa do estádio da tentativa a tentativa só será punível quando o
resultado agravante for concretização de um perigo especifico contido na conduta inicial em
relação ao qual o agente atuou negligentemente. Assim, e se o resultado mais grave tem lugar
independentemente da consumação da lesão dolosa, ganhará autonomia como crime negligente.

Os comparticipantes serão punidos pela moldura do crime agravado pelo resultado sempre que
atuarem dolosamente em relação ao crime funda mental ficando também provada em relação a
eles a negligência face à produção do resultado agravante (art. 18°). De todo o modo sempre
poderão ser responsabilizados (caso essa negligência não exista) pelo crime fundamental doloso
(ofensas à integridade física simples ou graves). Ainda nos casos de comparticipação num crime
de ofensas à integridade física, se um dos agentes produz dolosamente o resultado mais grave,
desconhecendo os restantes a sua intenção, podem ser punidos com fundamento no art. 147°, se
atuaram negligentemente em relação ao resultado, sempre que podendo ter contado com o
excesso que efetivamente veio a ocorrer não o preveniram ou evitaram.

Poderá existir concurso aparente sob a forma de uma relação de consumpção entre este crime e
o crime de ofensas à integridade física com criação de perigo para a vida previsto pelo art. 144°,
al. d), a favor do art. 147° que abrange a criação de perigo para a vida, e em relação aos tipos
legais de crime dos arts. 143° a 146° porque todas as ofensas à integridade física dolosas podem
constituir o crime fundamental integrante do crime agravado pelo resultado. Existe também uma
relação de consumpção, aqui a favor do art. 210°, nº 3, sempre que a morte ocorra na sequência
de um roubo.

A Pena
Constituindo o crime fundamental uma lesão da integridade física simples e o resultado
agravante a morte da vítima, a pena prevista pela al. a) do nº 1 é a de 1 a 5 anos de prisão.
Houve um agravamento quer no limite mínimo quer no limite máximo da moldura penal (que na
redação anterior do mesmo preceito era de 6 meses a 3 anos). Se a lesão da integridade física
pretendida se deixar subsumir a uma das hipóteses típicas previstas no corpo do art. 144º e o
resultado dela decorrente for a morte, a moldura penal passa a ser a de 3 a 12 anos por aplicação

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da al. b) do n° 1 do mesmo artigo, sendo de notar que mais uma vez o legislador penal procedeu
a uma agravação da moldura penal anteriormente prevista (2 a 8 anos de prisão). Finalmente, se
mediante uma lesão da integridade física simples vier a produzir-se uma lesão da integridade
física grave, intervém o nº 2 deste artigo, sendo a punição de 6 meses a 5 anos (anteriormente de
6 meses a 3 anos, permanecendo pois intocado o limite mínimo da moldura penal).

Violência Doméstica
Artigo 152º

A violência doméstica nasce objetivamente como crime autónomo no projeto do CP do dr.


Eduardo Correia em 1966 que entendia fazer uma autonomização do que na época se entendia
como “maus tratos”. Vivíamos o tempo de correção dos maridos perante as mulheres.

Há semelhança com o art.132º pelo que há quem fale em tutela reforçada, no entanto, no 132º
funcionam os exemplos padrão e aqui não pelo que o artigo deveria aqui enumerar as pessoas
que aqui estão mas abrindo espaço para situações inimagináveis mas concretizáveis.

Não se identifica o bem jurídico, apesar de ser qualquer coisa relacionada com o conceito da
família – falamos em ofensas à integridade física com laços muito especiais entre o agente e a
vítima. Não podemos replicar a violência doméstica aos casos de namoro, neste momento há um
novo conceito de família (LAT- living away together) – não é qualquer ligação sentimental que
dá origem à violência doméstica; as famílias unipessoais também são famílias.

Não é uma simples bofetada, é preciso qualquer coisa de especial para estar perante a noção de
violência doméstica. Família não é só sangue, afinidade nem adoção, é muito mais que isto.

Originariamente este crime tinha que ver com os maus tratos a menores, vai-se compreendendo
o aumento da noção de família e passando a incluir a relação conjugal (casamento -
formalmente) nascendo como um crime semipúblico justamente porque se entendia que deveria
ser o próprio a, dentro da sua compreensão, apresentar queixa para procedimento criminal. Em
2007 dá-se uma mudança grande, não obstante a vida conjugal ser privada a proteção penal da
família era superior em termos de tutela passando a crime público – tal origina situações de
abuso.

Quanto à estrutura do crime: a 1ª ideia é este ser um crime subsidiário, só se aplica se e na


medida em que não se aplicar outro.

Nº1- simples; nº2- qualificado; nº3 agravação pelo resultado (morte)

77
A introdução da lógica da relação de namoro criou inquietação o que também gerou abusos
sendo que esta é a pior forma de compreender este crime porque é evidente que há relações que
são momentâneas. Este crime é tratado de forma privilegiada e as autoridades usam e abusam
do crime para ter meios de ação.

“odiosa restringenda” a partir do momento em que falamos de limitação de liberdade temos que
partir da interpretação do crime para uma interpretação restritiva e o legislador arruma o namoro
analogamente à relação dos cônjuges, naturalmente não falando dos namoros de verão.
Felizmente, já começamos a ter várias decisões dos tribunais a dizer que não é qualquer relação
entre 2 pessoas no contexto amoroso que qualifica a relação para pertencer a este artigo.

O apadrinhamento civil cria por lei uma situação familiar em que não há coabitação.

Questiona-se se o crime vai servir para abuso de autoridades formais de controlos ou se


objetivamente, com o tempo e continuação de decisões que vão arrumar o crime, se vai ser o
crime subsidiário que é.

Quanto ao bem jurídico: existem, no contexto dos crimes, poucos crimes que gerem tanta
discordância como a violência doméstica e os maus tratos a animais. Muitas vezes identifica-se
a dignidade da pessoa humana erroneamente.

As grandes tendências:

- Nuno Brandão: este tipo de crime é um apuramento de uma tutela daquilo que é a saúde em
sentido amplo pensando numa dignidade incita a cada um de nós e que as condutas põem em
causa essa mesma dignidade. Esta tutela reforçada parte de uma ideia de que este crime é
subsidiário de outros crimes como o homicídio e ofensas à integridade; também é certo que tem
um quid que o distingue destes que é o apoucamento com a pessoa com que estamos em
proximidade existencial. Este crime afasta-se justamente por considerar a especificidade de uma
realidade intrínseca ao tipo legal de crime que é a ideia de família e por isso se fala no direito
penal da família.

- a dedicação e disponibilidade para o outro, alem do afeto é o que caracteriza a família. Tudo o
que seja famílias não regulamentadas/convencionadas, que vai para alem do formalismo legal,
não entra aqui.

As penas acessórias seguem um regime de taxatividade e não aparecer no CP ou, como acontece
no nº4, vir definidas para o específico tipo legal de crime.

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Dos Crimes Contra o Património
Definições Legais
Artigo 202º

A norma constante deste artigo apresenta algumas particulares caraterísticas e é reveladora


de um horizonte político-legislativo, quando não de rutura com as formas tradicionais do
legislar nacional, pelo menos de diferenciação nítida e cortante.

Assim, em primeiro lugar, o legislador deu um salto qualitativo na técnica definitória no


momento em que se propôs definir legalmente o "elemento do tipo" valor. Independentemente
da valoração que façamos sobre uma tal decisão político-criminal, é indesmentível, para quem
quer que seja, que se está perante uma definição legal que apresenta propósitos e finalidades
bem mais vastos do que a simples e tradicional definição, por exemplo, de chave falsa,
arrombamento ou escalamento.

Em segundo lugar, a existência de um capítulo autónomo, para mais capítulo primeiro, com o
intuito tão-só de abarcar as definições legais, não pode deixar de ser vista - por muito pouca
importância que se dê às divisões sis temáticas como uma intencionalidade normativa que quer
marcar um novo estilo legislativo, pelo menos no que toca aos crimes contra o património, uma
nova ideia de legiferar.

Por fim, aponte-se como mudança de registo legislativo uma certa e equilibrada tentativa de
"naturalização jurídica" dos conceitos ou noções que se querem definir legalmente. O legislador
optou por uma expressão de verdade na naturalização dos conceitos. Ele não nos diz, por
exemplo, arrombamento "é" mas arrombamento "considera-se". Na verdade, definir um
conceito empregando-se o sintagma verbal considerar implica, em bom rigor, uma definição.
Implica a aceitação de que os segmentos matriciais da noção a definir podem até ser diferentes
daqueles que efetivamente a realidade mostra que são. O que se diz é que, "para efeitos
estritamente jurídico-penais, aqueles conceitos consideram-se absolutamente realizados, na sua
compreensão e extensão, pelo modo legalmente determinado". Forma simples e sem rodeios de
mostrar a "naturalização jurídica".

Quando a lei nos fala em "artigos seguintes" quer uma tal intencionalidade vocativa estender-
se a todos os restantes artigos do CP ou quer que o seu domínio definitório se cinja aos crimes
contra o património? Vimos atrás que o legislador sentiu a necessidade de criar um capítulo
autónomo para os conceitos que entendia plasmar em definições legais. Mas um capítulo
autónomo dentro da arquitetura sistemática dos crimes contra o património. O que mostra, em
primeira e forte linha argumentativa, que a intencionalidade normativa expressa na presente

79
norma se deve confinar aos crimes contra o património. Acresce, ao que se acaba de mostrar,
que a esmagadora maioria das definições contempladas no presente artigo dizem, quase sempre,
respeito aos crimes contra o património.

Análise Sistemática das Definições


Alíneas a) a c): O elemento típico valor constituiu, muito justamente sobretudo a partir da nova
arquitetura incriminadora -, o conceito que, em primeiro lugar, o legislador teve a preocupação
de definir. Não há definição do próprio valor.

Alínea d): o arrombamento que mais não é do que abrir à força coisa fechada - aqui
pressuposto está rigorosa e finalisticamente determinado por aquilo que pode ser arrombado
para este efeito. Por outras palavras: pode haver arrombamento de outros dispositivos
destinados a fechar ou a impedir a entrada (p. ex., arrombamento da porta de um automóvel;
arrombamento de uma mala de viagem) sem que a um tal comportamento possa ser assacada a
qualificação de arrombamento para este efeito. Fácil é de perceber, por consequência, que só
estaremos perante uma situação de arrombamento ligada à presente al. d) se e só se o dispositivo
destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, tiver a ver com uma casa ou
com um lugar fechado dela dependente.

Uma primeira aproximação à noção de casa pode operar-se se se aceitar que esta se
revela, para o comum das pessoas, como todo e qualquer recinto fechado por todos os
lados, incluindo o superior, com paredes apoia das estavelmente no solo e que permita a
entrada de pessoas. Todavia, devemos aprofundar um pouco mais esta temática,
porquanto a noção anterior, apreendida no seu mais puro formalismo definitório, não
abarcaria estruturas físicas que indesmentivelmente merecem a qualificação de "casa".
Na verdade, se olhássemos para as características anteriormente enunciadas que
integram a noção de casa, teríamos que chegar à conclusão de que, então, perante tal
conceito, a "tenda" de um cigano ou a "roulotte" onde vivem pessoas de forma
permanente e estável não seriam casas para este efeito. Ora, uma tal conclusão seria a
todos os títulos inaceitável. Urge, daí, que se procure compreender teleologicamente o
conceito, mais do que determiná-lo em uma base lógico-formal. Nesta ótica casa será,
portanto, todo o espaço físico, fechado, que histórico-culturalmente se encontra
adaptado à habitação a ser habitado por uma ou mais pessoas ou a outras normais
atividades da vivência dos homens em comunidade (assim, nesta perspetiva, tem todo o
sentido falar-se de casa para comércio). Um espaço físico, com as características
anteriores, possuidor de uma autonomia funcional ligada ao modo de viver comum,
historicamente situado. O que implica, bom é de ver, que não é, nem de longe nem de
perto, necessário que a casa esteja habitada.

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Estamos habilitados, a partir deste momento, a tentar compreender o que se deve
considerar como "lugar fechado dependente da casa". Assim, este lugar mais não é do
que o recinto que dá acesso à casa e que não precisa de ser vedado. É o pátio, o jardim
ou o terraço ligado à casa e com passagem para ela.

De maneira a termos uma apreensão global do que é arrombamento, urge perceber que
significado se deve atribuir a rompimento, fratura ou destruição, no todo ou em
parte, de dispositivo destinado a fechar ou a impedir a entrada, exterior ou
interiormente. Dispositivo destinado a fechar abarca, sem dúvida alguma, as comuns
fechaduras mecânicas mas também, indubitavelmente, aquelas que funcionam já por
banda magnética. E o que é, então, rompimento, fratura ou destruição? Tais
dispositivos têm a função específica de fechar, de impedir que só entrem aqueles que
têm a chave de acesso; se se destrói essa finalidade, com o rompimento, fratura ou
destruição do dispositivo material que sustenta e dá vida àquela finalidade, dúvidas não
há de que estamos perante um rompi mento, fratura ou destruição com significado
jurídico-penal.

É imperioso, a outra luz, salientar que o rompimento que aqui se convoca prende-se com a coisa
- com o dispositivo, na linguagem da lei - que tem por fim defender outra coisa. A porta com a
sua fechadura (dispositivo defendente) visa proteger as coisas que estão dentro de casa. Ora,
esta distinção permite claramente perceber que, p. ex., o arrancamento de uma grade, mesmo
que seja para vedar a entrada em uma casa, e sua posterior apropriação de modo algum pode
constituir furto qualificado. Deu-se arrombamento de coisas ligadas à casa. Mais. Deu-se
arrombamento de coisa que permiti ria a entrada na casa, porém o que se furtou não foram as
coisas defendidas mas o objeto, o dispositivo defensivo.

Alínea e): Vale por afirmar: em casa ou em lugar fechado dela dependente as pessoas
introduzem-se, por norma, através da entrada. Ora, quem se introduz naqueles lugares, não
utilizando as vias normais ou comuns, pratica um ato de escalamento. Note-se que o legislador,
contrariamente ao que preceituou para o arrombamento, nesta definição legal não desenha todos
os comportamentos que podem ser tidos como de escalamento. Limita-se a apontar os mais
comuns ou normais. Logo, o que se tem neste preceito é uma mera indicação, um mero indicio
e, nunca por nunca, qualquer imposição de taxatividade no que se refere às condutas penalmente
valoráveis como escalamento.

De modo diverso do arrombamento a lei considera elemento integrante da definição de


escalamento a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente. O que tem
consequências imediatamente visíveis. Efetivamente, se alguém sobe o muro do jardim e daí,
esticando o braço, furta uma peça de roupa que se encontrava no estendal não comete,

81
obviamente, um crime de furto qualificado. Pratica tão-só um crime de furto simples. Por outro
lado, se o agente da infração entra em casa, sem subterfúgios ou maquinações, com autorização
do seu proprietário e se sai, com o objeto furtado, saltando pela janela é, também, manifesto que
não fez nenhum escalamento, o que implica que, de igual maneira, se lhe não possa assacar a
prática de um crime de furto qualificado. Consideramos também que não há escalamento
quando o agente se introduz, em casa, pela normal porta de entrada quando esta se encontrava
aberta ou mesmo só encostada. Do mesmo jeito, se a porta do rés-do-chão dá diretamente para o
quintal ou para o jardim quem por ela entra não pratica qualquer escalamento, o que não quer
dizer que não possa praticar arrombamento.

Temos para nós, por outro lado, que a noção de escalamento pressupõe, até pela sua raiz
semântica de origem italiana, um comportamento que indicia subir para. No entanto, podem,
perfeitamente, conceber-se situações que devem merecer a qualificação de escalamento em que
o agente não entre subindo, mas entre descendo.

Alínea f): A noção de chaves falsas é um dos exemplos mais impressivos da "naturalização"
normativa. Na verdade, estamos perante um caso em que chaves verdadeiras pelo legislador
assumidas como verdadeiras - se transformam, para efeitos jurídico-penais, em "chaves falsas".

Quando é que uma chave verdadeira está sub-repticiamente fora do poder de quem tem o
direito de a usar? Estar-se-á, seguramente, perante uma tal factualidade quando se utiliza, ainda
que momentaneamente, a chave sem o conhecimento do seu legítimo detentor ou quando se a
detém, baseada em mera posse, juridicamente tutelada, em que o seu detentor faz uso
absolutamente diverso daquele para o que lhe foi entregue a chave.

Furtuito: “a ocasião faz o ladrão”

Alínea g): Marco é, digamo-lo de maneira acintosamente simples, um sinal. No entanto, não um
qualquer sinal. Primeiro, um sinal que tem relevância jurídico-penal. Segundo, um sinal que tem
que ser sustentado em um qualquer objeto material, em uma coisa corpórea. Nesta ótica, marco
é também um emissor constante do fluxo informacional. A noção de marco denota um certo
grau de permanência, de estabilidade. Daí que, por exemplo, as bandeirolas, que eventualmente
assinalem o sítio ou lugar onde vão ficar os marcos, não devam nem possam ser consideradas
como marcos. Elas representam ainda e só um sinal provisório. O marco tem de transmitir um
sinal definitivo de demarcação da propriedade.

O Furto
Artigo 203º

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O crime de furto, tal como hoje nos aparece, nos diferentes ordenamentos, constitui o
progressivo resultado de afastamento de hipóteses autónomas ligadas ainda à área das
precedentes noções. Defendemos uma noção autónoma e operatória de património para o
direito penal. Quer isto significar que não nos devemos ater nem à noção trabalhada pelo direito
civil, nem àquela que a ciência económica nos oferece De sorte que, nesta linha, consideramos
que património é o complexo de relações jurídicas encabeçadas por um sujeito que tem por
objeto último coisas dotadas de utilidade, isto é, de capacidade de satisfazer necessidades
humanas, materiais ou espirituais.

O crime de furto representa independentemente das considerações de ordem político-social o


portal de entrada dos crimes contra o património. Nesta perspetiva tem um peso específico que
o torna, não só paradigmático quando olhamos os restantes crimes contra c património, mas
também enquanto realidade normativa incriminadora que se diferencia na arquitetura das
restantes incriminações. É um crime dogmaticamente matricial. E esta assumida matricialidade
é reflexo, entre outras coisas, de uma substancial ligação a uma constante, a um dado, do nosso
modo-de-ser onto-antropológico: o ter.

Bem Jurídico
O bem jurídico protegido na presente norma incriminadora é a propriedade. Todavia, fácil é de
compreender que, se, em muitas circunstâncias, é a simples relação de propriedade que é
ofendida com o crime de furto, porquanto coincidem na vítima as qualidades de proprietária e
fruidora do gozo (posse e mera posse) atinente às utilidades da coisa, não é menos certo
verificar-se, em outros casos, uma separação ou um corte, juridicamente aceite e até tute lado,
entre aquelas duas qualidades.

Temos para nós que o bem jurídico aqui protegido se deve ver como a especial relação de facto
sobre a coisa - poder de facto sobre a coisa —, tutelando-se, dessa maneira, a detenção ou mera
posse como disponibilidade material da coisa; como disponibilidade da fruição das utilidades da
coisa com um mínimo de representação jurídica. Desta forma percebemos o furto, sobretudo,
como uma agressão ilegítima ao estado atual das relações, ainda que provisórias, dos homens
com os bens materiais da vida na sua exteriorização material.

Em primeiro lugar, é preciso perceber que, hoje, o que verdadeiramente conta, sobretudo nas
coisas móveis -pense-se em toda a panóplia de novas formas contratuais que privilegiam a posse
ou a mera posse, v. g., leasing, aluguer de longa duração, etc. -, é o valor de uso. É, por
conseguinte, este valor de uso que é representado pela comunidade como elemento merecedor
de proteção jurídico-penal. Em segundo lugar, o agente da infração, quando desencadeia o
elemento intencional de apropriação, pouco se importa com a exata determinação do verdadeiro

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proprietário da coisa. O que ele quer, intencionalmente, é fazer sua - e que sabe que não é sua
aquela coisa de que se apossou.

O direito penal escolhe os bens jurídicos que quer e deve proteger (fragmentaridade de 1°
grau). Depois, o modo como constrói o tipo legal de crime para, justamente, proteger o bem
jurídico anteriormente escolhido, é toda uma fabricação dogmática - não - inócua sob o ponto de
vista político-criminal - que representa a fragmentaridade de 2° grau. Logo, é absolutamente
lógico poder afirmar-se que o bem jurídico protegido é a disponibilidade da fruição das
utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica e, simultaneamente, exigir-se que
a coisa seja alheia para que haja preenchimento do tipo legal de crime.

Para além disso, convém salientar que estamos perante um crime semipúblico: um crime que
depende de queixa (n° 3 da atual norma em conjunção com o art. 113° s.). Ora, para se
determinar o titular do direito de queixa exige a lei que se considere "como tal o titular dos
interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação". Incriminação e
legitimidade clara e bem distintas no próprio inciso legal. O que é um bem. No entanto, resulta
outrossim claro que o legislador, pelo menos para efeitos da legitimidade quanto ao exercício do
direito de queixa, elegeu, como figura central, e corretamente, acrescente-se, o titular do
interesse que a incriminação quis proteger e não o titular do direito. Ora, não é isto de somenos
para se afirmar, também por aqui, que o que conta é o titular do interesse: aquele que tem, por
conseguinte, repete-se, a disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de
representação jurídica.

Tipo Objetivo do Ilícito


a) Comecemos, por conseguinte, por delimitar conceitualmente "ilegítima intenção de
apropriação". Está-se perante um elemento subjetivo do tipo de ilícito que faz do furto um
crime intencional. O elemento "intenção de apropriação" - para além de tudo a lei exige
ainda que seja ilegítimo, isto é, contrário ao direito - deve ser visto e valorado como a
vontade intencional do agente de se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não
ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na
de outrem, manifestando, assim, em primeiro lugar, uma intenção de (des)apropriar terceiro.
Quando falamos em apropriação, pode ter vários sentidos e é um conceito em evolução. O
sentido clássico pressupunha um corpos da coisa, hoje já se questiona a existência de
apropriação sem corpos.
b) Analisemos, em seguida, a proposição normativa "subtração de coisa móvel alheia". Esta
proposição, como fácil é de ver, é composta, dogmaticamente, por vários elementos: 1)
coisa; 2) móvel; 3) carácter alheio; e 4) subtração.

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1. subtração: sair do domínio de facto do seu proprietário sendo que a subtração vai ter
efeitos na esfera patrimonial da vítima porque o bem passa a ter um novo detentor. A
subtração consiste em fazer entrar no domínio de facto do agente as potencialidades da
coisa; o modo como ocorre esta subtração é irrelevante, pode ocorrer dos mais diversos
modos.
2. coisa/animal: o conceito jurídico de coisa é proveniente do direito civil (art.202º CC)
que nos diz que é coisa tudo aquilo que possa ser objeto de relações jurídicas (noção
muito ampla). para o conceito ser operativo seria difícil aplicar este conceito de coisa
dado que na noção jurídica podemos incluir os direitos que não são fisicamente
constituídos pelo que não podem estar inseridos na ideia de coisa transcrita no art.203º
CP. A ideia de que o conceito civil não é a nós(ao direito penal) aplicável decorre da
ideia de que o DP é diferente do DC pelo que o conceito de coisa é definido pela
autonomia do DP. Isto não quer dizer que o conceito do CC não tem relevo para o DP.
É possível furtar eletricidade pelo que há exceções À regra do corpóreo, bem como nem
tudo o que é corpóreo é possível furtar (o cadáver é corpóreo mas não pode ser furtado,
pode sim ser profanado)
3. móvel: aquilo que se mexe ou pode ser mexido e portanto que estava num sítio e
pode deixar de estar; para efeitos dos direitos reais(art.205º) coisa móvel tem definição
legal que não coincide com a definição penal. Para efeitos do CC é-nos dada uma lista
dos bens imóveis pelo que o não constante dessa lista é móvel. Mas aproveitando essa
noção, a natureza de imóvel depende, em alguns casos, da ligação ao solo ou de estar
preso a algo que está preso ao solo (algo preso com caráter definitivo a coisa imóvel), se
cessar esta ligação convertem-se em coisas móveis
4. alheio: em linguagem comum é aquilo que não é do próprio, mas o simples facto de
não ser do próprio não implica necessariamente que seja alheio (ser de alguém que não
eu). Há determinados bens que não são alheios por serem propriedade comunitária ou
por serem de ninguém pelo que quem se apropriar de um destes bens não comete um
furto. É alheia toda a coisa que esteja ligada por uma relação de interesse a pessoa
diferente do agente. Também não são coisas alheias as coisas juridicamente
abandonadas; estas coisas não significam algo que está perdido (ver art.209º CP). Existe
uma dificuldade em saber se as coisas comuns são alheias em relação a um dos
proprietários, posso cometer furto em relação a bem comum do qual sou um dos
proprietários? Doutrina maioritária: inspirando na ideia italiana que tem um artigo
específico para este crime entende-se que se nós não temos não se lo pode incluir no
crime de furto

85
Além destes elementos explícitos há o elemento implícito que é o valor (leia-se valor
patrimonial) pelo que se entende que a coisa tem que ter valor acima de um determinado valor
mínimo, caso contrário não tem dignidade penal e portanto não podemos ter crime de furto.
Coisas que tenham somente valor sentimental; coisas que tendo algum valor económico tenham
um valor insignificante também não têm dignidade penal (aqui não falamos de coisas com valor
diminuto mas de valor ainda abaixo desse)

Tipo Subjetivo de Ilícito


O crime de furto é, como ressalta de imediato, um crime essencialmente doloso. No entanto, há
também uma indesmentível dimensão subjetiva na intenção de apropriação. Isto é: ao primeiro
momento lógico em que se tem de verificar uma intencionalidade exclusivamente virada para a
(des)apropriação outra se tem de seguir imediatamente no sentido de apropriação. É, por
consequência, esta vertente do elemento "ilegítima intenção de apropriação" que se tem de
acoplar ao dolo.

Olhemos, agora, para as situações de erro. Um dos exemplos mais característicos neste
domínio prende-se com a seguinte situação: o agente (A), convicto de que a coisa de que se quer
apropriar não é sua, portanto, alheia, realiza a conduta preenchendo, desse jeito, em uma
primeira aproximação, o tipo legal de crime de furto. No entanto, sem A o saber, o dono da
coisa objeto da ação manifestara já a vontade, imaginemos que até por escrito, de dar a coisa a
A, já a considerando como não sua e pertencente a A. Des conhecendo tudo isto, A atua, neste
quadro, preenchendo aparentemente todos os elementos do tipo. Age, assim, com manifesto
desvalor de intenção, sendo certo que se não verifica o desvalor de resultado porquanto,
efetivamente, a coisa já não seria alheia mas própria. Estamos perante uma situação que o
legislador regula no n° 4 do art. 38°. Como além do dolo se exige a vontade de apropriar da
coisa excluem-se esta e todas as outras situações de dolo.

Causas de Justificação
Todos concordarão que a causa de exclusão do ilícito que suscita mais problemas no seio da
problemática do furto é a legítima defesa. Não, obviamente, por mor de uma qualquer
dificuldade específica da legítima defesa dentro deste contexto normativo mas antes no que se
refere à determinação do momento de consumação do próprio crime de furto. Como se sabe esta
só pode operar se o crime ainda se não tiver consumado. Em que momento é que, com a certeza
jurídico-penalmente relevante, se pode afirmar que o crime de furto se consumou?

Momentos a ter em conta:

1- tocar na coisa de outrem que se pretende apropriar: cedo demais, não permite
distinção entre consumação e tentativa

86
2- remoção da coisa do local em que se encontra

3- transferência da coisa para fora da esfera de controlo da vítima

4- conservação da coisa em local seguro: tarde demais, ou pode até nem chegar a
acontecer (pensando no caso de coisas consumíveis)

Entende-se que o furto se consuma quando entra de forma estável no domínio do agente e
portanto é imprescindível que o agente da infração tenha adquirido um domínio pleno/estável e
autónomo sobre a coisa.

Formas Especiais do Crime


O legislador, concretamente, decidiu que o furto tentado devia ser penalmente punido. Daí que,
por força do art. 23°, nº 1, se visse obrigado a consignar, expressamente, no n° 2 da presente
norma-texto a punibilidade da tentativa. Além disso, há que retornar à problemática da
consumação para, de maneira clara e inequívoca, se poder dizer se se está ou não perante um
crime tentado de furto ou um crime consumado de furto. Efetivamente, pensamos, para que
tenha sentido útil a desistência da tentativa e mesmo o chamado arrependimento ativo, ser
imprescindível levar a cabo a separação entre a subtração e o domínio do facto. Por outro lado,
também nos parece de meridiana evidência que o arrependimento ativo só ganha total plenitude
quando, tal como nós o fazemos, se rejeita a instantaneidade e se aceita um mínimo lapso de
tempo de domínio sobre a coisa para que se verifique a consumação formal.

Quanto à comparticipação podemos estar perante casos de autoria paralela.

No que se refere ao concurso de infrações julgamos ser pertinente apresentar uma situação
merecedora de alguma reflexão acrescida. Imaginemos que A se encontra a furtar de uma
ourivesaria várias peças de ouro. Mete algumas ao bolso e deixa cair outras na fuga. É
apanhado, por conseguinte, unicamente com as peças de ouro que tinha metido nos bolsos.
Deverá ser punido tão-só por crime consumado, no que toca às joias efetivamente desapossadas
ou deve sê-lo pela prática desse crime em concurso com uma tentativa de furto relativamente ao
outro ouro que não foi tocado? Temos para nós que o agente só deve ser punido pelo crime
efetivamente consumado. Nesta situação o concurso não tem razão de ser porque se trata
apenas e só da mesma conduta/da mesma ação o que parece de um ponto de vista racional
impossível que a mesma conduta tenha como resultado a tentativa e a consumação.

A Pena
O crime de furto é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. No
entanto, continuamos a pensar que o furto deveria ser mais fortemente punido que o dano. Não
foi essa, como se sabe, a opção do legislador. Por outro lado, como já tivemos ocasião de

87
salientar na reflexão analítica levada a cabo sobre a presente norma incriminadora,
consideramos que certas formas comportamentais violadoras de bens jurídicos patrimoniais
pense-se na tentativa relativa a coisas de diminuto valor - não deveriam sequer ascender à
dignidade penal. Por outras palavras, meter no mesmo saco os atos tentados e consumados de
crimes contra o património, relativamente a bens que não ultrapassem a soleira de bens de valor
consideravelmente elevado, parece-nos ser revelador de incapacidade de diferenciação para
tratar desigualmente aquilo que é desigual.

Furto Qualificado
Artigo 204º

O Bem Jurídico
Se é certo que é discutível qual é o seu bem jurídico, olhando para as diferentes alíneas do
Artigo 204º do CP, chegamos à conclusão que o bem jurídico não se apresenta de forma tão
linear como acontece no Furto Simples, pois basta olharmos para a alínea d) do nº1 do presente
artigo, chegamos à conclusão de que não está em causa apenas a propriedade, mas sim a ofensa
e a falta de cuidado ou solidariedade com o outro. Não podemos, portanto, dizer que o bem
jurídico é consoante a alínea, mas consegue-se retirar daqui que ainda que o bem jurídico
principal seja aquele protegido pelo crime de furto simples, a verdade é que aqui podemos
encontrar este bem jurídico base, mas com uma formulação de um bem jurídico
multifacetado(ou seja, tem apontamentos que permitem a qualificação do tipo legal de crime).

Este artigo apresenta uma qualificação e uma Hiper Qualificação ou Exasperada, pois se
processa aqui a uma qualificação em dois degraus: o nº1 qualifica e o nº2 híper qualifica. Neste
modelo de consideração de qualificação exasperada, existe possibilidade de termos irritação de
subsunção normativa, ou seja, de existirem perplexidades quanto ao enquadramento da
situação dentro da lógica da qualificação ou híper qualificação. Por exemplo, na alínea h) do
nº1 reparamos que aquilo que temos de considerar são situações que entrando no pormenor de
umas e de outras, existe uma indeterminação do conceito a reter, ou seja, face ao modo como
estão redigidas, temos dificuldade de entender o que se pretende com a alínea. Os elementos de
valoração vão divergindo entre as alíneas e não são sempre de realidades semelhantes, por isso
o que se aconselha é que temos de entender exatamente qual é o sentido das diferentes alíneas
temos de ter em conta o âmbito da norma em concreto e, através disto, temos uma situação:
pensando na alínea h) do nº1, se pensarmos no âmbito da norma podemos entender que não
basta a interpretação da norma para defender o bem jurídico e lógica da norma, portanto
entendemos que a alínea não é de aplicação automática(por exemplo, imaginemos que a vítima
fica numa situação económica ainda mais difícil, devemos considerar a aplicação automática
desta alínea? Não). Isto quer dizer que o agente, quando furtou, quis e representou deixar a

88
pessoa numa ainda mais difícil situação económica, ou seja, o que se exige do dolo do agente
é que tenha de ser filtrado e bem tido em conta. Temos ainda uma posição que nos diz que as
diferentes alíneas são tendencialmente qualificadoras.

O Tipo Objetivo de Ilícito


Análise das diversas alíneas

Quanto à alínea b), devemos entender o que está em causa. Quando estamos em transportes,
temos mais tendência em apanhar o transporte do que ter em atenção aos nosso objetos, portanto
esta alínea está ligada a uma ideia de uma menor vigilância das coisas nas circunstâncias
representadas na alínea. Ou seja, existe uma fragilidade da guarda derivada de uma dispersão
de atenção. Este apresenta um conceito de Transporte Coletivo, que é qualquer meio de
transporte que tem como finalidade não particular, mas servir um número indeterminado de
pessoas.

Quanto à alínea c), mesmo sendo uma capela destinada ao culto, mas privada, não implica
colocar em causa a aplicação da alínea. O Estado é Laico, portanto pode estar em causa
qualquer objeto relacionado com qualquer religião. A condição qualificadora é o respeito da
liberdade religiosa e o culto pelos mortos, ou seja, apresenta uma cumulação de dois requisitos.

Quanto à alínea d), existe uma debilidade da vítima e existe a exploração dessa mesma
debilidade por parte do agente. Para nos encontrar-nos face a esta alínea, não basta que este
furte uma pessoa vítima de um desastre, mas que queira explorar essa mesma debilidade, não
tendo aplicação automática.

Quanto a alínea e), o agente deve representar que a coisa está fechada num sítio que é
representado pelo agente que esteja fechado também. Por exemplo, se o agente não
desenvolver qualquer conduta a abranger o sítio que esteja fechada, pois o agente tem de
tentar abrir algo fechado. E o recetáculo pode abranger um baú, um armário, uma estante,
desde que estejam fechadas.

Quanto à alínea f), existe uma lógica de legítimo no primeiro momento e de ilegítimo no
segundo momento, mas tem de existir uma ilegitimidade total. Por exemplo, uma festa em casa
de um amigo acaba às 4h, mas continuamos em casa do dono da festa à 6h , ou seja, a
permanência do sítio torna-se ilegítima, isto no segundo caso apresentado pela alínea. Nesta
introdução em habitação, neste contexto, apresenta-se também como exemplo um quarto de
hotel. No contexto de introdução, deve ser introduzido todo o corpo da pessoa, não bastante
meter a mão ou o braço todo.

89
Quanto à alínea g), salvaguardando as festas de despedida de solteiro ou solteira, imaginemos a
típica questão de alguém que, fora deste contexto, compra uma farda de polícia pedindo para ver
a mala de um veículo. Estas fardas ou insígnias passam uma presunção de credibilidade que
fazem com que nós baixemos a guarda.

Quanto à alínea h), temos de ver aquilo que pode ser um modo de vida. Podemos ter um agente
que furte num ano pois está mais apertado nas propinas, ainda que possa existir uma reiteração,
isto não significa uma ideia de modo de vida. Ainda que implique uma pluralidade de
infrações, esta ideia equivale à forma como alguém retira de um furto o rendimento para
uma vida.

Quanto à alínea i), o agente deve querer deixar e representar que deixa a vítima em difícil
situação económica.

Quanto à alínea j), a lógica é o furto de cobre e impede o normal funcionamento e


fornecimento de serviços e telecomunicações.

Quanto ao Artigo 204º/2 do CP, primeiramente na alínea b), deve ficar provado que esse
elemento é essencial e importante para o desenvolvimento, ou seja, apresenta uma extensão
limitada.

Quanto à alínea c), uma coisa altamente perigosa é algo que faz parte do nosso real
verdadeiro que tem de ter valor jurídico-económico e que, em termos de valoração jurídica,
tem de ser extremamente perigosa, sendo estas substâncias ou elementos que causam perigo à
saúde e vida de outra pessoa. A limitação é que o agente tem de representar que é uma coisa
extremamente perigosa.

Quanto à alínea d), apresenta duas condições cumulativas: tem de ter este valor e de se
encontrar numa coleção acessíveis ao público. A nível do mundo artístico, temos
determinadas coleções privadas mas que estejam acessíveis ao público.

Quanto à alínea e), a limitação tem a ver com o facto do legislador ter descrito os
comportamentos proibidos e as concretas condutas. Ou seja, não basta penetrar nestes
espaços, mas que esta tenha sido feita sobre um destes modos.

Quanto à alínea f), a lógica tem a ver com a superioridade da força de ataque face à
diminuição das forças de defesa da vítima atendendo ao contexto da arma. Mas
imaginemos que emigramos para o Texas para conseguirmos ter uma arma para defesa pessoal,
mas combinamos uma festa em que ficaram de levar uma garrafa de whiskey, então entramos
numa loja de bebidas mas não temos a carteira connosco e, então, entramos na loja e furtamos
as duas garrafas de whiskey. Neste caso, o agente tem de ter presente que através do porte

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de arma diminui a possibilidade de defesa de vítima, o que neste caso não aconteceu, pois o
agente não representava essa intenção. Não podemos incluir aqui paus ou pedras.

Quanto à alínea g), vem colocar um problema à participação múltipla. Primeiramente, devemos
entender o que o legislador quer quando se refere a bando. A noção de Bando é quando se
pressupõe uma lógica de ligação ténue entre membros sem qualquer duração específica,
não exige as característicos do Artigo 299º do CP e este ligação não colide com os laços ou
relações que unem os coautores ou cúmplices, ou seja, este é um conjunto de pessoas
variável com um fim difuso e com prática indeterminada de crimes. No bando pode ocorrer
um Bando Espontâneo, mas não deixa de ser verdade que o que está por detrás da alínea é uma
prática reiterada de crimes. Para que possamos estar perante a qualificação derivada desta
alínea, é preciso o Bando, mas também estabelecer o nexo que permita dizer que aquele
agente pertence ao bando.

Quando falamos em bando e não na associação é a realidade de bando espontâneo porque a


associação criminosa nunca pode ser espontânea. Por exemplo, estamos 3 pessoas que naquele
momento olhamos uns para os outros e tiramos um telemóvel a outra pessoa e isto é bando
espontâneo coisa que não pode acontecer na associação criminosa. Ainda que a noção de bando
admita a ideia de bando espontâneo, o que está por detrás desta alínea é uma logica de prática
reiterada de crimes.

Outra cosia que os distingue é a exigência em termos numéricos que é maior para a associação
criminosa.

Para que possamos estar na qualificação derivada desta alínea é preciso o bando, mas também é
preciso estabelecer o nexo que permita dizer que aquele agente pertence ao bando.

Nos termos do Artigo 204º/3 do CP, apenas vamos considerar a alínea que for considerada mais grave,
apenas valorando os outros na medida da pena. Mas segundo o Artigo 204º/4 do CP, importa entender que
temos uma realidade não frequente, mas nos vem demonstrar a importância do elemento do valor, pois este
é um contratipo, que é um pressuposto negativo da aplicação da norma incriminadora. Este contratipo só
funciona quando o agente reparar que o animal ou coisa tenha um valor diminuto e se ele tiver enganado
quanto ao mesmo, este contratipo não vai funcionar, pois objetivamente ele tem dolo de valor elevado.

Tipo Subjetivo de Ilícito


Defendemos uma clara valorização da subjetividade na compreensão das circunstâncias-
elementos que se analisaram. Isto é: para que se verifique um crime de furto qualificado, por
força das alíneas contempladas nos nºs 1 e 2 do texto-norma em estudo, mister é que o agente
tenha ao menos uma representação global dos elementos do tipo, neste caso, uma representação

91
e um querer que abarque os diversos elementos das circunstâncias-elementos. É claro que o
agente não precisa de saber o que é um bando ou sequer de racionalizar em todas as suas
vertentes o que seja ser membro de bando. O que ele tem de ter é uma representação mínima de
que está a atuar com outro que recebeu dele colaboração - e que ambos adquirem um aumento
do potencial de ataque, porquanto pertencem a "qualquer coisa" que lhes fornece, nem que seja
intuitivamente, esse bocado de experiência ou de saber que lhes permite mais facilmente levar a
cabo a atuação criminosa.

O furto qualificado é uma específica incriminação onde os problemas do erro se fazem sentir de
forma intensa e expressiva. No entanto, se o que se acaba de assinalar tem quase a força da
evidência não é menos verdade que a multiplicidade de situações, determinada, é óbvio, pela
multiplicidade de circunstâncias-elementos, faz com que só o caso concreto possa ser fonte
iluminante para a correta solução dogmática. Quer isto significar que se, in casu, a casuística se
pode antolhar como potencialmente florescente, isso não nos permite pensar que daí se devam
retirar regras outras diferentes daquelas que a doutrina do erro consagra. Bem ao contrário.
Também aqui devemos seguir, o mais cingido possível, tudo o que o pensamento e a doutrina
penais estabelecem quanto à doutrina do erro (erro sobre a factualidade).

Causas de Justificação e Exclusão da Culpa


Dever-se-á afirmar que, nesses domínios, nada se tem a acrescentar a tudo o que se disse
relativamente a idênticas problemáticas quando curamos do furto simples.

Formas Especiais de Crime


A tentativa permite-nos, de modo claro e pensamos que inequívoco, perceber que estamos
perante circunstâncias-elementos e não defronte a inóspitas e, em nosso juízo, intoleráveis
circunstâncias agravantes de aplicação automática e obrigatória. Na verdade, se a circunstância
"valor consideravelmente elevado" não se preencheu não há consumação nem pode haver - o
que é absurdo - tentativa de furto qualificado. Logo, para se aceitar que haja tentativa de furto
qualificado parece, então, que, por retas contas de mera inferência lógica, teremos de admitir
que aquele plano de representação e de querer aponta, sem rebuço, para um objeto que tem
como ponto central o valor consideravelmente elevado. A não ser que se admita - o que só
fazemos para demonstrar a inanidade de uma tal compreensão -que mesmo considerando o valor
consideravelmente elevado como uma mera circunstância se venha dizer que a tentativa de furto
qualificado é possível. Isto é: o agente quis furtar uma coisa, não o conseguiu, porém, a coisa
tinha valor consideravelmente elevado, logo, tentativa de furto qualificado. Pensar desse jeito
seria um duplo intolerável desvio às regras mais elementares da dogmática penal. Desvio na
aceitação de uma responsabilidade penal não sustentada na culpa do agente. E desvio ainda
porque, se as proposições das alíneas são circunstâncias, então, mandam as regras lógicas, uma

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coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Se é uma circunstância - com tudo o que implica
de automatismo e verificação real e efetiva quando se dá a consumação, não pode deixar de o
ser, não pode perder essa qualidade, quando nos atemos aos domínios da tentativa.

Quando se aplica a al. g) do nº 2 poderá ainda pensar-se em casos de comparticipação? Não


obstante a dificuldade da questão, cremos que sim.

Também quando olhamos para a problemática do concurso, a atitude de espírito jurídico-


penalmente mais consequente será aquela que parte da ideia matriz de que as regras gerais e os
princípios reitores do concurso são aqueles que em primeira linha se devem convocar para uma
adequada solução dentro desta específica questão penal.

A Pena
O certo é que, em uma ótica material sobretudo consequencialmente material devemos
distinguir clara e indiscutivelmente duas qualificações. Na primeira temos um furto qualificado
que poderíamos designar de primeiro grau que corresponde ao nº 1 do artigo, e na segunda
qualificação apresenta-se-nos um outro furto qualificado - de segundo grau, poder-se-ia apelidar
de modo a estruturar corretamente a questão - em que se verifica uma indesmentível
hiperqualificação.

Abuso de Confiança
Artigo 205º

Abuso de confiança é, segundo a sua essência típica, apropriação ilegítima de coisa móvel
alheia que o agente detém ou possui em nome alheio. Daqui resulta que o crime de abuso de
confiança, tal como o crime de furto, é um crime patrimonial pertencente à subespécie dos
crimes contra a propriedade; tem como objeto de ação, tal como o furto, uma coisa móvel
alheia; e, ainda como o furto, revela-se por um ato que traduz o mesmo conteúdo substancial de
ilicitude, uma apropriação.

O crime de abuso de confiança ganha autonomia e especificidade perante o crime de furto logo
na contemplação do bem jurídico protegido, que é aqui exclusivamente a propriedade. Com
efeito, no furto protege-se a propriedade, mas protege-se também e simultaneamente a
incolumidade da posse ou detenção de uma coisa móvel, o que oferece, em definitivo, um
carácter complexo ao objeto da tutela. Diferentemente, no abuso de confiança só a propriedade
como tal é objeto de tutela e constitui assim integralmente o bem jurídico protegido.

Por exemplo, emprestaram-se um computador e eu já o tenho na minha esfera de domínio, não


estando em causa o usufruto das qualidades da coisa, o proprietário já não usufrui da coisa,
emprestou-me. O crime de abuso de confiança consuma-se quando o agente se comporta

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em relação à coisa como se ela fosse do agente. Em relação ao computador, para me
comportar em relação a ele como se ele fosse meu teria de vender esse computador. Então a
ideia é que a apropriação tem a ver com necessidade de exteriorização por parte do agente de
uma conduta que demonstre a apropriação, não basta a ideia de que ele é meu, tenho de fazer
alguma coisa em relação ao objeto que tenho na minha posse que exteriorize que me comporto
em relação a ele como se ele fosse meu.

A partir desta conclusão não falta quem sublinhe que o perigo para a propriedade resultante do
abuso de confiança é mais pesado e grave que o resultante do furto. O argumento que a
propósito se esgrime nas literaturas jurídico-penais alemã e italiana é o de que esse maior peso e
gravidade deriva da circunstância de o proprietário da coisa furtada poder exigi-la de terceiro
adquirente de boa-fé, o que já não sucede com o proprietário da coisa apropriada através de
abuso de confiança. Este argumento não vale, porém perante o direito civil português, sabido
como é que a aquisição a non domino, mesmo de boa-fé, não é por princípio protegida em
qualquer dos casos.

Tipo Objetivo de Ilícito


O tipo objetivo de ilícito radica, nas palavras da lei, em o agente "ilegitimamente se apropriar de
coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade". Assim sendo,
créditos e quaisquer outros direitos, não sendo coisas nem em sentido material, nem em sentido
jurídico, não podem constituir objeto do crime de abuso de confiança.

Conduta Típica
Devemos identificar 5 elementos:

a) A entrega / recebimento: Exigindo-se que a coisa tenha sido entregue ao agente por
título não translativo da propriedade, isso significa que, diversamente do que sucede
com a subtração no furto, se torna necessário ao abuso de confiança que, no momento
da apropriação, o agente tivesse já a posse ou a detenção da coisa, mas não a
propriedade. Exigindo a lei a "entrega", isso significa que os conceitos de posse e
detenção, se valem seguramente em toda a extensão que lhes confere o direito civil,
devem aqui ser entendidos mais latamente e fazer-se equivaler ao recebimento de uma
coisa móvel constitutivo de uma relação fáctica de domínio sobre ela.
b) A ilicitude da entrega / recebimento: a doutrina portuguesa afirma que a apropriação
tem de ser lícita/ legítima. É duvidoso, porém que tenha de ser assim em todos os casos
e que se a entrega e/ou o recebimento forem ilícitos já o tipo objetivo de ilícito do abuso
de confiança se não verifique.
É controvertida a necessidade de licitude ou possibilidade de ilicitude da entrega ou do
recebimento, ou seja, quando recebo o computador é através de um mecanismo lícito

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porque o objeto foi obtido licitamente. A maioria da doutrina entende que a entrega aqui
pensada pelo tipo legal de crime é uma entrega lícita. Mas FIGUEIREDO DIAS,
olhando para o nº1 diz que não tem de ser necessariamente assim porque o tipo nada diz
da forma como tem de ser feita a entrega porque enquanto fala da ilegitimidade da
apropriação nada diz quanto à necessidade de legitimidade da entrega e acrescenta a
razão que esteve subjacente à consagração deste tipo legal de crime é em si mesmo a
lógica da proteção da propriedade tal como é sem outros qualificativos. Por exemplo,
uma entrega derivada de um contrato nulo em que quem entregou não podia entregar e
que a entrega em si mesma não está coberta por qualquer vínculo legal válido e se a
pessoa a quem foi entregue se comportar em relação a ela como se fosse o proprietário
considera que esse está a cometer um crime de abuso de confiança. Assim, quando
falamos da ilicitude ou da ilegalidade da entrega pressupomos que não é sempre o
proprietário a entregar porque às vezes entregamos coisas de outra pessoa e são tudo
realidades que façam com que exista um terceiro com a coisa e que possa entregar a
outra pessoa.
A ilegitimidade reporta-se à apropriação, por isso o que é ilegítimo no furto é a intenção
porque fala da ilegítima intenção de apropriação, o que é ilegítimo é a intenção, já no
abuso de confiança o que é ilegítimo é a apropriação direta com as características
exclusivas do direito de propriedade.
c) O título não translativo da propriedade: Verdadeiramente essencial à estrutura
objetiva típica da conduta é que a entrega tenha sido feita por título não translativo da
propriedade, pertencendo ainda aqui ao direito privado dizer quais os títulos que
integram a tipicidade. Com a formulação agora legislativamente consagrada torna-se
isento de dúvida que a violação de um mero direito de crédito de quem fez a entrega da
coisa não pode nunca integrar o tipo objetivo de ilícito do abuso de confiança. Será o
caso, por exemplo, do mútuo, que, como contrato com eficácia real tendo por objeto
coisas fungíveis, transfere a propriedade sobre estas para o mutuário.
d) A apropriação: A apropriação traduz-se sempre, no contexto do abuso de confiança,
precisamente na inversão do título de posse ou detenção. Sob que forma deva
concretamente manifestar-se a apropriação, é em definitivo indiferente: necessário é
apenas que, como acima se disse, se revele por atos concludentes que o agente inverteu
o título de posse e passou a comportar-se perante a coisa "como proprietário". O que, é
claro, não quer significar que aquela inversão se tenha validamente verificado à luz do
direito civil.
No abuso de confiança o agente terá de se apropriar da coisa para si ("se apropriar", art.
205°/1). O que evidentemente sucede quando o agente dá a coisa a outra pessoa, seja
gratuitamente ou contra uma qualquer vantagem: também nesse caso houve um

95
momento, ao menos lógico, em que o agente se apropriou da coisa para si, mesmo que
no fundo pretenda só abandoná-la, mas já não se o agente não dispõe da coisa alheia em
nome próprio.
e) A ilegitimidade da apropriação: no abuso de confiança a ilegitimidade refere-se
diretamente à apropriação, tratando-se, portanto, ao menos neste sentido imediato, de
um elemento do tipo objetivo; no furto o que tem de ser ilegítima é a intenção de
apropriação, pelo que o elemento pertence ao tipo subjetivo de ilícito.

Tipo Subjetivo de Ilícito


O dolo é necessário relativamente à totalidade dos elementos do tipo objetivo de ilícito,
tratando-se, pois de crime de congruência total. O dolo eventual é suficiente.

Quanto ao erro, em consequência, desde que verse sobre os elementos constitutivos, de facto ou
de direito, do tipo objetivo de ilícito exclui o dolo, nos termos do art. 16°/1. Diversamente, o
erro que verse sobre a valoração jurídica de um qualquer elemento constitutivo daquela
ilegitimidade ou sobre a existência e âmbito da causa justificativa só pode relevar pela via da
falta de consciência do ilícito (art.17°).

Formas Especiais de Crime


O abuso de confiança consuma-se com a manifestação externa do ato de apropriação. Uma
tentativa deste crime ocorre quando eu ponho notas de 500€ dentro de envelope e peço a
alguém para guardar o envelope num sítio seguro e essa pessoa passado 1 dia, porque tem uma
aflição, abre o envelope fechado e começa a querer rasgá-lo para ficar com o dinheiro, mas foi
interrompida ou parou e faz com que ela não acabe de rasgar o envelope para ficar com o
dinheiro.

Particularmente questionável é decidir da mútua delimitação entre verdadeira coautoria e


mera cumplicidade no crime de abuso de confiança. Uma vez que o abuso de confiança
pressupõe sempre entre nós a prévia entrega da coisa ao agente, parece em rigor só dever ser
qualificado de coautor aquele que, para além do indispensável domínio do facto, detinha a
qualidade de co possuidor ou de codetentor antes da apropriação.

Em princípio um concurso efetivo, seja sob a forma de concurso real ou ideal, com a
generalidade dos restantes crimes patrimoniais não é impossível.

Qualificação do abuso de confiança


Artigo 205º/4: Trata-se aqui da qualificação, já conhecida do crime de furto (art. 204-1 a) e 2
a)), derivada de o valor da coisa dever considerar-se "elevado" (qualificação de 1º grau) ou
"particularmente elevado" (qualificação de 2º grau). O sentido, a compreensão e a amplitude
destes elementos qualificadores são exatamente aqueles que lhes foram assinalados em matéria

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de furto, não havendo qualquer consideração racional ou teleológica que convide à sua
reconformação nesta sede. Devemos por isso limitar-nos a reenviar para os lugares
correspondentes do tratamento no contexto do furto: art. 204º

Quanto ao nº5, o que caracteriza estas situações têm em comum, todas, uma especialíssima
relação e fidúcia entre o agente e a coisa por imposição legal, são pessoas que é suposto
tomarem bem conta das coisas e por isso mesmo tem como especialidades os casos em que
existem situações reguladas por lei, pode ser em função de ser tutor, curador, etc. Mas, são
situações diferentes de alguém que pede a B para ficar com coisas – mera autonomia do próprio.
Falamos aqui do depósito de bens penhorados, entrega ao curador de bens do ausente e há uma
especialíssima relação de fidúcia quebrada pela apropriação do agente.

Pena
As penas cominadas no art. 205° são as de: prisão até 3 anos ou multa para o caso do abuso de
confiança simples; prisão até 5 anos ou multa até 600 dias para o caso de abuso de confiança
de valor elevado; prisão de 1 a 8 anos para o caso de abuso de confiança qualificado, seja em
função "de valor consideravelmente elevado ou da especificidade do título de entrega.

O abuso de confiança simples em termos de moldura legal, sendo em tudo semelhante ao crime
de furto simples tem a mesma moldura e é também crime semipúblico.

Prevenção
Artigo 206º

No art. 206º CP temos um artigo que se fundamenta em razões de prevenção, no fundo vai
mexer com o que seria a normal aplicação estes artigos, no caso de um agente ter praticado um
destes crimes sendo culpado era culpado e cumpria pena. A questão é que o art. 206º e 207º
mexem com a normal decorrência da consagração dos crimes de furto e de abuso de confiança.

O nº1 do art. 206º CP extingue o procedimento criminal o que significa que alguém que furte e
que o faça de forma qualificada é um agente que pode ainda vir a beneficiar de não ser
responsabilizado. Face à ideia da necessidade de pena ela só deve ser aplicada quando a
aplicação da mesma se revele necessária, além disso também pensando naquilo que é o CP,
existe uma discussão entre FIGUEIREDO DIAS e FARIA COSTA quanto aos fins das penas
sendo que aqui o vencedor foi FIGUEIREDO DIAS que introduziu no art. 40º uma certa teoria
da prevenção. Justamente a razão politico-criminal para a introdução no art. 206º CP tem a ver
com lógicas de prevenção que nestes casos não é necessária a aplicação e pensa quer da
perspetiva da prevenção geral e negativa quer da prevenção especial e positiva, e é a partir daqui
que olhamos para o art. 206º CP.

97
No nº1 do art. 206º CP, não há uma logica de arrependimento do agente, apenas diz que se ele
colocar os ofendidos na mesma situação em que estavam extingue-se o procedimento caso o
ofendido não se oponha. É algo que tem de se fazer, o procedimento extingue-se, não havendo
oposição, mas extingue-se vendo a diferença com o nº3 do art. 206º CP porque aqui no nº3 a
pena PODE ser especialmente atenuada, no nº1 há automatismo.

Olhando para o nº1 do art. 72º e o nº1 do art. 206º, no art. 72º tem de haver qualquer coisa que
nos diga que a culpa foi diminuída, já no art. 206º não diz que tem de ser atenuada a culpa. No
nº2 da al. c) refere-se à reparação, mas não é igual à do art. 206º nº1 porque no art. 72º
pressupõe arrependimento, ou seja, a reparação aqui é uma manifestação de arrependimento.

Então no contexto do art. 206º em primeiro lugar, considerando o nº1, temos a extinção do
procedimento criminal de um crime público em que não pode haver existência de queixa, de
acordo com o regime geral o acordo entre eles não seria possível, daí que no nº1 do art. 20º o
legislador espelha as qualificações que só o são em função do valor. Todavia o nº1 acrescenta
outras duas circunstâncias de qualificação que são a al. b) e e) do nº1 do art. 204º CP porque
todas as outras são manifestações da lógica poliédrica do bem jurídico, porque estas dependem
do local onde as coisas estão, mas não é afetado mais nada a não ser a possibilidade de fruição,
não é como deixar uma pessoa numa situação económica mais difícil e é onde se aceita a
desnecessidade de pena face à razão da qualificação.

Olhando para o nº2, há outra circunstância que é geral quanto aos tipos legais de crime, aqui
relativamente aos casos do nº1 há extinção da responsabilidade criminal, mas o nº2 como abre a
mais crimes obriga à atenuação especial havendo uma lógica de reparação ou restituição
integral, abrange as outras não referidas pelo nº1.

O nº3 refere-se à restituição parcial.

Neste caso estão a ser tidos particularmente em conta os interesses da vítima. Ou seja, foi-
me furtado o computador, mas interessa mais que a vítima entregue o valor do computador ou
então que entregue o computador no estado em que está mais o dinheiro para a reparação do que
esperar por todo o processo penal e ser ou não declarada a culpa, daí a razão de ser do art. 206º
CP. É aquilo que se designa como justiça restaurativa e que tem mais em conta os interesses
da vítima, porque a justiça restaurativa tem muito em conta os interesses da vítima e vemos uma
sanção penal reparatória, mas pode dizer-se que a reparação é uma condição sem a qual não
pode existir a extinção da responsabilidade criminal. Isto é assim porque este regime visa servir
melhor os interesses da vítima porque na maior parte dos casos a reparação é melhor para
satisfazer a estabilização da sociedade ou prossecução de inúmeros processos penais e também

98
porque da perspetiva do agente tem um efeito ressocializador preventivo, evita-se a ida ao
estabelecimento prisional.

Roubo
Artigo 210º

O roubo é um crime complexo que ofende quer bens jurídicos patrimoniais - o direito de
propriedade e de detenção de coisas móveis - quer bens jurídicos pessoais a liberdade individual
de decisão e ação e a integridade física, sendo que, em certas hipóteses de roubo agravado, se
põe em causa, ademais, o bem jurídico vida (art. 210°-2 a e nº3). Saliente-se, no entanto, que a
ofensa aos bens pessoais surge como o meio de lesão dos bens patrimoniais.

Como o roubo protege todos estes bens jurídicos ele consome, no sentido de haver relação de
consunção da norma, vários tipos legais, designadamente o furto porque um crime de roubo é
essencialmente um crime de furto porque os elementos do furto estão essencialmente lá e por
isso um roubo é um furto em que além da lesão da propriedade e privação da utilidade da coisa
há também a ofensa a um determinado bem jurídico pessoal e por isso o roubo consome o
crime de furto.

Consome também um conjunto de crimes como os de coação, de ameaça, sequestro, o crime de


ofensas à integridade física simples e até, falando de roubo agravado no art. 210º, nº2, al. a)
também as ofensas à integridade física graves e eventualmente o homicídio por negligência
porque no concreto modo de realização do roubo seja ou para efetuar a subtração ou para
constranger a outra pessoa a entregar a coisa que o assaltante pretende. Por isso, o furto
consome também todos estes tipos legais de crime.

Tipo Objetivo de Ilícito


Sujeito passivo – vítima- do crime de roubo pode ser o proprietário da coisa móvel, mas pode
ainda ser o seu detentor a pessoa que tem a guarda do bem, p. ex., o caixa do supermercado que
é amarrado para não opor resistência à subtração de bens ou dinheiro.

Cremos, ainda, que se pode alargar o conceito de sujeito passivo a qualquer pessoa que
oponha resistência à subtração do bem, sendo, por isso, exercida violência (em sentido
amplo, englobando a ameaça ou a colo cação na impossibilidade de resistir) contra ela; ou que,
tendo o bem em seu domínio ainda que por breve espaço de tempo, seja constrangida à sua
entrega.

Face a estas últimas hipóteses - terceiro que presta ajuda ao proprietário ou detentor-, parece
claro que, se se está a executar um furto, e um terceiro, apercebendo-se da situação, vem
defender o indivíduo que está a ser furtado, sendo então exercida violência contra este terceiro,

99
a situação se incluirá no crime de roubo (o roubo consumirá o furto). No entanto, se o detentor
do bem está a ser vítima de violência e o terceiro que o vem defender é também vítima de
violência, pode colocar-se a questão de saber se o crime de roubo abarcará quer a violência
que é exercida contra o detentor do bem, quer a que é exercida em relação ao terceiro . Cremos
que não deverá ser punido de acordo com a mesma moldura legal, quer o agente que exerce
violência apenas em relação a uma pessoa, quer em relação a várias, ainda que o bem que se
pretende subtrair seja o mesmo, sendo preferível punir por roubo em concurso com o(s) crime(s)
de ofensas corporais.

Por outro lado, o crime ameaçado pode visar terceiro, ou seja, pessoa diferente do detentor do
bem, embora se fale em detentor. De resto, também é este o entendimento face ao crime de
ameaça (art. 153°). No entanto, para que o constrangimento se possa imputar à ameaça, esta terá
de visar pessoa que se encontre numa relação de "proximidade existencial em relação ao
ameaçado". Esta consideração vale com as devidas adaptações, para a violência, não tem de ter
como destinatário o alvo do roubo.

Quanto ao objeto é uma coisa móvel ou animal alheio, remetendo para o furto neste caso.

A conduta (ação) tipificada consiste em subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa
móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida
ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir.

 Por "subtração de coisa móvel alheia" deve entender-se a passagem da "coisa móvel" da
esfera de domínio do detentor para nova esfera de domínio, contra a vontade daquele
 Constranger significa coagir obrigar, pressionar afetando, assim, a liberdade do
coagido. O constrangimento abrange, assim, a vis compulsiva, a vis absoluta e ainda a
afetação da capacidade de decisão, p. ex., por meio de ameaças ou drogando ou
hipnotizando uma pessoa.

Os meios para a subtração de coisa móvel alheia ou para o constrangimento à sua entrega estão
especificados no tipo legal (trata-se de um crime de processo típico): a violência contra uma
pessoa, a ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou a colocação da
vítima na impossibilidade de resistir.

 Violência contra uma pessoa: Tradicionalmente a noção de violência estava associada


a uma componente estritamente física ou força física exercida sobre o corpo da vítima e
essa circunstância está abrangida pela violência deste artigo. No entanto, há um aspeto
importante que é a violência ter de ser dirigida contra pessoas, ou seja, se eu furtar e
para isso recorrer a violência contra coisas não preenche este requisito. Mas, pode sê-lo
indiretamente, por exemplo, roubos por esticão, ou seja, uma senhora vai com a carteira

100
ao ombro e passa um assaltante e puxa a carteira e continua a correr, o esticão foi
dirigido não contra uma pessoa, mas contra uma coisa, no entanto, indiretamente porque
o puxão faz efeitos na senhora temos indiretamente violência exercida contra uma
pessoa e já se enquadra no requisito da violência para efeitos deste artigo. No entanto o
problema é saber se se enquadra aqui a violência de tipo psíquico e em face da forma
como está redigido o preceito, a tendência é de dizer que não, ou seja, situações de
violência como hipnotizar alguém, drogar ou alcoolizar alguém de forma a constranger
ou a entregar a coisa que são violência psíquica, mas não são enquadráveis na violência,
vão para a terceira hipótese.
 Ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física: Para este crime não
vale qualquer ameaça, cumpre os elementos do tipo de roubo apenas a ameaça com
perigo iminente, ou seja, no imediato, para a integridade física ou a vida.
 Pondo-a em impossibilidade de resistir: É ampla para fazer nela caber, sem violação
do princípio da legalidade, toda e qualquer circunstância de perigo iminente para a vida
ou que tenham o efeito de constranger a vítima.

Tipo Subjetivo de Ilícito


Trata-se de um tipo legal doloso (mesmo que eventual). Assim, o agente terá de ter o
conhecimento correto da factualidade típica, sob pena de não se preencher o elemento
intelectual do dolo e terá ainda de preencher o elemento volitivo do dolo (art. 14°). Assim, é
suficiente que o agente esteja consciente de que a violência ou a ameaça é adequada a
constranger à entrega do bem ou a constranger à tolerância da subtração do bem, conformando-
se com tal resultado.

Deste modo, se, p. ex., o agente ameaça matar aquela pessoa através de uma reza, caso não lhe
entregue imediatamente determinado bem, estando convencido de que a pessoa em causa não
acreditará em tal método, percebendo que se trata de uma brincadeira, mas, de facto, a "vítima"
fica constrangida, não se preencherá o tipo legal de roubo, por inexistência de dolo.

Haverá ainda que salientar que, se o agente, por estar em erro quanto a determinadas
circunstâncias de facto, julga que a apropriação é legítima, este erro excluirá o elemento
intelectual do dolo (art. 16°/1), não se preenchendo, assim, o tipo legal de roubo nem o de furto.
No entanto, o agente poderá ter que responder pelas ofensas à integridade física, coação etc.
(conforme o caso).

Situação diferente será aquela em que o agente conhece bem as circunstâncias de facto,
julgando que, face a essas circunstâncias, a subtração ou o constrangimento à entrega são
legítimos, quando, de facto, se trata de ações ilegítimas. Este é um problema que nos remete
para a falta de consciência da ilicitude (cf. art. 17°).

101
Formas Especiais de Crime
Tratando-se de um tipo legal de resultado, é possível que o crime se fique na tentativa, sendo
esta punível, a menos que se trate de tentativa manifestamente impossível (cf. art. 23° do CP).

Trata-se de um tipo legal de comparticipação eventual, seguindo-se, quanto a este aspeto, as


regras gerais (cf. art. 26° ss. do CP). Note-se que, para haver coautoria, não é necessário que
todos os agentes subtraiam o bem ou exerçam meios de coação; deverão é ter todos o "domínio
do facto".

Quanto a concurso:

 Entre o tipo legal de roubo e o de furto (arts. 203° ou 204"), assim como entre o roubo,
a coação (art. 154°) e a ameaça (art. 153°), existe uma relação de concurso aparente
(consunção)
 Também entre o tipo legal de roubo e o de sequestro (art. 158°) poderá interceder uma
relação de consunção
 Já entre o roubo e a extorsão (art. 222°) existe uma relação de exclusão, tendo em conta
os seus traços distintivos
 Entre o tipo legal de roubo e o de ofensas corporais simples (art. 143°), parece-nos
existir uma relação de consunção
 Entre o tipo legal de roubo e o de homicídio doloso (arts. 131° e 132°) haverá concurso
efetivo de crimes

Pena
Há o roubo agravado previsto no art. 210º, nº2, al. a) CP. Nesta circunstância o roubo é
agravado porque a vítima é colocada em perigo de vida ou então sofre ofensas à integridade
física graves. Também aqui a vítima é a pessoa que foi visada pelo agente no recurso à
violência. Ou seja, também não tem de ser o detentor da coisa. Por exemplo, a joalharia, há um
terceiro que se apercebe desse furto, tenta impedir e o assaltante agride de forma a provocar
ofensas graves ou perigo de vida – há roubo agravado porque a pessoa não tem de ser o
detentor, a vítima é o destinatário da subtração, mas o destinatário da violência, não têm de
coincidir estas figuras.

A al. a) diz que em relação às ofensas à integridade física grave tem de ser produzida pelo
menos a título de negligência, significando que temos um crime agravado pelo resultado.

Já o perigo de vida é um perigo concreto, ou seja, não basta que no quadro do roubo o agente
pratique uma conduta abstratamente perigosa e que abstratamente fosse idónea a colocar em
perigo a vítima, tem de efetivamente existir perigo para a vítima.

102
Também tem de haver nexo causal entre o perigo criado e o meio. Além disso, a doutrina diz
que tem de existir dolo quanto à colocação em perigo de vida, o agente tem de colocar a vítima
em perigo de vida no caso do roubo agravado. Mas se houver perigo para a vida
negligentemente criado há duas hipóteses possíveis: Não há dolo, mas há ofensa grave porque
um dos pressupostos da ofensa grave é a colocação em perigo de vida. Mas pode não decorrer
de ofensa agravada e neste caso já não se enquadra dentro dos pressupostos do roubo agravado.

A al. b) fala do roubo qualificado, essencialmente está em causa a relação com o crime de furto
porque agora aqui independentemente dos processos típicos do roubo isto tem a ver com as
circunstâncias que qualificam o furto e têm essencialmente a ver com a coisa . Se o furto que o
agente pretendia cometer for ele próprio qualificado nos termos do art. 204º, nº1 e nº2, então o
próprio roubo passa a ser qualificado. Também se aplica a desqualificação do nº4 do art. 204º
CP.

Nestes casos, a moldura penal é mais agravada e é de 3 a 15 anos. A moldura penal é enorme
para pedir a quem julga uma grande latitude na determinação da medida de culpa que é aplicada
porque há um juízo de censura amplamente diferenciados.

O nº3 prevê agravação pelo resultado que ocorre quando se verifique a morte. A situação
prevista aqui é diferente dos casos em que há um homicídio cometido para preparar ou esconder
um crime de roubo sito porque nessas circunstâncias o homicídio poderá ser qualificado.

Dano
Artigo 212º

Em praticamente qualquer circunstância em que há um número razoável de pessoas são


danificadas coisas e por isso o CP preocupou-se com o dano nas diversas modalidades.

Bem Jurídico Protegido


O bem jurídico protegido é a propriedade. A incriminação não protege direta e tipicamente o
património, podendo, por isso, sustentar-se que o Dano não configura um crime contra o
património. Embora o prejuízo patrimonial configure uma consequência ou efeito normal do
Dana, tal não é inevitável nem necessário. Pode consumar-se o crime de Dano sem que tenha
como reflexo um prejuízo patrimonial. Nem está excluída a possibilidade de o crime resultar em
ganho ou vantagem patrimonial para o proprietário ofendido.

As especificidades típicas do Dano são em qualquer caso bastantes para singularizar a infração
face aos demais crimes contra a propriedade, nomeadamente o Furto. Quem destrói ou danifica
coisa alheia não a integra na sua esfera de domínio exclusivo nem se apropria do seu valor,
exigências nucleares da danosidade social e do ilícito típico do Furto. Ao contrário do que

103
acontece no Furto, o Dano configura uma desapropriação que não tem como reverso uma
apropriação.

Tipo Objetivo do Ilícito


Quanto ao tipo objetivo do ilícito, o objeto da ação é uma coisa alheia – remeter para o furto.
Mas, tanto o furto como o roubo tinham necessariamente como objeto uma coisa alheia móvel e
aqui não é feita essa especificação.

Condutas Típicas
O legislador pretendeu uma tutela e proteção alargada ao bem jurídico protegido na medida em que as
ameaças a este mesmo bem podem provir de muitas circunstâncias diferentes e pretende fazer de forma a
não ofender o princípio da legalidade. Há claramente uma área de sobreposição significativa entre as
diversas modalidades, por exemplo, destruir no todo ou em parte, se formos danificar é difícil distinguir
entre destruição parcial e danificar. Mas do ponto de vista da aplicação dos pressupostos não altera
nada do ponto de vista da qualificação saber se há destruição parcial ou se há apenas um danificar.

Há um termo de referência à corporeidade, ou seja, o dano é um crime que tem sempre como objeto uma
coisa física e esta referência à corporeidade tem a ver com o dizer que a coisa tem de ser atingida na
integridade física caso contrário não há crime de dano. Além disso e simultaneamente para crime de dano
temos de ter uma coisa afetada na sua integridade física, mas simultaneamente afetada na sua função,
ou seja, pelo menos em parte a coisa deixa de poder ser utilizada para aquilo que é suposto servir. Estes
requisitos do atingimento da integridade da coisa ou afetação da função – são cumulativos.

Claro que, para que tenhamos uma conduta típica é preciso que se verifique um limiar mínimo
de danosidade da mesma forma que a propósito do furto a coisa tinha de ter valor, a
consequência lógica disso a nível do dano é o limiar mínimos de dano, ou seja a destruição,
inutilização ou danificação têm de ser minimamente relevantes, não podemos estar perante a
bagatela penal. Por exemplo, uma criança pisa a relva no jardim.

As Modalidades:

 Destruir: é a mais intensa e mais drástica. A destruição implica a perda total da


utilidade. Esta destruição não é de execução vinculada, ou seja, aqui não importa como
é que a coisa foi destruída.
 Danificar: Ataque à substância da coisa, menos intenso, não atinge o limiar da
destruição ou pelo menos da destruição total. Por exemplo, partir o limpa-vidros de um
carro, cortar ramo de uma árvore.
 Desfigurar: Tem a ver com a questão estética, com o aspeto, imagem exterior da coisa.
São enquadráveis nesta modalidade as situações em que alguém grafita uma parede, ou
em que são colados cartazes não autorizados, ou alguém agarra numa chave e risca o
nosso carro.

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 Tornar não utilizável: Pressupõe reduzir ou eliminar a utilidade da coisa segundo a sua
função. Por exemplo, a razão pela qual torno inutilizável uma cosia é porque afeto a sua
substância física e por isso há sobreposição. O que levanta problema é saber se uma
coisa está inutilizada pressupõe saber qual era a função que antes podia cumprir e que
em função a conduta do agente fez com que deixasse de poder cumprir:
 Teoria subjetivista: Quem define é o proprietário ou utilizador;
 Teoria objetivista: Tem elementos puramente objetivos sendo
irrelevante a vontade do proprietário.
o Não se adota nenhuma delas e tem-se entendido que prevalece a vontade/função
que o proprietário atribui à coisa balizada por critérios objetivos, é aquela que o
detentor quer que seja, desde que seja uma função normal para atribuir àquela
coisa. Se aceitássemos simplesmente a doutrina subjetivista corríamos o risco
de o DP proteger manias.

Tipo Subjetivo de Ilícito


O Dano só é punível sob a forma de dolo, sendo bastante o dolo eventual. Para haver dolo, o agente tem,
nos termos gerais, de representar que a sua ação sacrifica coisa alheia. Por vias disso, só são imputáveis
ao dolo do agente os efeitos nocivos que são do seu conhecimento. O erro exclui o dolo (art. 16°) ou a
culpa (art. 17°) segundo os princípios gerais.

Formas Especiais de Crime


A tentativa é punível (n° 2). Nos termos gerais, a tentativa começa com a realização da ação típica e a
consumação com a produção da lesão ou defeito da coisa.

Valem os princípios gerais quanto à comparticipação. Haverá, por exemplo, autoria mediata quando o
agente, através de erro fraudulentamente induzido, reduz o proprietário a mero "instrumento" nas suas
mãos, levando-o a destruir ou danificar coisa própria.

Pena
Pena até 3 anos com possibilidade de substituição por multa.

Dano Qualificado
Artigo 213º

No nº1 há semelhanças estruturais entre as circunstâncias que qualificam o furto e as que qualificam o
dano, desde logo a al. a).

Al. b) – Cavalos da GNR.

Al. d) – Não há sobreposição com a al. b).

Al. e) – Igual à do furto, requisitos cumulativos.

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No nº2 também há semelhanças com o furto qualificado, desde logo a al. a).

Al. b) – Falésias naturais numa reserva protegida.

Al. c) – Exatamente igual ao furto

Al. d) – Por exemplo, descoberto um novo reator em hidrogénio revolucionário em Portugal e era feito
um protótipo desse reator que pode revolucionar a produção elétrica à escala mundial e era provocado um
dano.

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