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DIREITO PENAL - PRÁTICA

FICHA 1
Caso prático 1
João, Alberto e Paulo encontram-se num café para trocar as primeiras impressões a
propósito da nova unidade curricular de direito penal. João considera que a designação “direito
penal” foi mal atribuída, devendo ter sido escolhida a designação mais acertada de “direito
criminal. Alberto discorda, considerando que a denominação “direito penal” possui maior rigor
dogmático. Por fim, Paulo entende que os dois amigos estão equivocados e garante que o mais
correto seria “direito das penas e das medidas de segurança criminais”.
Fundamente a posição de cada um dos amigos.

O Direito criminal coloca o crime em evidencia. Pela noção formal, o crime é um facto
humano voluntário típico ilícito, ou seja, comportamento ativo ou omissivo somente praticado pela
vontade humana da pessoa, sem qualquer tipo de vício. Contudo, o facto tem de estar tipificado na
lei, por consequência do princípio nullum crimen sine lege.
Por exemplo, se A mata B em estado de sonambulismo. Neste estado, o seu ato e um facto
humano, mas falta-lhe aqui a voluntariedade; logo, não é crime. Assim, os atos reflexos
(involuntários) excluem-se, então, atos praticados em estados de hipnose, de sonambulismo – atos
reflexos.
A inimputabilidade tem a ver com a Culpa (juízo ético de censura que incide sobre um
concreto agente) por razão da idade (Menoridade) ou por anomalia psíquica. Assim, perante
qualquer categoria estas não há crime, volta-lhe a voluntariedade, nullum crimen sine culpa, uma
vez que a culpa é que vai individualizar a responsabilidade e determinar a sua imputabilidade.
!!!! Casos de agente sem culpa: homicídio de 5 pessoas vs 100 pessoas – sendo a vida
imponderável, o direito penal não interfere porque é uma “decisão existencial limite”, podendo
sempre haver uma causa de exclusão de culpa.
A tipicidade surge por razões de certeza e segurança jurídica, convém que exista lei prévia
para que todos saibam o que podem e o que não podem praticar. Ao longo da história, a ausência
de lei prévia gerou muita discussão como os julgamentos de Nuremberga onde se recorreu ao direito

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natural. No entanto, esta lei é a lei penal do CP e legislação avulsa, sendo que é, respetivamente, os
crimes clássicos ou de justiça; e crimes de direito penal secundário.
Já a relação sobre o ilícito significa aquilo que é contrário a um bem jurídico (interesse ou
valor essencial para a comunidade), ou seja, desrespeito ao ordenamento jurídico; e uma conduta
desvaliosa.
Neste sentido, por existir tipicidade permite justificar, isto é, há causas de exclusão de
ilicitude, por exemplo, a legítima defesa, ação direta, estado de necessidade ou em casos de conflito
de deveres (art. 36.º CP).
Há autores que acrescentam à definição de crime a punibilidade, ou seja, casos em que há
reduzida ilicitude, uma culpa reduzida, pois quando o agente já reparou, já tinha o dano causado.
Portanto, defendem que há uma dispensa de pena.
A fragilidade do Direito criminal é que não tem em conta a inimputabilidade (por norma, por
razão de anomalia psíquica). A sua definição curta porque não abarca os factos praticados por
inimputáveis, pois não são capazes de culpa, no entanto, o facto que praticaram é um facto
perigoso. Esta perigosidade pode destabilizar a sociedade, assim, não aplicamos uma pena; mas
medidas de segurança.

Já o direito penal coloca em evidencia a pena. A pena é a consequência jurídica do crime, é


uma sanção que se aplica no seguimento de um crime. As penas principais são a multa e a pena de
prisão, porém há penas substitutivas que visam substituir a pena principal, por exemplo, multa de
substituição; proibição do exercício de funções; ou o ainda penas acessórias que se cumulam com a
pena principal, por exemplo, suspensão do exercício de funções; proibição da condução de veículos
motorizados.
Contudo, deixa de fora as medidas de segurança, que são aplicadas a factos humanos
voluntários típicos ilícitos, mas que não são culposos, sendo a pena apenas uma das consequências
possíveis do fenómeno criminal.
Assim, deveria ser o direito das penas e das medidas de segurança para abarcar todas as
consequências possíveis do fenómeno criminal em sentido amplo; o crime e ainda o estado de
perigosidade, mas este nome e extenso e pouco prático. Portanto, a vulgarização da expressão
“direito penal”.

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Já em sentido formal, o direito penal, por Figueiredo Dias, é o conjunto de normas jurídicas
que ligam a certos comportamentos humanos, os crimes, determinadas consequências privativas
deste ramo do direito”, coloca em evidencia os crimes, mas deixa de fora o estado de perigosidade
ligados a conduta dos inimputáveis.
Por outro lado, Eduardo Correia é o “conjunto de normas jurídicas que fixam os pressupostos
de aplicação de determinadas reações legais e criminais, que englobam as penas e ainda medidas
de outro tipo, entre as quais avultam hoje as chamadas medidas de segurança”.

É necessário considerar que o direito penal em sentido amplo engloba o direito penal
substantivo e o direito penal adjetivo.
O direito substantivo tem que ver com a dogmática penal, com a teoria geral do crime; tem
que ver com toda a conceptualização dogmática do fenómeno criminal; visa responder à pergunta
“o que é o crime”; ainda e aqui se encontra o estudo de cada um dos crimes.
O direito adjetivo e direito processual penal é um ramo do direito onde são estabelecidas as
regras do processo instaurado para averiguar se existe crime e se e possível a sua punição.

Assim, o direito penas em sentido estrito é apenas o direito penal substantiva.

Caso Prático 2
“Desde Aristóteles a Del Vecchio e John Rawls, a ideia de justica, tomada na sua pureza, não
vai mais alem do suum cuique tribuere (atribuir a cada um o seu direito), mesmo que não use essa
expressão” – António José de Brito.
Considera que o excerto transcrito possui ressonância no direito penal?

Esta expressão é de Ulpianus ("vontade constante e perpétua de atribuir a cada um o seu


direito”, isto é, atribuir é estabelecer/determinar o direito nas trocas intersubjetivas.
Esta expressão toma por referência uma justiça horizontal, entre os cidadãos que ocorre ao
nível das trocas e negócios entre os particulares (comutativa). Esta atribuição é uma justiça
associada ao direito privado.

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Contudo, como é o Estado que determina a pena/ sanção, e havendo esta intervenção, não
há horizontalidade, mas antes uma verticalidade de relações. Através do direito de punir (ius
poenna), já não nos encontramos numa esfera meramente comutativa, como acontece no direito
civil.
Ao contrário da justiça comutativa, na justiça que caracteriza o direito penal “a sociedade
emerge como sujeito das relações que estabelecemos com ela” - Pinto Bronze. Nestas relações, não
somos apenas indivíduos, somos pessoas que vivem em comunidade. É um conjunto de pessoas
organizadas politicamente que partilha conjunto de valores/ideias comuns. É esta a comunidade:
que suplanta o indivíduo, acrescenta a característica de “socci”; com obrigações, “Cum munnus”
(Comunidade) e ausência de obrigações, “Immunitas” (Imunidade)
Ostracismo era a pior consequência na antiguidade clássica.
Nas relações que estabelecemos com a sociedade estamos, portanto, todos diante dela e
não uns perante os outros. A justiça penal tem que ver com esta regulação da relação das partes
com o todo, dos indivíduos com a sociedade, e também do todo com as partes, da sociedade com
os indivíduos.
No direito penal estamos perante uma justiça geral ou legal (S. Tomás de Aquino)
caracteriza-se como “aquilo que em nome de todos se pode exigir a cada um, ou como aquilo que
cada um pode exigir ao todo”.
Também é uma justiça protetiva “pois o direito é aqui chamado a institucionalizar
formalmente, a limitar e controlar o poder e consequentemente a garantir a situação dos
particulares que com ele (Estado) se confrontam”
Há um elemento central na justiça criminal que é a estatalidade. A justiça penal, o direito de
punir (ius puniendi) só pode ser utilizado pelo Estado, ainda que o Estado permita meios de
autotutela que, ainda assim, têm a tónica estatal. Assim sendo, o Direito Penal é monopólio do
Estado.
A estatalidade tem sido repensada através do DUE. Hoje os ordenamentos jurídicos não
podem permanecer alheios a este direito através das diretivas, dos regulamentos.
O direito de punir não é irrestrito, não é ilimitado. De outra forma, com facilidade, cairíamos
num estado de autoridade ou até totalitário. O legislador não pode incriminar, há limites
constitucionais e materiais.

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Welzel diz-nos que temos normas de valoração, que repõem a justiça (…) que reparam o
interesse individual lesado. O Direito Civil possui uma função de ordenação ou de conformação.
No direito penal temos normas de determinação, ou seja, mais do que reparar o concreto
bem ou interesse maculado, visam restabelecer a confiança comunitária na norma violada. Assim
sendo, o DP tem uma função de proteção/garantia.

Caso Prático 3
Aprecie criticamente os seguintes excertos normativos a luz do conceito de crime em sentido
material estudado:
A) (Dos crimes cometidos por abuso de função religiosa)
“A pena de prisão de três meses a dois anos será imposta a qualquer ministro da religião do
reino que cometer algum dos seguintes crimes:
1º - Se estando legalmente suspenso do exercício de suas funções o de algumas delas, exercer
aquelas de que estiver suspenso;
2º - Se recusar, sem motivo legitimo, a administração dos Sacramentos, ou a prestação devida
de qualquer ato do seu ministério.
(art. 139.ºCP de 1886)
Esta incriminação não podia existir nos dias de hoje, pois o Estado de Direito Português é um
estado laico, ou seja, não há uma religião de estado e há uma separação entre o universo do Estado
e o da religião. Neste artigo evidencia-se um estado confessional, pois recorre-se à expressão
“religião do reino”.
Além disso hoje tal situação nunca seria possível, dado que o que é incriminado dão factos
religiosos. Portanto, é uma questão que pertence à axiologia da religião e não à axiologia penal
porque houve um corte epistemológico entre a religião e o direito penal.
Agora para incriminar algo é necessário que o objeto do crime tenha dignidade penal, ou
seja, ser digno e carecer de tutela penal, aqui não há dignidade penal – até poderá haver valores
tutelados, mas não são carentes e muito menos dignos de tutela penal.
Esta questão seria normativisada no mundo religioso – nesse universo, há normas que
regulem tais situações, mas isso não é matéria de direito penal.
Estes crimes refletiam certamente a consciência axiológica de uma sociedade – e é por isso
que os bens jurídicos são historicamente situados.

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B) (Adultério)
“O adultério da mulher será punido com prisão maior celular de dois a oito anos, ou,
em alternativa, com degredo temporário.
§ 1o - O co-réu adultero, sabedor de que a mulher e casada, será punido com a
mesma pena, ficando obrigado as perdas e danos que devidamente se julgarem.
(art. 401.º CP de 1886)
Esta incriminação não podia existir nos dias de hoje, pois somente é punido o adultério da
mulher; o homem só será punido se soubesse que a mulher estava a cometer adultério, ou seja, é
uma norma direcionada só para o adultério da mulher, o que choca com o princípio da igualdade,
art. 13.º CRP. Havia aqui um tratamento diferencial dos agentes que cometem um crime de acordo
com o seu sexo, e isso não pode ser admitido.
Mesmo que a norma se referisse a ambos, e o crime de adultério fosse uma realidade, tal
não poderia acontecer, pois tal como no exemplo anterior haveria contaminação do direito por
parte da moral.
O adultério não será propriamente uma questão com dignidade penal; será questão moral,
e não jurídico-penal, assim, pertencendo à esfera moral, dirá apenas respeito à tábua valorativa de
cada pessoa.
Caso existisse crime de adultério hoje, e mesmo sem discriminação, seria sempre um
problema pertencente à axiologia moral, nunca ao direito penal
Nota: o crime de adultério não existe, mas incrimina-se a bigamia (protege-se as relações
familiares e a sua estabilidade).

C) (Prohibited Sexual Conduct)


(a) A person commits and offense if the person engages in sexual intercourse or
deviate sexual intercourse with another person the actor knows to be, without regard to
legitimacy:
(1) the actor's ancestor or descendant by blood or adoption;
(2) the actor's current or former stepchild or stepparent;
(3) the actor's parent's brother or sister of the whole or half blood;
(4) the actor's brother or sister of the whole or half blood or by adoption;
(5) the children of the actor's brother or sister of the whole or half blood or by adoption; or
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(6) the son or daughter of the actor's aunt or uncle of the whole or half blood or byadoption.
(b) For purposes of this section:
(1) "Deviate sexual intercourse" means any contact between the genitals of one person and
the mouth or anus of another person with intent to arouse or gratify the sexual desire of any
person.
(2) "Sexual intercourse" means any penetration of the female sex organ by the male sex
organ.
(§25.02 do Código Penal do Texas)
Este caso trata da criminalização do incesto, atos sexuais consanguíneos e de afinidade
consentidas entre pessoas com idade para consentir. Em Portugal, tal não é punido a não ser que
haja coação, e nesse caso, será punido enquanto coação sexual e não enquanto incesto.
Ainda que o incesto constitua um grande tabu, a essência dos tabus é a moral. Portanto, a
questão, por muito chocante que seja moralmente, é exatamente isso: questão moral e, enquanto
tal, sendo praticada por pessoas com capacidade para consentir e esse consentimento seja válido,
não pode ser alvo de tutela jurídico-penal.
O direito penal só protege bens jurídicos essenciais quando estes se encontrem carecidos
dessa proteção e tem de se verificar se tal proteção é possível noutro ramo do direito (porque
direito penal é subsidiário, atua em ultima ratio).
A consanguinidade está associada a malformações, mas a utilização do direito penal para
controlo eugénico é altamente resistida e punir tal situação restringira a liberdade sexual e a
liberdade de escolha individual. Neste sentido não há bem jurídico digno e a carecer de tutela
jurídica.
As conceções sociais sobre o incesto são conceções morais – mas tem de haver um corte
epistemológico entre a moral e o direito.

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FICHA 2
Caso Prático 1
Artigo 175.º (Atos homossexuais com adolescentes)
Quem, sendo maior, praticar atos homossexuais de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou
levar a que eles sejam por este praticados com outrem, é punido com pena de prisão até 2 anos ou
com pena de multa até 240 dias.
(Redacção dada pelo seguinte diploma: Lei n.º 65/98, de 02 de Setembro)

Artigo 174.º (Actos sexuais com adolescentes)


Quem, sendo maior, tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor entre 14 e 16 anos,
abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240
dias.
(Redacção dada pelo seguinte diploma: Lei n.º 65/98, de 02 de Setembro)
Compare as normas transcritas, apreciando-as criticamente e explicitando em que
medida o direito penal se relaciona com o direito constitucional.
Estas normas foram muito discutidas na doutrina, nas comissões legislativas e na
jurisprudência. É de notar que estes dois tipos legais existiram simultaneamente no ordenamento
jurídico português até 2007.
Atualmente, o art. 173.º CP é o crime de atos sexuais com adolescentes – só praticado por
maior de 18 anos (é crime específico próprio); somente para com pessoas entre 14 e 16 anos; só há
punição do agente se houver abuso da inexperiência (imaturidade) do menor (o legislador exige este
requisito porque o menor não está em condições de consentir, violando bem jurídico de
autodeterminação sexual do menor).
A sanção era exatamente igual, mas o facto não era igual.
O crime de atos homossexuais do art. 175.º era mais amplo, pois teria espetro de aplicação
mais extenso, as pessoas potencialmente punidas por essa norma seriam muito superiores às
abrangidas pelo art. 174.º.
Era mais amplo pelos “atos sexuais de relevo” onde incluem muitos mais atos que os
tipificados no art. 174.º. À partida se o conceito é mais amplo, a punição ficaria facilitada; a prova

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da mesma e o conjunto de factos que permitia aplicação deste preceito legal seria muito maior, o
que levava a que o espetro punitivo desta norma era muito maior.
O art. 175.º não exigia o abuso da inexperiência de menor o que significa que qualquer
maior de 18 anos que praticasse atos homossexuais com adolescentes seria punido,
independentemente da existência ou não de consentimento do menor. Podiam ser punidos casos
em que não havia afetação de bem jurídico (no caso de ter praticado tais atos mesmo com
consentimento).
Existir punição sem afetação de bem jurídico não é possível, pois esta incriminação não se
fundava em dignidade penal nem na necessidade de tutela punitiva. Havia uma tutela
discriminatória fundada em razões morais, ou seja, neste antigo crime, nem sempre se estava a
proteger bens jurídicos.
Hoje, o art. 173.º CP vem uniformizar a realidade jurídica – não se faz aceção de pessoas nem
da orientação sexual – faz-se punição do facto em si, resultado também da inconstitucionalidade
julgada do art. 175.º.

Caso Prático 2
Comente o seguinte excerto à luz da teoria do bem jurídico:
“El que por cualquier medio o procedimiento causare a otro menoscabo psíquico o una lesión
de menor gravedad de las previstas en el apartado 2 del artículo 147, o golpeare o maltratare de
obra a otro sin causarle lesión, cuando la ofendida sea o haya sido esposa, o mujer que esté o haya
estado ligada a él por una análoga relación de afectividad aun sin convivencia, o persona
especialmente vulnerable que conviva con el autor, será castigado con la pena de prisión de seis
meses a un año o de trabajos en beneficios de la comunidad de treinta y uno a ochenta días y, en
todo caso, privación del derecho a la tenencia y porte de armas de un año y un día a tres años, así
como, cuando el juez o tribunal lo estime adecuado al interés del menor o persona con discapacidad
necesitada de especial protección, inhabilitación para el ejercicio de la patria potestad, tutela,
curatela, guarda o acogimiento hasta cinco años”.
(art. 153º do Código Penal Espanhol)

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Este excerto insere-se no âmbito da violência doméstica, mas é conhecido como crime de
violência de género. Este artigo diz respeito a factos menos graves que aqueles que cabem no tipo
legal de violência doméstica.
Em causa estão atos de violência de intensidade não tão grave daqueles atos inseridos no
crime de violência doméstica, conduzindo a figura da vítima, sobretudo, à mulher. A grande questão
é que, neste tipo legal, à partida a vítima será sempre mulher (a vítima está autonomizada em
relação ao sexo/género).
Esta norma pode levantar muitos efeitos. Primeiramente, o efeito estigmatizante de que o
homem é sempre perpetuador de violência. Contudo, deixa de fora relações homossexuais e casos
em que o agente for uma mulher e a vítima for um homem. Além disso, autonomiza-se o bem
jurídico em relação às características do agente, o que pode ferir o princípio da igualdade.
Surgem, muitas críticas na doutrina espanhola (posição significativa) de que esta norma, não
protegendo outros casos que não o tipificado, viola a igualdade, sendo inconstitucional.
Esta norma foi implementada para tentar colmatar uma lacuna histórica que se verifica entre
homens e mulheres, no sentido de violência alargada e historicamente verificada dos homens
contra mulheres (visa colmatar esta desigualdade pretérita). No entanto, esta posição levanta
problemas, porque enquadra-se numa perspetiva de direito penal simbólico, ou seja, usa-se direito
penal para algo que não foi criado, por outras palavras, instrumentaliza-se o direito penal para
funções simbólicas que se sobrepõem à proteção subsidiária do bem jurídico e à função jurídico
penal das penas.
Em Portugal, o art. 152.º CP trata da violência doméstica, norma que não autonomiza nem
o agente nem a vítima, equipara situações em que violência ocorre de forma reiterada ou não – o
que é criticado por serem situações incomparáveis.
Este crime complexo porque protege multiplicidade de bens jurídicos (ex. honra, integridade
física e psíquica, vida, liberdade sexual, ...), sendo um tipo legal especialmente grave/sensível
porque esta violência quebra o laço especial de proximidade existencial (particular afeto/confiança)
entre agressor/vítima.
O legislador não restringe este crime à proteção de nenhum sexo/género, abrangendo todas
as pessoas – protege-se de modo mais perfeito e completo todas as ofensas que possam ocorrer ao
bem jurídicos em questão.

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É claro que não é ignorado que a maioria das vítimas são mulheres e os agressores são
homens – mas o legislador não restringe a proteção a nenhum deles, conseguindo uma proteção
mais completa dos bens jurídicos tutelados

Caso Prático 3
A propósito do crime p. e p. no art. 169º, n.º1 do CP (Lenocínio), o Tribunal Constitucional
entendeu o seguinte:
“Não se concebe, assim, uma mera proteção de sentimentalismos ou de uma ordem moral
convencional particular ou mesmo dominante, que não esteja relacionada, intrinsecamente, com os
valores da liberdade e da integridade moral das pessoas que se prostituem, valores esses protegidos
pelo Direito enquanto aspetos de uma convivência social orientada por deveres de proteção para
com pessoas em estado de carência social. A intervenção do Direito Penal neste domínio tem,
portanto, um significado diferente de uma mera tutela jurídica de uma perspectiva moral, sem
correspondência necessária com valores essenciais do Direito e com as suas finalidades específicas
num Estado de Direito”.
(Ac. TC 144/2004)
Atendendo às características do direito penal, mais especificamente ao conceito material
de crime, comente o trecho citado.
Este acórdão é extremamente importante no domínio do direito penal, este é relativo ao
lenocínio.
O crime de lenocínio tem que ver com a atividade do proxeneta (aquele que se aproveita da
atividade de um prostituto). A prostituição não é criminalizada, pois não há nenhum bem jurídico a
ser tutelado (isso seria chamar o direito penal a tutelar a moral), mas criminaliza-se aquele que se
aproveita dessa atividade. Na mesma lógica funciona a criminalização daquele que auxilia o suicídio,
mas não do suicídio em si.
No art. 169.º/2 CP, ninguém tem dúvidas que o previsto aqui é crime – nesta forma agravada,
há o exercício de violência e coação sobre a prostituta, não há dúvida que há bens jurídicos a ser
protegidos, desde a integridade física até à liberdade sexual.
A história da criminalização do lenocínio.

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Em 1982 houve um debate, na comissão de redação do CP, que tinha que ver com a punição
do lenocínio e a punição de rufianismo (o rufia não era propriamente um proxeneta, não fomenta a
prostituição – este era o companheiro da prostituta que vivia às expensas desta). No CP o rufianismo
era crime e estava previsto no art. 215.º/2 CP82, que era onde estava plasmado o crime de lenocínio.
Aqui, há uma valoração do legislador sobre a atividade de prostituição, dizendo “ganho imoral”,
além de existir uma aceção de pessoa (falando-se só em prostitutas).
O direito penal não devia ser chamado a regular estas matérias, pois pertencem à ordem
axiológica da moral – havia uma clara tutela da moralidade
Por outro lado, punia-se também o crime de lenocínio – mas este só era punido se houvesse
aproveitamento, por parte do proxeneta, da situação de abandono ou de necessidade económica
da vítima, ou seja, um aproveitamento humano.
Em 1998, houve uma alteração muito importante à norma do lenocínio que veio dar origem
à norma de hoje, art. 169.º/1 CP, o tipo legal deixou de exigir o aproveitamento do abandono ou da
situação de extrema necessidade económica da vítima pelo que a doutrina começa a divergir.
O art. 169.º/1, apesar não ter a exigência de violência, a intervenção de um terceiro sobre a
atividade de prostituição, que pode macular a autodeterminação e liberdade de quem exerce essa
profissão, o nº2 refere sempre uma instrumentalização da pessoa que se prostitui; se há violação
ou coação há sempre a liberdade sexual que é colocada em causa.
A questão prende-se com o nº1 onde a violência não existe, será que existe um bem jurídico?
Se concluirmos que não há afetação da liberdade sexual no art. 169.º/1, não há lesão de um bem
jurídico, ou seja, de acordo com função critica de bem jurídico, essa conduta tem de ser
descriminalização – conceção teleológico-funcional e racional de bem jurídico.
Nem todas as formas de restrição da liberdade implicam a violência ou a coação, mas há
sempre aproveitamento da situação da vítima.
Há uma parte da doutrina que não considera que exista crime nesta conduta – não há
qualquer tipo de condicionamento subliminar; na relação proxeneta/pessoa que se prostitui, esta
constitui-se em condições de liberdade, na qual ambos atuam na sua esfera de liberdade. Se assim
for, não há limitação, ainda que subliminar, da liberdade sexual, a consequência lógica é a ausência
de dignidade penal do facto tutelado – quando muito, caberia ao domínio da moral. Portanto, o
resultado seria a descriminalização do facto.

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POSIÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Uma proxeneta da viana do castelo que tinha uma casa de prostituição, que foi descoberta
pelas autoridades foi constituída arguida pelo crime de lenocínio e foi condenada, com pena de
“multa”.
A senhora não se conformou com a decisão e alega a inconstitucionalidade do art. 169.º/1,
invocando vários motivos:
§ O crime atentava contra a sua liberdade de consciência
§ O crime atentava contra a sua livre escolha de profissão,
§ Estamos na presença de um crime que apenas tutela valores morais e, portanto, não se
vislumbra bem jurídico e por isso esta conduta devia ser descriminalizada
A solução do TC ainda continua a ser questionada – Coimbra opôs-se fortemente a esta
decisão.
O TC entendeu que a relação proxeneta/pessoa que se prostitui fere a dignidade humana.
Normalmente, ainda nesta forma de lenocínio sem violação e coação, há uma ligação entre a
conduta do proxeneta e a exploração da pessoa que se prostitui, havendo sempre a diminuição do
sujeito à condição de “objeto”. Esta norma tem uma função muito específica, pois visa prevenir a
instrumentalização do outro.
Assim sendo, concluiu o TC que há proteção do bem jurídico “liberdade sexual” e que, por
isso, a conduta não deve ser descriminalizada.

POSIÇÃO DE COIMBRA - Figueiredo Dias e outros autores


Desde a reforma de 1998 que o tipo legal deixou de exigir a exploração da situação de
abandono ou de extrema necessidade económica da pessoa que se prostitui. Então, desde então
que é crime sem vítima, à semelhança da pornografia e prostituição. Portanto, não há qualquer bem
jurídico maculado que carece de tutela penal; por essa razão, não pode haver criminalização.
Aliás, há um voto de vencido de Prof. Maria João Antunes no Ac. TC 396/07 expressa essa
ideia.

POSIÇÃO INTERMÉDIA = posição da conciliação: Paulo Pinto de Albuquerque

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“Deve proceder-se a uma interpretação constitucional restritiva do tipo penal, no sentido de
exigir a prova adicional do elemento típico implícito da exploração da necessidade económica e
social da vítima da pessoa que prostitui”.
Esta norma tem um requisito implícito, que é a exploração empírica da pessoa que se
prostitui. Portanto, há que se provar essa exploração para que essa conduta seja criminalizada, que
é o que fundamenta a lesão do bem jurídico

Figueiredo dias: “há que criticar por exemplo a nova formulação dada ao crime de lenocínio
artigo 170.º, dando a exigência de que o favorecimento a prostituição se ligasse necessariamente a
“e exploração de situações de abandono ou de necessidade económica”. Só por aqui, com efeito, o
facto que pode referir-se ao bem jurídico da liberdade ou autodeterminação sexual da prostituta.
agora uma tal ligação perdeu-se, surgindo em que iluminação referida a tutela de pôr as situações
tidas pelo legislador como imorais. Deste modo a incriminação tornou-se na nossa opinião
materialmente inconstitucional”.
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Caso Prático Ad Hoc
Em 2011, foi exibido um filme cuja exibição constitui crime. O filme em causa mostrava uma
cena realista, gráfica e longa, em que um adulto viola um recém-nascido. Em alguns países, essa cena
foi alvo de investigação a fim de averiguar se tal comportamento era real ou não (veio a concluir-se
que era uma mera encenação).
Quid iuris?
Trata-se no crime de pornografia de menores, previsto no art. 176.º CP, este contém várias
declinações da pornografia de menores – uma delas foi adicionada relativamente recentemente,
plasmado no nº4 – “representação realista de menores” através de fotografia, desenhos hiper-
realistas; cinema; etc.
Nesta representação realista não há um menor envolvido, assim, levanta-se a polémica, pois
implica a existência ou não de um bem jurídico a ser afetado.
No art. 176.º/4 o bem jurídico afetado quando há um crime sexual em relação
acrianças/menores, é a liberdade e autonomia sexual.

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Contudo, a questão aqui é que não existe nenhum menor para tutelar – estes bens jurídicos
individuais têm de ter um titular individualizado a proteger.
RATIO DA NORMA: o que se tem defendido é que esta norma serve para prevenir casos reais
de pornografia de menores – pretende-se prevenir a prática de crimes sexuais contra crianças.
Contudo, há quem diga que esta fundamentação não colhe à é sempre muito difícil provar (é quase
prova diabólica) um nexo de causalidade entre o ato de visualizar este tipo de factos com a prática
empírica de pornografia de menores.
Maria João Antunes manifesta-se desfavorável à criminalização, estando perante censura
moral. Em primeiro lugar, não há bem jurídico atingido (porque não há um menor). Esta
incriminação não contribuiu para a tutela da liberdade e autodeterminação sexual de menores,
ainda que de forma preventiva. Por último, limita a liberdade de expressão e de criação artística.
Esta admite apenas a punição de “pornografia virtual parcial” – caso essa representação seja
constituída por imagens reais de menores.
Mouraz Lopes afirma que este comportamento não afeta diretamente quaisquer criança, já
Ana Rita Alfaiate diz que quanto a esta factualidade, estamos perante uma norma que tutela a moral
e que, por isso, deve ser descriminalizada.
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Caso Prático 4
A Lei n.º 69/2014, de 29 de Agosto aditou ao CP o crime previsto e punido (p. e p.) no art.
387º (Maus tratos a animais de companhia). A incriminação tem gerado intenso debate doutrinal,
inexistindo consenso no que respeita ao bem jurídico protegido.
Atendendo ao conceito de bem jurídico estudado, indique o valor ou valores protegidos
pelo tipo-legal, fundamentando devidamente a sua posição.
Ac. TC 867/2021 (resumo da matéria)

O tratamento que é conferido aos animais tem sofrido alterações, de forma a protegerem
mais o animal.
A lei prevista no exercício vem introduzir um tipo legal de crime a maus-tratos a animais.
Inicialmente, o crime dos maus-tratos dos animais não era desenvolvido, mas atualmente, desde
2017, já se encontra mais desenvolvido (agora “morte e maus-tratos” e não só “maus-tratos”).

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Ana Paula Pinto
A noção de animal de companhia está presente no art. 389.º/1 e estabelece que é qualquer
animal detido ou destinado a ser detido pelos seres humanos no seu lar para companhia e no nº2
determina que não se englobam os animais para exploração. Assim, é reconhecida dignidade
equiparada à do ser humano à Resumindo, são mais do que coisas, mas menos que seres humanos.
Esta definição suscita muitas críticas, debate doutrinal, o grande debate surge em relação
em saber quais os bens jurídicos que estão a ser tutelados pela morte e maus-tratos de animais de
companhia.
Se existe o art. 387.º, significa que existe um bem jurídico procedente. É a determinação
deste bem jurídico, mais especificamente na pluralidade de bens jurídicos protegidos que há
diversas posições. O bem jurídico é um prius em relação à incriminação – se não há bem jurídico
identificável, então não pode haver incriminação de determinado facto.
→ Uma primeira visão determina que o bem jurídico tutelado é o ambiente, portanto a
tutela deste animal está inserida numa tutela mais alargada (o ambiente) cuja tutela está prevista
no art. 66.º CRP. A questão de o ambiente ser tutela de proteção constitucional é relevante, pois
existe correspondência entre a ordem legal dos bens jurídicos tutelados pelo CP estão consagrados
na CRP.

→ Uma segunda visão, Paulo Pinto de Albuquerque: diz que o bem jurídico tutelado será a
vida e integridade física do animal que é protegido impendentemente da vontade do proprietário
do animal. Portanto, nesta posição já se nota um afastamento do bem jurídico tutela na esfera
pessoal do individuo humano. O animal, a sua vida e sua dignidade física são tutelados de forma
autónoma independentemente da vontade da pessoa que detém o animal, indo de encontro ao
quadro do protocolo europeu.

→ Pedro delgado Alves: é possível identificar um núcleo duro de proteção do bem-estar


animal, e por isso, o bem estar animal é protegido de forma autónoma e já não funcionalizado aos
interesses e à fruição do ser humano.

Estas três teorias acabam por ser criticadas por se afastarem da conceção tradicional do DP,
que se foca essencialmente no individuo, por isso surgem outras teorias diferentes destas:

˃ Aquilo que se pretende tutelar é a dignidade da pessoa humana, porque é uma projeção
no espetro da vida humana na vida animal, dadas as semelhanças que existem entre as duas formas
16
Ana Paula Pinto
de vida. O ser humana que maltrata o ser humano, está a ferir a sua própria dignidade, por isso o
ato seria degradante para os seres humanos.

˃ Aquilo que se pretende tutelar são só os sentimentos que o ser humano nutre no animal
(confiança, amor, compaixão), principalmente em situações de vulnerabilidade do animal. O
problema desta conceção é que falar em proteger sentimentos leva nos para um campo moral, pois
o sentimos são do for interior do ser humano. Pelo que é muito difícil materializar um sentimento e
protegê-lo no âmbito de DP, estaríamos mais num campo da moral. A tutela de sentimento não se
compagina como crime do DP que exige a existência de um facto externo, lesivo de bens jurídicos.

˃ Quando o legislador pune maus-tratos a animais o que está a fazer é proteger pessoas e
património (alheio), com base na ideia que maltrata, mata, abandona o animal também poderá
maltratar pessoas e também provocar danos nos patrimónios de outras pessoas. Também é critica,
porque consiste numa generalização de condutas, pois não é por maltratar um animal que vai
maltratar uma pessoa, dado que estamos a utilizar os DP como mecanismo preventivo. Neste tema
não é viável, pois nem todas as pessoas que ferem animais ferem pessoas, é difícil fazer prova deste
nexo.

˃ O bem jurídico que é protegido é um jurídico complexo constituído por várias dimensões,
bem jurídico de carácter coletivo que integra o interesse de todos nós enquanto cidadão na
manutenção e preservação da integridade física, da saúde, bem-estar e vida dos animais, em função
de uma relação atual ou potencial que o agente ou que todos nós podemos estabelecer com os
animais.

˃ A hipótese de maior consenso doutrinal é de ROGÉRIO OSÓRIO que diz que perante um
bem jurídico plúrimo, complexo, “assente na proteção da integridade física, saúde e vida de um
determinado animal por força de uma específica relação que o mesmo tem com o ser humano, por
razões culturais e históricas ou naturais”.

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Ana Paula Pinto
Exemplo da praxe: o DP decide criar um tipo legal de crime para a praxe, em que a agressão física dos
doutores aos caloiros fosse punida com pena de 6 meses ou multa.
Não se justifica criar um tipo legal específico, mas sim aplicar os já existentes, pis neste caso trata-se
de uma ofensa à integridade física.
O DP sendo subsidiário só irá intervir quando os outros regimes seriam insuficientes para tutelar os
bens jurídicos em causa; fragmentário o que signifique que só se vai focar em parcelas da nossa sociedade. A
proliferação de crimes (a criação de mais tipos legais de crime) não vai de encontro com estas característica do
DP atual.
Tem de existir um bem jurídico novo, se não for novo, tem de carecer de proteção que outros
ramos de direito não conseguem tutelar.

Em suma, há um dissenso quanto ao bem jurídico subjacente a esta norma; mas se este é
um prius à criminalização, isto coloca problemas – a política penal, se quer ser estável e confiável,
deve identificar corretamente o bem jurídico que serve de base à criminalização. Tanto que o ac. TC
867/21 – julgou inconstitucional o art. 387.º pela “inexistência de fundamento constitucional para
a criminalização dos maus-tratos”, ou seja, inexistência de bem jurídico discernível em termos
constitucionais. Esta questão poderá ser resolvida pelo legislador constituinte, em sede de revisão
constitucional, à semelhança da alteração no direito constitucional alemão.

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Ana Paula Pinto
FICHA 3
Caso Prático 1
(Contraordenações Graves)
1 - No exercício da condução, consideram-se graves as seguintes contraordenações: (...)
l) A condução sob influência de álcool, quando a taxa de álcool no sangue for igual ou superior
a 0,5 g/l e inferior a 0,8 g/l ou igual ou superior a 0,2 g/l e inferior a 0,5 g/l quando respeite a condutor
em regime probatório, condutor de veículo de socorro ou de serviço urgente, de transporte coletivo
de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxi, de TVDE, de automóvel pesado de passageiros ou de
mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas;
(artigo 145o do Código da Estrada)

(Contraordenações muito graves)


No exercício da condução, consideram-se muito graves as seguintes contraordenações: (...)
j) A infração prevista na alínea l) do n.º 1 do artigo anterior, quando a taxa de álcool no sangue
for igual ou superior a 0,8 g/l e inferior a 1,2 g/l ou igual ou superior a 0,5 g/l e inferior a 1,2 g/l
quando respeite a condutor em regime probatório, condutor de veículo de socorro ou de serviço
urgente, de transporte coletivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxi, de TVDE, de automóvel
pesado de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas, bem como
quando o condutor for considerado influenciado pelo álcool em relatório médico;
(artigo 146o do código da Estrada)
(Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes
ou substâncias psicotrópicas)
1 - Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou
equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de
prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de
outra disposição legal.
(artigo 292o do Código Penal)
Debruce-se sobre os limites do direito penal, indicando e distinguindo os âmbitos de
responsabilidade envolvidos no presente caso.
A grande diferença entre as normas é o valor da taxa alcoolémia – nas normas
contraordenacionais o valor nunca ultrapassa 1,2 g/l, mas na norma penal o valor tem de ser igual ou
superior a 1,2 g/l.

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Ana Paula Pinto
Existem dois domínios: crime e contraordenação grave e muito grave – ambas referentes à
condução sob o efeito de álcool, mas distinguem-se consoante a quantidade de álcool no sangue.
O DP não está sozinho quanto às infrações de relevância pública, porque o DP está
submetido ao princípio da subsidiariedade que significa que só pode atuar quando os outros
regimes forem insuficientes para tutelar os bens jurídicos.
A valoração axiológica da conduta não pode assentar numa taxa de alcoolémia – a conduta
é a mesma, que é conduzir com o excesso de álcool. Para ter consagração penal, esta conduta é
sempre axiologicamente reprovável – os efeitos do álcool na condução é sempre axiologicamente e
socialmente vinculado.
Assim, para além do DP existem outros regimes jurídicos de natureza sancionatória que se
ocupem de outras infrações diferentes das penais, portanto com diferentes reações.
Estes regimes e o DP integram o direito público sancionatório. O direito das
contraordenações é mais subjacente que o DP, pois surgiu no âmbito de uma serie de mudanças
político consensuais que ocorreram na Europa, no século XIIX.
Estávamos no regime do estado de política e polícia iluminista, e, portanto, tinha um forte
aparelho administrativo e ordenamento policial, que não respeitava princípios da legalidade. Nesta
época surge a necessidade de se dar um enquadramento jurídico aos interesses da AP e isto passou
essencialmente pela determinação de infrações contra a ordem administrativa, que foram previstas
na lei, e que forma associadas determinadas sanções.
Esse enquadramento foi feito através da figura contravenções, que era infrações que
estavam situadas dentro do DP. As contraordenações são cada vez mais relevantes porque cada vez
mais a AP atua num estado de direito. O legislador sanciona aqueles que as praticam com penas,
que eram previstas para os crimes. Isto trouxe um problema, hiper criminalização, que trouxe a
hipertrofia do DP, que trouxe a necessidade de se distinguir crimes e contravenções, ou seja,
perceber se as contravenções deveriam e manter ou ser retiradas do DP.
Assim surge o Direito das contraordenações, subjacente ao DP.
Schmidt dizia que a criação das contraordenações tinha três objetivos ou permitia obter:
purificar o DP (retirava do DP tudo aquilo que fossem infrações de nula ou duvidosa relevância
axiológica social); aplicava-se sanções diferentes, que deveriam ser de natureza pecuniária e de
forte efeito dissuasor; e conseguia que estas novas infrações fossem processadas de maneira

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Ana Paula Pinto
diferente dos crimes, através do estabelecimento de entidades e agentes administrativos a quem
caberia controlar e fiscalizar determinadas áreas de atividade.
Este direito surgiu no final da década de 70 do século 20 – baseado no decreto de lei /79 de
14 de julho que aprovou o nosso regime geram de contraordenações, fortemente inspirado no
regime contraordenacional alemão. Criado este primeiro regime, ainda existiam a contravenções,
por isso este DL transforma as contravenções em contraordenações (art. 1.º do DL). Isto trouxe
muitos problemas por isso essa norma foi revogada.

Atualmente é a lei 25/2006 de 30 de junho; lei 30/2006 de 11 de julho que elemina as


contravenções. Contudo, o direito das contraordenações sofreu um enorme desenvolvimento, que
está presente em diversas dimensões da sociedade.
Existem diferenças entre os crimes e as contraordenações.
O critério formal é o indicie conceptual formal, este está previsto no art. 1.º RGCO e
estabelece que se aplica uma contraordenação e não uma pena, apelando à sanção correspondente.
Ao nível das sanções aos crimes aplicam-se penas de prisão ou pecuniárias (em geral); às
contraordenações aplicam-se coimas.
O critério das finalidades afirma que existem penas de prevenção geral e especial positiva;
as coimas ou multas são na maioria das vezes uma reprimenda dirigida ao agente e pretende-se que
tenham um efeito dissuasor.
Quer as coimas ou as penas de multa são da competência da AR (competência relativa), mas
mediante lei de autorização o governo também tem competência.
As entidades competentes para aplicar as coimas são entidades administrativas pública; as
penas de multa são sempre aplicadas pelo juiz, ou seja, os tribunais.

Em relação aos critérios materiais, em primeiro o critério material quantitativo que atende
ao quanto ou grau de gravidade do ilícito pelo que o crime será um ilícito mais grave corresponde à
infração, e a contraordenação menos grave.
O critério material qualitativo: mais seguido, mais utilizado na doutrina que nos diz que a
diferenciação entre crime e contraordenação reside no facto de nas contraordenações o ilícito ser
ético socialmente neutro/indiferente; enquanto o crime corresponde a um ilícito ético socialmente
relevante quer se siga uma via de argumentação baseado no bem jurídico quer se siga uma via de
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Ana Paula Pinto
argumentação baseada na ressonância ético social do ilícito. A propósito desde critérios surgem 3
opiniões:

Eduardo Correia: o crime tem ressonância ética, enquanto a contraordenação é eticamente


neutra ou indiferente. Também nos diz que o direito das contraordenações é um aliud (é algo de
diferente) em relação ao DP e não um minus (algo de menor em relação ao DP).

Figueiredo Dias: diz nos que a diferença entre os dois deve ser estabelecida tendo em conta
a relevância axiológica social das condutas em causa. As condutas que por si só são social
eticamente relevante porque são condutas que os elementos constitutivos suportam uma valoração
prévia na qual e contém a valoração jurídica da ilicitude – não é preciso que venha uma lei dizer que
a conduta é relevante, pois contem em si mesmas uma valoração mais ampla, prévia na qual vai se
conter a própria valoração da ilicitude.
Relativamente aos crimes o bem jurídico é sempre um prius, ou seja, é algo que pré-existente
ao próprio tipo legal de crime, aprioristicamente apreensível. Já no caso das contraordenações as
condutas são axiológicas socialmente neutras, e, portanto, na contraordenação a conduta não está
associada a uma valoração prévia e é a proibição legal que transforma aquela conduta em algo ético
socialmente relevante – ope legis (é através da lei que a conduta que fundamenta o ilícito
contraordenacional ganha relevância).
Através de um critério interpretativo é que vai conseguir determinar qual o bem jurídico
tutelado – ao passo que nos crimes o bem jurídico integra o conteúdo do tipo legal, nas
contraordenações o bem jurídico é um posterior, é um motivo do tipo – é um critério interpretativo
e classificatório do tipo contraordenacional.
Neste caso, a conduta é sempre a mesma, então não pode ser simultaneamente
axiologicamente neutra e não neutra; assim, o bem jurídico protegido é digno de tutela, mas em
alguns casos não se recorre à tutela penal por não ser necessário. Apesar de digno de tutela penal,
o direito contraordenacional basta para resolver tal situação.
O legislador entendeu que até 1,2 resolve o direito contraordenacional; acima desse valor,
o bem jurídico é digno de tutela penal e já há a necessidade de recorrer a ela – mas isso tem somente
que ver com opções de política criminal. Neste caso, a contraordenação e o crime possuem o
mesmo conteúdo material e a mesma natureza (portanto, têm idêntica dignidade penal),

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Ana Paula Pinto
distinguindo-se quantitativamente apenas por razões pragmáticas (necessidade penal): acima
daquele valor, o ilícito será penal; abaixo, será contraordenacional.

Caso Prático 2
Uma equipa clínica do Centro Hospitalar de São João deixou, durante uma intervenção
cirúrgica, um instrumento metálico no interior do abdómen de Rui. No recobro, o paciente viria a
sofrer dores agudas na região abdominal, acompanhadas de edema, falta de ar e sangramento. O
objeto esquecido apenas foi detetado duas semanas depois da intervenção. Rui sofreu mazelas
severas, tendo gastado avultadas quantias em tratamentos em unidades de saúde privadas e perdido
vários negócios devido ao prolongamento do tempo de convalescença. Apesar da remoção do
instrumento metálico e de todos os tratamentos, ainda possui dores e desloca-se com dificuldade.
Debruce-se sobre os limites do direito penal, indicando e distinguindo os âmbitos de
responsabilidade envolvidos no presente caso.
Em causa, está um caso de negligência da equipa clínica, portanto é um caso de
responsabilidade penal, art. 150.º/2 CP com a epigrafe “Violação da leges artis (leis da arte médica)”,
por ofensas à integridade física por neglicência, art. 148.º CP.
Porém, estamos também perante responsabilidade disciplinar, ou seja, responsabilização
dos funcionários perante a entidade empregadora de tutela.
O direito disciplinar é, em certa medida, um ramo de direito sancionatório público – é o
conjunto de normas jurídicas que se destina a estabelecer os comportamentos juridicamente
censuráveis no âmbito de uma relação laboral ou de serviço público, ligando-lhes sanções
disciplinares.
Este tem dupla dimensão: privada e pública; sendo mais conhecimento pela dimensão
pública, que coloquialmente se designa por funcionalismo público (é esta a dimensão presente no
caso). Para Figueiredo Dias, o ilícito disciplinar não vai ser axiológico socialmente neutro como era
o direito das contraordenações.
O fundamento desta responsabilidade disciplinar pública passa pela violação de deveres
funcionais previstos na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei 35/2014) que prevê um
conjunto preciso de deveres gerais e especiais de um trabalhador em funções públicas. Prevê

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Ana Paula Pinto
também um conjunto alargado de sanções (disciplinares) que podem ir desde a repreensão escrita
até algo mais severo como o despedimento disciplinar ou demissão do funcionário.
Aqui estão em causa deveres funcionais e reflexamente bens jurídicos não penais – bens
jurídicos que pertencem ao complexo de bens jurídicos internos. Quando um funcionário viola um
dever funcional, há uma maior gravidade por pertencer ao setor público porque coloca em causa o
próprio serviço; viola-se, ao mesmo tempo, bens jurídicos (não penais) que pertencem àquele
serviço em concreto, pelo que há uma tutela de interesses internos ao serviço público. Assim,
falamos em factos cometidos pelo funcionário pelo desempenho das suas funções.
As responsabilidades penal e disciplinar podem ser acumuladas porque no mesmo caso e
sobre o mesmo facto, pode haver violação de bem jurídico e ao mesmo tempo violação de dever
funcional relativo ao serviço em concreto, uma vez que têm função, fundamentação e âmago
diferentes – têm diferente teleologias.
Para além de ser responsabilidade disciplinar, o agente ainda pode ser responsabilizado
perante a sua ordem profissional.
Por vezes refere-se a esta responsabilização como disciplinar, mas não é responsabilidade
ético-deontológica porque as ordens profissionais servem para regular uma concreta profissão,
estabelecendo as regras deontológicas e éticas a que uma determinada profissão deve obedecer
(até porque estamos a falar de profissões de elevada responsabilidade e por isso devem-se reger
por normas éticas bem definidas). É uma responsabilização porque houve uma infração, um
desrespeito de normas éticas fundamentais ao funcionamento de concreta profissão.
Esta também se cumula com a responsabilidade penal e disciplinar porque é uma área com
fundamentação e teleologia diferente do direito penal e direito disciplinar.
Além destas, no caso também há responsabilidade civil. No caso, há referência a danos
patrimoniais – danos emergentes e lucros cessantes; além disso, também há danos não
patrimoniais. Obviamente é cumulável com a responsabilidade penal.
O que acontece normalmente é que o pedido de responsabilidade civil é enxertado no
pedido de responsabilidade penal. Todas as responsabilidades referidas em primeiro lugar são
cumuláveis, o que significa que a equipa médica poderia responder perante todas estas
responsabilidades, o que significa que é uma exceção ao princípio net bis in adem – 29.º/5 CRP.

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Ana Paula Pinto
Caso Prático 3
O crime de terrorismo foi aditado ao CP (art. 301º) pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março.
Posteriormente foi revogado pela Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (Lei de Combate ao Terrorismo)
e incluído no art. 4º desse diploma.
a) Encontra algum motivo para a alteração do locus da norma?
A alteração do locus da norma foi a técnica legislativa. O terrorismo é uma realidade
complexa que está é constante evolução, no qual a sua legislação é sensível e em inovação. Se não
evoluíssem o nosso CP estaríamos sempre a adicionar novas normas e resultaria numa instabilidade.
Assim, deturparia a organização do nosso CP, o qual para além de todas as outras partes,
tem um especial que tem um primeiro título (crime contas as pessoas); segundo (contra o
património), entre outros – organizado por secções, títulos. Estariam os sempre a surgir alterações.
Faz sentido tratar a matéria do terrorismo numa legislação focada especificamente nesta
matéria, também porque existem diversas formas de terrorismo.
Por isso é mais fácil conjugar tudo isto numa lei avulsa, distinta do CP. Em suma, o motivo é
essencialmente a organização e estabilidade do CP

b) Trata-se de uma norma de direito penal clássico ou de direito penal secundário?


Justifique.
O direito penal clássico é aquele que tendencialmente pertence ao CP enquanto o direito
penal secundário (extravagante) encontra-se em legislação avulsa tendencialmente (critério formal,
que leva a uma indicação meramente informativa).
Pelo critério material, o direito penal clássico relaciona-se direta ou indiretamente com a
ordenação jurídico-constitucional relativa a DLG’s e a sua proteção, ou seja, os bens jurídicos mais
fortemente enraizados na consciência axiológica da comunidade – bens jurídicos mais estáveis e
mais fortemente sedimentados. Já o direito penal secundário relaciona-se principalmente com
DESC, bens jurídicos menos axiologicamente enraizados na consciência comunitária e, portanto,
menos estáveis.
Pode haver normas de direito penal primário em lei avulsa e o inverso também é possível de
ocorrer. As normas de direito penal secundário no CP acontece normalmente devido a fenómenos
de neocriminalização, ou seja, uma norma que, num certo momento possui menor consciência

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Ana Paula Pinto
axiológica, mas que, depois ganha maior adesão comunitária, então adquire o estatuto de direito
penal clássico.
Quanto ao caso em apreço, o terrorismo é conjunto alargado de factos que afetam uma certa
comunidade com a intenção de provocar medo a essa comunidade; engloba muitos atos que visam
condicionar uma comunidade e provocar o terror nessa comunidade. Esta norma protege bens
jurídicos fortemente sedimentados na consciência axiológica da comunidade uma vez que
contendem com matéria de DLG’s. À partida será norma de direito penal primário, mesmo que surja
em legislação avulsa.
Direito penal clássico Direito penal secundário
Ligação com DLG: tutela de bens jurídicos Ligação com DESC: carater supra individual
pessoais
Bem jurídico surge como um dado, como Bens jurídicos que funcionam como um posterius, ou seja,
um prius esses crimes correspondem a condutas a que tem de estar
ligadas proibições legais que são necessárias para a
determinação do bem jurídico.
Localiza-se no CP Localiza-se em legislação extravagante

FICHA 4
Caso Prático 1
Em 12/5/2010 E praticou factos subsumíveis ao tipo legal p. e p. pelo art. 231.º, n.º 1, do CP
(L1). Durante o inquérito, foi publicada uma lei em Diário da República (L2) cuja vacatio legis era
de 60 dias e que previa uma moldura penal abstrata, para aquele delito, de prisão de um mês a três
anos. Antes de decorridos esses 60 dias, uma nova lei (L3) veio suspender a entrada em vigor de L2.
Julgado, a decisão condenatória de E foi proferida e notificada ao arguido em 16/9/2012.
a) No dia 30/09/2012 entrou em vigor uma nova lei – L4 – que previa, como sanção para
o delito de recetação, pena de prisão até quatro anos. Se fosse juiz(a), como procederia?
L1: 231º/1 CP prevê uma pena de prisão até 5 anos ou 600 dias de multa
12/05/2010: prática do facto
L2 (durante o inquérito): vacatio legis (60 dias) – 3 anos de pena máxima
L3 (durante a vacatio legis): suspende a entrada em vigor de L2
16/9/2012: notificação da condenação
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Ana Paula Pinto
L4 (2012): prevê uma sanção até 4 anos
Antes de determinar qual é a lei que se aplica ao facto é necessário, determinar o momento
da prática do facto – tempus delicli – para isto vamos recorrer ao art. 3.º CP, ou seja, o momento
relevante é o momento da conduta do agente, é o momento em que o agente atuou ou, tratando-
se de um crime de omissão, o momento em que o agente deveria ter atuado, independentemente
do momento onde se produz o resultado típico. Isto porque no nosso ordenamento jurídico se aplica
o critério unilateral de conduta e não do momento de produção de resultado, pois: por vezes há
uma dilação temporal entre o momento da conduta e o momento de produção do resultado, e, a
necessidade de estabelecer um critério claro para determinar do momento da prática do facto; bem
como é no momento da conduta que o agente manifesta a sua vontade de violar a lei e de atentar
contra um bem jurídico, e portanto a punição deve ser determinada tendo em conta esse momento,
em que o agente decide violar a lei e expressa essa sua vontade através da ação.
Neste caso essa conduta foi no 12/5/2010.
Assim, é preciso olhar para todas as leis e ver se alguma é posterior à prática do facto que
possa ser aplicada retroativamente e mais favorável, mesmo as leis intermédias, que se situam entre
duas leis mais relevantes e que já não vigora quando o facto é apreciado judicialmente (ex: L3; L2
se não estivesse em vacatio legis).
Pelo princípio da legalidade, princípio fundamental, a lei penal formal, em regra, vigora para
o futuro, ou seja, as sanções só serão aplicadas a factos praticados após a sua entrada em vigor (art.
1.º/1 e 2.º/1 CP + 29.º CRP, entre outros). Contudo, pelo art. 2.º/4 CP e 29.º/4 CRP, existente a
possibilidade de se aplicar retroativamente uma lei penal posterior à prática do facto, que contenha
um regime mais favorável para o agente, ou seja, é admitida a retroatividade in bonan partem,
nunca a retroatividade in malem partem. Não obstante, esta exceção está limitada pelo art. 2.º/3
CP, no que se refere às leis penais temporárias (princípio da ultra atividade da lei penal temporária).
Quando o facto foi praticado temos em vigor a L1, entretanto surge a L2 que é mais favorável
que a L1 e que todas as outras, por isso esta seria a lei mais favorável. No entanto, esta está em
vacatio legis (período entre a publicação e a sua entrada em vigor).
Assim, ainda durante a vacatio legis, surge a L3 que suspende a L2, o que significa que L2
nunca entrou em vigor. Desta forma, a L2 é irrelevante, ineficaz, não podendo ser escolhida neste
caso, ou seja, apesar de ser a mais favorável, não vai ser aplicada porque nunca entrou em vigor.

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Ana Paula Pinto
Neste sentido, a L4 é que é aplicada. Contudo, esta lei tem uma especificidade, pois entrou
em vigor após a condenação, mas de acordo com o art. 2.º/4 CP mesmo que já tenha ocorrido
condenação e mesmo que esta condenação tenha transitado em julgado, a L4 poderá ser aplicada
retroativamente. Havendo a condenação o que acontece é que a sua execução vai cessar assim
como vão cessar os seus efeitos penais, logo que a parte da pena que se apresente cumprida atinja
o limite máximo da pena prevista posterior.
Neste sentido, vem o art. 371.º-A CPP afirma que o arguido pode requerer abertura de
audiência para que haja uma reapreciação da pena ao regime da nova lei.

b) Imagine, agora, mantendo os demais dados da hipótese, que L4 entrara em vigor em


13/12/2012. A sua resposta seria diferente?
Na primeira hipótese a decisão não tinha transitado em julgado, enquanto na alínea b já
tinha transitado em julgado. Isto releva-se através do art. 411.º CPP onde o arguido tem 30 dias
para pedir recurso.
Na primeira hipótese só passou 15 dias; na segunda passaram mais de 30 dias, mas de acordo
com o art. 2.º CP, mesmo que já tenha transitado em julgado a lei pode ser aplicada
retroativamente.
Assim, a L4 vai continuar a poder ser aplicada.

c) E se L4 eliminasse o crime de recetação do catálogo de delitos, não lhe associando


qualquer punição penal ou de outro ramo de Direito?
Aqui estamos perante uma situação de descriminalização, o que significa que o facto que
antes estava previsto na lei como crime deixa de o ser. Nestas situações aplicar-se-á o art. 2.º/2 CP,
pelo que quando entra em vigor a nova que descriminaliza um determinado crime, o crime deixa de
ser crime. As entidades judiciárias têm de agir em conformidade com este artigo, o que significa que
a nova lei de descriminaliza o facto entre em vigor e ainda não houve condenação, a entidade deve
arquivar o processo ou se já estiver em fase de julgamento vai declarara a instância extinta. Se já
tiver havido condenação, acontece aquilo que está previsto no artigo 2.º/2, cessa o processo de
condenação e os seus efeitos penais.

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Ana Paula Pinto
O legislador considera que aquela conduta que outrora era crime deixa de ter dignidade
penal ou/e deixa de carecer de pena, deixando ser jurídico penalmente relevante, não sendo
protegido penalmente.
No nosso caso, a conduta deixa de ser crime, por ser irrelevante.
Contudo, há casos em que a conduta deixa de ser crime e passa a ser uma contraordenação,
ex: Lei 30/2000 de 29 de novembro – consumo de estupefacientes. Em relação a estas situações
levantam-se muitas questões, pois quando o agente atua a conduta é crime e na condenação já não
é crime, o que suscita dúvidas.
Podemos identificar duas posições:
O facto deixa de ter relevância jurídica quer como crime ou contraordenação, ou seja, não
podemos aplicar uma pena porque já não é crime, mas também não podemos aplicar uma coima,
porque no momento em que o facto foi praticado não era uma contraordenação, e se o
aplicássemos teríamos a violar o princípio da legalidade. Assim, a única solução passaria pelo
legislador criar uma norma transitória, ou seja, uma norma que dissesse que aquela norma deve ser
tratada como contraordenação, teria de criar uma norma concreta, e expressamente prevista que
diga que o facto deve ser tratado como contraordenação, se o legislador não cria essa norma
transitória ficamos com um vazio punitivo/legal, o qual leva à impunidade do agente (não é
sancionado nem pelo crime nem por contraordenação)

Figueiredo Dias: entende que a primeira posição é inconcebível porque passaria a existir um
vazio punitivo. Assim, segundo ele o facto que deixou de ser punido a título de crime e passou a ser
punido no âmbito do DCO deveria ser sancionado como contraordenação, desde logo, porque no
momento de ação o agente não tinha razões que o levassem a acreditar que ele iria ficar impune;
para além disso é chamado à coação a possibilidade de se aplicara a lei penal mais favorável, se
fosse punido com contraordenação iria beneficiar por um regime mais favorável. Desta forma
acabaremos por evitar o vazio punitivo como também dar uma solução mais favorável para o
agente.

Caso Prático 2

29
Ana Paula Pinto
Em 20/1/2013, entrou em vigor uma lei (L2) que passou a punir com pena de prisão até 2 anos
uma dada infração contra a economia, a qual constituía facto até aí punível com multa até 200 dias
(L1). Em 30/12/2012, F praticou uma conduta subsumível a essa infração, sendo que o respetivo
resultado ilícito apenas se verificou em 2/2/2013.
Mais tarde, em 20/2/2013, entrou em vigor uma nova lei (L3), com período de vigência
expresso de um ano, que punia aquele comportamento com multa até 120 dias.
A 22/2/2014, a conduta em causa passou a ser punida com a multa prevista antes da entrada
em vigor de L2.
Sabendo que a audiência de julgamento de F estava marcada para 30/3/2014, identifique,
fundadamente, a lei aplicável.
L1: prevê uma pena de multa até 200 dias
30/12/2012: Momento da prática do facto – artigo 3º CP
L2 (2012): pena de prisão até 2 anos
L3 (2013): pena de 120 dias – vigência expressa
L1: volta a vigorar
Antes de determinar qual é a lei que se aplica ao facto é necessário, determinar o momento
da prática do facto – tempus delicli – para isto vamos recorrer ao art. 3.º CP, ou seja, o momento
relevante é o momento da conduta do agente, é o momento em que o agente atuou ou, tratando-
se de um crime de omissão, o momento em que o agente deveria ter atuado, independentemente
do momento onde se produz o resultado típico. Isto porque no nosso ordenamento jurídico se aplica
o critério unilateral de conduta e não do momento de produção de resultado, pois: por vezes há
uma dilação temporal entre o momento da conduta e o momento de produção do resultado, e, a
necessidade de estabelecer um critério claro para determinar do momento da prática do facto; bem
como é no momento da conduta que o agente manifesta a sua vontade de violar a lei e de atentar
contra um bem jurídico, e portanto a punição deve ser determinada tendo em conta esse momento,
em que o agente decide violar a lei e expressa essa sua vontade através da ação.
Neste caso essa conduta foi no 30/12/2012.
Assim, é preciso olhar para todas as leis e ver se alguma é posterior à prática do facto que
possa ser aplicada retroativamente e mais favorável, mesmo as leis intermédias, que se situam entre
duas leis mais relevantes e que já não vigora quando o facto é apreciado judicialmente.

30
Ana Paula Pinto
Pelo princípio da legalidade, princípio fundamental, a lei penal formal, em regra, vigora para
o futuro, ou seja, as sanções só serão aplicadas a factos praticados após a sua entrada em vigor (art.
1.º/1 e 2.º/1 CP + 29.º CRP, entre outros). Contudo, pelo art. 2.º/4 CP e 29.º/4 CRP, existente a
possibilidade de se aplicar retroativamente uma lei penal posterior à prática do facto, que contenha
um regime mais favorável para o agente, ou seja, é admitida a retroatividade in bonan partem,
nunca a retroatividade in malem partem. Não obstante, esta exceção está limitada pelo art. 2.º/3
CP, no que se refere às leis penais temporárias (princípio da ultra-atividade da lei penal temporária).
Neste caso a lei mais favorável é a L3, mas esta uma especificidade, pois é uma lei temporária
(ou de emergência). É uma lei editada pelo legislador para vigorar durante um período, e assim o
legislador pode criar de várias formas: pode determinar o prazo de vigência em termos de
calendário; ou pode ser determinado em função do início e cessação de um determinado evento.
Estas leis são criadas pelo legislador para que haja uma intervenção especial do direito penal,
e por isso, são muitas vezes mais severas que as leis comuns – no nosso caso a L1, e L2 são comuns
e só a 3 é que é temporária. São aplicadas tendo um regime mais severa, mas também podem ser
menos severas.
As leis temporárias são criadas porque essencialmente há certas circunstâncias fáticas que
exigem uma resposta jurídico penal diferente, pois são pensadas para dar uma reposta legislativa
diferente das situações de anormalidade social, de emergência, ou de excecionalidade.
Neste caso, a lei tem uma vigência limitada de 1 ano, não podendo ser aplicada
retroativamente, uma vez que as leis comuns e as leis temporárias não comunicam entre si. Como
o facto foi praticado na vigência de uma lei comum, esta lei temporária não será aplicada ao facto.
Isto porque as leis temporárias estão pensadas para na área resposta a necessidades de
prevenção diferentes da generalidade do tempo. assim, não comunicam as leis comuns porque a
entrada de uma lei temporal não subjaz má alteração da conceção do legislador, mas sim uma
alteração da base fática e motivacional sobre que versa a norma. diz logo amor cria uma lei temporal
não advém da consciência do legislador de que é uma condição melhor para a conduta, mas uma
situação fática que é diferente da que se verifica antes da lei penal temporal entrar em vigor e depois
a lei temporal terminar a sua vigência.
O art. 2.º/3 contém o princípio da ultra-atividade a lei penal temporal, isto é, aos factos
praticados durante uma lei temporal, será essa lei que se aplicará mesmo que depois não esteja em

31
Ana Paula Pinto
vigor. A lei temporal aplica-se aos factos praticados durante a sua vigência, logo resulta que não
será aplicada aos factos praticados fora da lei temporal.
No caso aplica não se aplica, a L2 porque é proibida a retroatividade in malem partem.

Caso Prático 3
A 13/5/2012, G, recorrendo a um sofisticado software e servindo-se de uma fragilidade do
sistema informático da instituição bancária X, conseguiu que esta instituição transferisse para a sua
conta de depósitos à ordem a quantia de € 200. Na semana seguinte, tendo em conta a facilidade com
que o conseguira, e aproveitando-se das falhas de segurança do sistema informática do banco, G,
usando o mesmo “estratagema”, conseguiu que a instituição bancária transferisse, por erro, para a sua
conta, € 2000. No dia 12/6/2012, G procedeu da mesma forma, obtendo, desta feita, a transferência
de € 200.000.
No dia 13/5/2012, estava em vigor a atual redação do art. 221.º, n.ºs 1 e 5, al. b), do CP (L1).
No dia 11/6/2012 entrara em vigor a L2, que punia o facto com pena de prisão de cinco a dez anos.
a) Quid iuris?
Neste caso há 3 factos jurídicos distintos praticados pelo mesmo agente que serão agrupados:
por formarem um crime continuado (desenvolvida pela jurisprudência alemã), art. 30.º/2: consiste
numa unificação jurídica de um concurso efetivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico
fundada em culpa diminuída. É uma unidade criminosa normativamente construída e que se reporta
é uma pluralidade de ações que são semelhantes do ponto de vista jurídico objetivo e subjetivo e que
como tal são objeto de uma valorização unitária.
Necessário preenchimento dos 3 pressupostos:
- Violação típica do mesmo bem jurídico várias vezes, isto é, realização plurima de violações
típicas do mesmo bem jurídico. Bem jurídico, nos termos do art. 30.º/2, não pode ser um bem
eminente pessoal, é sobretudo relacionado com crimes de património.
- Execução seja homogénea, ou seja, violações têm de ser executadas de forma homogénea, o
agente tem de apresentar o mesmo modus operandi, recorrer a instrumentos e meios semelhantes.
- Violações típicas sejam levadas a cabo num quadro de solicitações que diminuem
consideravelmente a sua culpa, isto é, tem de se verificar uma situação exterior que facilita a atividade
criminosa birba por isso é menos exigível que o agente comporte-se de acordo com a lei.

32
Ana Paula Pinto
No caso, o agente viola várias vezes o sistema informático, o bem jurídico em causa e
patrimonial. atenta contra o património do Banco. o agente aproveita sempre as falhas informáticas
do Banco, sempre a mesma estratégia. falar a situação exterior que facilita é falha na segurança do
sistema informático do Banco. assim estão preenchidos os 3 pressupostos pelo que é considerado
um crime continuado.
Esta situação é relevante porque pode estar em causa uma situação de aplicação da lei penal
no tempo, numa dificuldade de encontrar qual a lei que se aplica quando um dos factos do crime
continuado seja realizado fora do âmbito de aplicação da lei que estava em vigor anteriormente.
Antes de determinar qual é a lei que se aplica ao facto é necessário, determinar o momento
da prática do facto – tempus delicli – para isto vamos recorrer ao art. 3.º CP, ou seja, o momento
relevante é o momento da conduta do agente, é o momento em que o agente atuou ou, tratando-
se de um crime de omissão, o momento em que o agente deveria ter atuado, independentemente
do momento onde se produz o resultado típico. Isto porque no nosso ordenamento jurídico se aplica
o critério unilateral de conduta e não do momento de produção de resultado, pois: por vezes há
uma dilação temporal entre o momento da conduta e o momento de produção do resultado, e, a
necessidade de estabelecer um critério claro para determinar do momento da prática do facto; bem
como é no momento da conduta que o agente manifesta a sua vontade de violar a lei e de atentar
contra um bem jurídico, e portanto a punição deve ser determinada tendo em conta esse momento,
em que o agente decide violar a lei e expressa essa sua vontade através da ação.
L1: art. 221.º/1 e 5 (regime mais favorável)
Facto 1
Facto 2
L2: pp entre 5 a 10 anos
Facto 3
A lei mais favorável é a L1, por isso aplica-se ao facto 1 e 2, sem margem de dúvidas. A dúvida
encontra-se para o facto 3.
A lei penal não tem natureza prospetiva, portanto não se pode aplicar a L1 ao facto 3, por já
ter sido revogada.
Assim, como a L2 não pode ser aplicada ao facto 1 e 2 por se tratar de uma retroatividade in
male partem, apenas se aplicará ao facto 3.

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Ana Paula Pinto
Quando há uma agravação que ocorre antes do término da consumação, esta lei só vale para
os elementos típicos verificados após o momento da alteração legislativa.
Se a fosse uma lei mais favorável aplicar-se-ia a todos os factos, retroatividade in bonam
partem.
!!!! Crimes continuados ≠ crimes permanentes/duradouros (consumação prolonga-se no
tempo pela vontade do agente, perdura o estado de antiguidade) ≠ crimes instantâneos

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Ana Paula Pinto
b) E se L2 fosse uma lei temporária ou de emergência, a sua resposta seria a mesma?
Justifique
A resposta (formalmente) será a mesma, L1 aplica-se aos factos ocorridos durante a sua
vigência e L2 ao período respetivo.
O que altera é a ratio da resposta devido à incomunicabilidade entre leis comuns e leis de
emergência.
HIPÓTESE: L2 é lei temporária, mas menos severa à solução é a mesma, porque lei
temporária não comunica com lei comum.

Caso Prático 4
Preocupada com eventuais burlas que pudessem ocorrer durante o período de transição do
escudo para o euro, a Assembleia da República aprovou uma lei avulsa (que entrou em vigor em
1/1/2001) punindo “a burla, definida nos termos do art. 217.º do CP, praticada entre 1/1/2001 e
31/12/2001, e que tenha por objeto a pretensa troca de escudos por euros, com pena de prisão de 5 a
7 anos”.
Em virtude da contestação havida, em 1/5/2001 entrou em vigor uma nova lei que revogou a
anterior e que expressamente indicava aplicar-se ao mesmo período temporal. Esta segunda lei optava
por criar um tipo legal de crime, agora integrado no CP e destinado a proteger “a construção
europeia”, estabelecendo uma moldura penal abstrata de 3 a 5 anos.
Em 3/1/2001, H dirigiu-se a I, idosa moradora numa pacata aldeia do interior, e convenceu-a
a entregar-lhe 100.000$00, a fim de que H os trocasse por euros. Mal I lhe entregou o dinheiro, H
desapareceu da aldeia.
Suponha que H foi julgado em 31/5/2002 e que alegou, na sua defesa, que a sua conduta fora
descriminalizada pela lei que entrara em vigor em 1/5/2001.
Concorda com este argumento? Qual seria a lei que o juiz devia aplicar in casu?
Justifique legal e doutrinalmente.
L1 (em vigor 01/01): Prisão 5-7 Anos – Crime de burla, como proteção ao património
Momento da prática do facto: 03/01/2001
L2 (em vigor 01/05): Prisão 3-5 Anos – Crime de burla, como proteção da construção europeia
Julgamento (31/5/2002)

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Ana Paula Pinto
Antes de determinar qual é a lei que se aplica ao facto é necessário, determinar o momento
da prática do facto – tempus delicli – para isto vamos recorrer ao art. 3.º CP, ou seja, o momento
relevante é o momento da conduta do agente, é o momento em que o agente atuou ou, tratando-
se de um crime de omissão, o momento em que o agente deveria ter atuado, independentemente
do momento onde se produz o resultado típico. Isto porque no nosso ordenamento jurídico se aplica
o critério unilateral de conduta e não do momento de produção de resultado, pois: por vezes há
uma dilação temporal entre o momento da conduta e o momento de produção do resultado, e, a
necessidade de estabelecer um critério claro para determinar do momento da prática do facto; bem
como é no momento da conduta que o agente manifesta a sua vontade de violar a lei e de atentar
contra um bem jurídico, e portanto a punição deve ser determinada tendo em conta esse momento,
em que o agente decide violar a lei e expressa essa sua vontade através da ação.
Neste caso essa conduta foi no 3/1/2001.
Assim, é preciso olhar para todas as leis e ver se alguma é posterior à prática do facto que
possa ser aplicada retroativamente e mais favorável, mesmo as leis intermédias, que se situam entre
duas leis mais relevantes e que já não vigora quando o facto é apreciado judicialmente.
Pelo princípio da legalidade, princípio fundamental, a lei penal formal, em regra, vigora para
o futuro, ou seja, as sanções só serão aplicadas a factos praticados após a sua entrada em vigor (art.
1.º/1 e 2.º/1 CP + 29.º CRP, entre outros). Contudo, pelo art. 2.º/4 CP e 29.º/4 CRP, existente a
possibilidade de se aplicar retroativamente uma lei penal posterior à prática do facto, que contenha
um regime mais favorável para o agente, ou seja, é admitida a retroatividade in bonan parten, nunca
a retroatividade in malem partem. Não obstante, esta exceção está limitada pelo art. 2.º/3 CP, no
que se refere às leis penais temporárias (princípio da ultra-atividade da lei penal temporária).
Porém, ambas as leis são temporárias ou de emergência, ou seja, destinam-se a vigor
durante certo lapso temporal visando regular uma situação de excecionalidade social. Podem não
prever a sua data-limite, mas a data de termino tem de ser determinável.
No caso, existe uma data de término, 31/1/2001.
O art. 2.º/3CP indica que as leis penais temporárias são ultra-ativas, ou seja, se o facto for
praticado durante sua vigência, ainda que surja depois lei comum mais favorável ao agente,
continua-se a aplicar lei penal temporária.

36
Ana Paula Pinto
Esta ultra-atividade acontece quase sempre, mas há uma hipótese em que pode haver
sucessão de leis de emergência, na qual se pode aplicar lei de emergência mais favorável, ou seja,
quando existem várias leis de emergência que se sucedem e todas versarem exatamente sobre a
mesma factualidade, sobre a mesma situação de excecionalidade, então podemos aplicar o art.
2.º/4 (aplicar retroativamente a lei penal temporária mais favorável ao agente; exceção ao art.
2.º/3).
Nesse caso é preciso preencher 2 requisitos obrigatórios: (1) cadeia de leis de emergência e
(2) tratar exatamente da mesma factualidade.
Tanto L1 e L2 visam o aproveitamento ilegítimo da troca de moedas a ocorrer nesse período,
evitando o engado de outrem e o logro da troca de escudos para euros, estamos perante a mesma
situação de anormalidade social. Assim, haveria sucessão de leis temporárias e aplicar-se-ia o art.
2.º/4. Sendo a L2 mais favorável, aplicar-se-ia a lei retroativamente.
No entanto, há uma alteração do bem jurídico tutelado pela norma. A L1 continha uma
norma semelhante à burla do CP, protegendo o património (bem jurídico individual) e na L2 isso
muda, porque bem jurídico passa a ser a construção europeia (bem jurídico coletivo).
Quando se altera o bem jurídico protegido por uma norma, há a questão de saber se houve
descriminalização, como H refere.
Neste caso, a conduta é exatamente a mesma, o facto criminoso é o mesmo (que é enganar
outrem), muda é somente o porquê.
Assim, há uma continuidade de ilícito, mas o motivo da incriminação é que o que muda.
Portanto, a conduta concreta mantém-se, mas o bem jurídico altera-se (do património da vítima
passa-se à construção europeia), ou seja, a factualidade, a situação de excecionalidade é
exatamente a mesma; o que se altera é o motivo da incriminação
Assim sendo, há continuidade de ilícito – a continuidade da punibilidade das condutas
concretas não é afetada; a conduta em causa continua a ser a mesma (logro, engano de outrem) –
de certa forma, é uma situação de NONEM IURIS (as coisas são o que são e, nesse sentido, um logro
é um logro, mesmo que o bem jurídico se altere).
Em suma, estamos perante cadeia de leis temporárias que versam sobre a mesma
factualidade, aplicando, então, ao caso a lei penal mais favorável ao agente segundo o art. 2.º/4 CP.

Caso Prático 5
37
Ana Paula Pinto
De Janeiro a Agosto de 2002, Portugal foi assolado por uma forte seca. Em ordem a
assegurar o abastecimento de água para consumo, em Março do mesmo ano, o legislador proibiu,
através da L1, enquanto durasse a seca, a utilização da água dos serviços públicos na lavagem de
automóveis ou na rega de jardins, punindo a sua violação com pena de prisão até 2 anos.
A queda de alguma chuva em inícios de Junho de 2002, levou o legislador, por intermédio
da L2, a qual entrou em vigor no dia 20 daquele mês, a reduzir a pena para multa até 120 dias.
Face a intensos protestos, a Assembleia da República revogou a L2 e, a 3 de Julho de 2002,
entrou em vigor a L3, a qual punia tais condutas com coima entre € 125 e € 250.
Já em Novembro, e depois de a queda copiosa de chuva ter feito terminar o período de crise,
J foi acusado de, em 15/4/2002, ter feito uso desmesurado de água dos serviços públicos na lavagem
da sua frota automóvel.
Pode J ser punido? Em que termos?
L1 (em vigor 03): Prisão – mínimo 1 mês (41/1CP) e máximo 2 anos
Facto (15/4)
L2 (em vigor 20/06): Multa – mínimo 10 dias (47/1CP) e máximo 120 dias
L3 (em vigor 03/07): Coima 125-250€ à descriminalização porque direito contraordenacional

Antes de determinar qual é a lei que se aplica ao facto é necessário, determinar o momento
da prática do facto – tempus delicli – para isto vamos recorrer ao art. 3.º CP, ou seja, o momento
relevante é o momento da conduta do agente, é o momento em que o agente atuou ou, tratando-
se de um crime de omissão, o momento em que o agente deveria ter atuado, independentemente
do momento onde se produz o resultado típico. Isto porque no nosso ordenamento jurídico se aplica
o critério unilateral de conduta e não do momento de produção de resultado, pois: por vezes há
uma dilação temporal entre o momento da conduta e o momento de produção do resultado, e, a
necessidade de estabelecer um critério claro para determinar do momento da prática do facto; bem
como é no momento da conduta que o agente manifesta a sua vontade de violar a lei e de atentar
contra um bem jurídico, e portanto a punição deve ser determinada tendo em conta esse momento,
em que o agente decide violar a lei e expressa essa sua vontade através da ação.
Neste caso essa conduta foi no 3/1/2001.

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Ana Paula Pinto
Assim, é preciso olhar para todas as leis e ver se alguma é posterior à prática do facto que
possa ser aplicada retroativamente e mais favorável, mesmo as leis intermédias, que se situam entre
duas leis mais relevantes e que já não vigora quando o facto é apreciado judicialmente.
Pelo princípio da legalidade, princípio fundamental, a lei penal formal, em regra, vigora para
o futuro, ou seja, as sanções só serão aplicadas a factos praticados após a sua entrada em vigor (art.
1.º/1 e 2.º/1 CP + 29.º CRP, entre outros). Contudo, pelo art. 2.º/4 CP e 29.º/4 CRP, existente a
possibilidade de se aplicar retroativamente uma lei penal posterior à prática do facto, que contenha
um regime mais favorável para o agente, ou seja, é admitida a retroatividade in bonan parten, nunca
a retroatividade in malem partem. Não obstante, esta exceção está limitada pelo art. 2.º/3 CP, no
que se refere às leis penais temporárias (princípio da ultra-atividade da lei penal temporária).
Ambas as leis são temporárias porque visam regular uma situação de excecionalidade social,
um período de seca.
Desta forma, temos de verificar se é uma sucessão de leis de emergência, isto é, quando as
leis versam sobre a mesma factualidade.
Hipótese 1 – há verdadeira cadeia de leis emergência
Se fosse uma verdadeira sucessão de leis de emergência, aplicar-se-ia a lei mais favorável
pelo art. 2.º/4 CP, ou seja, a L3, que prevê uma coima. A coima é mais favorável que multa e multa
é mais favorável que prisão. Contudo, a L3 não é uma lei penal, mas, antes, uma norma
contraordenacional.
Nestes casos, em que há uma sucessão de leis, mas ocorre uma descriminalização com
subsequente punição no direito contraordenacional, há profunda divisão doutrinal.
Por um lado, a doutrina de Taipa de Carvalho entende que sempre que esta situação ocorra
(descriminalização que resulta em contraordenação), há um vazio legal porque deixou de ser crime,
deixou de ser punido em termos criminais – art. 2.º/2 CP; deixando de ser crime, não há direito
penal.
Defende que se não podemos punir como crime também não podemos punir como
contraordenação porque no momento de a prática do facto não existir nenhuma contraordenação
– de acordo com princípio da legalidade, não podemos punir a conduta de todo nem como crime
nem como contraordenação (art. 2.º RGCO). A desvantagem pode ser incoerente em termos de
justiça material.

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Ana Paula Pinto
Por outro lado, uma segunda doutrina, defendida por Figueiredo Dias, parte da interpretação
que o art. 2.º/4 refere apenas leis posteriores, e não leis penais posteriores (argumento frágil, pois
esta norma foi pensada para leis penais). No momento da prática do facto, o agente esperava ser
punido – se assim é, a punição contraordenacional não frustra expectativas
Exemplo: A e B são parados numa operação stop na mesma noite; A tem 1.25 álcool no
sangue que é crime vs. B tem 0.8 álcool que é contraordenação muito grave – imagine-se que surge
nova lei eleva a barreia alcoólica de incriminação de 1.2 para 1.3 – A tinha 1.25 embora de acordo
com nova lei só é crime a partir de 1.3.
Aplicando doutrina 1, A não será punido porque facto era crime e deixou de ser, mas também
ele não vai poder ser punido como contraordenações porque aquela conduta no momento da
pratica não era contraordenação. Na doutrina 2, B continua a ser punido como contraordenação.
Há uma dessincroniza material, injustiça material que é sistemicamente insustentável. Vamos
aplicar então lei mais favorável seja ela penal seja contraordenacional (podendo ser incoerente em
termos lógico-formais).
Por fim, temos a doutrina de Mário Monte que defende a aplicação de lei mais favorável,
invocando unidade sistémica e complementaridade intrassistémica entre direito penal e direito
contraordenacional. Há continuidade de ilícito. Se facto era crime e passa a ser contraordenação,
muito possivelmente aquela conduta não é axiologicamente neutra e há bem jurídico digno de
tutela penal – se passa a ser contraordenação, deixa de ser carente de tutela penal, sendo tutelada
pelo direito contraordenação. Há continuidade material e lógico-formal entre direito penal e direito
contraordenacional – ambos fazem parte de sistema mais amplo, que se chama sistema global de
justiça penal.

Hipótese 2 – não há sucessão leis temporárias


São leis de emergência pensadas para situação de seca. A L1 é para cenário de seca extrema.
A transição para L2, não teve como motivo as manifestações populares, mas, antes a queda chuva
no mês de junho
A queda de chuva é já por si uma alteração da situação fática, ou seja, altera a situação de
excecionalidade, é na mesma situação de excecionalidade, mas é diversa da situação que motivou

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Ana Paula Pinto
L1. De L1 para L2 há uma alteração da situação de excecionalidade – de seca extrema passa-se para
seca severa.
Então não há verdadeira sucessão leis de emergência
Assim, aplica-se o art. 2.º/3CP – é caso de ultra-atividade de leis emergência; então é caso
de não comunicabilidade de leis emergência. O agente será punido de acordo com lei temporária
vigente no momento da prática do facto, a L1.
No entanto, de L2 para L3 a situação de excecionalidade é a mesma, manifestações
populares levam a que o legislador altere a sua conceção em relação à necessidade punitiva.

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Ana Paula Pinto
FICHA 5

Caso Prático 1
Em 18/5/2018, A, nacional belga, cometeu, na Bélgica, dois crimes de homicídio contra dois
cidadãos malteses.
Antes de as autoridades terem descoberto tais factos, A fugiu com destino a Portugal. Ainda
em território espanhol, raptou uma criança alemã, trazendo-a para o Porto. O rapto manteve-se até
que a PSP, alertada pelos vizinhos de A, deteve o agente. Já em fase de inquérito relativo ao crime
p. e p. pelo art. 161.º, n.º 2, al. a) do CP, as autoridades belgas comunicaram às autoridades
portuguesas que possuíam provas sólidas da autoria, por A, dos crimes de 18/5/2018, pedindo a sua
extradição.
Análise individual dos factos/crimes
a) Partindo do princípio de que, no caso sub judice, a extradição de A não era possível,
haverá fundamento legal para os Tribunais portugueses julgarem A? Em caso afirmativo, em
relação a que delito(s)? Justifique.
Para determinar se haverá fundamento legal para os Tribunais portugueses julgarem A é
necessário analisar cada delito individualmente e o local de prática.
O art. 7.º CP determina o princípio da ubiquidade, isto é, um critério plurilateral sobre o local
da prática do crime (locus delicti) para evitar vazios punitivos. Portanto considera como local da
prática do crime, tanto o local da onde o agente atuou total ou parcialmente bem como o local da
produção do resultado do facto.
Assim, em primeiro lugar, em relação ao homicídio este foi praticado na Bélgica, logo fora
do território nacional. Assim está excluído a aplicação do art. 4.º, o princípio da nacionalidade.
Deste modo, deve-se verificar a aplicabilidade do art. 5.º, que apresenta um conjunto de
exceções ao princípio da territorialidade que devem ser analisados numa lógica de
metodomonologia de acordo com a maior ou menor aproximação ao ordenamento jurídico e não
numa lógica de hierarquia.
O primeiro princípio a aplicar nesta lógica, é o princípio da proteção dos interesses nacionais
(art. 5.º/1/a) que visa proteger determinados bens jurídicos que merecem tutela nacional
independentemente do sítio em que são praticados presentes no elenco taxativa. O homicídio não
cabe neste princípio, porque não está no elenco taxativo indicado.
42
Ana Paula Pinto
Em segundo aplica-se o princípio da nacionalidade ativa ou passiva, art. 5.º/1/e, ou seja,
factos praticados por portugueses ou por estrangeiros contra portugueses sempre que se preencha
os 3 requisitos cumulativos. Neste caso não se aplica porque o agente é belga e as vítimas são
malteses (não há nacionalidade ativa ou passiva).
Em terceiro, verifica-se a possibilidade de plicar o princípio de extensão do princípio da
nacionalidade (art. 5.º/1/b) que visa evitar que os portugueses vão para outro ordenamento jurídico
à espera que ficarem impunes, para isto devem viver habitualmente em Portugal ao tempo da sua
prática e aí forem encontrados. Novamente, não estão preenchidos.
Em quarto, aplica-se o princípio relativo às pessoas coletivas ou contra que tenham sede em
território português (art. 5.º/1/g). Não há pessoas coletivas
Em quinto lugar, o princípio da universalidade do art. 5.º/1/c+d, que visa proteger bens
jurídicos considerados universais que afetam interesses que dizem respeito a todo a humanidade,
presentes no elenco taxativo da alínea c ou alternativo da alínea d. Neste caso, não se aplica porque
o homicídio não é um dos tipos de crime previstos nestas alienas.
Por fim, no art. 5.º/1/f, o principio da administração supletiva da justiça penal que determina
a aplicação da lei penal portuguesa a factos praticados no estrangeiro desde que esses factos sejam
praticados por estrangeiros, contra estrangeiros que se encontrem em Portugal quando estes
crimes admitem extradição e esta não possa ser concedida, mas tenha sido requerida. Neste caso
estão preenchidos todos os pressupostos, ser cidadão estrangeiro, praticado fora de Portugal,
pedido de extradição, mas impossibilidade de conceder a extradição.
Assim, aplica-se o princípio da alínea f.
Aplicando-se o art. 5.º, teremos de recorrer ao art. 6.º/1, ou seja verificar se existe alguma
condenação no país onde foi praticado. Sendo que não foi condenado então não existe qualquer
entrave previsto. Aplica-se então a lei penal portuguesa.

Assim, em segundo lugar, em relação ao rapto. A, atuou parcialmente em Portugal e como


determina o art. 7.º (princípio da ubiquidade), este crime, por ser um crime duradouro, no qual a
execução se prolonga no tempo por vontade do agente, basta que um elemento da conduta ocorra
em Portugal para que Portugal seja considerado também o lugar da prática do facto, e que se possa
aplicar o princípio da territorialidade.

43
Ana Paula Pinto
Assim, aplica-se o art. 4.º/1; conclui-se que foi praticado em Portugal e que a lei penal
portuguesa será aplicada.

b) E se o rapto cessasse em Espanha e A tivesse sido detido em Portugal pelas


respectivas autoridades?
Se o rapto se iniciou em Espanha e termina-se em Espanha; quando A se deslocou para
Portugal já vinha sem a vítima. Com a aplicação do art. 7.º CP determina o princípio da ubiquidade,
isto é, um critério plurilateral sobre o local da prática do crime (locus delicti) para evitar vazios
punitivos. Portanto considera como local da prática do crime, tanto o local da onde o agente atuou
total ou parcialmente bem como o local da produção do resultado do facto.
Assim, o lugar da prática do facto é Espanha. Assim, pelo que ocorre fora do território
nacional, está excluído a aplicação do art. 4.º, o princípio da nacionalidade.
Deste modo, deve-se verificar a aplicabilidade do art. 5.º, que apresenta um conjunto de
exceções ao princípio da territorialidade que devem ser analisados numa lógica de
metodomonologia de acordo com a maior ou menor aproximação ao ordenamento jurídico e não
numa lógica de hierarquia.
O primeiro princípio a aplicar nesta lógica, é o princípio da proteção dos interesses nacionais
(art. 5.º/1/a) que visa proteger determinados bens jurídicos que merecem tutela nacional
independentemente do sítio em que são praticados presentes no elenco taxativa. O rapto não cabe
neste princípio, porque não está no elenco taxativo indicado.
Em segundo aplica-se o princípio da nacionalidade ativa ou passiva, art. 5.º/1/e, ou seja,
factos praticados por portugueses ou por estrangeiros contra portugueses sempre que se preencha
os 3 requisitos cumulativos. Neste caso não se aplica porque o agente é belga e a vítima é espanhola
(não há nacionalidade ativa ou passiva).
Em terceiro, verifica-se a possibilidade de plicar o princípio de extensão do princípio da
nacionalidade (art. 5.º/1/b) que visa evitar que os portugueses vão para outro ordenamento jurídico
à espera de que ficarem impunes, para isto devem viver habitualmente em Portugal ao tempo da
sua prática e aí forem encontrados. Novamente, não estão preenchidos.
Em quarto, aplica-se o princípio relativo às pessoas coletivas ou contra que tenham sede em
território português (art. 5.º/1/g). Não há pessoas coletivas

44
Ana Paula Pinto
Em quinto lugar, o princípio da universalidade do art. 5.º/1/c+d, que visa proteger bens
jurídicos considerados universais que afetam interesses que dizem respeito a todo a humanidade,
presentes no elenco taxativo da alínea c ou alternativo da alínea d. Neste caso, aplica-se porque o
rapto é um dos tipos de crime previstos na alínea c.
Aplicando-se o art. 5.º, teremos de recorrer ao art. 6.º/1, ou seja verificar se existe alguma
condenação no país onde foi praticado para evitar uma dupla condenação, princípio ne bis in idem.
Tal como na resposta anterior, não havia entraves para a aplicação da lei penal portuguesa.

c) Voltando à hipótese descrita na alínea a), terão os tribunais portugueses de aplicar


lei estrangeira? Explicite a sua resposta.
Os tribunais portugueses devem aplicar a lei penal do lugar da prática do facto, desde que
seja mais favorável para o agente. Assim, se a lei belga fosse mais favorável ao agente poder-se-ia
aplicar – no caso do homicídio.
No caso do rapto tendo em conta que parte da conduta ocorre em Portugal recorremos art.
4.º, não podermos recorrer ao art. 6.º/2 e 3, logo aplicar-se à a lei portuguesa.

Caso Prático 2
S e V eram nacionais portugueses que viviam e trabalhavam no Porto desde 2010, ano em
que se casaram.
Em Julho de 2021, durante umas curtas férias passadas em Paris, envolveram-se numa
violenta discussão, tendo S agredido V com diversas bofetadas.
Após a agressão, com receio de ser detido pelas autoridades francesas, S põe-se em fuga
para o nosso país, pensando que a lei penal portuguesa não lhe seria aplicável. Terá razão?
Fundamente a sua resposta.

Para determinar se haverá fundamento legal para os Tribunais portugueses julgarem A é


necessário analisar cada delito individualmente e o local de prática.
O art. 7.º CP determina o princípio da ubiquidade, isto é, um critério plurilateral sobre o local
da prática do crime (locus delicti) para evitar vazios punitivos. Portanto considera como local da

45
Ana Paula Pinto
prática do crime, tanto o local da onde o agente atuou total ou parcialmente bem como o local da
produção do resultado do facto.
Neste caso, o crime praticado, a violência domestica, foi praticado na França, logo fora do
território nacional. Assim está excluído a aplicação do art. 4.º, o princípio da nacionalidade.
Deste modo, deve-se verificar a aplicabilidade do art. 5.º, que apresenta um conjunto de
exceções ao princípio da territorialidade que devem ser analisados numa lógica de
metodomonologia de acordo com a maior ou menor aproximação ao ordenamento jurídico e não
numa lógica de hierarquia.
O primeiro princípio a aplicar nesta lógica, é o princípio da proteção dos interesses nacionais
(art. 5.º/1/a) que visa proteger determinados bens jurídicos que merecem tutela nacional
independentemente do sítio em que são praticados presentes no elenco taxativa. A violência
doméstica não cabe neste princípio, porque não está no elenco taxativo indicado.
Em segundo aplica-se o princípio da nacionalidade ativa ou passiva, art. 5.º/1/e, ou seja,
factos praticados por portugueses ou por estrangeiros contra portugueses sempre que se preencha
os 3 requisitos cumulativos. Neste caso aplica-se porque o agente é português e a vítima também.
Desta forma, é necessário verificar o preenchimento cumulativos dos 3 pressupostos: o agente ser
encontrado em Portugal (S fugiu para Portugal); o crime também ser punível na legislação do local
do facto, salvo se não se exercer poder punitivo (França tem um ordenamento jurídico que exerce
poder punitivo e que pune também a violência doméstica); e o crime admita extradição (o que
acontece) e esta não possa ser concedida (pelo lei 144/99 e art. 33.º/3 CRP não é possível porque
não vamos entregar um cidadão português a ser condenado no estrangeiro quando não são os
crimes de terrorismo e/ou criminalidade internacional organizada). Assim, estão preenchidos todos
os pressupostos e a lei penal portuguesa poderá ser aplicada.
Aplicando-se o art. 5.º, teremos de recorrer ao art. 6.º/1, ou seja verificar se existe alguma
condenação no país onde foi praticado. Sendo que não foi condenado então não existe qualquer
entrave previsto. Aplica-se então a lei penal portuguesa.

Caso Prático 3

46
Ana Paula Pinto
No dia 10 de janeiro de 2005, A e B, cidadãos colombianos residentes no Brasil,
falsificaram notas de euro, com a ajuda de C, empresário português, que lhes enviou tecnologia
sofisticada, a partir da sua residência no Porto.
Detidos pelas autoridades brasileiras, A e B foram ambos condenados a 10 anos de pena de
prisão, por sentença transitada em julgado em 12 de fevereiro de 2006.
a) Em 1 de Junho de 2006, A e B evadiram-se para Portugal, tendo sido detidos. No
decurso do inquérito, C foi-o igualmente. Todos eles foram julgados e condenados por um
Tribunal português. Comente esta decisão.
Estamos perante uma situação em que A e B são colonianos e residem no Brasil e que foram
condenados a 10 anos de prisão no Brasil pelo crime de contrafação de moeda, art. 262.º CP. No
entanto tiveram a ajuda de C, um residente em Portugal.
Cada agente deverá ser tratado individualmente, a não ser que a factualidade seja comum,
isto é, tudo for igual, pelo que existindo diferenças deve ser tratado individualmente. Tal como já
referido A e B devem ser tratados de forma conjunta, têm a mesma factualidade base, enquanto C
deve ser tratado individualmente.

Assim, é necessário determinar o lugar da prática do facto de A e B onde se fazem sentir,


mas força as necessidades de prevenção e de realização de prova. O art. 7.º CP determina o princípio
da ubiquidade, isto é, um critério plurilateral sobre o local da prática do crime (locus delicti) para
evitar vazios punitivos. Portanto considera como local da prática do crime, tanto o local da onde o
agente atuou total ou parcialmente bem como o local da produção do resultado do facto.
A e B atuam no Brasil, logo fora do território nacional, art. 5.º CRP. Portanto, exclui-se o
principio geral previsto no artigo 4.º (princípio da territorialidade), aplicando assim o artigo 5.º.
Este artigo apresenta um conjunto de exceções ao princípio regra que devem ser analisados
numa lógica metodomonológica, ou seja, numa lógica jurídica de maior ou menor aproximação ao
ordenamento jurídico português e não numa lógica hierárquica.
Em primeiro lugar, averiguar se é aplicável o princípio da proteção dos interesses nacionais
(art. 5.º/1/a) que visa proteger determinados bens jurídicos que merecem tutela penal nacional
independentemente do local em que são praticados. Estes factos estão determinados no elenco
taxativo do artigo. No caso, podemos aplicar, pois o crime de contrafação de moeda está presente
no elenco, art. 262.º.
47
Ana Paula Pinto
Em segundo, averiguar-se-ia o princípio da nacionalidade ativa ou passiva, art. 5.º/1/e, ou
seja, factos praticados por portugueses ou por estrangeiros contra portugueses. O que não se
verifica.
Em terceiro, o princípio da extensão da nacionalidade, art. 5.º/1/b, que visa evitar que os
portugueses vão para outro ordenamento jurídico à espera de que fiquem impunes. O que não se
verifica.
Em quarto, aplicar-se-ia o princípio relativo às pessoas coletivas ou contra que tenham sede
em território português, art. 5.º/1/g. no caso não há pessoas coletivas.
Em quinto, o princípio da universalidade, art. 5.º/1/c+d que visa proteger bens jurídicos
considerados universais que afetam interesses que dizem respeito a todo a humanidade. O que não
se verifica.
Por fim, o princípio da administração supletiva da justiça penal, art. 5.º/1/f, que visa aplicar
a factos praticados no estrangeiro, contra estrangeiros que se encontrem em Portugal quando estes
crimes admitem extradição e esta apesar de requerida, não pode ser concedida.
Sendo que se aplica o art. 5.º CP é necessário aplicar o art. 6.º que possui duas limitações
que aprofundam o carater de excecionalidade do art. 5.º: os agentes não podem ter sido
julgados/condenados no país da prática do crime sob pena de violação do princípio ne bis in idem
(art. 29.º CRP), sendo necessário que se tenham subtraído ao cumprimento total ou parcial da
condenação e que o regime mais favorável seja do local da prática do facto.
No nosso caso os agentes foram condenados no Brasil, mas subtraíram-se ao cumprimento
da condenação, e por isso, não haverá qualquer restrição à aplicação da lei penal portuguesa.
Em relação a C, este limita-se a enviar tecnologia para o A e B a partir da sua residência. O C
será entendido como um cúmplice. Assim, de acordo com o artigo 27.º/1 CP, é punível como
cúmplice por dolosamente ter enviado material para a prática de crime de outrem.
O art. 7.º/1 diz nos que o facto se considera praticado no lugar em que total ou parcialmente
o agente tenha atuado, o cúmplice também será relevante, em que o lugar da prática do facto
poderá ser diferente.
Assim, em relação ao C, o lugar da prática do facto será Portugal, pois atuou no Porto.
Considera-se então que o facto foi praticado no território nacional, aplicando-se o artigo 4.º, que
consiste no princípio base da territorialidade, aplicando a lei nacional.

48
Ana Paula Pinto
b) Suponha que, no decurso do processo, o defensor de C requereu a aplicação, pelo
Tribunal português, da lei brasileira a todos os arguidos, com base na ideia de que ela era
concretamente mais favorável. Quid iuris? Justifique.
Teremos de ter em atenção a base factual que está na circunstância de como cada agente é
julgado. Assim, relativamente a C não poderia aplicar a lei estrangeira, na medida em que estamos
perante uma factualidade que se insere no princípio da territorialidade do artigo 4.º pelo que
aplicar-se-ia sempre a lei penal portuguesa.
Relativamente ao A e B também não se poderia aplicar, embora o art. 6.º/2 determine o
regime mais favorável do local da prática do facto, pois no nº3 existem exceções, sendo o crime da
contrafação da moeda uma das exceções que impede aplicar a lei da prática do facto quando esteja
em causa princípio da proteção de interesses nacionais.

Caso Prático 4
J era um conhecido hacker chileno. Em 20/3/2001, a partir de Santiago do Chile e a troco de
elevada soma paga por uma empresa concorrente, tentou alterar os registos informáticos de um
importante grupo financeiro português, guardados num servidor localizado em Lisboa, de forma a
causar-lhe graves dificuldades económicas. Todavia, não consumou os seus intentos, graças à
rápida intervenção dos técnicos portugueses que o conseguiram localizar e identificar.
Em Agosto de 2002, J veio passar férias a Tavira, tendo sido detido.
a) Qual o lugar da prática deste crime (cf. art. 221.º, 1 e 3, CP)?
Para determinar o lugar da prática do crime é necessário recorrer ao art. 7.º CP que
apresenta o princípio da ubiquidade, isto é, um critério plurilateral sobre o local da prática do crime
(locus delicti) para evitar vazios punitivos. Portanto considera como local da prática do crime, tanto
o local da onde o agente atuou total ou parcialmente bem como o local da produção do resultado
do facto.
Neste caso, o crime praticado, a tentativa de burla informática (art. 221.º CP) é praticado por
J, chileno, a partir do Chile, mas contra Portugueses. Assim, sendo uma tentativa, considera-se
igualmente praticado no lugar em que, de acordo com a representação do agente, o resultado se
deveria produzir, ou seja, o lugar onde o agente pretendia que se produzisse o resultado do facto.

49
Ana Paula Pinto
Neste caso, seria Portugal, portanto é considerado um facto praticado em território nacional, art.
4.º CP e art. 5.º CRP.
Não obstante, a ação do agente foi parada por técnicos e visto que existe esta intervenção
portuguesa, não é necessário, recorrer ao art. 7.º/2, mas ao art. 7.º/1, para que o facto se considere
na mesma praticado em Portugal, aplicando-se na mesma o art. 4.º CP, pois já existe esta conexão
do facto a Portugal para além de ser a produção do resultado.

b) Na ausência de qualquer convenção internacional entre Portugal e Chile nesta


matéria, os Tribunais portugueses consideraram-se competentes para julgar J, com base no
art. 5.º, 1, a), CP, tendo-lhe aplicada a lei penal chilena respetiva, uma vez que a moldura
penal abstrata aí prevista era inferior à nacional. Concorda com esta decisão? Justifique.
O tribunal português esteve mal quando aplicou a lei penal portuguesa por força do artigo
5.º CP, porque o facto não foi considerado praticado fora de Portugal, mas sim dentro de Portugal,
pelo que se deveria ter aplicado o artigo 4.º, a lei penal portuguesa a factos praticados em Portugal.
O tribunal seria à mesma competente, mas por força do princípio da territorialidade.
Nota: mesmo que se aplique o artigo 5.º, que apresenta um conjunto de exceções ao
princípio da territorialidade, aplicar-se-ia o princípio da proteção dos interesses nacionais, não
iriamos aplicar a lei chilena, mas sim a portuguesa, porque por força do artigo 6.º/3 não se iria
aplicar a lei do lugar da prática do facto mesmo que mais favorável que a portuguesa, pois este facto
é uma exceção.

c) Suponha que, em 4/5/2001, o nosso País havia pedido a extradição de J e que a


mesma havia sido negada. Todavia, os tribunais chilenos julgaram o crime em questão e
aplicaram ao agente a pena de prisão de 1 ano. J evadiu-se da prisão e fugiu para Portugal em
Agosto de 2001. Foi detido, julgado pelo crime p. e p. pelo art. 221.º, 1 e 3 C.P. e condenado a
2 anos de pena de prisão. Na sentença, o juiz considerou ainda que o período da pena
cumprida no Chile não devia ser tomado em consideração. Comente o conteúdo da sentença.
O agente havido sido condenado no Chile, a pena de prisão de 1 ano, mas, entretanto,
evadiu-se para Portugal. Ou seja, temos um facto considerado praticado em Portugal, o agente é
condenado noutro país, e depois volta a Portugal.

50
Ana Paula Pinto
Apesar de já ter sido condenado no Chile, os tribunais portugueses poderiam julgar, porque
por força do princípio da territorialidade, mesmo que o tribunal estrangeiro seja competente para
julgar o facto, os tribunais portugueses continuariam a ser competentes para julgar o facto, pois
este facto foi praticado em Portugal. Portanto nestas circunstâncias o julgamento de J, por este
facto se considerar praticado em Portugal constitui um problema de soberania do Estado português.
O tribunal português seria competente, mas por uma razão de justiça material, quando fosse
determinar a pena, à luz da lei portuguesa, o juiz português teria de ter em conta a pena que já foi
cumprida no estrangeiro, artigo 82.º CP. Nos termos deste artigo, a medida processual que o agente
tenha sofrido pelos mesmos factos, esta seria descontada da medida que Portugal determinasse
para ele.
Neste caso foi condenado a 1 ano no Chile, em Portugal se a pena fosse de 2 anos, o período
que esteve preso será descontado da pena portuguesa.

51
Ana Paula Pinto
FICHA 6
Caso Prático 1
João, cidadão português casado com a Embaixadora do país X em Portugal, explorava em
Sintra, há cerca de 3 anos, um estabelecimento comercial licenciado como café, com horário de
funcionamento entre as 7h00 e as 23h00.
Todas as noites após o encerramento, João facultava aquele espaço, em troca de dinheiro, a
um grupo de jovens estrangeiros (de idades compreendidas entre os 16 e os 25 anos e sem
conhecimentos de língua portuguesa) para a prática de atos de prostituição. No dia 5 de dezembro de
2021, Maria, que vive no edifício adjacente ao do café, apercebendo-se da situação, apresenta uma
denúncia às autoridades, que prontamente se deslocam até ao local e detêm João pela prática dos
crimes de lenocínio (p.e.p. pelo art. 169.º do CP) e de lenocínio de menores (p.e.p. pelo art. 175.º do
CP).
a) João entende que não poderia ter sido detido, por beneficiar de imunidade
diplomática em virtude do seu casamento com a Embaixadora do país X. Concorda com João?
Fundamente a sua resposta.
Por força do princípio da igualdade e universalidade (art. 12.º e 13.º CRP) a lei penal deve
ser aplicada a todos os cidadãos de igual modo. À partida alguém que pratica um facto ilícito típico
culposo, que é punível, a pessoa será punida pela prática do facto.
Contudo, esta aplicação de lei penal em condições de universalidade e igualdade tem
algumas restrições, as quais podem ser limitações temporárias ou limitações impostas pelo exercício
de funções. Estas não existem para gerar impunidade (pois ninguém está cima da lei), mas decorrem
do facto de existirem pessoas que por exercerem um determinado caso, com relevância pública, e
para que o possa exercer de forma plena e livre têm de receber um determinado privilégio, sendo
tratadas pelo menos temporariamente de forma diferente – é atribuída uma irresponsabilidade
temporal. Isto são os regimes gerais de imunidades.
A imunidade é definida, por Marcos da Silva, como um privilégio por força do qual a pessoa
a que é atribuído não fica sujeita à jurisdição do estado ou não lhe são aplicadas as penas previstas
na lei.
Neste caso o J invoca a imunidade diplomática, isto é, qualquer agente diplomático (DL 40-
A/98 de 27 de fevereiro) beneficia de uma imunidade. Esta existe para garantir que os diplomatas

52
Ana Paula Pinto
não sejam perturbados nas suas funções, pois as suas funções são uma emanação da soberania do
estado acreditante, o estado que os nomeou.
O seu conteúdo está previsto em diplomas internacionais: como Convenção de Viena sobre
relações diplomáticas de 1961; CV sobre relações consolares de 1963.
Pelo art. 37.º do primeiro diploma, o J não pode beneficiar porque é nacional do estado
acreditador (Portugal). Como é português vai caber na parte final, não vai gozar dos privilégios que
são concedidos à sua mulher.
Quanto à esposa (diplomata) esta tem imunidade absoluta no exercício das suas funções. As
imunidades abrangem os familiares, como forma de impedir que alguém possa utilizar a família para
afetar o diplomata indiretamente.

b) Sendo João acusado da prática dos crimes mencionados, Jeroen – Presidente da


República do país X e amigo íntimo daquele – oferece ao responsável pela tradução das
declarações dos jovens estrangeiros a quantia de 300.000€, com o intuito de o convencer a
apresentar traduções falsas que favoreçam o arguido no julgamento. Quid iuris? E se tivesse
sido o Presidente da República Portuguesa a fazer tal oferta ao tradutor?
Continuamos no ramo do regime geral das imunidades.
No entanto, estamos a falar de um presidente da República que pratica um crime de
suborno. Os chefes de estado estrangeiros têm uma imunidade absoluta quando exercem o cargo,
porque o chefe de estado, nomeadamente o PR são a figura máxima de representação do
país/estado, e quando estamos a lidar com etas figuras acaba por ser uma questão de soberanias
que estão em choque. Se fossemos enquanto estado português aplicar a lei penal ao chefe de estado
X estaríamos a afetar a soberania do seu estado. Nenhum estado é superior a outro e nenhum
exerce jurisdição sobre outro.
Não existe nenhuma regra que determine que Chefe de Estado tenha imunidade, mas esta
regra costumeira é mencionada e pressuposto numa série de diplomas internacionais.
Esta imunidade absoluta tem de ser analisada com cuidado, pois desdobra-se em duas
dimensões. Por um lado, os factos de natureza criminal praticados pelo CE que pratica como CE, por
outro lado, fatos de natureza criminal de foro privado praticados por ele como mero cidadão.

53
Ana Paula Pinto
A imunidade em razão da matéria ou função desempenhada, está isento de responsabilidade
penal, quanto aos factos praticados enquanto CE. Contudo esta imunidade tem dois limites: um de
carater internacional e outro de carater nacional.
O primeiro diz respeito aos crimes cometidos perante o exercício do cargo que estejam
previstos no estatuto penal internacional, crimes de guerra, tortura, genocídio. Nestes casos, uma
vez que cesse as suas funções enquanto chefe de estado pode responder perante o Tribunal penal
internacional. O segundo limite consiste na possibilidade de o estado de origem através da sua lei
nacional poder prever responsabilidade penal pelos factos cometidos durante o exercício da função.
Nestas situações apenas do DP português não pode intervir.
Em relação ao segundo, o Chefe de Estado tem uma imunidade pessoal, que consiste no
facto de ele ter imunidade enquanto exerce o cargo e quando terminar o cargo, ou termine o seu
mandato cessa também a imunidade.
No nosso caso temos um Chefe de Estado que goza de uma imunidade absoluta, mas pratica
um facto no foro privado, pois quer ajudar um amigo. Por isso, enquanto for PR daquele país goza
de imunidade, neste caso pessoal, quando terminar o cargo, termina também esta imunidade,
passando a ser tratado como um cidadão normal. Logo após a cessação do mandato será julgado
como mero cidadão.

E se tivesse sido o Presidente da República Portuguesa a fazer tal oferta ao tradutor?


Por força do princípio da igualdade e universalidade (art. 12.º e 13.º CRP) a lei penal deve
ser aplicada a todos os cidadãos de igual modo. À partida alguém que pratica um facto ilícito típico
culposo, que é punível, a pessoa será punida pela prática do facto.
Contudo, esta aplicação de lei penal em condições de universalidade e igualdade tem
algumas restrições, as quais podem ser limitações temporárias ou limitações impostas pelo exercício
de funções. Estas não existem para gerar impunidade (pois ninguém está cima da lei), mas decorrem
do facto de existirem pessoas que por exercerem um determinado caso, com relevância pública, e
para que o possa exercer de forma plena e livre têm de receber um determinado privilégio, sendo
tratadas pelo menos temporariamente de forma diferente – é atribuída uma irresponsabilidade
temporal. Isto são os regimes gerais de imunidades.

54
Ana Paula Pinto
A imunidade é definida, por Marcos da Silva, como um privilégio por força do qual a pessoa
a que é atribuído não fica sujeita à jurisdição do estado ou não lhe são aplicadas as penas previstas
na lei.
A resposta é um pouco semelhante. Estamos no domínio de uma exceção aplicáveis aos
titulares de cargos políticos, estando sujeitos a uma lei especial, Lei nº34/87.
Agora, é o PR português que oferece essa quantia ao tradutor de forma que este manipule
as traduções beneficiando o arguido.
As imunidades do chefe do estado português são imunidades de titulares de cargos políticos
(que também inclui deputados, membros do governo, que estes últimos, encontram-se protegidos
por condições procedimentais para a efetivação da sua responsabilidade criminal). Assim, o PR goza
de imunidades relativas previstas no art. 130.º CRP.
Este regime desdobra-se em 2: se o PR praticar crimes no exercício de funções (º1,2 e 3),
quase que nem responde a uma imunidade propriamente dita, pois responde perante o STJ por
iniciativa da AR mediante proposta de 1/5 e deliberação aprovada por maioria de 2/3. A sua
condenação a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição (pena acessória de aplicação
automática).
Se forem crimes estranhos às funções presidenciais, aplica-se o art. 130.º/4 que diz que o PR
responde criminalmente depois de terminar mandado perante tribunais comuns, ou seja, durante
o mandato, não poderá ser submetido à justiça criminal (devido à estabilidade daquele mandato,
aos interesses públicos subjacentes à sua eleição e que não prejudicando as funções específicas que
são de importância acrescida para o estado PT); findo o mandato, já pode responder, como qualquer
cidadão.
Aqui, também se conclui que PR praticou crimes do foro privado pelo que responde perante
tribunais comuns findo o seu mandato (art. 130.º/4 CRP), pois trata-se de um crime de suborno que
nada tem haver com as suas funções – crime estranho ao exercício de funções. Desta forma, vai ter
uma imunidade relativa porque é uma imunidade temporária, art. 130.º/4.

Caso Prático 2
No dia 27 de outubro de 2018 reuniu-se a Assembleia da República para debater e votar a
proposta de lei do Orçamento do Estado para o ano de 2019. Anabela, deputada, fez uso da palavra
e afirmou que “o orçamento proposto é uma ofensa aos cidadãos portugueses, que devem unir-se e
55
Ana Paula Pinto
organizar um motim armado em São Bento para demonstrar ao Governo o seu profundo
descontentamento, porque só a violência pode funcionar”.
No dia seguinte, um afamado colunista político do jornal diário Última Hora redigiu uma
reflexão sobre o debate, na qual referiu que “a deputada excedeu os limites da liberdade de
expressão, pelo que deve ser criminalmente responsabilizada por atentar contra a paz pública
através da prática de um crime de instigação pública a um crime (p.e.p. pelo art. 297.º CP)”.
Comente a afirmação do colunista.
Por força do princípio da igualdade e universalidade (art. 12.º e 13.º CRP) a lei penal deve
ser aplicada a todos os cidadãos de igual modo. À partida alguém que pratica um facto ilícito típico
culposo, que é punível, a pessoa será punida pela prática do facto.
Contudo, esta aplicação de lei penal em condições de universalidade e igualdade tem
algumas restrições, as quais podem ser limitações temporárias ou limitações impostas pelo exercício
de funções. Estas não existem para gerar impunidade (pois ninguém está cima da lei), mas decorrem
do facto de existirem pessoas que por exercerem um determinado caso, com relevância pública, e
para que o possa exercer de forma plena e livre têm de receber um determinado privilégio, sendo
tratadas pelo menos temporariamente de forma diferente – é atribuída uma irresponsabilidade
temporal. Isto são os regimes gerais de imunidades.
A imunidade é definida, por Marcos da Silva, como um privilégio por força do qual a pessoa
a que é atribuído não fica sujeita à jurisdição do estado ou não lhe são aplicadas as penas previstas
na lei.
No caso estamos perante uma deputada que possui imunidade devido à limitação imposta
pelo exercício de função, sendo a exceção aplicável aos titulares de cargos políticos. Esta imunidade
está prevista no art. 157.º CRP.
O art. 157.º/1 CRP diz que deputados não responderão criminalmente pelos votos e opiniões
emitidos no exercício de suas funções. A ratio reside no facto de o exercício da função parlamentar
advir de uma eleição democrática, tendo o seu núcleo duro no exercício da democracia
representativa; assim, devem os deputados ser o mais livres possível nas suas opiniões e, devido a
isso, não devem estes ser pressionados.
No entanto, a questão não assim tão simples, porque doutrina entender que expressão
“exercício de funções” deve ser corretamente enquadrada, já que nem tudo é exercício das suas

56
Ana Paula Pinto
funções, uma interpretação muito literal pode levar a consequências nefastas, porque a sua
intervenção pode levar a violações dos bens jurídicos.
No entendimento de Faria Costa, declarações de deputados devem ser emitidas no uso
exclusivo das suas funções e nos legítimos limites das suas funções, não pode ser um abuso ou
violação dos deveres inerentes à função.
Assim, para saber se a declaração da deputada ultrapassou os limites do uso exclusivo das
suas funções e os legítimos limites das suas funções implica uma análise casuística.
A deputada instigou publicamente à prática de crimes, apelando a um motim e à violência,
o que em muito exorbita as suas funções, sendo que esta declaração declarações em nada têm a
ver a função de deputada, que é uma função dialogante e representativa do povo português.
Portanto, ultrapassa a normal dialética parlamentar, não há um legítimo exercício das funções
parlamentares, assim, não está abrangida pelas imunidades relativas do art. 157º/1 CRP.
Se Anabela, pode responder pelo crime previsto no art. 297.º CP, é necessário saber em que
termos. Desta forma, é necessário analisar o art. 157.º/2 e seguintes que contêm condições
processuais para que haja prossecução penal.
O nº2 que diz que deputados só podem ser ouvidos como arguidos mediante autorização da
AR, exceção, ou seja, autorização obrigatória quando há indícios de crime doloso a que corresponda
pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.
No caso, a decisão de autorização da AR não seria obrigatória porque não estamos perante
um crime p. e p. com prisão superior a 3 anos; pelo que a AR seria chamada a pronunciar-se, mas
não obrigatória a autorização,
Já o art. 153.º/3 diz que nenhum deputado pode ser detido ou preso (preso enquanto prisão
preventiva) sem autorização da AR, exceção de autorização obrigatória se crime corresponde crime
doloso a que corresponda pena de prisão superior a 3 anos e em flagrante delito (art. 255.º e 256.º
CPP).
No nosso caso, a deputada poderia ser detida ou presa preventivamente com autorização
da AR porque foi um crime em flagrante delito.
Por fim, o art. 157.º/4 diz que se for movido processo criminal e acusado definitivamente,
AR decide se deputado deve ou não ser suspenso com a exceção da decisão de suspensão ser
obrigatória para crimes em flagrante delito e crimes com prisão superior 3 anos.

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Ana Paula Pinto
Neste caso, como vimos que preenche todos os pressupostos, caso movido procedimento
criminal e acusada definitivamente, a decisão de suspensão dessa deputada seria obrigatória.

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Ana Paula Pinto
2º semestre

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Ana Paula Pinto
FICHA 7
Caso prático 1
Classifique os seguintes tipos incriminadores, de acordo com os elementos
respeitantes ao autor, à conduta, ao bem jurídico e ao modo de execução:
Os tipos incriminadores podem ser classificados de formas diversas consoante o elemento a
que nos referimos: autor, conduta, bem jurídico e modo de exceção.
Quanto ao bem jurídico tutelado pelo tipo legal, podem ser crimes simples (tutela apenas
um bem jurídico) ou complexos (tutelam vários bens jurídicos).
Quanto ao grau de lesão do bem jurídico, os crimes podem ser de dano (há uma lesão efetiva
ou uma perda do bem jurídico), de perigo (onde não há lesão efetiva do bem jurídico, mas apenas
uma colocação em perigo, podendo ser concreto, abstrato ou abstrato-concreto).
Em relação à realização da conduta, os crimes podem ser de resultado/materiais (há um
resultado, ou seja, há uma alteração externa espácio-temporalmente distinta da conduta) e de mera
atividade/crimes formais (onde não se exige um resultado, mas antes esgotam-se na realização da
conduta, o conteúdo da ilicitude esgota-se na realização da conduta).
Quanto à autoria, os crimes podem ser comuns (o tipo legal não particulariza o agente, o
tipo não exige certas características ao agente, pode ser cometido por qualquer pessoa) ou
específicos (tipo legal exige concretas características ao agente, podendo ser: específicos próprios
e impróprios).
Quanto ao modo de execução, os crimes podem ser de execução livre (crime cujo tipo legal
não descreve o modo de realização da ação ou do resultado) pode ser realizado de ou de execução
vinculada (o tipo legal já vai descreve o modo de realização da ação ou do resultado).
Por fim, quanto à consumação, os crimes podem ser de execução instantânea (cuja
consumação da ação ou do resultado é imediata) ou duradouros ou execução permanente
(consumação prolonga-se no tempo).

Artigo 131º (Homicídio)


Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.
O tipo legal em apreço corresponde ao crime de homicídio, presente mo art. 131.º CP, tendo
como bem jurídico protegido por este tipo legal é a vida, a vida humana começa com as contrações

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Ana Paula Pinto
no parto e termina com a cessação da função do tronco cerebral (o início e termo da vida delimita
vários crimes – aborto, homicídio, profanação de cadáver).
O homicídio é um crime simples porque o que está aqui a ser protegido é a vida humana, só
existe um bem jurídico a ser tutelado. É um crime de dano porque há lesão efetiva da vida que é o
bem jurídico protegido. É um crime de resultado, uma vez que há alteração externa que é a morte,
pois o nosso agente atua e vítima morre, entre atuação do agente e produção do resultado há um
hiato que medeia a conduta do agente e a produção do resultado, que é a morte (exemplos – ofensa
identidade física, a lesão física é alteração externa espácio-temporalmente distinta da conduta). O
homicídio é comum, pois o tipo legal não fornece características da vítima – a vítima surge
indiscriminada. O homicídio simples é crime de execução livre, é um instantâneo.
Portanto, o homicídio é crime simples, de dano, de resultado, comum, de execução livre e
de execução instantânea

Artigo 132º (Homicídio Qualificado)


1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou
perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.
2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o
número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:
a) Ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da vítima;
(...)
f) Ser determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem
étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da
vítima;
(...)
i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso.
O tipo legal em apreço corresponde ao crime de homicídio qualificado, presente mo art. 132.º
CP, tendo como bem jurídico protegido por este tipo legal é a vida.
Desta forma quanto ao autor é nas alíneas a, b + m: um crime específico improprio, pois há
uma relação de especial entre o agente e a vítima, mas não fundamenta a responsabilidade, apenas
agrava a responsabilidade penal, já na alínea f + l é um crime de autor comum. Quanto à conduta é

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Ana Paula Pinto
um crime de resultado (a morte da vítima), quanto ao modo de execução nas alíneas a+ f é um crime
livre, já nas alíneas d +h +i é um crime vinculado. Quanto ao bem jurídico em relação ao número é
simples e quanto ao grau, é um crime de dano.

Artigo 136º (Infanticídio)


A mãe que matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência
perturbadora, é punida com pena de prisão de 1 a 5 anos.
O tipo legal em apreço corresponde ao crime infanticídio, presente mo art. 132.º CP, tendo
como bem jurídico protegido por este tipo legal é a vida do filho.
Desta forma quanto ao autor há divergência na doutrina. Por um lado, há quem considere
que é um crime específico próprio porque é por causa das circunstâncias da perturbação do parto
(coisa diferente é quando existe um comum e depois por ser determinada pessoa agrava se a pena),
por outro lado há quem defenda que é um crime impróprio porque existe uma relação especial que
existe, mas não fundamenta o ilícito, ou seja, a relação especial não é grave ou ilícita in casu, mas
antes o efeito agravante é naturalizado pela culpa diminuída do agente.
Quanto à conduta é um crime de resultado (a morte da vítima), quanto ao modo de
execução é um crime livre. Quanto ao bem jurídico em relação ao número é simples e quanto ao
grau, é um crime de dano.

Artigo 138º (Exposição ou abandono)


1 - Quem colocar em perigo a vida de outra pessoa:
a) Expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só por si, não possa
defender-se; ou «« Crime de exposição
Aqui quanto ao autor é um crime comum.
b) Abandonando-a sem defesa, sempre que ao agente coubesse o dever de a
guardar, vigiar ou assistir; é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. ««« Crime de
abandono
Aqui quanto ao autor é um crime específico próprio (tem dever de garante perante a vítima,
fundamenta o tipo incriminador, a responsabilidade penal).
2 - Se o facto for praticado por ascendente ou descendente, adotante ou adotado da vítima,
o agente é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.

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Ana Paula Pinto
O tipo legal em apreço corresponde ao crime de exposição ou abandono, presente mo art.
138.º CP, tendo como bem jurídico protegido a vida.
Desta forma quanto ao autor é um crime específico improprio, dado que a relação familiar
não fundamenta a incriminação, mas agrava-a.
Quanto à conduta é um crime de resultado (na opinião de Paulo Pinto, pois há uma alteração
na vida da vítima, há um resultado geral que é a colocação da criança em perigo), quanto ao modo
de execução é um crime livre. Quanto ao bem jurídico em relação ao número é simples e quanto ao
grau, é um crime de perigo concreto – “criar esse modo de perigo”, “colocar em perigo”, “por em
perigo”.

3 - Se do facto resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de 2 a
8 anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.
Aqui há uma agravação da pena mediante o resultado, isto é, há um crime agravado pelo
resultado que advém da realização do tipo incriminador. Esta agravação tem de estar prevista
na lei.
O crime agravado surge do direito canónico “Versare in re ilicita”, ou seja, quem pratica
um ilícito tem de responder pelas consequências do ato.
Já no século XIX, o crime preterintencional, ou seja, um crime fundamental doloso com
um resultado agravante não doloso que advém da realização do tipo incriminador fundamental,
tinha sempre de ser crime negligente. A consequência seria uma pena agravada que deveria ser
maior do que aquela que resultaria da aplicação das regras gerais do cúmulo jurídico em causa:
do concurso do crime fundamental doloso com o crime agravante negligente. Batava exigir um
nexo de causalidade, não era necessário o analisar da conduta culposa do agente e a produção
de resultados.
Agora, o art. 18.º é um crime agravado pelo resultado:
͢ o crime fundamental pode ser doloso ou negligente;
͢ o resultado agravante não tem necessariamente de ser um crime ou um crime
negligente, basta ser um facto ou estado ou situação que em si mesma não constitui um
63
Ana Paula Pinto
crime (ex. art. 277.º/5). O resultado agravante pode ser um facto típico concebido com
dolo, hipótese em que a lei apenas puna o facto cometido com dolo direto.
͢ A determinação da pena aplicada ao crime agravado pelo resultado vai ser diferente, já
não é uma agravação superior
FD: o que sustenta o crime agravado é a especialidade do nexo que existe entre o crime
fundamental e o resultado agravante que se consubstancia no perigo normal típico que está
ligado à realização do crime fundamental. Consequentemente, pelo menos, na negligencia
grosseira do agente que violou a dever de cuidado e não previu corretamente a possibilidade
da sua conduta levar à produção de resultado.

Artigo 292º (Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de


estupefacientes ou substâncias psicotrópicas)
1 - Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via
pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido
com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não
couber por força de outra disposição legal.
O tipo legal em apreço corresponde ao crime de condução de veículo em estado, presente
mo art. 292.º CP, tendo vários bens jurídicos protegidos.
Desta forma quanto ao autor é um crime comum. Quanto à conduta é um crime de mera
atividade. Quanto ao modo de execução é um crime vinculado. Quanto ao bem jurídico em relação
ao número é complexo e quanto ao grau, é um crime de perigo abstrato, há presunção inilidível de
perigosidade da conduta baseada em estudos médico-científicos, …
No entanto, no nº2 é um crime abstrato-concreto, “não estando em condições”, significa
exigir a conduta para criar perigo para o bem jurídico protegido pela norma, abra porta à
possibilidade de avistar a perigo cidade, isto é, pode ser objeto de um juízo negativo.

Artigo 154º-A (Perseguição)


1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta
ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua
liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena
mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
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Ana Paula Pinto
Retirado da convenção do Conselho da Europa (foi uma grande conquista)

O tipo legal em apreço corresponde ao crime de perseguição, presente no art. 154.º-A CP.
Desta forma quanto ao autor é um crime comum. Quanto à conduta é um crime mera
atividade. Quanto ao modo de execução é um crime livre (“por qualquer meio”). Quanto ao bem
jurídico em relação ao número é simples (liberdade de decisão) ou complexo (vida, integridade, …)
e quanto ao grau, é um crime de perigo abstrato-concreto (“de forma adequada”).
!!! Crime factual: o tipo de incriminador exige a reiteração da prática da conduta típica, ou seja,
deve haver práticas reiteradas
≠ crimes instantâneos ≠ crimes duradouros ou de execução permanente (cuja consumação se
prolonga no tempo por vontade do autor)
≠ crime continuado (art. 30.º/2 CP): requer uma reiteração das condutas, cada uma pode por si ser
suscetível de punição, qualquer conduta pode ser tratada sozinha

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Ana Paula Pinto
FICHA 8
Caso prático 1
D, canalizador, foi contratado por E para reparar uma fuga de água num cano da casa de
banho da fração autónoma propriedade deste último. Apesar de empregar os cuidados habituais
nesse tipo de reparações, sucedeu que, em virtude de uma perfuração no chão da casa de banho,
foi atingido um cabo elétrico que provocou um curto-circuito na fração autónoma situada em
baixo e de que F era proprietário. Em virtude do estrondo, F, que estava a tomar banho, assustou-
se e caiu na banheira, tendo fraturado a coluna cervical.
F apresentou queixa-crime contra D e o M.P. deduziu acusação contra este último,
imputando-lhe a prática do delito p. e p. pelo art. 148.º, n.º 3, por referência ao art. 144.º, al. c),
ambos do CP.
Do estrito ponto de vista da «imputação objetiva» do resultado à conduta, refira-se,
fundadamente, à responsabilidade jurídico-penal de D.
Neste caso prático, o propósito é aferir se é possível ou não imputar o resultado a uma
conduta (ativa ou omissiva) do agente, sendo necessário uma exigência mínima de causalidade.
Para saber se, do ponto de vista da imputação objetiva do resultado à conduta, a
responsabilidade jurídico-penal do nosso agente, há que analisar 3 degraus/teorias relativamente a
esta matéria.
Em primeiro lugar, a teoria da equivalência das condições/conditio sine qua non que
determina a causa de um resultado será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar. O
próprio resultado será considerado individual, pois vai ser sempre a soma de todas as condições que
o determinaram.
Aqui, o juiz vai ter de fazer um exercício de supressão mental, vai ter de olhar para todas as
condições e suprir-se o resultado seria produzido na mesma condição. se não for, essa condição
será relevante, causal, sem ela não haveria resultado.
No caso, ao suprir a ação (conduta do canalizador) não se produzia o resultado, isto é, sem
ação de D, o F não se teria magoado. A ação de D é uma verdadeiramente uma condição sine qua
non das relações de F.
No entanto, surgem problemas: leva a um raciocínio infinito, ou seja, leva o julgador buscar
a conduta mais longínqua. Dá um objeto da valorização jurídica de extensão exagerada; não tem em
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Ana Paula Pinto
consideração eventuais interrupções do nexo de causalidade; não funciona em situações de
causalidade virtual, dupla ou alternativa e é inadaptada aos problemas atuais criminais,
nomeadamente criminalidade ambiental.
Portanto esta teoria de base naturalista não é suficiente como critério de imputação do
resultado da ação.
Assim, em segundo lugar aplicamos a teoria da causalidade adequada, art. 10.º/1 CP (uma
verdadeira teoria normativa).
Nesta só serão relevantes aquelas condutas que se revelem idóneas e adequadas a produzir
o resultado segunda as máximas da experiência, da normalidade do acontecer e aquilo que em geral
é previsível como causa idónea e adequada.
No caso: o resultado da ação do canalizador não será imputável à sua ação, pois ao fazer o
juízo com as regras especiais de conhecimento não era previsível aquele resultado pelo que se nega
a imputação do resultado da ação.
Contudo, podem surgir problemas, nomeadamente perante certas atividades que
comportam riscos para bens jurídicos e não estão proibidos porque seriam um retrocesso social.
Assim, vai ser complementada/corrigida pela teoria da conceção do risco: aferir a imputação
objetiva do resultado da ação sendo nem sempre se vai aplicar. Só em certas situações - corrigir o
resultado através do corretor de risco permitido.
No caso não se aplica.

Caso prático 2
A partiu, durante a noite, os dois únicos candeeiros que se encontravam na entrada do
edifício urbano em que habitava, deixando o patamar sem iluminação. Daí a alguns minutos, o
menor B, dada a ausência de visibilidade, tropeçou, bateu com a cara no chão e, em virtude dos
vidros que aí se encontravam, ficou com o rosto totalmente desfigurado. Conduzido ao hospital
numa ambulância, veio a perecer devido a um acidente de viação provocado por C que,
conduzindo embriagado, embateu na ambulância.
1. Tomando em consideração que os ferimentos na face de B, para além da
desfiguração, lhe provocaram perigo para a vida, avalie, de modo fundamentado, a
responsabilidade jurídico-criminal de A e de C.
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Ana Paula Pinto
Neste caso prático, o propósito é aferir se é possível ou não imputar o resultado a uma
conduta (partir os candeeiros de A ou o acidente de viação provocado por C) do agente, sendo
necessário uma exigência mínima de causalidade, sendo necessário analisar o nexo de causalidade
entre a ação e o resultado de cada agente.
Esta matéria insere-se no tipo objetivo de ilícito, que tem que ver com a factualidade típica,
com o preenchimento do tipo legal. Taipa da Carvalho vem dizer que “o tipo objetivo de ilícito é
formado pelos elementos do tipo legal dotados de materialidade, de consistência e de autonomia
face ao próprio agente do crime”.
Para saber se, do ponto de vista da imputação objetiva do resultado à conduta, a
responsabilidade jurídico-penal do agente A, há que analisar 3 degraus/teorias relativamente a esta
matéria.
Em primeiro lugar, a teoria das condições equivalentes que determina a causa de um
resultado será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar. O próprio resultado será
considerado individual, pois vai ser sempre a soma de todas as condições que o determinaram.
Aqui, o juiz vai ter de fazer um exercício de supressão mental, vai ter de olhar para todas as
condições e suprir-se o resultado seria produzido na mesma condição. se não for, essa condição
será relevante, causal, sem ela não haveria resultado.
No caso, o juiz ao fazer o juízo de supressão mental, chegamos à conclusão de que se A não
tivesse partido os candeeiros, B não teria sofrido aquelas lesões e não teria ido de ambulância,
sofrendo o acidente provocado por C.
No entanto, surgem problemas: leva a um raciocínio infinito, ou seja, leva o julgador buscar
a conduta mais longínqua. Dá um objeto da valorização jurídica de extensão exagerada; não tem em
consideração eventuais interrupções do nexo de causalidade; não funciona em situações de
causalidade virtual, dupla ou alternativa e é inadaptada aos problemas atuais criminais,
nomeadamente criminalidade ambiental.
Portanto esta teoria de base naturalista não é suficiente como critério de imputação do
resultado da ação. Assim, em segundo lugar aplicamos a teoria da causalidade adequada/teoria da
adequação, art. 10.º/1 CP (uma verdadeira teoria normativa). Nesta só serão relevantes aquelas
condutas que se revelem idóneas e adequadas a produzir o resultado segunda as regras gerais da
experiência, da normalidade do acontecer e aquilo que em geral é previsível, tendo em conta a

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Ana Paula Pinto
condição do homem-médio como causa idónea e adequada. Assim, há que realizar um juízo de
prognose póstuma onde o julgador num momento posterior ao facto se deslocar mentalmente para
o momento da prática do facto onde o julgador terá de questionar se aquela conduta teria como
consequência previsível à produção daquele resulta.
No caso, é dito que o A, não existindo mais candeeiros. Assim a sua conduta era causa idónea
para uma pessoa naquela escuridão se magoasse, isto é, a conduta é idónea a gerar os ferimentos
a B, na sequência da sua queda.
É nos dita ainda que para além da desfiguração, os ferimentos causaram perigo para a vida,
por isso é levado para a ambulância no sentido de ser levado para o hospital.
Contudo, quando já está na ambulância, há um acidente, o que faz com que B morra. Apesar
desses ferimentos provocarem um perigo para a sua vida, acontece que o embate do carro na
ambulância é uma interrupção do nexo causal, ou seja A iniciou um processo causal, que era
adequado a provocar os ferimentos, que foi interrompido pela conduta de C. É nesse momento que
se vem a concretizar a morte. C está a interromper o nexo causal que A iniciou e está a causar outro.
Olhando para a conduta de C, quer de acordo com a primeira e a segunda teoria, C criou um
risco para um bem jurídico que era a vida de B, e esse risco foi a que que se materializou num
resultado típico que é a morte. Se o juiz fizesse um juízo de prognose póstuma iria chegar à
conclusão de que a condução sobre o efeito de álcool, é uma conduta adequada a gerar uma
conduta e consequentemente a morte de alguém.
Quanto a A poderíamos imputar as ofensas da integridade física; quanto a C poderíamos
imputar a morte.

2. A sua resposta seria a mesma se os mencionados ferimentos na face de B, para


além da desfiguração, não lhe tivessem provocado perigo para a vida?
A resposta seria a mesma, sendo diferente apenas a fundamentação, pois não teríamos uma
interrupção do nexo causal de A. Assim, ao A iriamos imputar as ofensas à integridade física. Quanto
a C iriamos imputar o resultado morte, embora a única diferença seja que não uma interrupção do
nexo causal começado por A.

Caso prático 3
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Ana Paula Pinto
A conduzia o seu automóvel no estrito cumprimento das regras legais. Ao passar um
cruzamento em que tinha prioridade, foi embatido de ambos os lados por outros dois veículos
conduzidos por X e Y, os quais, para além de perderem a prioridade no dito cruzamento,
circulavam em excesso de velocidade e, cada um deles, com uma taxa de álcool no sangue (TAS)
de 2 g/l. Do relatório da autópsia médico-legal de A, concluiu-se que a sua morte adviera de
hemorragias internas provocadas por uma das colisões, sem que se tivesse conseguido apurar qual
delas redundara na morte de A.
Quid iuris?
Neste caso prático, o propósito é aferir se é possível ou não imputar o resultado da colisão
ou de X ou de Y, agentes, sendo necessário uma exigência mínima de causalidade, sendo necessário
analisar o nexo de causalidade entre a ação e o resultado de cada agente.
Para saber se, do ponto de vista da imputação objetiva do resultado à conduta, a
responsabilidade jurídico-penal do agente A, há que analisar 3 degraus/teorias relativamente a esta
matéria.
Em primeiro lugar, a teoria das condições equivalentes que determina a causa de um
resultado será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar. O próprio resultado será
considerado individual, pois vai ser sempre a soma de todas as condições que o determinaram.
Aqui, o juiz vai ter de fazer um exercício de supressão mental, vai ter de olhar para todas as
condições e suprir-se o resultado seria produzido na mesma condição. se não for, essa condição
será relevante, causal, sem ela não haveria resultado.
No caso, o juiz ao fazer o juízo de supressão mental, chegamos a nenhuma conclusão, pois
estamos perante uma circunstância em que, se observa a presença de duas causas reais, duas causas
que se concretizam no evento lesivo, que embora sejam simultâneas, conjuntas, são em abstrato e
em partida, ambas passiveis, por si só, de conduzir à produção daquele resultado.
Estamos perante um dos problemas desta teoria, portanto esta teoria de base naturalista
não é suficiente como critério de imputação do resultado da ação.
Desta forma, estamos perante uma situação de causalidade alternativa. Esta existe quando
duas pessoas ou mais desencadeiam processos causais autónomos que se concretizam num único
evento lesivo e não se consegue provar qual deles produziu o resultado.

70
Ana Paula Pinto
A questão é, sendo que na imputação objetiva existe sempre uma base fática de trabalho,
se não se sabe qual das condutas é que provocou aquele resultado, em termos de nexo de
causalidade, fica aqui um ponto por resolver.
A doutrina maioritária tem entendido é negar a imputação objetiva, uma vez que não se
consegue provar qual das condutas produziu efetivamente o resultado, e, de acordo com o princípio
in dubio pro reo, o julgador deve optar pela decisão mais favorável ao agente – o que, no caso, será
a não imputação do resultado à conduta de nenhum dos agentes.
Assim, a única possibilidade de ser punido é através da punição da tentativa, o que implica
que a conduta do agente seja praticada a título doloso.
Neste caso conduziam com uma taxa de álcool significativa, temos um caso de negligencia,
pois à partida não tinha vontade de realizar este tipo de ilícito. Atendendo a esta situação de
causalidade alternativa, iriamos negar a imputação objetiva.
Estamos no domínio de condução de veículos, mas poderíamos aplicar a terceira teoria, pois
não estão cumpridas as regras de condução (excesso de velocidade e taxa de álcool no sangue
elevada).
Se fosse possível determinar qual as causas que se concretizou na produção do resultado,
então a imputação ficaria resolvida facilmente, sendo que ao autor da ação adequada a produzir o
resultado e que gerou este resultado, este resultado iria ser lhe imputado (a morte ser-lhe-ia
imputada). Quanto ao outro agente existiria a possibilidade de ser punida pela forma tentada, desde
que estejam preenchidos os requisitos subjetivos, nomeadamente de ser uma atuação dolosa.
A posição minoritária de Sara Prata defende que sendo possível o resultado tanto se produzir
tanto pela força de um agente ou por força de outro, então ambos os agentes devem ser punidos
pelo facto consumado.

Caso prático 4
C, eletricista, era funcionário de D, que se dedicava à perigosa atividade de montagem de
cabos elétricos de alta tensão. Em Setembro de 2002, enquanto C se encontrava em trabalhos num
poste, a central elétrica que abastecia aquela área sofreu uma sobrecarga acidental, o que
provocou a morte do trabalhador. Veio a apurar-se que D, para diminuir as despesas, não fornecia
aos seus trabalhadores o equipamento de proteção pessoal exigido por lei. Apurou-se, ainda, que,
71
Ana Paula Pinto
nas circunstâncias descritas e devido à intensidade da sobrecarga, nenhum equipamento evitaria
a morte de C.
1. Do estrito ponto de vista da “imputação objetiva” do resultado à conduta, refira-
se, fundadamente, à responsabilidade jurídico-penal de D.
Neste caso prático, o propósito é aferir se é possível ou não imputar o resultado (morte do
funcionário) a uma conduta (falta de equipamento de proteção) do agente (D), sendo necessário
uma exigência mínima de causalidade, sendo necessário analisar o nexo de causalidade entre a ação
e o resultado de cada agente.
Esta matéria insere-se no tipo objetivo de ilícito, que tem que ver com a factualidade típica,
com o preenchimento do tipo legal. Taipa da Carvalho vem dizer que “o tipo objetivo de ilícito é
formado pelos elementos do tipo legal dotados de materialidade, de consistência e de autonomia
face ao próprio agente do crime”.
Para saber se, do ponto de vista da imputação objetiva do resultado à conduta, a
responsabilidade jurídico-penal do agente D, há que analisar 3 degraus/teorias relativamente a esta
matéria.
Em primeiro lugar, a teoria das condições equivalentes que determina a causa de um
resultado será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar. O próprio resultado será
considerado individual, pois vai ser sempre a soma de todas as condições que o determinaram.
Aqui, o juiz vai ter de fazer um exercício de supressão mental, vai ter de olhar para todas as
condições e suprir-se o resultado seria produzido na mesma condição. se não for, essa condição
será relevante, causal, sem ela não haveria resultado.
No caso, o juiz ao fazer o juízo de supressão mental, chegamos à conclusão de que que sem
essa conduta teria acontecido na mesma o problema de descarga elétrica que levaria à morte.
Através desta teoria era a primeira vez que se negaria a imputação objetiva, porque o resultado
produzia-se na mesma.
No entanto, surgem problemas: leva a um raciocínio infinito, ou seja, leva o julgador buscar
a conduta mais longínqua. Dá um objeto da valorização jurídica de extensão exagerada; não tem em
consideração eventuais interrupções do nexo de causalidade; não funciona em situações de
causalidade virtual, dupla ou alternativa e é inadaptada aos problemas atuais criminais,
nomeadamente criminalidade ambiental.

72
Ana Paula Pinto
Portanto esta teoria de base naturalista não é suficiente como critério de imputação do
resultado da ação. Assim, em segundo lugar aplicamos a teoria da causalidade adequada/teoria da
adequação, art. 10.º/1 CP (uma verdadeira teoria normativa). Nesta só serão relevantes aquelas
condutas que se revelem idóneas e adequadas a produzir o resultado segunda as regras gerais da
experiência, da normalidade do acontecer e aquilo que em geral é previsível, tendo em conta a
condição do homem-médio como causa idónea e adequada. Assim, há que realizar um juízo de
prognose póstuma onde o julgador num momento posterior ao facto se deslocar mentalmente para
o momento da prática do facto onde o julgador terá de questionar se aquela conduta teria como
consequência previsível à produção daquele resulta.
No caso concreto, a morte seria uma consequência previsível da conduta de D.
Contudo, esta teoria vai ser complementada/corrigida pela teoria da conceção do risco, pois
podem surgir problemas, nomeadamente perante certas atividades que comportam riscos para
bens jurídicos e não estão proibidos porque seriam um retrocesso social.
No caso estamos perante um comportamento lícito alternativo, pois é uma atividade que
comporta risco de lesão de bens jurídicos tutelados criminalmente. Mesmo que D tivesse dado a C
o equipamento, este não teria evitado a morte.

Quando o comportamento lícito, ou seja, a conduta que potencia um risco conduzisse


seguramente à produção do mesmo resultado, então não devemos imputar a essa conduta o
resultado, devemos negar a imputação objetiva.
Quer a conduta do agente ou a conduta licita alternativa daria exatamente nas mesmas
condições produção do resultado e, portanto, incriminar a conduta do B, seria punir o
incumprimento de um dever, cujo incumprimento é tido inútil. Consubstancia numa violação do
princípio da igualdade.
Do ponto de vista da imputação objetiva iriamos negar a imputação, pois o resultado seria
sempre o mesmo.

2. Suponha, agora, que D não fornecera a C o equipamento de segurança porque


ansiava vê-lo morto e que, no exato momento da sobrecarga na central elétrica, C foi
também atingido na cabeça por uma pedra lançada por E com intenção de o matar, tendo-

73
Ana Paula Pinto
se apurado que o óbito adveio da conjugação entre o primeiro fator e o traumatismo
provocado pelo arremesso da pedra. Quid iuris?
Essas duas condutas foram necessárias para produzir o resultado, a morte. Portanto estamos
perante um caso de causalidade cumulativa, na medida em que o evento típico, ou seja, a morte é
um produto de causas múltiplas, sendo que cada uma dessas causas é insuficiente por si só para
produzir o resultado. Os dois agentes iniciam dois processos causais e só através da junção dos dois
é que é possível produzir o resultado.
Para saber se, do ponto de vista da imputação objetiva do resultado à conduta, a
responsabilidade jurídico-penal do agente A, há que analisar 3 degraus/teorias relativamente a esta
matéria.
Em primeiro lugar, a teoria das condições equivalentes que determina a causa de um
resultado será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar. O próprio resultado será
considerado individual, pois vai ser sempre a soma de todas as condições que o determinaram.
Aqui, o juiz vai ter de fazer um exercício de supressão mental, vai ter de olhar para todas as
condições e suprir-se o resultado seria produzido na mesma condição. se não for, essa condição
será relevante, causal, sem ela não haveria resultado.
No caso, o juiz ao fazer o juízo de supressão mental, tanto uma ação como a outra seriam
causais. Se não tivesse atirado a pedra, o resultado morte não se produzia e sem o equipamento o
resultado também não se produzia. Assim, as duas ações são causais.
No entanto, surgem problemas: leva a um raciocínio infinito, ou seja, leva o julgador buscar
a conduta mais longínqua. Dá um objeto da valorização jurídica de extensão exagerada; não tem em
consideração eventuais interrupções do nexo de causalidade; não funciona em situações de
causalidade virtual, dupla ou alternativa e é inadaptada aos problemas atuais criminais,
nomeadamente criminalidade ambiental.
Portanto esta teoria de base naturalista não é suficiente como critério de imputação do
resultado da ação. Assim, em segundo lugar aplicamos a teoria da causalidade adequada/teoria da
adequação, art. 10.º/1 CP (uma verdadeira teoria normativa). Nesta só serão relevantes aquelas
condutas que se revelem idóneas e adequadas a produzir o resultado segunda as regras gerais da
experiência, da normalidade do acontecer e aquilo que em geral é previsível, tendo em conta a
condição do homem-médio como causa idónea e adequada. Assim, há que realizar um juízo de

74
Ana Paula Pinto
prognose póstuma onde o julgador num momento posterior ao facto se deslocar mentalmente para
o momento da prática do facto onde o julgador terá de questionar se aquela conduta teria como
consequência previsível à produção daquele resulta.
No caso, iriamos negar a imputação, pois elas isoladamente (sem acordo), não produziriam
o resultado típico, não conseguimos presumir que era previsível que houvesse a produção do
resultado típico, e, portanto, não poderiam ser punidos por um homicídio consumado, mas apenas
a título de tentativa, na medida, em que havia dolo.

Caso prático 5
A regressava de uma montaria ao javali na Serra do Alvão quando se deparou com B,
motociclista que se havia despistado momentos antes e que agora se esvaía em sangue no meio
da estrada. Quando A se aproximou para prestar auxílio, B implorou que lhe pusesse fim ao
sofrimento, afirmando que se encontrava condenado. A acedeu ao pedido de B, desferindo-lhe
um tiro mortal.
Do relatório da autópsia constava que B, devido às lesões provocadas pelo acidente de
viação, nunca chegaria vivo ao hospital.
Do estrito ponto de vista da imputação objetiva, avalie a responsabilidade de A.
Neste caso prático, o propósito é aferir se é possível ou não imputar o resultado a uma do
agente, sendo necessário uma exigência mínima de causalidade, sendo necessário analisar o nexo
de causalidade entre a ação e o resultado de cada agente.
Esta matéria insere-se no tipo objetivo de ilícito, que tem que ver com a factualidade típica,
com o preenchimento do tipo legal. Taipa da Carvalho vem dizer que “o tipo objetivo de ilícito é
formado pelos elementos do tipo legal dotados de materialidade, de consistência e de autonomia
face ao próprio agente do crime”.
Para saber se, do ponto de vista da imputação objetiva do resultado à conduta, a
responsabilidade jurídico-penal do agente A, há que analisar 3 teorias relativamente a esta matéria.
Em primeiro lugar, a teoria das condições equivalentes que determina a causa de um
resultado será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar. O próprio resultado será
considerado individual, pois vai ser sempre a soma de todas as condições que o determinaram.

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Ana Paula Pinto
Aqui, o juiz vai ter de fazer um exercício de supressão mental, vai ter de olhar para todas as
condições e suprir-se o resultado seria produzido na mesma condição. se não for, essa condição
será relevante, causal, sem ela não haveria resultado.
No caso, a conduta de A gerou o resultado, por isso existe o nexo de causalidade entre o
resultado e a conduta.
No entanto, surgem problemas: leva a um raciocínio infinito, ou seja, leva o julgador buscar
a conduta mais longínqua. Dá um objeto da valorização jurídica de extensão exagerada; não tem em
consideração eventuais interrupções do nexo de causalidade; não funciona em situações de
causalidade virtual, dupla ou alternativa e é inadaptada aos problemas atuais criminais,
nomeadamente criminalidade ambiental.
Portanto esta teoria de base naturalista não é suficiente como critério de imputação do
resultado da ação. Assim, em segundo lugar aplicamos a teoria da causalidade adequada/teoria da
adequação, art. 10.º/1 CP (uma verdadeira teoria normativa). Nesta só serão relevantes aquelas
condutas que se revelem idóneas e adequadas a produzir o resultado segunda as regras gerais da
experiência, da normalidade do acontecer e aquilo que em geral é previsível, tendo em conta a
condição do homem-médio como causa idónea e adequada. Assim, há que realizar um juízo de
prognose póstuma onde o julgador num momento posterior ao facto se deslocar mentalmente para
o momento da prática do facto onde o julgador terá de questionar se aquela conduta teria como
consequência previsível à produção daquele resulta.
No caso, balear uma pessoa é uma condição adequada à produção do resultado: dano morte.
A conduta provoca a morte, mas existe o problema de causalidade virtual (ou hipotética),
porque estamos perante uma situação em que o agente produz o resultado, mas se ele não tivesse
atuado o resultado ter-se-ia produzido em tempo e sob condições tipicamente semelhantes por
força de uma ação de terceiro ou de um acontecimento natural.
As lesões que o sujeito B sofreu na sequência daquele acidente de viação são a causa virtual,
porque essas razões teriam provocado a morte/resultado se o A não tivesse agido da forma como
agiu. (Se o A não tivesse dado o tiro a B, o B morria à mesma devido ao acidente)
A causa virtual não tem relevância, o que significa que não é suscetível de afastar a
imputação objetiva, pois apesar de o bem jurídico estar condenado a perder-se, o direito penal tem
como função a tutela apenas subsidiária (último rácio) de bens jurídicos, não se pode admitir o

76
Ana Paula Pinto
abandono do bem jurídico à agressão do agente, mesmo que saibamos que a vida de B não pudesse
ser salva.
Portanto, não sendo a causa virtual relevante, teremos de afirmar a imputação objetiva da
morte à conduta de A.

Caso prático 6
A era o responsável por um matadouro municipal. No decurso da laboração, o funcionário
B foi ferido por um animal que estava a ser descarregado. Passado um mês, B veio a falecer.
Do relatório da autópsia médico-legal concluiu-se que o funcionário morrera em virtude
de uma infeção sanguínea rara, causada por uma bactéria que se encontrava no animal.
Averiguou-se que uma desparasitação com um determinado produto, aquando da chegada do
animal ao matadouro, seria suficiente para eliminar a bactéria, mas que tal desparasitação não era
ainda obrigatória em Portugal, apesar de haver uma simples recomendação dos órgãos
competentes da U.E. nesse sentido.
1. Do ponto de vista da imputação objetiva, refira-se à responsabilidade jurídico-
penal de A.
Neste caso prático, o propósito é aferir se é possível ou não imputar o resultado a uma do
agente, sendo necessário uma exigência mínima de causalidade, sendo necessário analisar o nexo
de causalidade entre a ação e o resultado de cada agente.
Esta matéria insere-se no tipo objetivo de ilícito, que tem que ver com a factualidade típica,
com o preenchimento do tipo legal. Taipa da Carvalho vem dizer que “o tipo objetivo de ilícito é
formado pelos elementos do tipo legal dotados de materialidade, de consistência e de autonomia
face ao próprio agente do crime”.
Para saber se, do ponto de vista da imputação objetiva do resultado à conduta, a
responsabilidade jurídico-penal do agente A, há que analisar 3 teorias relativamente a esta matéria.
Em primeiro lugar, a teoria das condições equivalentes que determina a causa de um
resultado será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar. O próprio resultado será
considerado individual, pois vai ser sempre a soma de todas as condições que o determinaram.

77
Ana Paula Pinto
Aqui, o juiz vai ter de fazer um exercício de supressão mental, vai ter de olhar para todas as
condições e suprir-se o resultado seria produzido na mesma condição. se não for, essa condição
será relevante, causal, sem ela não haveria resultado.
No caso, a falta de desinfeção por parte de A seria causal à produção da infeção em B e
depois pela sua morte. O resultado dá-se por falta de desinfeção.
No entanto, surgem problemas: leva a um raciocínio infinito, ou seja, leva o julgador buscar
a conduta mais longínqua. Dá um objeto da valorização jurídica de extensão exagerada; não tem em
consideração eventuais interrupções do nexo de causalidade; não funciona em situações de
causalidade virtual, dupla ou alternativa e é inadaptada aos problemas atuais criminais,
nomeadamente criminalidade ambiental.
Portanto esta teoria de base naturalista não é suficiente como critério de imputação do
resultado da ação. Assim, em segundo lugar aplicamos a teoria da causalidade adequada/teoria da
adequação, art. 10.º/1 CP (uma verdadeira teoria normativa). Nesta só serão relevantes aquelas
condutas que se revelem idóneas e adequadas a produzir o resultado segunda as regras gerais da
experiência, da normalidade do acontecer e aquilo que em geral é previsível, tendo em conta a
condição do homem-médio como causa idónea e adequada. Assim, há que realizar um juízo de
prognose póstuma onde o julgador num momento posterior ao facto se deslocar mentalmente para
o momento da prática do facto onde o julgador terá de questionar se aquela conduta teria como
consequência previsível à produção daquele resulta.
No caso, a conduta de A é causa do resultado, da morte de B. Quando estamos perante
situações de animais, os sujeitos têm noção de que os animais poderão transportar uma infeção, e
por isso essa infeção era previsível. Desta forma, era previsível que da falta de desinfeção viesse um
risco de infeção ou doença pelo contacto com os animais. A ação seria idónea a provocar a infeção
do trabalhador ou até mesmo a sua morte.
Estamos a lidar com uma atividade que comporta um risco, e sabemos que a teoria da
adequação, mesmo que seja aquela plasmada no nosso CP, não é perfeita, e por isso, carece de ser
corrigida pelo 3º degrau das teorias de imputação objetiva, através da teoria de conexão do risco.
Esta teoria exige que a conduta do agente tenha criado ou potenciado um risco proibido e
que depois esse risco se tenha materializado no resultado. Esta também, vai ser chamada à coação
quando estamos a lidar com atividades que tenham um risco inerente.

78
Ana Paula Pinto
Neste caso estamos perante uma atividade que comporta um risco, de ser infetado. Deste
modo, poderíamos aqui aplicar um corretor, o do risco permitido, ou seja, se o risco gerado pela
conduta do agente não ultrapassar aquele que é o limite de risco permitido, então à partida
poderemos afastar a imputação.
Devido à falta de obrigatoriedade de desinfeção, pois apenas há uma indicação e não uma
obrigatoriedade legal, isso significa que haverá alguns matadouros que irão fazer a desinfeção e
outros não. Isto significa que estamos perante um risco que é permitido, na medida em que não
obrigatória a desinfeção, por isso a pessoa que trabalha no matadouro vai correr por isco de infeção
se não tiver os cuidados necessários.
Se este risco é permitido poderemos afastar a imputação da morte à falta de desinfeção.
Se a desinfeção fosse obrigatória, já não estaríamos perante um risco permitido, mas de um
risco proibido, potenciando um risco a que a lei pretendia fazer frente através da imposição da
desinfeção.
Poderíamos eventualmente aplicar o corretor dos comportamentos lícitos alternativos.
Assim, teríamos de procurar determinar se o resultado seria o mesmo se o agente (A) tivesse
adotado o comportamento lícito alternativo, ou seja, tínhamos de perguntar se o resultado seria o
mesmo se o agente A tivesse feito a desinfeção.
Se tivesse feito a desinfeção e mesmo assim o B tivesse morrido, íamos ter o mesmo
resultado, ou seja, o comportamento que era ilícito provocou a morte e o comportamento lícito
alternativo também provocou a morte, assim teríamos de afastar a imputação. Iriamos afastar a
imputação porque afirmá-la seria equivalente a punir o incumprimento de um dever, cujo
cumprimento teria sido inútil.
Caso a desinfeção evitasse a morte, então iriamos afirmar a imputação, porque o
cumprimento de dever de desinfeção não era inútil.
No nosso caso, vamos afirmar a imputação, porque por meio da desinfeção era possível
eliminar a bactéria.

2. Suponha agora que se provou que A conhecia a existência da dita bactéria no


animal, bem como de uma doença sanguínea grave que afetava B, sabendo que tal poderia

79
Ana Paula Pinto
ocasionar a morte quando em contacto com a bactéria. A sua resposta seria a mesma?
Justifique.
Neste caso prático, o propósito é aferir se é possível ou não imputar o resultado a uma do
agente, sendo necessário uma exigência mínima de causalidade, sendo necessário analisar o nexo
de causalidade entre a ação e o resultado de cada agente.
Esta matéria insere-se no tipo objetivo de ilícito, que tem que ver com a factualidade típica,
com o preenchimento do tipo legal. Taipa da Carvalho vem dizer que “o tipo objetivo de ilícito é
formado pelos elementos do tipo legal dotados de materialidade, de consistência e de autonomia
face ao próprio agente do crime”.
Para saber se, do ponto de vista da imputação objetiva do resultado à conduta, a
responsabilidade jurídico-penal do agente A, há que analisar 3 teorias relativamente a esta matéria.
Em primeiro lugar, a teoria das condições equivalentes que determina a causa de um
resultado será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar. O próprio resultado será
considerado individual, pois vai ser sempre a soma de todas as condições que o determinaram.
Aqui, o juiz vai ter de fazer um exercício de supressão mental, vai ter de olhar para todas as
condições e suprir-se o resultado seria produzido na mesma condição. se não for, essa condição
será relevante, causal, sem ela não haveria resultado.
No caso, a falta de desinfeção por parte de A seria causal à produção da infeção em B e
depois pela sua morte. O resultado dá-se por falta de desinfeção.
No entanto, surgem problemas: leva a um raciocínio infinito, ou seja, leva o julgador buscar
a conduta mais longínqua. Dá um objeto da valorização jurídica de extensão exagerada; não tem em
consideração eventuais interrupções do nexo de causalidade; não funciona em situações de
causalidade virtual, dupla ou alternativa e é inadaptada aos problemas atuais criminais,
nomeadamente criminalidade ambiental.
Portanto esta teoria de base naturalista não é suficiente como critério de imputação do
resultado da ação. Assim, em segundo lugar aplicamos a teoria da causalidade adequada/teoria da
adequação, art. 10.º/1 CP (uma verdadeira teoria normativa). Nesta só serão relevantes aquelas
condutas que se revelem idóneas e adequadas a produzir o resultado segunda as regras gerais da
experiência, da normalidade do acontecer e aquilo que em geral é previsível, tendo em conta a
condição do homem-médio como causa idónea e adequada. Assim, há que realizar um juízo de

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Ana Paula Pinto
prognose póstuma onde o julgador num momento posterior ao facto se deslocar mentalmente para
o momento da prática do facto onde o julgador terá de questionar se aquela conduta teria como
consequência previsível à produção daquele resulta.
No caso, o juiz no exercício do seu juízo de prognose póstuma vai ter em consideração as
regras gerais de experiência, aquilo que é a normalidade dos acontecimentos e os especiais
conhecimentos do agente, ou seja, aqueles conhecimentos que o agente detinha no momento da
prática do facto, mesmo que esses conhecimentos não fossem detidos pela generalidade das
pessoas.
Assim, já não estamos perante o âmbito de risco permitido que verificamos na primeira
aliena, estamos perante um risco proibido, por causa destes especiais conhecimentos,
conhecimentos esses que permitem averiguar que a morte pode ser imputada à ação de A.

FICHA 9
Caso prático 1
Em agosto de 2015, pela noite, A pegou fogo a árvores secas em diversos locais de uma
zona montanhosa. Os focos de incêndio rapidamente aumentaram de intensidade e alastraram às
zonas circundantes. Quando os bombeiros chegaram, o incêndio ocupava já uma área
considerável.
Subitamente, devido a uma forte rajada de vento que antes não se fazia sentir, o incêndio
mudou de direção e começou a produzir uma densa nuvem de fumo, encurralando um grupo de
8 bombeiros. Destes 8 bombeiros, 5 morreram e 3 ficaram feridos.
Do estrito ponto de vista da imputação objetiva, avalie a responsabilidade de A.
(adaptado do ac. TRC de 7/10/2015, Maria José Nogueira)
Neste caso prático, o propósito é aferir se é possível ou não imputar o resultado a uma do
agente, sendo necessário uma exigência mínima de causalidade, sendo necessário analisar o nexo
de causalidade entre a ação e o resultado de cada agente.
Esta matéria insere-se no tipo objetivo de ilícito, que tem que ver com a factualidade típica,
com o preenchimento do tipo legal. Taipa da Carvalho vem dizer que “o tipo objetivo de ilícito é

81
Ana Paula Pinto
formado pelos elementos do tipo legal dotados de materialidade, de consistência e de autonomia
face ao próprio agente do crime”.
Para saber se, do ponto de vista da imputação objetiva do resultado à conduta, a
responsabilidade jurídico-penal do agente A, há que analisar 3 teorias relativamente a esta matéria.
Em primeiro lugar, a teoria das condições equivalentes que determina a causa de um
resultado será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar. O próprio resultado será
considerado individual, pois vai ser sempre a soma de todas as condições que o determinaram.
Aqui, o juiz vai ter de fazer um exercício de supressão mental, vai ter de olhar para todas as
condições e suprir-se o resultado seria produzido na mesma condição. se não for, essa condição
será relevante, causal, sem ela não haveria resultado.
No caso, a ação de A é causa adequada à produção do incêndio e por isso à morte dos
bombeiros, o resultado é imputável á conduta de A.
No entanto, surgem problemas nesta teoria: leva a um raciocínio infinito, ou seja, leva o
julgador buscar a conduta mais longínqua. Dá um objeto da valorização jurídica de extensão
exagerada; não tem em consideração eventuais interrupções do nexo de causalidade; não funciona
em situações de causalidade virtual, dupla ou alternativa e é inadaptada aos problemas atuais
criminais, nomeadamente criminalidade ambiental.
Portanto esta teoria de base naturalista não é suficiente como critério de imputação do
resultado da ação. Assim, em segundo lugar aplicamos a teoria da causalidade adequada/teoria da
adequação, art. 10.º/1 CP (uma verdadeira teoria normativa). Nesta só serão relevantes aquelas
condutas que se revelem idóneas e adequadas a produzir o resultado segunda as regras gerais da
experiência, da normalidade do acontecer e aquilo que em geral é previsível, tendo em conta a
condição do homem-médio como causa idónea e adequada. Assim, há que realizar um juízo de
prognose póstuma onde o julgador num momento posterior ao facto se deslocar mentalmente para
o momento da prática do facto onde o julgador terá de questionar se aquela conduta teria como
consequência previsível à produção daquele resulta.
No caso, queimar árvores secas é uma conduta idónea a gerar aquele incêndio, por isso no
que toca ao incêndio há uma afirmação de imputação objetiva. No entanto, há uma alteração do
tempo, rajada de vento, sendo algo imprevisível, sendo uma vicissitude própria no contexto de
combate aos incêndios, podendo ser afirmada a imputação objetiva.

82
Ana Paula Pinto
“Os focos de incêndio assim ateados pelos arguidos deflagraram em locais inseridos numa
extensa zona florestal, em plena Serra do Caramulo, com condições favoráveis à propagação das
chamas, dada a falta de acessos, o relevo irregular, em desfiladeiros ou encostas com grandes
declives, as condições climatéricas favoráveis, a continuidade de combustíveis arbustivos na
horizontal e na vertical, e a falta de humidade no solo, características essas que eram todas do
conhecimento dos arguidos.”

Caso prático 2
Na estrada que liga duas localidades portuguesas, junto a uma Escola Profissional,
encontra-se uma placa de sinalização rodoviária que limita a velocidade dos veículos ligeiros a
50 km/h.
Imagine que, no dia 26 de Fevereiro de 2020, pelas 3h00 da madrugada, A circulava junto
à referida Escola a uma velocidade de 70 km/h, tendo atropelado mortalmente um peão.
Do estrito ponto de vista da imputação objetiva, poderíamos responsabilizar A tendo
apenas por fundamento a violação da mencionada regra de velocidade?
Neste caso prático, o propósito é aferir se é possível ou não imputar o resultado a uma do
agente, sendo necessário uma exigência mínima de causalidade, sendo necessário analisar o nexo
de causalidade entre a ação e o resultado de cada agente. Será que a violação da regra rodoviária é
fundamento à imputação objetiva?
Esta matéria insere-se no tipo objetivo de ilícito, que tem que ver com a factualidade típica,
com o preenchimento do tipo legal. Taipa da Carvalho vem dizer que “o tipo objetivo de ilícito é
formado pelos elementos do tipo legal dotados de materialidade, de consistência e de autonomia
face ao próprio agente do crime”.
Para saber se, do ponto de vista da imputação objetiva do resultado à conduta, a
responsabilidade jurídico-penal do agente A, há que analisar 3 teorias relativamente a esta matéria.
Em primeiro lugar, a teoria das condições equivalentes que determina a causa de um
resultado será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar. O próprio resultado será
considerado individual, pois vai ser sempre a soma de todas as condições que o determinaram.
Aqui, o juiz vai ter de fazer um exercício de supressão mental, vai ter de olhar para todas as
condições e suprir-se o resultado seria produzido na mesma condição. se não for, essa condição
será relevante, causal, sem ela não haveria resultado.

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Ana Paula Pinto
No caso, se o A não tivesse aumentado a velocidade, haveria a possibilidade chegar mais
tarde ao sítio onde atropelou B, não atropelando B (à partida).
No entanto, surgem problemas: leva a um raciocínio infinito, ou seja, leva o julgador buscar
a conduta mais longínqua. Dá um objeto da valorização jurídica de extensão exagerada; não tem em
consideração eventuais interrupções do nexo de causalidade; não funciona em situações de
causalidade virtual, dupla ou alternativa e é inadaptada aos problemas atuais criminais,
nomeadamente criminalidade ambiental.
Portanto esta teoria de base naturalista não é suficiente como critério de imputação do
resultado da ação. Assim, em segundo lugar aplicamos a teoria da causalidade adequada/teoria da
adequação, art. 10.º/1 CP (uma verdadeira teoria normativa). Nesta só serão relevantes aquelas
condutas que se revelem idóneas e adequadas a produzir o resultado segunda as regras gerais da
experiência, da normalidade do acontecer e aquilo que em geral é previsível, tendo em conta a
condição do homem-médio como causa idónea e adequada. Assim, há que realizar um juízo de
prognose póstuma onde o julgador num momento posterior ao facto se deslocar mentalmente para
o momento da prática do facto onde o julgador terá de questionar se aquela conduta teria como
consequência previsível à produção daquele resulta.
No caso, a conduta será causa idónea e adequada a produzir o resultado, podemos afirmar
um nexo de causalidade, pois conduzir em excesso de velocidade é, independentemente da hora
ou espaço, uma condição idónea a provocar o atropelamento de alguém, as regras da experiência
ditam isso. A violação do dever de cuidado que é imposto pela norma que limita a velocidade
máxima, está associado pela cognoscibilidade geral decorrente das regras de experiência à
ocorrência de atropelamentos e morte de peões.
Contudo, esta teoria vai ser complementada/corrigida pela teoria da conceção do risco, pois
podem surgir problemas, nomeadamente perante certas atividades que comportam riscos para
bens jurídicos e não estão proibidos porque seriam um retrocesso social, tal como a condução, pode
levar a um resultado materialmente justo.
Assim, o resultado só deve ser imputável à ação quando esta tenha criado, ou aumentado,
ou incrementado, um risco proibido para o bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito e esse risco se
tenha materializado num resultado típico, porém só sucede no estritamente necessário.

84
Ana Paula Pinto
Assim, sucintamente, avança-se para este degrau para âmbitos do agir humano
profundamente marcadas pelo risco.
Esta teoria desdobra-se em 4 situações: risco permitido, risco diminuído, comportamento
lícito alternativo e fim de proteção da norma de cuidado.
No caso, aplicamos o corretor do fim de proteção da norma de cuidado. Este corretor
determina que o perigo gerado deve estar dentro do fim e do âmbito de proteção da norma. O
resultado deve estar coberto pelo fim da norma de cuidado.
Outra coisa é falar no âmbito da norma penal, no âmbito do tipo, no alcance da norma, não
de uma norma de cuidado, mas sim norma jurídico-penal.
Quando se trata desta questão aquilo que se impõe é fazer uma análise da profundidade
normativa do tipo legal de crime. Portanto, já não estamos perante o âmbito de uma questão de
dogmática jurídico penal geral, mas sim perante uma questão e análise dos tipos legais em concreto
e isso já é um problema do estudo da parte especial do DP, no sentido em que temos de ir ao tipo
legal de crime, verificar se ela cobre ou não os resultados em apreço.
Nesta medida, esta questão acaba por ser de pouca utilidade para nós, pois não estamos a
analisar a aparte geral do CP (os tipos), mas sim a área da dogmática geral (normas que se aplicam
uma multiplicidade de crimes).
Temos de verificar se o perigo que se concretizou no resultado é um daqueles em vista dos
quais a ação foi proibida, ou seja, temos de verificar se o resultado corresponde ao fim de proteção
de uma norma de cuidado que tenha aplicação no caso concreto. Quando estamos a afalar do fim
de proteção da norma de cuidado estamos a entrar no domínio dos crimes negligentes, porque
estes crimes são cada vez mais significativos, sobretudo num momento de desenvolvimento
industrial e tecnológico que potencia a prática destes crimes. Ao mesmo tempo pretende que o DP
proteja em último rácio, e por isso, existe a necessidade de criar normas de cuidado, essencialmente
focadas para certos setores de atividade que visam evitar esses riscos.
Neste caso, a norma de cuidado que temos neste caso, é uma norma que vem limitar a
velocidade para quela zona especifica, pois naquela zona existe uma escola profissional. Olhando
para esta norma temos identificara a seu rácio, porque foi criada, o seu escopo, ou seja, temos de
fazer uma análise interpretativa. Dada a sua proximidade da EP visou proteger o bem-estar,
integridade física, vida de quem frequenta a escola, durante o funcionamento do horário da escola.

85
Ana Paula Pinto
É necessário verificar se o excesso de velocidade está dentro do quadro de circunstância que
a norma foi pensada. O agente praticou a conduta às três da manhã, hora que a escola se encontra
fechada. Por isso, a essa hora o fim de proteção da norma de cuidado violada já não se verifica.
No sentido em que a produção do resultado já está fora do fim de proteção da norma de
cuidado e apesar de a conduta ser idónea a verdade é que não vamos poder afirmar a imputação
com base na violação do limite máximo de velocidade.
Isto não quer dizer que o A seja impune, mas não com base na violação do limite máximo de
velocidade. Poderá ser pela violação de outras regras. – Ac. 25/6/1997, TRP.

Caso prático 3
“A e B trabalham no mesmo matadouro, mas são como o cão e o gato, andam
continuamente em discussão um com o outro e até já foram chamados à gerência, que os pôs de
sobreaviso: ou acabam com as disputas, ou vão ambos para a rua. Mas nem isso chegou para os
acalmar.
Uma tarde, A porque não gostou dos modos do companheiro, atirou-lhe ao peito, com
grande violência, o cutelo com que costumava trabalhar, enquanto lhe gritava: “desta vez, mato-
te mesmo!”. A força do golpe foi atenuada pelo blusão de couro que B usava por baixo do avental
de serviço e A não prosseguiu a agressão porque disso foi impedido por outros trabalhadores,
que, entretanto, se deram conta da disputa. A ferida produzida pelo cutelo não era de molde a
provocar a morte da vítima, mas B foi conduzido ao hospital onde, por cautela, ficou internado,
em observação.
Numa altura em que estava sob efeito de sedativos, B recebeu a visita de C, sua mulher, a
qual tinha “um caso” com A, motivo de todas as discórdias. Logo aí C, que ambicionava vir a
casar-se com A, aproveitou para se ver livre do marido, que se recusava a dar-lhe o divórcio:
aproveitando um momento de sono, aplicou-lhe uma almofada na cara, impedindo-o de respirar,
até que o doente se finou. O posterior relatório da autópsia descreveu a causa da morte, mas os
peritos adiantaram que B sofria de uma doença do coração que não lhe permitiria sobreviver
senão uns dias”.
Quid iuris?

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Ana Paula Pinto
(caso retirado de Garcia, M. Miguez – O Risco de Comer uma Sopa e Outros Casos de Direito
Penal)
Neste caso prático, o propósito é aferir se é possível ou não imputar o resultado a uma do
agente, sendo necessário uma exigência mínima de causalidade, sendo necessário analisar o nexo
de causalidade entre a ação e o resultado de cada agente.
Esta matéria insere-se no tipo objetivo de ilícito, que tem que ver com a factualidade típica,
com o preenchimento do tipo legal. Taipa da Carvalho vem dizer que “o tipo objetivo de ilícito é
formado pelos elementos do tipo legal dotados de materialidade, de consistência e de autonomia
face ao próprio agente do crime”.
Para saber se, do ponto de vista da imputação objetiva do resultado à conduta, a
responsabilidade jurídico-penal do agente A e C, há que analisar 3 teorias relativamente a esta
matéria.
Em primeiro lugar, a teoria das condições equivalentes que determina a causa de um
resultado será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar. O próprio resultado será
considerado individual, pois vai ser sempre a soma de todas as condições que o determinaram.
Aqui, o juiz vai ter de fazer um exercício de supressão mental, vai ter de olhar para todas as
condições e suprir-se o resultado seria produzido na mesma condição. se não for, essa condição
será relevante, causal, sem ela não haveria resultado.
No caso, se o A não tivesse lhe atirado a faca, B não ia para hospital onde a mulher, C, matá-
lo-ia com a almofada, portanto a ação é causal à morte, sendo imputável a morte a A.
No entanto, surgem problemas: leva a um raciocínio infinito, ou seja, leva o julgador buscar
a conduta mais longínqua. Dá um objeto da valorização jurídica de extensão exagerada; não tem em
consideração eventuais interrupções do nexo de causalidade; não funciona em situações de
causalidade virtual, dupla ou alternativa e é inadaptada aos problemas atuais criminais,
nomeadamente criminalidade ambiental.
Portanto esta teoria de base naturalista não é suficiente como critério de imputação do
resultado da ação. Assim, em segundo lugar aplicamos a teoria da causalidade adequada/teoria da
adequação, art. 10.º/1 CP (uma verdadeira teoria normativa). Nesta só serão relevantes aquelas
condutas que se revelem idóneas e adequadas a produzir o resultado segunda as regras gerais da
experiência, da normalidade do acontecer e aquilo que em geral é previsível, tendo em conta a

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Ana Paula Pinto
condição do homem-médio como causa idónea e adequada. Assim, há que realizar um juízo de
prognose póstuma onde o julgador num momento posterior ao facto se deslocar mentalmente para
o momento da prática do facto onde o julgador terá de questionar se aquela conduta teria como
consequência previsível à produção daquele resulta.
No caso, a ação de A apenas é suscetível de gerar uma ferida e não a morte, não era idónea.
Poderíamos imputar ao A uma ofensa à integridade física, mas não lhe podíamos imputar a morte.
Assim, A inicia um processo causal que foi interrompido pela intervenção de C, a interrupção
da causalidade verifica-se sempre que à causa adequada posta pelo agente se sobrepõe uma outra
causa igualmente adequada para produzir o evento, mas que não provém do mesmo agente, quer
diretamente, quer como consequência da causa inicial.
Relativamente à conduta, de C, teríamos de fazer o mesmo raciocínio. Assim, ao abrigo da
primeira teoria, a conduta de C foi causal relativamente à morte, afirmaríamos um nexo de
causalidade, uma imputação. Igualmente, com base na teoria da causalidade adequada iriamos
também afirmar a imputação.
O facto de B sofrer de uma doença de coração, que faria morrer em alguns adias, constitui-
se numa causa virtual, pois C se não tivesse atuado o resultado morte ter-se-ia produzido por força
desta doença. Esta doença enquanto causa virtual não vai afastar a imputação, pois é irrelevante,
porque não podemos abandonar o bem jurídico à mercê de uma qualquer agressão do agente, ainda
que o bem jurídico esteja destinado a ser lesado, a sofrer um dano.

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Ana Paula Pinto
FICHA 10
Caso prático 1
C desejava destruir pelo fogo a habitação onde D residia. Para o efeito, muniu-se de
gasóleo e de tochas que ateou e que se preparava para lançar para o interior de uma das divisões
da residência, para o efeito partindo a janela.
Sucede, porém, que, quando C atirou a tocha, devido ao forte vento que se fazia sentir, ao
invés de ela ter atingido a divisão projetada, acabou por atingir outra, sendo este o foco inicial do
incêndio que destruiu a habitação.
Em julgamento, C defendeu-se alegando que o resultado criminoso não surgira do modo
inicialmente planeado, pelo que «deveria beneficiar de uma atenuação especial da pena».
Se fosse juiz(a), como decidiria? Fundamente a sua resposta.
Neste caso prático, o propósito é analisar a eventual responsabilidade jurídico-penal do
agente C, focando a atenção na questão da imputação subjetiva.
O dolo do tipo corresponde ao conhecimento e à vontade de realização da factualidade
típica, do tipo objetivo de ilícito. Deste modo, o dolo do tipo é composto por 2 elementos: o
elemento intelectual (o conhecimento da factualidade típica) e o elemento volitivo (vontade de
realização do tipo objetivo de ilícito).
Ele pretendia obter com a conduta uma determinada finalidade (incendiar a casa, possuindo
assim o elemento volitivo e intelectual). C pretendia incendiar a casa através de um determinado
processo, mas consegue obter o resultado por via de um processo diferente.
Desta forma, há um erro sobre o processo causal porque há uma divergência entre o risco
conscientemente criado pelo agente e aquele que onde deriva efetivamente o resultado. O agente
incorre em erro sobre o processo causal quando obtém o resultado que pretendia, mas por via de
um processo causal distinto.
Assim, é necessário saber que relevância atribuir a esta modificação no processo causal,
existindo duas posições na doutrina.
Para alguns autores, o erro no processo causal é relevante e, portanto, afasta o dolo. Isto
porque o resultado é obtido através com a concretização de um processo causal de um risco que
não foi previsto pelo agente. Assim, não há congruência entre o tipo objetivo de ilícito e o tipo
subjetivo de ilícito.
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Ana Paula Pinto
Neste caso, não haveria dolo de C.
Por outro lado (doutrina defendida por Eduardo Correia), o erro sobre o processo causal é
irrelevante, ou seja, não afasta o dolo, com a ressalva dos crimes de execução vinculada nos quais
o processo causal é um elemento de tipo objetivo de ilícito, e, por isso, é uma circunstância do facto
que deve ser representada nos termos do art. 16.º/1.
Neste caso, haveria dolo, mais concretamente dolo direto intencional
Todavia, seguimos a posição de FD que diz nos que essas questões de erro causal devem ser
resolvidas a partir da imputação objetiva do resultado à ação. Assim, temos de é verificar se a
conduta do agente se revela idónea a produzir o resultado que o agente tinha projetado na sua
cabeça, ou seja, se o resultado seria o da consequência previsível da sua conduta.
No caso concreto, verificar se atirar uma tocha acesa para a janela de uma casa era uma
conduta idónea adequada a incendiar a casa. Como é, afirmamos a imputação objetiva.
Portanto, verificando-se esse nexo de causalidade adequada entre a conduta ou o risco
projetado pelo agente e o resultado, o erro sobre o processo causal vai irrelevante. O agente vai ter
de responder pela prática do crime da sua forma dolosa.
Só nos casos de tipo objetivo de ilícito ser de execução vinculada (aquele que exige um
modus operandi específico do agente) é que se poderá excluir o dolo por ter ocorrido erro sobre o
processo causal. Neste sentido, nos termos do 16º/CP, exclui-se o dolo do agente. Veja-se que fica
ressalvada a punição por negligência (16º/3), caso esta seja possível.

Caso prático 2
Após realização de audiência de julgamento, deram-se como provados os seguintes factos:
a) No dia 3/11/2001, a arguida A envolveu-se numa discussão com B e muniu-se de um
pau para lhe bater. Então, a arguida levantou o pau na direção de B, para com ele a atingir na
cabeça, mas quando aquele já fazia a trajetória descendente, B desviou-se e o pau manuseado
pela arguida foi atingir a cabeça do menor C, filho de B, que se encontrava junto desta.
b) Em consequência da pancada que levou, além de dores, o referido C sofreu ferimentos
ligeiros.

90
Ana Paula Pinto
c) A arguida agiu sabendo e querendo molestar fisicamente a dita B, que não atingiu por
esta se ter desviado da trajetória do pau, acabando por atingir a cabeça do dito menor,
possibilidade que nem sequer representara.
Quid iuris?
Neste caso prático, o propósito é analisar a eventual responsabilidade jurídico-penal do
agente B, focando a atenção na questão da imputação subjetiva, em especial no elemento
intelectual do dolo.
O dolo do tipo corresponde ao conhecimento e à vontade de realização da factualidade
típica, do tipo objetivo de ilícito. Deste modo, o dolo do tipo é composto por 2 elementos: o
elemento intelectual (o conhecimento da factualidade típica) e o elemento volitivo (vontade de
realização do tipo objetivo de ilícito).
No caso concreto, A pretendia agredir B, mas quando vai a agredir B, este desviou-se e
acabou por atingir C, filho de B.
Assim, temos e assumindo que A é uma pessoa dita média, tem conhecimentos relativos aos
elementos constitutivos da eventualidade típica, pois uma pessoa média sabe que pegar um pau
para acertar alguém, constitui uma agressão. Neste sentido, temos preenchido o elemento
intelectual do dolo. Para além disso, A forma a sua vontade relativamente a B, ou seja, tem vontade
de agredir B, e por isso, a realização típica, a agressão são a finalidade da conduta de A.
O problema é que A não acerta na pessoa que queria, e por isso estamos perante um grupo
de casos problemáticos, a que chamamos de Aberratio ictus vel impetus (desvio da trajetória/golpe),
que por erro na execução vem a ser atingido um objeto distinto daquele que estava no propósito
do agente. (ele sabe quem quer atingir, mas por causa de um erro na execução, daquele desvio
atinge outra pessoa ou objeto).
Diz respeito a um grupo de situações em que por erro da execução é atingido um objeto
diferentes do propósito do agente.
Aqui não se produz o resultado pretendido pelo agente, aquele resultado em relação ao qual
se referia a vontade do agente (realização típica), vai se obter um outro resultado da mesma espécie
ou de espécie diferente.
A doutrina maioritária vem solucionar através da teoria da concretização.

91
Ana Paula Pinto
Em relação à agressão de B – era o que queria, mas em relação à agressão de C não, por isso,
falta o elemento volitivo – agressão não dolosa
Deste modo, em relação ao crime projetado por A (ofensa a B), pune-se o agente por
tentativa (porque se tudo tivesse decorrido como planeado, à conduta desvaliosa do agente ir-se-ia
aliar um resultado desvalioso por ele pretendido; contudo, pese embora não exista um desvalor do
resultado relativamente ao objeto que visava, quanto a este ainda existe uma conduta desvaliosa).
Agora, em relação ao crime consumado/produzido (ofensa ao menor C), pune-se, em
concurso, e se possível, o agente por negligência.
Assim, A vai ser punido em concurso, pela tentativa, e ofensas negligentes (em relação a C),
desde que estejam cumpridos os requisitos da negligência.
Essa teoria não é a única, mas é a maioritária. Existe também a teoria da equivalência que
entende que quando haja coincidência típica entre o tipo de ilícito projetado e o consumado o
agente deve ser punido por crime doloso consumado. Para esta teoria, no nosso caso, o A ia ser
punido por uma tentativa (em relação a B), mas punido por crime doloso em relação à agressão de
C.

Caso prático 3
A era casada com B, um poderoso narcotraficante colombiano radicado em Portugal e que
monopolizava a entrada de estupefacientes em todo o sul da Europa. Vítima de violência
doméstica consubstanciada em agressões várias e diversas humilhações públicas, A decidiu
livrar-se de B, aproveitando para tomar conta do negócio deste. Para o efeito contratou C, um
sicário (assassino a soldo) que gozava de boa reputação no seu ramo de atividade, entregando-lhe
diversa documentação que fornecia uma descrição precisa do alvo a abater.
Certa noite, C montou uma emboscada junto a um bar que B frequentava regularmente.
Assim que viu o alvo, disparou um tiro certeiro e mortal. Porém, após o disparo, C reparou que a
vítima não era B, mas um indivíduo que apresentava grandes parecenças físicas com aquele.
Quid iuris?
Neste caso prático, o propósito é analisar a eventual responsabilidade jurídico-penal do
agente C, focando a atenção na questão da imputação subjetiva, em especial no elemento
intelectual do dolo.
92
Ana Paula Pinto
O dolo do tipo corresponde ao conhecimento e à vontade de realização da factualidade
típica, do tipo objetivo de ilícito. Deste modo, o dolo do tipo é composto por 2 elementos: o
elemento intelectual (o conhecimento da factualidade típica) e o elemento volitivo (vontade de
realização do tipo objetivo de ilícito).
O momento intelectual exige que o agente conheça, saiba, represente corretamente ou
tenha consciência das circunstâncias do facto que preenchem um tipo objetivo de ilícito.
Por um lado, exige-se o conhecimento do circunstancialismo fático (engloba os elementos
descritivos e normativos que compõem o tipo lega, sendo um conhecimento ao nível de um leigo).
Por outro, impõe-se que esse conhecimento seja atual, ou seja, o agente deve configurar o
conhecimento das circunstâncias fáticas quando atua, isto é, impõe-se um conhecimento atualizável
no momento da prática da conduta.
No caso concreto, a agente forma a sua vontade, de matar B (marido de A), mas no momento
da ação ele engana-se na pessoa, pensa que a vítima era aquela e não é. Assumindo que o agente é
uma pessoa média, tem conhecimentos relativos aos elementos constitutivos da eventualidade
típica da sua ação, estando preenchido o elemento intelectual.
Estamos perante aquilo a que chamamos error in persona vel objecto, erro na execução.
Nestas situações, há é um erro na identidade do objeto ou pessoa a atingir, um erro na
formação da vontade, porque o cercário formou a vontade de matar a pessoa que estava a ver
pensado que era o marido de A, mas acabou por matar uma pessoa diferente – um erro de
identidade.
A doutrina maioritária soluciona conforme exista ou não relevância no erro. Assim, há que
aferir se há ou não identidade típica entre o objeto que o agente projetava atingir e o objeto
efetivamente atingido, isto é, há que aferir se há ou não identidade típica entre o delito projetado
e o delito consumado.
Se existe identidade típica, o erro será irrelevante. Neste sentido, pune-se o agente pelo
crime efetivamente consumado (crime projetado), mesmo que o agente tenho atingido um
objeto/pessoa distinta, pois a lei proíbe a lesão/ofensa não de um determinado objeto ou pessoa,
mas de todo e qualquer objeto o pessoa compreendida no tipo de ilícito. E possuindo o DP cariz de
proteção universal, é certo que este ramo protege todo e qualquer objeto e pessoa
independentemente da sua identidade. Não se vai afastar o dolo.

93
Ana Paula Pinto
No nosso caso, o erro vai ser irrelevante, porque ele pretende matar uma pessoa e mata
uma pessoa – há uma identidade típica entre os objetos da ação, vai responder por um crime de
homicídio doloso.
Se não exista identidade típica, então há divergência entre o objeto projetado a atingir e o
objeto efetivamente lesado porque o agente se encontra em erro sobre qualidades tipicamente
relevantes do tal objeto. Logo, pune-se o agente por tentativa em relação ao objeto projetado e a
título de negligência em relação ao crime consumado. Assim, o agente é punido, em concurso, por
negligência.

Caso prático 4
Entre as 23h45 do dia 13/09/2000 e as 01h20, do dia 14/09/2000, C chegou à casa onde
vivia com sua mãe D e E, que vivia maritalmente com a D. C percebeu logo que E estava alterado.
Pouco depois, E começou a dizer que ela, C, é que era a culpada da discussão que ele estava a ter
com a sua mãe. C foi à cozinha, pegou num pão e num copo que colocou num prato e foi para o
seu quarto. E deslocou-se até ao quarto de C e, após troca de palavras, executou o gesto para a
atingir com a mão na face, atingindo ao invés o prato que ela tinha na mão, que foi embater no
seu rosto, partindo-se. Como consequência, C sofreu feridas incisas na face que lhe determinaram,
como consequência direta e necessária, uma cicatriz com 2 cm de comprimento e 0,5 cm de
largura na pirâmide nasal à esquerda.
Avalie a responsabilidade jurídico-criminal de E.
(Adaptado do ac. do TRP de 23/6/2004, Proc. n.º 0412246, relatado pela Des. ÉLIA SÃO PEDRO, disponível em
http://www.dgsi.pt)
Neste caso prático, o propósito é analisar a eventual responsabilidade jurídico-penal do
agente E, focando a atenção na questão da imputação subjetiva, em especial no elemento
intelectual do dolo.
O dolo do tipo corresponde ao conhecimento e à vontade de realização da factualidade
típica, do tipo objetivo de ilícito. Deste modo, o dolo do tipo é composto por 2 elementos: o
elemento intelectual (o conhecimento da factualidade típica) e o elemento volitivo (vontade de
realização do tipo objetivo de ilícito).

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Ana Paula Pinto
O momento intelectual exige que o agente conheça, saiba, represente corretamente ou
tenha consciência das circunstâncias do facto que preenchem um tipo objetivo de ilícito.
Por um lado, exige-se o conhecimento do circunstancialismo fático (engloba os elementos
descritivos e normativos que compõem o tipo lega, sendo um conhecimento ao nível de um leigo).
Por outro, impõe-se que esse conhecimento seja atual, ou seja, o agente deve configurar o
conhecimento das circunstâncias fáticas quando atua, isto é, impõe-se um conhecimento atualizável
no momento da prática da conduta.
No caso concreto, a agente forma a sua vontade, de bater a C, mas no momento da ação ele
bate no prato que lhe provoca ferimentos na cara, provocando o mesmo resultado. Assumindo que
o agente é uma pessoa média, tem conhecimentos relativos aos elementos constitutivos da
eventualidade típica da sua ação, estando preenchido o elemento intelectual.
Estamos perante um erro sobre o processo causal porque existe uma divergência no
processo causal efetivamente verificado e o processo causal projetado pelo agente. Resumindo, há
uma dessincronia entre o processo causal projetado e o processo causal efetivamente projetado.
Note-se que se verifica a consumação do crime projetado, portanto, afirma-se que existe
total correspondência entre o delito projeto e o delito consumado. Contudo, essa consumação dá-
se através de um processo causal diferente daquele que o agente tinha idealizado.
Assim, é necessário saber que relevância atribuir a esta modificação no processo causal,
existindo essencialmente duas posições na doutrina.
Para alguns autores, o erro no processo causal é relevante e, portanto, afasta o dolo. Isto
porque o resultado é obtido através com a concretização de um processo causal de um risco que
não foi previsto pelo agente. Assim, não há congruência entre o tipo objetivo de ilícito e o tipo
subjetivo de ilícito. Neste caso, não haveria dolo por parte de E.
Por outro lado (doutrina defendida por Eduardo Correia), o erro sobre o processo causal é
irrelevante, ou seja, não afasta o dolo, com a ressalva dos crimes de execução vinculada nos quais
o processo causal é um elemento de tipo objetivo de ilícito, e, por isso, é uma circunstância do facto
que deve ser representada nos termos do art. 16.º/1.
Todavia, seguimos a posição de FD que determina que estas questões deem de ser resolvidas
através da imputação objetiva do resultado à ação e analisando o tipo de crime.

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Ana Paula Pinto
Portanto, há que ver se é possível imputar o resultado à conduta do agente, do ponto de
vista da imputação objetiva: de acordo com um juízo de prognose póstumo, adequada idónea a
produzir o resultado. Logo, há que examinar se o resultado consumado ainda se insere nos riscos
criados pela conduta do agente, se há um nexo de causal.
Neste caso, o estrago que é feito com um estalo é diferente do estrago gerado com o prato,
pelo que o agente pretendia era realizar um crime de ofensa à integridade física simples, por ter
levado com o prato a vítima fica com uma grande cicatriz e, por isso, estaríamos perante um crime
de ofensa à integridade física grave.
Em relação à pequena desfiguração temos de ter em conta que o agente não tinha vontade
de gerar aquela pequena desfiguração, assim, falta o momento volitivo do dolo, pois este só se
verifica em relação ao crime de ofensa de integridade física simples.
Desta forma, se não for possível imputar objetivamente o resultado à conduta do agente
como o crime de ofensa à integridade física agravada, o erro diz-se irrelevante pelo que se exclui o
dolo. Em relação ao crime de integridade física simples, afirma-se a imputação objetiva, pelo que é
necessário se o tipo objetivo de ilícito é de execução vinculada. No caso não é de execução
vinculada, pelo que o erro é irrelevante e não se exclui o dolo, a não ser que fique ressalvada a
punição por negligência (art. 16.º/3).
Assim, seria responsável por uma ofensa á integridade física simples agravada pelo resultado
(não tinha vontade de produzir aquele resultado grave).

Caso prático 5
C era casada com D, com quem mantinha uma relação particularmente conflituosa. Meses
antes havia convencido o marido a celebrar um seguro de vida. Quando se apercebeu da elevada
soma pecuniária que receberia em caso de morte do marido, C começou a urdir um plano para se
livrar daquele. Assim sendo, decidiu moer vidro num pequeno almofariz, introduzindo o pó
obtido na bebida favorita do marido, um espumante “cuvée millésime”. Vinte minutos após ingerir
a bebida, D perdeu os sentidos. Julgando que o marido se encontrava morto, C decidiu ocultar o
corpo atirando-o a um poço.
Do relatório da autópsia constava o afogamento como causa da morte.
Quid iuris?

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Ana Paula Pinto
Neste caso prático, o propósito é analisar a eventual responsabilidade jurídico-penal do
agente C, focando a atenção na questão da imputação subjetiva, em especial no elemento
intelectual do dolo.
O dolo do tipo corresponde ao conhecimento e à vontade de realização da factualidade
típica, do tipo objetivo de ilícito. Deste modo, o dolo do tipo é composto por 2 elementos: o
elemento intelectual (o conhecimento da factualidade típica) e o elemento volitivo (vontade de
realização do tipo objetivo de ilícito).
O momento intelectual exige que o agente conheça, saiba, represente corretamente ou
tenha consciência das circunstâncias do facto que preenchem um tipo objetivo de ilícito.
Por um lado, exige-se o conhecimento do circunstancialismo fático (engloba os elementos
descritivos e normativos que compõem o tipo lega, sendo um conhecimento ao nível de um leigo).
Por outro, impõe-se que esse conhecimento seja atual, ou seja, o agente deve configurar o
conhecimento das circunstâncias fáticas quando atua, isto é, impõe-se um conhecimento atualizável
no momento da prática da conduta.
No caso concreto, a agente forma a sua vontade, de matar B, no entanto B não morre daquilo
que A pensa, mas de afogamento, uma segunda conduta que pratica a pensar que estava a encobrir
a morte. Assumindo que o agente é uma pessoa média, tem conhecimentos relativos aos elementos
constitutivos da eventualidade típica da sua ação, estando preenchido o elemento intelectual.
Assim, estamos perante um caso de dolus generalis, ou seja, o agente está em erro sobre
qual dos diversos atos por ele praticados produzirá em concreto o resultado típico. Conclui-se que
a ação do agente é composta por 2 momentos cronologicamente ordenados. Acontece é que o
agente pensa que o resultado típico se consumou no 1º momento, quando, na realidade, este só se
verifica no 2º momento.
Para a doutrina minoritária, deve-se punir o agente por tentativa (em relação ao “1º
momento”) e, em concurso, se houver essa possibilidade, com a verificação negligente do facto.
No caso, C seria punida com uma tentativa de homicídio (primeiro momento) e depois
estaria em concurso com um homicídio negligente (segundo momento).
É uma solução de ordem lógica. Contudo, em termos de justiça material deixa muito a
desejar, porque, no fundo, irá redundar numa punição menos severa do agente e materialmente
mais injusta.

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Ana Paula Pinto
De acordo com a doutrina maioritária, o agente deve ser punido por um crime doloso
consumado. Na perspetiva de Stratenwerth e Kuhlen tudo vai depender se o agente tinha planeado
ou não a segunda ação, se sim crime doloso consumado; se não apenas tentativa. Na perspetiva de
Roxin, varia consoante o agente tenha intentado a verificação do resultado ou apenas se tenha
conformado com esse resultado.
Na perspetiva de FD, a solução passa pela aplicação da doutrina da imputação objetiva,
nomeadamente da teoria da causalidade adequada. Assim, é preciso saber se o resultado verificado
(no 2º momento) ainda se insere no quadro de riscos criados pelo 1º momento. Em caso afirmativo,
como o caso, uma vez que a primeira ação de C era idónea a produzir a morte, o agente é punido
pelo crime consumado na forma dolosa, pelo crime de homicídio consumado com dolo direto de
primeiro grau.

Caso prático 6
F e G eram proprietários de um estabelecimento comercial em que desenvolviam a
atividade de restauração. Por sugestão do vendedor H, instalaram duas máquinas de jogo nesse
local, convencidos de que tal era lícito, como lhes havia sido sempre dito por H. Aquando de uma
inspeção pelas autoridades competentes, foi levantado auto de notícia pela prática de um crime
de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108.º, n.º 1, do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro.
Refira-se à responsabilidade jurídico-penal de F, G e H.
Neste caso prático, o propósito é analisar a eventual responsabilidade jurídico-penal do
agente C, focando a atenção na questão da imputação subjetiva, em especial no elemento
intelectual do dolo.
O dolo do tipo corresponde ao conhecimento e à vontade de realização da factualidade
típica, do tipo objetivo de ilícito. Deste modo, o dolo do tipo é composto por 2 elementos: o
elemento intelectual (o conhecimento da factualidade típica) e o elemento volitivo (vontade de
realização do tipo objetivo de ilícito).
O momento intelectual exige que o agente conheça, saiba, represente corretamente ou
tenha consciência das circunstâncias do facto que preenchem um tipo objetivo de ilícito.

98
Ana Paula Pinto
Por um lado, exige-se o conhecimento do circunstancialismo fático (engloba os elementos
descritivos e normativos que compõem o tipo lega, sendo um conhecimento ao nível de um leigo).
Por outro, impõe-se que esse conhecimento seja atual, ou seja, o agente deve configurar o
conhecimento das circunstâncias fáticas quando atua, isto é, impõe-se um conhecimento atualizável
no momento da prática da conduta.
No caso concreto, os agentes não conheciam a proibição legal, pelo que não vai conhecer o
problema da ilicitude, não vai dominar todos os elementos da factualidade típica de precisa de
dominar.
Desta forma, estamos perante um erro sobre as proibições legais, art. 16.º/1 CP, uma vez
que, apesar de grande parte das proibições jurídico-penais, especialmente as inseridas no DP
clássico são conhecidas pelo cidadão médio devido à sua relevância axiológica. No entanto certas
proibições jurídico-penais (e contraordenacionais) nem sempre possuem relevância axiológica
assinalável para que o cidadão comum consiga conformar a sua conduta em consonância com elas
nem percebem qual o bem jurídico a tutelar.
Nestas situações, não basta o conhecimento da factualidade típica para que o ser humano
consiga guiar a sua conduta; é necessário o conhecimento da concreta norma, da concreta proibição
legal sob pena de exclusão o dolo nos termos do art. 16.º/1. Desta forma, o agente só poderá ser
punido a título de negligência desde haja a violação de um dever de cuidado e previsão legal.
No nosso caso, estamos a falar no crime de exploração ilícita de jogo que faz parte de direito
penal secundário, desde logo porque não está no CP e porque está previsto um bem jurídico com
grande relevância axiológica. Para podermos dizer que algum dos nossos agentes atuou de forma
dolosa tínhamos de poder dizer que eles conheciam a proibição legal da sua conduta.
Em relação a F e G, apesar de terem um estabelecimento comercial não faziam da sua
profissão a venda das máquinas de jogo e, por isso, é normal que eles desconhecem a proibição
legal. Para além disso, eles estavam a confiar naquilo que H (profissional nas máquinas de jogo)
estava a dizer. Desta forma, eles incorrem em erros sobre a proibição legal, não atuaram de forma
dolosa. Não são punidos a título de dolo, mas poderiam eventualmente, artigo 16.º CP, a título de
negligencia. Contudo o criem de exploração ilícita de jogo não é punível a título de negligencia só a
título de dolo. Não iam ter de responder criminalmente.

99
Ana Paula Pinto
Já H, era vendedor de máquinas, por isso dizer que não sabia não parece possível. Por isso
não há qualquer erro sobre as proibições legais, pois ele deliberadamente decidiu ignorar a
imposição legal. Temos uma atuação sob forma de dolo (dolo direto e intencional)

100
Ana Paula Pinto
FICHA 11
Caso prático 1
Imagine que A pretendia assaltar, durante o seu trajeto, uma carrinha de valores que havia
saído carregada do Banco de Portugal. A considerava que a forma mais eficaz de se apoderar da
quantia transportada consistia em eliminar, com um disparo certeiro, B, o condutor do veículo.
a) Considerando o momento volitivo do dolo, pronuncie-se sobre o presente caso
(morte de B).
Neste caso prático, o propósito é analisar a eventual responsabilidade jurídico-penal do
agente, focando a atenção na questão da imputação subjetiva, em especial no elemento volitivo do
dolo.
O dolo do tipo corresponde ao conhecimento e à vontade de realização da factualidade
típica, do tipo objetivo de ilícito. Deste modo, o dolo do tipo é composto por 2 elementos: o
elemento intelectual (o conhecimento da factualidade típica) e o elemento volitivo (vontade de
realização do tipo objetivo de ilícito).
O momento volitivo é o momento que indicia a atitude de diferença ou contrariedade que o
agente assume perante a lei, convocando as diversas declinações do dolo previstas no 14.º cp.
assim, o dolo pode ser direto intencional ou de 1º grau (14.º/1), direto necessário ou de 2º grau
(14.º/2), ou eventual (14.º/3).
Neste caso estamos perante um dolo direto intencional porque a morte de B constitui um
objetivo da conduta, isto é, a realização típica é uma finalidade da conduta do agente.
A morte de B configura o tal pressuposto que o agente tem de cumprir para atingir a sua
finalidade. (sem a morte de B, entende, que não conseguiria atingir a sua finalidade).

b) E se A não pretendesse assaltar a carrinha de valores, mas tão-só matar B, seu


inimigo. Para o efeito colocou um engenho explosivo no veículo, sabendo que a explosão
também atingiria C, o colega de giro de B.
A morte de B agora configura-se como a finalidade, portanto estamos perante um dolo
direto intencional em relação ao homicídio de B.
Quanto à morte de C temos um dolo direto necessário, porque a morte de C era para o
agente apenas uma consequência necessária, certa e inevitável da sua conduta. Não tinha como
101
Ana Paula Pinto
finalidade matar C e para ele também não era um pressuposto, mas apenas como uma
consequência necessária da conduta.

c) Imagine, por fim, que B e C eram inimigos de A e que este disparou uma bala
capaz de perfurar a blindagem da carrinha. Como o veículo possuía vidros escurecidos, A
não sabia quem atingiria.
Neste caso prático, o propósito é analisar a eventual responsabilidade jurídico-penal do
agente, focando a atenção na questão da imputação subjetiva, em especial no elemento volitivo do
dolo.
O dolo do tipo corresponde ao conhecimento e à vontade de realização da factualidade
típica, do tipo objetivo de ilícito. Deste modo, o dolo do tipo é composto por 2 elementos: o
elemento intelectual (o conhecimento da factualidade típica) e o elemento volitivo (vontade de
realização do tipo objetivo de ilícito).
O momento volitivo é o momento que indicia a atitude de diferença ou contrariedade que o
agente assume perante a lei, convocando as diversas declinações do dolo previstas no 14.º cp.
assim, o dolo pode ser direto intencional ou de 1º grau (14.º/1), direto necessário ou de 2º grau
(14.º/2), ou eventual (14.º/3).
Nesta situação o agente só quer matar um deles, é indiferente quem seja. Assim, estamos
perante um dolo alternativo, que diz respeito a situações em que o agente se propõe ou conforma
com a realização de um ou outro tipo objetivo de ilícito.
O dolo do tipo tem de estar sempre associado a tipo de ilícito concreto, e, portanto, uma
pessoa que acorde um dia com o propósito de cometer crimes isto não constitui dolo, o dolo tem
de estar direcionado para um propósito específico, o que aqui não acontece – tem de ser a morte
Apesar de ser homicídio de qualquer uma, não há apenas uma pessoa especifica. O agente
conta com ambas as possibilidades e conforma-se com elas. Por isso, o dolo deve afirmar-se
relativamente à conduta que preencheu o tipo objetivo de ilícito que aconteceu.
Paulo Pinto de Albuquerque diz que o resultado seja qual for foi desejado pela gente, e,
neste sentido, será de imputar ao agente o crime doloso consumado, correspondente ao tipo
objetivo de ilícito que realmente aconteceu.

102
Ana Paula Pinto
O nosso agente vai ser punido pelo homicídio doloso que aconteceu (o de B ou C), portanto
dolo de 1º grau.
A questão que se coloca, questão a qual gera controvérsia na doutrina, é se o agente seria
punido pelo homicídio da pessoa que morreu e por tentativa da outra pessoa.
A doutrina maioritária diz que não vai ser punido pela tentativa, na medida em que o dolo
vai se esgotar na ação que preenche o tipo objetivo de ilícito que realmente se realiza. A posição
minoritária (Maria Fernanda palma) defende a imputação de dois crimes, o crime doloso
consumado e o crime na forma tentada

Caso prático 2
Após a realização de audiência de julgamento, deram-se como provados os seguintes
factos:
- depois de entrarem na casa, colhendo de surpresa o casal, e de imobilizarem a esposa, na
sala, entraram no quarto onde a vítima descansava, sobre a cama;
- o Francisco tinha 86 anos de idade; - só porque este não disse onde tinha o dinheiro, o
recorrente calcou-lhe as carótidas e tapou com força o nariz, cravando-lhe as unhas nas asas do
mesmo, impedindo-o de gritar e respirar;
- provocando-lhe as lesões descritas em 12;
- que foram causa suficiente e adequada da sua morte;
- a intensidade da violência de tais atos está bem patenteada na infiltração sanguínea dos
tecidos celulares subcutâneos na região lateral direita do pescoço, com os brônquios repletos de
espuma sanguinolenta, com paquipleurite da pleura parietal e cavidade pleural direita e esquerda
e os pulmões e a pleura visceral escuros, violáceos, volumosos, muito congestionados e
edemaciados;
- antes de saírem como o dinheiro encontrado, desligaram, puxando os fios, o telefone.
Mais se provou que o agente representou a morte como consequência possível dos seus
atos e se conformou com ela.
Tomando em consideração o momento volitivo do dolo, pronuncie-se sobre o
presente caso.

103
Ana Paula Pinto
(Adaptado do ac. do TRC de 24/11/2004, Proc. n.º 2930/04, relatado pelo Des. SERAFIM
ALEXANDRE, disponível em http://www.dgsi.pt)
Neste caso prático, o propósito é analisar a eventual responsabilidade jurídico-penal do
agente, focando a atenção na questão da imputação subjetiva, em especial no elemento volitivo do
dolo.
O dolo do tipo corresponde ao conhecimento e à vontade de realização da factualidade
típica, do tipo objetivo de ilícito. Deste modo, o dolo do tipo é composto por 2 elementos: o
elemento intelectual (o conhecimento da factualidade típica) e o elemento volitivo (vontade de
realização do tipo objetivo de ilícito).
O momento volitivo é o momento que indicia a atitude de diferença ou contrariedade que o
agente assume perante a lei, convocando as diversas declinações do dolo previstas no 14.º cp.
assim, o dolo pode ser direto intencional ou de 1º grau (14.º/1), direto necessário ou de 2º grau
(14.º/2), ou eventual (14.º/3).
No caso, assumindo que o agente é uma pessoa média, por isso compreende o resultado
que a conduta de estrangulamento teria como consequência gerar no mínimo dificuldades
respiratórias e a um idoso a possível morte, estando preenchido o elemento volitivo: aquela ação é
propícia a produzir aquele resultado.
Para além de ter reassentado a morte como resultado dos seus atos, conformou-se com isso
pelo que estamos perante dolo eventual, art.14.º/3 CP.
O art. 14.º/3 CP apresenta a teoria da conformação para fazer a distinção entre o dolo
eventual e a negligência consciente, pois em ambas o agente representa a realização típica como
consequência possível da sua conduta.
Esta teoria parte da ideia de que o dolo pressupõe algo mais do que o conhecimento do
perigo de realização típica. Eduardo Correia diz que o agente no caso do dolo eventual atua não
confiando que o resultado não se verificará e FD diz que no dolo eventual o agente toma a sério o
risco de possível lesão do bem jurídico, entra em contas com isso e ainda assim decide realizar o
facto típico. Neste sentido, é razoável concluir que aquilo que levou o agente a atuar, no seu
entendimento, justifica a lesão do bem jurídico e a realização típica. O agente mostra que está
disposto a arcar com as consequências da sua ação (resigna-se face às consequências que prevê
como possíveis).

104
Ana Paula Pinto
No nosso caso estamos perante uma situação de dolo porque o agente representa como
possível a morte e parece que há uma conformação (leva a sério a possibilidade, entra em contas e
atuou de forma revelada também no desligar dos telemóveis).
Para além desta teoria existe a teoria da probabilidade que defende que a diferença reside
no plano intelectual, ou seja, para que haja afirmação de dolo eventual não basta que o agente faça
uma representação da realização típica como uma consequência possível da sua conduta, esta tem
de ser qualificada, ou seja, tem de ser correspondente a uma probabilidade ou uma probabilidade
relativamente alta.
O problema desta teoria passa em primeiro lugar pelo facto de ser difícil estabelecer um
critério que permita determinar um critério de probabilidade; em situações em que o agente
entende que à pouca probabilidade de se vir a verificar o tipo objetivo de ilícito, mas mesmo assim
está decidido a realizar o tipo objetivo de ilícito pelo que agente não ia ser punido por dolo eventual,
mas sim por negligência consciente. Estaríamos de certa forma a privilegiar o agente obstinado
(pessoa extremamente determinada que se propõe a fazer algo, mesmo sabendo que a
probabilidade é baixa).
Já a teoria da aceitação defende que no dolo eventual, o agente representa a realização
típica como consequência possível da sua conduta e aceita intimamente a sua verificação ou pelo
menos revela indiferença em relação a ela. Na negligência consciente o agente representa a
realização típica como possível, mas repudia intimamente a sua verificação e espera que ela não
aconteça. O problema desta teoria é que promove o agente otimista e irrefletido

Caso prático 3
C era juiz e D Procuradora da República na comarca de Portimão. Depois de uma excelente
relação de amizade entre ambos, a dado passo passou a tratar-se de modo pouco respeitoso em
despachos e promoções, facto conhecido de todos quantos entravam em contacto com o Tribunal.
No âmbito de um processo laboral, C ordenou o cálculo de uma indemnização de uma
determinada forma. Na medida em que tinha dúvidas sobre esse modo de proceder, E, funcionária

105
Ana Paula Pinto
judicial adstrita ao juízo em que C trabalhava, consultou D que lhe indicou que deveria fazer o
oposto do ordenado por C.
Apercebendo-se de que a sua ordem não tinha sido cumprida, C indagou o motivo junto
de E, que lhe confessou o que sucedera. Muito exaltado, em voz alta, de modo a ser ouvido fora
do seu gabinete, C disse: “Você é burra e mais burra é a Procuradora”.
Julgado pela prática de um crime de difamação agravada, C alegou que atuara de modo
negligente, o que importaria a sua absolvição (cf. as disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º
1, e 184.º, do CP), tanto mais que agira com mero animus corrigendi.
Quid iuris?
(Adaptado do ac. do STJ de 8-10-2008, Proc. n.º 06P3930, disponível em http://www.dgsi.pt)
C alegou que atuara com negligência, uma vez que o crime de difamação é apenas punido
por dolo, não há previsão legal para a punição por negligência.
Assim é importante incidir sobre a diferenciação entre o dolo eventual e negligência
consciente.
No art. 14.º/3 está prevista a teoria da conformação que nos auxilia a fazer eta distinção,
dizendo que no dolo eventual o agente prevê a realização típica de uma consequência típica da sua
conduta e conforma-se com esse resultado. Ou seja, o agente, no momento da ação leva a sério o
risco de se produzir o risco/lesão para um bem jurídico. Tendo em conta este risco ainda assim
decide realizar a sua conduta.
Nas situações de dolo eventual, o propósito que move o agente, aos seus olhos vale bem o
preço da realização típica
Na negligência consciente, o agente faz a mesma representação da realização típica como
uma consequência possível da sua conduta, mas já não se conforma com ela. Temos a violação de
um dever de cuidado que atende sobre o agente no momento da atuação.
Neste caso em concreto, a intenção parece bem patente, não só porque profere as palavras
que podem intentar contra a honra das pessoas, como o faz num local e momento em que muitas
outras pessoas iriam ouvir.
“falou alto de modo a ser ouvido fora do gabinete” – mostra que houve intenção de afetar a
honra, bom nome, reputação daquelas duas pessoas.

106
Ana Paula Pinto
Deste modo, não podemos dizer que houve apenas negligência, pois se assim fosse o juiz
tinha de confiar que a lesão dos bens jurídicos daquelas duas pessoas não iria acontecer, ou seja,
tinha de confiar que a honra, reputação e bom nome da procuradora e funcionária não iria
acontecer, ou porque não ouviram, ou porque falou baixinho que só ela ouviu.
No mínimo temos dolo eventual, isto é, no mínimo representou a vontade de difamar
aquelas pessoas, os seus bens jurídicos relativos à sua honra, e conformou-se com essa
possibilidade.
O juiz diz que agiu com mero animus corigendi, que consiste numa intenção de corrigir
alguém. Portanto, falamos de uma intenção que teve de corrigir alguém em relação a quem ele se
sentia numa posição hierárquica. Esta posição não permite o afastamento do dolo, porque esse
animus tem limites, como o respeito pela pessoa que está a ser corrigida (este poder de correção
não é absoluto; tem uma medida necessária que não pode corresponder à ofensa de bens jurídicos
penalmente tutelados).
Se ele proferiu aquelas palavras com a intenção de corrigir a funcionária e procuradora, no
máximo este animus afastaria o dolo direto intencional porque a finalidade da conduta do agente
foi a realização típica e aqui a finalidade da conduta do juiz teria de ser a de difamar, afetar a honra
da procuradora e funcionária. Se a intenção dele foi corrigi-las a finalidade da sua conduta foi essa
correção e não a difamação. Este animus poderia contender com o dolo direto necessário, mas já
não ia contender com o dolo direto necessário nem com o dolo eventual.

Caso prático 4
A é vítima de assédio no trabalho. Durante anos sofreu às mãos de B, sua chefe, cruéis
humilhações à frente dos seus colegas, foi alvo de boatos e rumores delicados, e foi-lhe atribuído,
por diversas vezes, trabalho improdutivo. As várias queixas que apresentou contra B foram
arquivadas. Cansada daquela situação, decidiu vingar-se de B. Adquiriu um revolver no mercado
negro e decidiu utilizá-lo para matar a inimiga. Quando se pôs a caminho, ao volante do seu
automóvel, recebeu uma mensagem de texto no telemóvel, o que a fez retirar os olhos da estrada
por breves instantes. Nesse momento ouviu um estrondo, tendo imobilizado imediatamente a

107
Ana Paula Pinto
viatura. Saiu para ver o havia ocorrido e apercebeu-se que, ironia do destino, atropelara B.
Quando viu a inimiga sem vida na estrada pensou, conformando-se com o resultado: “isto veio
mesmo a calhar!”.
Pronuncie-se quanto à responsabilidade jurídico-penal de A, tomando em
consideração o momento volitivo do dolo.
No momento da ação que determinou a morte, A não tinha vontade de matar B (não tinha
vontade de matar ninguém), assim falta o elemento volitivo do dolo no momento da ação.
Esta situação resulta num dolo subsequente que consiste num momento em que o agente
se conforma com um facto típico depois de acontecer, ou seja, o agente assume conscientemente
à posterior o resultado que se produziu previamente.
Esta figura de dolo não constitui dolo do tipo, pois ninguém pode decidir fazer uma coisa que
já aconteceu. O dolo do tipo tem uma dimensão temporal, que vai do início até ao fim da conduta
que realiza o tipo objetivo de ilícito (o que acontece antes e depois não é relevante). Entre o dolo
do tipo e a realização típica tem de existir uma conexão temporal, isto é, as duas realidades têm de
ocorrer em simultâneo.
Neste caso, o “dolo” subsequente surge só depois da realização típica, e por isso, vai ser
absolutamente irrelevante. Não podemos determinar um homicídio com dolo consumado, mas
sim homicídio negligente, uma vez que o enunciado nos diz que ela estava a conduzir recebeu a
mensagem tirando os olhos da estrada. Isto significa que temos uma violação de um dever de
cuidado. Esta violação determinou a produção de um resultado típico em função de atitude de
leviandade e de descuido que ela assumiu.
Para além da violação de um dever de cuidado, da produção de um resultado típico e de uma
conexão entre os dois elementos prévios tem de haver também a previsão normativa da
negligência. É preciso que a lei penal nos diga que o cumprimento negligente do crime é punível. –
Homicídio negligente punível nos termos do art. 137.º CP.
Este caso transmite-nos a ideia de que o dolo do tipo tem de estar sempre temporalmente
associado à conduta que realiza um tipo objetivo de ilícito. Daí que o dolo subsequente não
constitua dolo do tipo.
Nesta linha existe uma outra figura, que é o dolo antecedente, o qual consiste num dolo
prévio à realização típica.

108
Ana Paula Pinto
Ex: A e B são inimigos, odeiam-se mutuamente, têm uma discussão e o A planeia matar e o
B. Então aproveita o dia seguinte que iam caçar juntos, mas antes de matar a pessoa a arma estava
destrancada e atingiu o B de forma totalmente acidental. – Dolo antecedente não é dolo do tipo.

Caso prático 5
D circulava no seu automóvel dentro dos limites de velocidade estabelecidos para o local
que atravessava. Num cruzamento em que tinha prioridade de passagem, D não diminuiu a
velocidade do seu veículo. Aí surgiu E, da sua esquerda, que nem sequer afrouxou a marcha do
seu potente Ferrari. Em consequência, os dois automóveis colidiram, vindo E a perecer devido à
violência do embate.
O M.P., no final do inquérito entretanto aberto, deduziu acusação contra D, imputando-
lhe a prática do crime de homicídio negligente, em virtude do facto de, dada a velocidade em que
E seguia, ser totalmente percetível que este último não tinha condições para imobilizar o seu
veículo em segurança, o que deveria ter motivado um afrouxamento ou mesmo paragem do
automóvel conduzido por D.
Pronuncie-se sobre o conteúdo do despacho de acusação.
No caso parece relevar o princípio da confiança. Este foi desenvolvido sobretudo na
jurisprudência alemã e que tem uma grande aplicabilidade prática em casos de circulação
rodoviária, equipas médicas. Muitas vezes na realização de crimes negligentes existe a participação
de várias pessoas (vários intervenientes), e por isso questiona-se a intervenção e uma pluralidade
de pessoas pode afetar a imputação de responsabilidade individual?
Este princípio diz nos que a cada um deve cuidar do seu cuidado e, por isso, deve confiar que
as restantes pessoas fazem o mesmo, ou seja, quem se comporta no tráfego jurídico, de acordo com
as normas de cuidado que intendem sobre si devem poder confiar que o mesmo acontece com o
resto das pessoas, salvo se tiver razões concretamente fundadas para pensar ou dever pensar em
sentido contrário.
Este dever de confiança tem o seu fundamento no princípio da autorresponsabilidade de
terceiros (segundo FG) que parte da ideia de que as outras pessoas também são seres responsáveis
e que se elas se comportam de forma não cuidadosa isso só deve afetar, em princípio, a sua própria

109
Ana Paula Pinto
responsabilidade. Neste sentido, ninguém deve responder, do ponto de vista penal, do descuido de
outras pessoas.
Neste caso teríamos de verificar se este princípio da confiança podia ser invocado para se
eximir de responsabilidade criminal.
Em primeiro analisar, se efetuou com o cuidado devido naquela situação, pois só podemos
esperar o cuidado dos outros se formos cuidadosos. Neste caso sim, pois conduzia nos limites de
velocidade estabelecidos, e naquela situação concreta tinha prioridade. Cumpriu as regras de
circulação rodoviária, e, à partida poderia confiar que os outros condutores teriam a agir com o
mesmo cuidado do que ele.
Em segundo, aferir se ele não tinha razões concretamente fundadas para não confiar no
cuidado dos outros, ou seja, temos dever se o D tinha ou não razões para pensar que E atuaria sem
observar o cuidado devido. Neste caso, era percetível que E não iria diminuir a velocidade, o que
significa que D não estava com a atenção necessária para perceber a possibilidade de embate,
violando um dever de cuidado. Assim, pode invocar o princípio da confiança. Assim, vai lhe ser
imputável um homicídio negligente.

110
Ana Paula Pinto
FICHA 12
Caso prático 1
A e B, residentes em Fânzeres, mantinham há algum tempo uma relação conflituosa
marcada por várias trocas de insultos e algumas ameaças. Certo dia, enquanto passeava o seu
“Gattuso”, um mastim napolitano particularmente musculado, A cruzou-se com B e decidiu
insultá-lo. B não gostou das investidas do seu inimigo e respondeu à letra, dando início a uma
acesa discussão. Durante essa discussão, A retirou o açaima do cão e atiçou-o contra B, que
prontamente mordeu numa perna, não o largando mais. Nesse momento, B retirou uma faca do
bolso e golpeou o cão no pescoço, de modo a libertar-se.
1.- Avalie o tipo justificador presente neste caso.
Os tipos justificadores (causas de justificação ou causas de exclusão da ilicitude) contribuem
para a concretização do conteúdo ilícito de uma conduta, mas vão atuar como uma limitação do
tipo incriminador. Neste sentido, o tipo incriminador e justificador apresenta uma relação de
complementaridade funcional na valoração de uma condita como licita ou ilícita, uma vez que os
tipos incriminadores fundamentam, provisoriamente, a ilicitude e os tipos justificadores vão excluir
de forma definitiva essa mesma ilicitude, art. 31.º.
No caso presente estamos perante uma possível aplicação do tipo justificador da LD presente
no art. 32.º.
Esta figura, por um lado visa a defesa da ordem jurídica, o que justifica que se sacrifiquem
bens jurídicos de valor superior àqueles que foram postos em causa por uma agressão; e por outro
lado encontra fundamento na necessidade de proteger e preservar bens jurídicos ameaçados por
uma agressão. Podemos ligar estas duas finalidades numa só, que é a preservação do direito na
pessoa do agredido.
A LD é uma forma de autodefesa, e por isso, vai estar envolta por um regime particularmente
exigente, tendo de ser cumpridos que dizem respeito à agressão, outros à ação de defesa e um
requisito subjetivo.
A agressão para efeitos jurídicos penais é ameaça derivada de um comportamento humano
voluntário a bens jurídicos protegidos ou interesses juridicamente protegidos.

111
Ana Paula Pinto
Deste modo, em primeiro lugar, a agressão tem de ser um comportamento humano, e por
isso, ficam de fora da noção de agressão todas as atuações de animais, coisas inanimadas ou forças
da natureza.
Em 2º lugar, tem de ser voluntária, portanto, uma eventual resposta a uma ameaça praticada
por alguém que está em estado de consciência ou que atua desprovido de vontade, não constitui
LD. Assim, permite-se a LD contra atos de inimputáveis, seja em razão da idade, seja em razão de
anomalia psíquica, mas com requisitos adicionais de forma a proteger o inimputável.
Em 3º lugar, o comportamento pode ser ativo (ação) ou omissivo.
Em 4º, tem de ser atual, ou seja, uma agressão iminente (quando o bem jurídico já se
encontra imediatamente ameaçado), que já se iniciou ou ainda persiste. Portanto a LD é legítima
até ao último momento em que a agressão ainda persiste, isto é, até deixar de ser necessária para
repelir a ameaça. Não pode ser confundida com a figura de retorção do art. 143.º/3/b, quando uma
pessoa sofre uma agressão de baixa intensidade responde, ad continuum, com uma agressão de
igual intensidade, sendo que a agressão já terminou.
Em 5º lugar tem de ser licita em relação a toda a ordem jurídica, ou seja, não é uma ilicitude
exclusivamente penal. Contudo a defesa não vai ser legitima se a ordem jurídica fornecer
procedimentos especiais para tutelar os interesses violados.
Em 6º, a agressão pode ser dolosa ou negligente.
Por fim, tem de ameaçara bens jurídicos, não exclusivamente penais, podem ser individuais
ou supra individuais, do próprio agente ou de terceiro.

2.- Imagine agora que quem desferia a facada no cão era C, um transeunte que, vendo
B no chão a debater-se contra o cão, decidiu intervir.
No caso em concreto, o cão não atua por iniciativa própria, ele é instrumentalizado pelo A.
A conduta que determina a agressão não foi de iniciativa do cão, mas sim do dono, é usado como
uma arma de agressão pelo que estamos perante uma conduta humana, voluntária, ilícita, atual
(quando B se defende ainda está a ser atacado pelo cão) e a agressão ameaça um bem jurídico de B
(integridade física). Desta forma estão preenchidos todos os requisitos em relação à agressão,
porém é necessário verificar se estão preenchidos os requisitos da ação de defesa.

112
Ana Paula Pinto
Assim, tem de existir uma necessidade de defesa em si, ou seja, a defesa tem de revelar
necessária, normativamente imposta pela situação a repelir, para que possa ser vista como uma
exigência da reafirmação do direito face à ilicitude na pessoa do agredido bem como tem de existir
uma necessidade do meio utilizado, ou seja, o meio utilizado para a defesa vai ser necessário quando
se revelar idóneo para deter a agressão, e, caso sejam vários os meios adequados, for o menos
gravoso para o agressor.
Para que possamos aferir a necessidade do meio, temos de fazer um juízo ex ante, isto é, a
avaliação tem de ser feita por referência ao momento da atuação e, para isto, temos de ter em
conta toda a dinâmica do acontecimento: características do agressor e do defendente, os meios que
o agressor utiliza e tem à sua disposição, o nível de surpresa, intensidade do ataque.
Pode haver situações de excesso de meios, também chamado de excesso defensivo de LD
determina a não exclusão da ilicitude. O facto vai continuar a ser ilícito embora possa haver uma
atenuação especial da pena, art. 33.º/1.
No nosso caso, havia necessidade de defesa (foi imposta pela situação) e o meio utilizado é
adequado, tendo em consideração a raça do cão, se calhar os outros meios poderiam agravar a
situação. Assim, o meio que aumenta o risco para a pessoa que se está a defender não é adequado
(a pessoa não tem de aumentar o risco que já está).
Para além destes requisitos é necessário ainda que se verifique uma exigência mínima
subjetiva, isto significa que há um elemento subjetivo que tem de estar cumprido: um mínimo
denominador comum de todas as causas de justificação – conhecimento pelo agente dos elementos
do tipo justificador (o agente quando está a defender tem consciência da sua situação defensiva,
que estão reunidas as condições para haver uma LD). Não se exige que o agente atua com animus
defendendi (com a vontade de defender), tem é de ter noção que naquela situação está em causa
uma defesa.

3.- Ainda no âmbito da hipótese anterior, considere agora que B não queria ser
ajudado por C, tendo-o expressado verbalmente.
Agora é um terceiro (pessoa alheia) que defende o agredido, esta ação de defesa por parte
de um terceiro pode ainda constitui LD ao abrigo do art. 32.º, configura auxílio necessário ou LD
alheia, a única diferença é o facto do agente defendente ser um terceiro e não o agente agredido.

113
Ana Paula Pinto
Os requisitos são os mesmos e têm de estar todos preenchidos.
Em relação à agressão, sendo a agressão, , para efeitos jurídicos penais, ameaça derivada de
um comportamento humano voluntário a bens jurídicos protegidos ou interesses juridicamente
protegidos.
Deste modo, em primeiro lugar, a agressão tem de ser um comportamento humano, e por
isso, ficam de fora da noção de agressão todas as atuações de animais, coisas inanimadas ou forças
da natureza.
Em 2º lugar, tem de ser voluntária, portanto, uma eventual resposta a uma ameaça praticada
por alguém que está em estado de consciência ou que atua desprovido de vontade, não constitui
LD. Assim, permite-se a LD contra atos de inimputáveis, seja em razão da idade, seja em razão de
anomalia psíquica, mas com requisitos adicionais de forma a proteger o inimputável.
Em 3º lugar, o comportamento pode ser ativo (ação) ou omissivo.
Em 4º, tem de ser atual, ou seja, uma agressão iminente (quando o bem jurídico já se
encontra imediatamente ameaçado), que já se iniciou ou ainda persiste. Portanto a LD é legítima
até ao último momento em que a agressão ainda persiste, isto é, até deixar de ser necessária para
repelir a ameaça. Não pode ser confundida com a figura de retorção do art. 143.º/3/b, quando uma
pessoa sofre uma agressão de baixa intensidade responde, ad continuum, com uma agressão de
igual intensidade, sendo que a agressão já terminou.
Em 5º lugar tem de ser ilícita em relação a toda a ordem jurídica, ou seja, não é uma ilicitude
exclusivamente penal. Contudo a defesa não vai ser legitima se a ordem jurídica fornecer
procedimentos especiais para tutelar os interesses violados. Sendo que pode ser uma agressão pode
ser dolosa ou negligente.
Por fim, tem de ameaçara bens jurídicos, não exclusivamente penais, podem ser individuais
ou supra individuais, do próprio agente ou de terceiro.
Em relação aos requisitos referentes à ação de defesa: tem de existir uma necessidade de
defesa em si (a defesa tem de revelar necessária, normativamente imposta pela situação a repelir,
para que possa ser vista como uma exigência da reafirmação do direito face à ilicitude na pessoa do
agredido) bem como tem de existir uma necessidade do meio utilizado (o meio utilizado para a
defesa vai ser necessário quando se revelar idóneo para deter a agressão, e, caso sejam vários os
meios adequados, for o menos gravoso para o agressor).

114
Ana Paula Pinto
Para que possamos aferir a necessidade do meio, temos de fazer um juízo de necessidade ex
ante, isto é, a avaliação tem de ser feita por referência ao momento da atuação e, para isto, temos
de ter em conta toda a dinâmica do acontecimento: características do agressor e do defendente, os
meios que o agressor utiliza e tem à sua disposição, o nível de surpresa, intensidade do ataque.
Enfim, o julgador deve olhar para todo o circunstancialismo, ao nível da pessoa média e à luz do
caso concreto (nunca descorando de que o defendente naquele momento se encontrava debaixo
de uma elevada tensão psicológica).
Por fim, o elemento subjetivo reconduz-se ao facto de o defendente ter conhecimento de
que atua numa situação passível de ser configurável como legítima defesa, não se exigindo o animus
defendendi (atua apenas com vontade de defender).
No caso é a defesa dos direitos na pessoa agredida.
No entanto, há uma manifestação expressa do agredido não querer ser ajudado. Nesta
questão há divergência na doutrina.
No direito alemão há uma posição minoritária que defende que o arguido não deve ser
auxiliado/defendido contra a sua vontade. Há uma conceção e respeito pela autonomia (vontade
do agredido). FD vem influenciado e entende que o agredido não deve ser auxiliado contra ou sem
manifestar uma vontade nesse sentido, ou seja, o arguido não deve ser defendido contra a sua
vontade ou sem manifestar.
No entanto há sempre situações em que o agredido não consiga manifestar a sua vontade.
No caso, ele disse que não queria ajuda, a atuação de C não seria LD alheia. Na medida que
o agredido disse expressamente que recusaria o auxílio, a ação de C não vai ser justificada, ou seja,
não se exclui a ilicitude da ação de C.
Outra posição, Taipa de Carvalho, solução varia consoante o bem jurídico seja disponível ou
indisponível. Se for disponível: o agente defendente estará mais limitado, a LD alheia já não será
admitida contra a vontade do agredido. Se a pessoa nada dizer há uma presunção de que quer
auxílio.
No caso, o bem jurídico vida é um bem jurídico indisponível, a conduta seria justificada
(diferente do bem jurídico património: vontade do agredido já teria preponderância). Contudo ele
expressa uma recusa (só tem relevância se o bem jurídico fosse disponível).

115
Ana Paula Pinto
Caso prático 2
A era o proprietário do “Café Central” de Barcelinhos. Certo dia, encontrava-se prestes a
fechar o seu estabelecimento, por volta das 2h00 da madrugada, quando ouviu a conversa de B,
C e D, que se encontravam sentados numa mesa perto do balcão. Os três clientes estavam a
preparar um assalto que ocorreria nessa noite, por volta das 4h00, na habitação de E, uma idosa
conhecida em Barcelinhos por guardar muito dinheiro debaixo do colchão e ouro em várias
divisões da casa. Alarmado com a conversa, A aproveitou o facto de os três clientes terem pedido
o último bagaço da noite para colocar um poderoso hipnótico dentro dos copos, induzindo
rapidamente um estado de inconsciência que lhe permitiu chamar a GNR.
Quid iuris?
Neste caso, se fossemos analisar os requisitos da LD, nos requisitos em relação à agressão
iria falta a atualidade da ação, portanto falta um requisito essencial da LD.
Uma agressão é atual quando é iminente (o bem jurídico já se encontra imediatamente
ameaçado), já iniciada e ainda presente.
No caso, há falta atualidade, pois o que se ouviu foi um determinado plano para um eventual
assalto – ainda falta H e ainda não se sabe se vai acontecer.
Poderá haver uma LD preventiva que diz respeito às situações que não bastante a situação
ser iminente nem se quer se sabe com certeza ou com um grau de segurança elevado que a agressão
vai acontecer.
Para além de faltar a atualidade da ação, o agente (dono) poderia alertar as autoridades
públicas e descrever o que via e ouvia para estas atuassem em conformidade.
Se não fosse assim estava-se a legitimar as forças privadas em vez das públicas que são as
competentes.
No nosso ordenamento jurídico é que a LD preventiva não é admissível, não vai haver
justificação da conduta do agente.
No entanto FD admite que poder-se-á excluir a ilicitude da conduta com base no tipo
justificador pelo direito de necessidade, art. 34.º, desde que se verifique as suas condições,
nomeadamente impossibilidade ineficácia do alerta das autoridades.
No caso, não se verifica.

116
Ana Paula Pinto
Na Alemanha, parte da doutrina admite LD preventiva com base na teoria da defesa mais
eficaz. Tem um conceito diferente de atualidade da agressão: a agressão será atual a partir do
momento que se sabe que vai ser concretizada e o momento do adiamento para o momento que
se torna iminente, torna a resposta impossível ou dificultaria a resposta ao ponto de ser necessário
um grave endurecimento dos meios de defesa.
Se o dono tomasse conhecimento do assalto e conclui-se que sem a sua atuação no
momento não se atenuava ou tinha de se recorrer a meios mais gravosos havia justificação da sua
conduta.
Até que ponto é possível a antecipação da defesa através de mecanismo considera-se
legitimo, mas para a agressão do agressor ser legitimo tem de se verificar os requisitos da LD:
atualidade da agressão e apenas afetem o agressor.

Caso prático 3
No final do mês de janeiro, quando A se preparava para fechar a relojoaria de que era
proprietário, viu entrar B que lhe pediu para ver um relógio automático particularmente caro.
Quando regressava com o relógio, B apontou-lhe uma pistola e pediu-lhe que esvaziasse o
conteúdo de uma das vitrinas para dentro de um saco. Quando entregou o saco a B, aproveitando
um momento de distração do assaltante, A puxou de um revólver que trazia sempre consigo,
dispondo de licença de uso e porte de arma, e deu um tiro na mão de B que segurava a arma.
1. Analise o problema sabendo que, ex post, verificou-se que a arma que B
transportava se tratava de uma réplica e que o acidente fazia parte de uma rubrica de
“apanhados” de um programa televisivo.
Neste caso, estamos perante uma LD putativa ou erro sobre os elementos do tipo justificador
onde o agente está em erro sobre os elementos do tipo justificador, ou seja, o defendente, em
termos subjetivos, representa estar perante uma agressão atual e ilícita, quando, objetivamente,
não estava. Dito de outro modo, objetivamente não se verificam os elementos justificadores
exigidos na legítima defensa; porém, o defendente subjetivamente supõe (erroneamente) que eles
se verificam.

117
Ana Paula Pinto
O dono pensava que estava a ser assaltado no momento da ação, ou seja, subjetivamente
representa aquela ação como uma agressão, portanto representa uma necessidade de defesa que
se vem a verificar que não existe. Assim, faz uma incorreta avaliação/apreciação da conduta.
Se não se verifica os elementos objetivos, o art. 16.º/2 em articulação com o nº1, diz que vai
ser tratado de forma semelhante ao erro sobre a factualidade típica, isto é, se erra sobre os
elementos, é um erro sobre um estado de coisas a verificar que exclui a ilicitude
Portanto, este erro sobre os elementos justificadores vai excluir o dolo.
A LD putativa não vai funcionar como uma plena LD, não há imediatamente uma exclusão
da ilicitude, o que acontece é a exclusão do dolo, portanto o dono não irá ser punido por ofensas à
integridade física dolosa. Porque o desconhecimento/erro sobre os elementos da LD vai determinar
que o agente não tenha a sua consciência ética orientada para o desvalor da sua conduta.
Se não vai ser punido a título de dolo, vai ser punido a título de negligência, art. 16.º/3.
Temos de ver se o dono pode ser punido a título de negligência. Assim tem de existir uma violação
de um dever de cuidado que tem de se repercutir num resultado (conexão entre a violação e o
resultado obtido) e previsão normativa da punição por negligência.
No caso, tendo em conta as circunstâncias (ser uma relojaria e é um objeto de assalto
frequentemente) e como parecia um assalto (parece real) tal como a arma que parece verdadeira.
Toda a encenação foi muito realista, o dono não tinha como se aperceber que era uma brincadeira.
Só seria punido por negligencia se conseguisse evitar o erro através de uma comprovação cuidadosa
dos elementos do tipo justificador que ele entendeu como uma ação, ou seja, se tivesse condições
para perceber que era uma brincadeira poderíamos ter negligência (se pudesse evitar o erro), mas
não fosse possível teríamos condições.
No caso, não será punido por dolo ou negligência, não havia forma de evitar o erro.
!!! Não existe um dever de fuga porque seria vigorar a lei do mais forte e contrariar o direito
que está na base da LD.
DL 5/2006, de 23 de fevereiro – art. 42.º (uso de arma de fogo por civis)

2. Considere agora que, motivado por um forte receio, A disparou ainda mais dois
tiros que atingiram o outro joelho e o pé de B. E se estes últimos disparos tivessem sido
motivados por raiva?

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Ana Paula Pinto
Neste caso parece existir um excesso de meios de LD, previsto no art. 33.º. Assim, não haverá
exclusão de ilicitude, mas a pena poderá ser atenuada nos termos do art. 72.º e ss porque naquelas
circunstâncias e as características pessoais do agente que manifesta na prática do ato vão ser menos
censuráveis porque há uma agressão, isto porque é normal que haja um excesso perante uma
agressão, quase como irrefletido.
Contudo, o caso traz um excesso de meios que é ditado por medo, um medo do agente
perante aquela agressão, ou seja, temos um excesso intensivo de meios ASTÉMICO (ditado por
medo, susto ou perturbação não censuráveis). Este afeto vai funcionar nos termos do art. 33.º/2
como uma exclusão da culpa, exclui a culpa do agente, mas só exclui a culpa se for não censurável,
isto é, aquele que é dotado de tão intensidade que naquela situação não se exige que o agente atue
de outra maneira (é aquele medo que tem uma intensidade que supera aquela que o ordenamento
jurídico considera suportável pelo homem médio).
O padrão de aferição da censurabilidade ou não vai ser sempre o homem médio, não é a
pessoa assustadiça ou a pessoa que não tem medo de nada.
No caso, o homem médio na mesma circunstância, assustar-se-ia também, o medo não é
censurável, exclui-se a culpa, art. 33.º/2.
!!!!Quando o excesso de meios seja determinado por raiva, ódio temos um afeto ESTÉNICO
À partida poderia caber no art. 33.º/1
FD: a sede em que este excesso esténico possa ser mais relevante é na situação de
inimputabilidade do art. 20.º ou diminuída. Poderia haver exclusão/diminuição da culpa com base
no instituto da inimputabilidade.

Caso prático 4
A e B eram colegas de trabalho, mantendo há vários anos uma relação profissional
marcada por desavenças profundas e por trocas frequentes de acusações. Certo dia, A ofendeu B,
colocando em causa a honra de sua mãe, sabendo perfeitamente que esse era o único insulto que
fazia o seu colega perder as estribeiras. Como seria de prever, B agrediu A com um murro e este,
por sua vez, respondeu à agressão com vários socos e pontapés.
1.- Analise a defesa de A.

119
Ana Paula Pinto
A ao agredir o colega de volta não está a agir ao abrigo de uma legitima defesa do art. 32.º.
B apenas agrediu o A porque o A provocou-lhe mencionando a mãe dele, seu ponto fraco.
Para que haja justificação de uma conduta nos termos da legitima defesa é necessário que
se verifique uma serie de requisitos de natureza objetiva que se prendem por um lado, com a
agressão e por outro lado com a ação de defesa; também é necessário que se verifique um requisito
de natureza subjetiva que é o reconhecimento do agente dos elementos de tipo justificador.
Neste caso traz-se à coação o requisito da necessidade: a ação de defesa tem de se revelar
necessária, imposta por aquela ação concreta de agressão.
Há, no entanto, situações que podemos questionar a necessidade de defesa como as
agressões provocadas: agressões que são precedidas de um ato de provocação por parte do
ofendido. A pessoa que é agredida é que vai dar aso daquela situação de conflito, é ele que vai
provocar a agressão e pode fazê-lo de várias formas, injúrias, agressões ilícitas não atuais, entre
outras; através de atos ilícitos.
Dentro deste grupo há, as agressões pré-ordenadamente provocadas (núcleo mais restrito):
situações em que o agente vai, de alguma forma, provocar o agressor, sabendo que ele depois vai
reagir, porque quer aproveitar a ocasião da agressão para depois dar uma resposta ao agressor. Via
querer aproveitar aquela agressão para “se defender” – pois pretende gerar a agressão e depois
instrumentalizar esta mesma agressão, no sentido de depois se livrar dela à custa dos bens jurídicos
do agressor.
Nestas situações, apesar de haver uma agressão (é efetivamente uma agressão), vamos
negar a necessidade da defesa, porque o agente (aquele que se está a defender) não o está a fazer
no sentido de defender o direito na pessoa do agredido, está sim a instrumentalizar a agressão para
intentar uma ação sua inicial
Esta agressão, no caso em concreto, não representa uma ação socialmente intolerável dos
direitos e bens jurídicos do agredido.
É ilícita porque não há justificação pela legitima defesa.

2.- Considere agora que A não pretendia injuriar B, que possuía um claro atraso
cognitivo, limitando-se a fazer uma piada de mau gosto.

120
Ana Paula Pinto
O agressor B era uma pessoa com um atraso cognitivo, e, para além disso, o A não pretendia
extrair do B uma reação agressiva, apenas fez uma piada desagradável e foi agredido por isso. B
devido aos eu atraso não percebeu que era uma brincadeira.
Quando temos um agressor que tem de alguma forma uma culpa diminuída ou age sem
culpa, entramos num caso de grupos problemáticos que diz respeito às agressões não culposas.
Estas surgem quando o agressor é um inimputável, ou seja, uma pessoa que age sem culpa,
incluindo os menores de 16 anos e as pessoas que sofrem de algum tipo de patologia. Por vezes
também pode acontecer que o agressor atue com falta de consciência da sua conduta – agressão
não culposa
Quando nos deparamos com uma agressão de uma pessoa que tem dificuldade em perceber
a ilicitude da sua conduta, a pessoa agredida deve evitar o confronto. Questiona-se a necessidade
da legítima defesa. Quanto menos capaz for a pessoa que agride maiores vão ser as restrições e
limitação da legitimada defesa, o que não quer dizer que não exista necessidade, mas esta vai ser
mais limitada.
Este raciocínio vai se aplicar, mutatis mutandis, nas situações de culpa diminuída, por
exemplo quando a pessoa que agride está embriagada, mas mais apertados serão os limites da
legitima defesa

121
Ana Paula Pinto
FICHA 13
Caso prático 1
Durante as férias de Verão, O, passeando na via pública, apercebeu-se do fumo que saía
da casa de P, seu amigo. Reparou ainda, à janela da casa, num vulto, que lhe pareceu ser de S,
filha de P. O, de imediato, arrombou a porta da habitação contígua, propriedade de R, que estava
ausente no estrangeiro, com o intuito de utilizar uma mangueira que sabia aí existir. Já na casa de
R, com a pressa, O partiu uma peça de porcelana muito antiga e valiosa. Finalmente, O conseguiu
apagar o incêndio na habitação de P e salvou a vida de S.
Quando regressou do estrangeiro, R apresentou queixa-crime contra O, imputando-lhe a
prática dos crimes p. e p. pelos artigos 213.º, 2, al. a), e 190.º, 1, ambos do C.P.
Refira-se, justificadamente, à responsabilidade jurídico-penal de O.
O quando entra em casa de R pratica um crime de violação de domicílio e ainda parte um
jarro (crime de dano qualificado). Assim, podemos equacionar a existência de um tipo justificador
que servirá de causa de exclusão de ilicitude em relação ao agente.
No caso, o estado de necessidade justificante ou direito de necessidade objetivo previsto no
art. 34.º CP.
Este tipo justificador é mais recente, surgindo em Portugal em 1982, pois durante muito
tempo não existia uma doutrina para este tipo justificador, apenas existia sobre o estado de
necessidade desculpante, art. 35.º. No entanto, na doutrina estrangeira começou a surgir teoria
diferenciada que os distinguia.
O estado de necessidade é justificante quando se trata da prática de um facto típico com o
objetivo de salvaguardar um interesse jurídico do agente ou de terceiro de maior valor do que aquele
que é sacrificado. No estado de necessidade desculpante, o interesse salvaguardado não tem valor
superior àquele que sacrificado. Assim, Portugal também adotou esta teoria, estando evidente no
art. 34.º o estado de necessidade justificante enquanto causa de exclusão da ilicitude e o art. 35.º
enquanto estado de necessidade desculpante/subjetivo enquanto causa de exclusão da culpa.
Este tem como fundamento o afastamento de um perigo atual, através da prática de uma
conduta típica, que ameaça bens ou interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.
No entanto, a diferença reside no facto de no estado de necessidade justificante o interesse
que se vais salvaguardar tem um valor sensivelmente superior em relação ao interesse que se vai
122
Ana Paula Pinto
sacrificar. Se não for sensivelmente superior podemos ter uma situação de exclusão de culpa pelo
estado de necessidade desculpante.
O estado de necessidade justificante tem um fundamento duplo. Por um lado, preside uma
razão de utilidade social que se prende com a maximização da proteção do bem jurídico,
nomeadamente a proteção dos interesses que numa situação de conflito se revelem
preponderantes. Por outro lado, tem uma subjacente uma ideia de mínima solidariedade entre os
membros da comunidade humanada, uma vez que se trata de uma situação de conflitos em que se
salvaguarda um interesse, sacrificando outro, ou seja, o titular do interesse sacrificado tem de
revelar uma certa solidariedade para com o interesse que estava ameaçado.
Para que uma conduta seja tida ao abrigo do art. 34.º, temos de verificar um conjunto de
pressupostos objetivos e um subjetivo.
Em relação aos pressupostos objetivos, temos de estar perante uma situação de
necessidade, um conflito de interesses juridicamente protegidos (não só bens jurídicos) que
fundamentam a situação de necessidade. Desta forma, tem de existir um perigo atual que ameace
um dos interesses do agente ou de terceiro, sendo que o agente visa salvaguardar um interesse já
em perigo (nos termos do art.34.º, o perigo é atual mesmo quando não é iminente, mas o adiamento
da atuação representa uma potenciação do perigo para o interesse jurídico que está em perigo).
Este perigo não tem de advir necessariamente de uma pessoa nem ser gerado de forma
voluntária pelo que se o perigo gerado por animais, objeto inanimado ou pela força da natureza.
Contudo, não pode ser criado voluntariamente pelo agente, exceto quando de trate de proteger o
interesse de terceiro, art. 34-º/a.
No nosso caso temos um incêndio (perigo) que está a decorrer (atual) que está a ameaçar
interesses de natureza patrimonial, mas também a vida de S (no máximo) integridade física (no
mínimo). O agente O para salvaguardar esses interesses vai sacrificar outros, nomeadamente os
interesses patrimoniais (propriedade, porque destruir o vaso, o portão).
Todavia, ainda como requisito objetivo, é necessário respeitar o princípio do interesse
preponderante, isto é, o interesse salvaguardado tem de ser de valor sensivelmente superior, art.
34.º/b. Esta averiguação não é simples pelo que a doutrina tem vindo a criar diversos critérios para
a sua identificação.

123
Ana Paula Pinto
O 1º critério das molduras penais determina que se deve olhar para a pena, abstratamente,
aplicável à violação dos bens jurídicos em causa e verificar se um terá valor superior. Pode acontecer
que o interesse em causa não seja penalmente relevante.
O 2º critério é o da intensidade da lesão dos interesses jurídicos, prendendo-se saber se
estará em causa o aniquilamento completo ou uma tesão transitória dos mesmos.
No nosso caso concreto, tendo em conta estes critérios já conseguimos dar uma resposta. A
intensidade da lesão do bem jurídico é muito maior do que é gerada pela ação necessitada.
O 3º critério é do grau de perigo onde se pondera o grau de perigo criado ou afastado pela
ação de salvamento, assim, por vezes, justifica-se a criação de um perigo abstrato para impedir a
concretização de um perigo concreto.
O 4.º critério é o da autonomia pessoal do lesado (art. 34.º/c) impõe que o direito de
necessidade não viole a autodeterminação, a autonomia do próprio lesado, mesmo acarretando
uma limitação.
O 5º critério é o da imponderabilidade da vida da pessoa nascida, ou seja, veda todas as
situações de ponderabilidade da vida, pois a vida é um bem jurídico insubstituível e incomparável.
Por fim, o art. 34.º exige a adequação do meio utilizado na ação necessitada à salvaguarda
dos interesses jurídicos ameaçados, mediante um juízo de prognose póstuma, atendendo a todo o
circunstancialismo de facto, numa perspetiva ex ante.
Neste caso o meio que O utilizou foi adequado.
Em relação ao requisito subjetivo, o agente tem de atuar conhecendo a situação de conflito
de interesses, ou seja, conhecer os elementos do tipo justificador e tem de atuar com o propósito
de salvaguardar o interesse jurídico preponderante, não se exige que atue com animus salvandi.
No nosso caso este elemento subjetivo está cumprido.

Caso prático 2

124
Ana Paula Pinto
A saiu de casa para fazer uma pequena caminhada. A certa altura, reparou que se
encontrava junto da casa de B, um antigo colega de trabalho que havia espalhado um conjunto de
boatos sensíveis sobre a sua pessoa, levando-o a mudar de emprego.
Para se vingar, A pegou numa pedra da calçada e atirou-a contra uma das janelas da casa
de B, partindo-a. Todavia, A desconhecia que B se encontrava desmaiado devido a uma libertação
de gás que ocorrera uma hora antes. Acontece que a pedra arremessada contra o vidro permitiu a
renovação do ar e a recuperação dos sentidos de B.
Em tribunal, A alegou ter agido em estado de necessidade. Terá razão? Explicite a sua
resposta.
Para atuar em estado de necessidade tem de se verificar os requisitos do art. 34.º: situação
de necessidade com um perigo atual que ameace interesses juridicamente protegidos do terceiro
ou do agente, mediante lesão de outro bem jurídico.
No caso, a fuga de gás coloca em perigo a vida humana e por isso partiu a janela. Assim,
aplicamos o critério da imponderabilidade da vida da pessoa nascida, pelo que tem valor
sensivelmente superior.
Objetivamente estão presentes os requisitos justificadores, mas falta o elemento subjetivo,
pois o A não está a atuar com conhecimento de que estão preenchidos os elementos do tipo
justificador (não atua com a consciência de salvaguardar o interesse superior; não conhece o perigo
em que a vida de B se encontra – atira a pedra para se vingar).
Este elemento subjetivo é muito importante, porque é responsável pelo afastamento do
valor da ação, ao passo que os elementos objetivos afastam o desvalor do resultado.
Uma pessoa que atua desconhecendo a atuação que conduz à justificação da sua conduta,
está a atuar com um desvalor da ação que é equivalente do ponto de vista subjetivo a quem atua
praticando um facto típico em relação ao qual não se verifica uma situação e justificação.
O art. 38.º/4 apresenta-nos a solução para o consentimento, mas que se aplica a este regime
por analogia à falta de conhecimento da situação justificadora. Esta analogia é permitida porque vai
funcionar a favor do agente (in bonan partem), porque em última análise vai alargar os limites da
justificação.

125
Ana Paula Pinto
Esta disposição dá alguma discussão na doutrina em relação à forma como este deve ser
interpretado e aplicado nestas situações de ausência do elemento subjetivo das causas de
justificação.
Alguns autores onde se inclui Costa andrade remete apenas para o artigo 38.º/4, isto é,
remete para a pena que se seria aplicada à tentativa de crime que esteja em causa, logo o regime
dos artigos 22.º e ss, mas nessa situação é mais relevante o artigo 23.º/2 em relação à tentativa
punível. A pena que seria aplicado no crime consumado vai ser especialmente atenuada.
No nosso caso temos um crime de dano e o agente, uma vez que lhe falta o elemento
subjetivo do ENJ vai ser punido pela pena prevista para o crime de dano, mas especialmente
atenuada, nos termos do artigo 71.º e ss.
Outros autores, incluindo o FD remetem para o art. 38.º/4, mas não remete apenas para a
pena aplicada para a tentativa, mas sim para todo o regime da tentativa. Não vamos olhar apenas
para o artigo 23.º/2, mas teremos de atender também ao artigo 23.º/1, segundo o qual, salvo em
disposição em contrário, a tentativa é apenas punível se o crime consumado respetivo for punido
com uma pena superior a 3 anos.
Vamos ter de olhar para o crime que está em causa, neste caso o crime de dano, e ver qual
a moldura penal que está associada e ver também se a tentativa é punível ou não. O art. 212.º/2
(crime de dano), a tentativa é punível (até 3 anos). Sendo punível, o agente vai ser punido, mas a
pena que lhe vai ser aplicada vai ser especialmente atenuada, nos termos do artigo 23.º/2.
O art. 23.º/1, não é punível a tentativa, porque o crime não tem uma pena superior a 3 anos.
Neste caso o agente não vai ser punido se lhe falta o elemento subjetivo. Isto é só vai ser punido se
a tentativa também for punível (mas de forma especialmente atenuada), mas não vai ser punido se
a tentativa não for punível.
No nosso caso temos um crime de dano, que de acordo com o artigo 212º, a tentativa é
punível e, por isso o agente A, dado a sua falta do elemento subjetivo via ser punido, mas a pena
via ser atenuada.

Caso prático 3
126
Ana Paula Pinto
B circulava na sua bicicleta, a qual se encontrava em condições de segurança e cumprindo
as normas do Código da Estrada. A dada altura, B perdeu o controlo da bicicleta e dirigiu-se para
C, que circulava no passeio, acompanhado do seu amigo D.
1.- A fim de evitar que B o atingisse, C empurrou-o, vindo a provocar-lhe leves
escoriações. Refira-se à responsabilidade jurídico-penal de C.
Neste caso prático, o propósito é avaliar a existência ou não de um tipo justificador, que
servirá como causa de exclusão de ilicitude em relação ao agente. No caso, poderíamos questionar
se existiria LD ou ENJ.
No entanto, neste caso falta o requisito da voluntariedade, porque esta situação foi um
acaso, não se deu devido a B, pois este seguiu todas as regras exigidas. Quando C empurra o B para
evitar o atropelamento não temos o exercício de LD. Temos um perigo gerado por uma pessoa, que
é atual e que ameaça interesses juridicamente protegidos de uma pessoa (ameaça a integridade
física do B ou D que poderiam ser atropelados). Assim, estamos perante um ENJ.
A particularidade deste caso é que a pessoa fonte de perigo B, é também a pessoa sobre a
qual recai a ação necessitada. Desta forma, estamos perante um estado de necessidade defensivo.
Este obedece aos mesmo requisitos do estado de necessidade ofensivo, pois tem o mesmo
fundamento: salvaguardar um interesse juridicamente protegido que naquela situação de conflito
se revela preponderante.
Neste sentido estamos perante uma situação de necessidade onde existe um perigo atual
que ameaça um interesse do agente ou de terceiro que deve respeitar o princípio do interesse
preponderante, isto é, o interesse salvaguardado tem de ser de valor sensivelmente superior, art.
34.º/b. Esta averiguação não é simples e a doutrina tem vindo a criar diversos critérios para a sua
identificação, nomeadamente: molduras penais, intensidade da lesão dos interesses jurídicos, grau
de perigo, autonomia pessoal do lesado e imponderabilidade da vida da pessoa nascida.
No caso está em causa a integridade física do ciclista e a integridade física dos peões.
Assim, o critério que nos permite melhor identificar o interesse preponderante é o grau de
lesão, uma vez que é mais intensa a lesão de atropelamento do que aquela que resulta da queda
(enunciado refere que sofre apenas escoriações).

127
Ana Paula Pinto
De acordo com este critério poderíamos entender que o interesse que foi salvaguardado é
de valor sensivelmente superior ao interesse sacrificado porque não nos limitamos a comparar um
BJ, mas olhamos para os BJ num sentido global da situação.
Em relação ao último requisito objetivo, adequação do meio utilizado. No caso é adequado.
Por fim, o elemento subjetivo, C conhecia os elementos objetivos, conhecia a situação de
necessidade e atuava com consciência de salvaguardar o interesse preponderante.

2.- Imagine agora que do empurrão dado por C sobreveio a morte de B, devido a um
traumatismo crânio-encefálico. Quid iuris?
Neste caso concreto, temos de analisar a adequação do meio utilizado na ação necessitada
à salvaguarda do interesse jurídico ameaçado e/ou se estávamos a proteger o interesse
preponderante. Esta ponderação é um juízo ex ante, ou seja, no momento da ação não se sabe o
resultado da ação pelo que temos de perceber se a morte do ciclista era previsível.
Se fosse previsível não havia justificação, porque o agente estaria a escolher salvaguardar
um interesse que não era superior aquele que sacrificou; se a morte não fosse previsível haverá
justificação, porque no momento da ação o agente optou por salvaguardar o interesse que era
sensivelmente superior.

Caso prático 4
H, médico do Hospital Y, viu-se confrontado com a situação de dois doentes acidentados
(I e J) chegarem ao mesmo tempo ao serviço de urgência, carecendo ambos de uma intervenção
cirúrgica imediata. Segundo o diagnóstico realizado pelo médico, os pacientes encontravam-se
em idêntico risco de vida. Assim sendo, e apenas podendo socorrer um paciente, optou por tratar
I, daí resultando a morte de J. Mais tarde, veio a verificar-se que a não intervenção na pessoa de
I apenas envolvia o risco de amputação de um membro, ao contrário do que sucedia a J, em
relação ao qual se verificava um efectivo perigo para a vida.
1.- Quid iuris?
Neste caso prático, o propósito é avaliar a existência ou não de um tipo justificador, que
servirá como causa de exclusão de ilicitude em relação ao agente. Em termos práticos temos uma
situação de conflito de deveres, art. 36.º.

128
Ana Paula Pinto
Este assenta no mesmo tipo justificador do estado de necessidade justificante do art. 34.º,
isto é, a ideia base é a existência de um conflito entre deveres em que um é sacrificado em benefício
de outro, porém este tem especificidades.
Para estarmos perante um conflito de deveres suscetível de conduzir à justificação da
conduta tem de existir um conflito entre distintos deveres de ação, doa quais apenas um ou alguns
podem ser cumpridos, isto é, há uma colisão de deveres distintos de ação.
Neste já não se exige a superioridade exigida no direito de necessidade, uma vez que o dever
cumprido deve ser pelo menos igual ao dever sacrificado, art. 36.º.
Para determinar o dever que deve ser cumprido, olha-se para os bens jurídicos em causa e
aqueles que podem ser afetados pelo (in)cumprimento, ou seja, é necessário fazer uma ponderação
concreta dos interesses em conflito no quadro global da situação.
Nos casos de conflito de deveres o agente não pode escolher imiscuir-se, ou seja, tem de
necessariamente de cumprir um dos deveres sobre pena do seu comportamento ser ilícito. Se com
o cumprimento de um dos deveres, torna o cumprimento do outro dever impossível a sua conduta
vai ser justificada, pois trata-se de uma imposição jurídica. Se não fosse assim, estaríamos a
equiparara aquela pessoa que é possível fazer tudo o que é possível, cumprindo um ou mais dos
diversos deveres em conflito àquela pessoa que nada faz.
No nosso caso o médico (H) está numa situação de conflito de deveres, pois tem o dever de
prestar assistência aos seus pacientes, mas tem de escolher dar assistência apenas a um deles, uma
vez que mediante triagem, o médico, concluiu que ambos os pacientes se encontram no mesmo
risco de vida, por isso vai ter de salvar um. Desta forma, a morte do outro vai ser justificada porque
ele cumpriu um dever de valor igual ao dever sacrificado.
No entanto, mais tarde verificou-se que, na realidade, o perigo de vida de um e de outro não
eram iguais. Todavia não muda nada porque isso verificou-se posteriormente à ação. Visto que o
juízo de ponderação é uma comparação dos valores dos deveres em causa em conflito é feito ex
ante, ou seja, pensando no momento da ação e aquilo que sabia.
A única hipótese em que seria relevante era o médico ter sido negligente na avaliação que
fez dos pacientes, haveria a violação de um dever de cuidado.

129
Ana Paula Pinto
!!!! Se fosse paciente e filho e que estivesse na mesma situação de urgência: a maioria da
doutrina diz que se deve escolher o filho porque existe um dever adicional, o dever de garante que
nasce devido à relação familiar.

2.- Imagine agora que, por não haver outros ventiladores disponíveis e de modo a
salvar I e J, H decidiu desligar os que estavam afetos a K e L, doentes da Unidade de
Cuidados Intensivos que estavam ligados há 3 meses a um ventilador, de cuja vida
dependiam, mas sem melhoras aparentes. Em virtude desta conduta, K e L viriam a falecer
e I e J acabariam por recuperar.
Neste caso, já não temos um conflito de deveres, pois não existe uma colisão de deveres
distintos de ação, em que apenas um possa ser cumprido.
Em relação ao I e J tem o dever de os salvar, mas cumprir esse dever não significa incumprir
em relação a K e L. Existe uma colisão entre um dever de ação (I e J) e um dever geral de não
ingerência em BJ alheios (K e L). A ação não seria justificada pelo art. 36.º.
Todavia, poder-se-ia ponderar justificar por via do regime do Estado de Necessidade
Justificante, art. 34.º. Neste o interesse salvaguardado tem de ter valor sensivelmente superior.
Neste caso temos um caso de vidas contra vidas, e assim sendo, tendo em consideração da
imponderabilidade da pessoa já nascida não poderíamos concluir que a vida de I e J são mais valiosas
que as vidas de K e L. Portanto não há justificação da conduta.
Poderíamos ainda ponderar aplicar o regime do Estado de Necessidade desculpante, art.
35.º para afastar a culpa do agente. Assim, seria necessário preencher 3 requisitos: o perigo não
poderia ser afastado por outro modo, tem de estar em causa bem jurídico individuais do agente ou
terceiro e não é razoável exigir que o agente adote um comportamento diverso.
Este funciona, sobretudo, nas situações em que o interesse juridicamente salvaguardado se
revela de valor igual e superior aquele que é sacrificado.

130
Ana Paula Pinto
FICHA 14
Existem várias posições acerca do fundamento do consentimento:
1º: na base do consentimento está um negócio jurídico, através do qual alguém à outra pessoa o direitito de
lesar um BJ seu
2º: fundamento é uma renúncia a um BJ; um abandono de um BJ
FD: nos casos de consentimento, o que existe é uma colisão entre interesses que são em si mesmo objeto de
tutela penal (2 interesses em colisão).
Por um lado, é a preservação de BJ e, por outro lado, vamos encontrar um interesse que é o da
autorrealização pessoal do titular do bem jurídico lesado pelo facto consentido (autonomia pessoal e de
vontade do titular em relação a determinado bem ou interesse jurídico).
É na autorrealização pessoal do titular do interesse jurídico lesado pelo facto consentido que se vai
sobrepor à preservação de bens jurídicos que é de interesse da comunidade, onde se fundamenta o
consentimento.
A nossa lei penal consagra um modelo/paradigma dualista de consentimento, isto porque o
consentimento pode funcionar como uma exclusão da tipicidade de um facto (acordo) ou o consentimento
agora em sentido estrito vai funcionar como uma causa de exclusão da ilicitude: consentimento efetivo (art.
38.º) e consentimento presumido (art. 39.º).

Acordo: causa da exclusão da tipicidade de um facto. Essencialmente funcionar em crimes, nos quais
uma ação contra a vontade do lesado é um elemento do tipo objetivo de ilícito e nos rimes onde a
autodeterminação do titular do BJ lesado é objeto de proteção da norma penal.
Este acordo vai constituir uma forma de se realizar de maneira mais perfeita o BJ em causa. Nestas
situações não existe um conflito entre o sistema pessoal do lesado e o sistema social que pretende a tutela dos
BJ. A realização do comportamento em relação ao qual existe acordo vai no mesmo sentido que a tutela do
BJ. Não só não temos lesão do BJ como aquele comportamento via contribuir para a amais perfeita realização
do BJ.
Consentimento em sentido estrito: vai haver um conflito entre o sistema pessoal e o sistema social
na medida em que nestas situações de consentimento nós vamos ter por um lado a concretização da
autorrealização pessoal do lesado que consente que determinado facto seja praticado e de outro lado temos
uma perda efetiva de um BJ. Não é uma causa de exclusão de tipicidade, mas sim de exclusão da ilicitude.
Cumpridos os requisitos do consentimento a lei poderá valorar mais altamente a autorrealização do
lesado do que a própria lesão

Caso prático 1
131
Ana Paula Pinto
F sofreu um grave acidente rodoviário e foi levado inconsciente para o hospital.
Confrontado com a necessidade de atuar imediatamente, sob pena de grave risco de vida para F,
o médico G procedeu a uma intervenção cirúrgica.
1.- Integrará a conduta de G o tipo legal de crime previsto no art. 156.º, n.º 1 do CP?
Justifique.
Esta questão coloca-se desde logo porque o lesado (F) não está capaz de dar o seu
consentimento para a operação, uma intervenção médico-cirúrgica.
O art. 150.º expressa claramente que quando há um ato médico e quando o paciente
assentiu na sua realização desde que praticados por médicos ou semelhantes com finalidade
terapêutica e segundo as regras de legis artis, tal não será um prolema de consentimento, mas de
acordo que exclui a tipicidade, isto é, não será uma ofensa à integridade física. Isto porque quando
o paciente acorda no ato médico, estamos perante uma exclusão do tipo.
No entanto, em algumas situações falta o acordo do paciente porque ele rejeita ou está
inconsciente, portanto incapaz de o prestar.
Não havendo acordo/consentimento aplica-se o art. 156.º, pelo que o ato médico é típico
(ao contrário do que seria nos termos do art. 150.º), correspondendo ao crime de intervenção ou
tratamento médico-cirúrgico arbitrário (art. 156.º/1), uma vez que visa tutelar o bem jurídico da
liberdade pessoal do paciente.
No nosso caso, o paciente chega ao hospital inconsciente, e por isso não foi capaz de prestar
o seu acordo (art. 156.º/1).
Todavia, temos de olhar para o nº2, que nos diz que o facto não será punível quando o
consentimento só poder ser obtido com adiamento que implique para a vida, corpo ou saúde – o
que acontece no nosso caso.
Se o médico não tivesse intervindo naquele momento, a situação de o paciente poderia
agravar podendo até levar à morte., assim, há um consentimento presumido.
Para que no nosso caso o medico não fosse punido não bastaria preencher nº2, a aliena a (o
adiamento da operação implicava um perigo para a vida do paciente), também não se poderiam
verificar circunstâncias que levassem a querer que o paciente naquelas situações iria recusar o
tratamento, ou seja, o médico depois de receber o paciente tinha de o avaliar e afirmar com certeza
que o paciente não ia recusar o tratamento se estivesse consciente.

132
Ana Paula Pinto
No caso nada nos dito que poderia recusar o tratamento, ou seja, não existe circunstâncias
que levassem o paciente a recusar e por isso a conduta do médico não seria punida.

2.- Suponha que o estado de F decorria, não de um acidente rodoviário, mas de uma
tentativa de suicídio e que o médico G conhecia tal facto. Quid iuris?
Esta questão coloca-se desde logo porque o lesado (F) não está capaz de dar o seu
consentimento para a operação, uma intervenção médico-cirúrgica.
O art. 150.º expressa claramente que quando há um ato médico e quando o paciente
assentiu na sua realização desde que praticados por médicos ou semelhantes com finalidade
terapêutica e segundo as regras de legis artis, tal não será um prolema de consentimento, mas de
acordo que exclui a tipicidade, isto é, não será uma ofensa à integridade física. Isto porque quando
o paciente acorda no ato médico, estamos perante uma exclusão do tipo.
No entanto, em algumas situações falta o acordo do paciente porque ele rejeita ou está
inconsciente, portanto incapaz de o prestar.
Não havendo acordo/consentimento aplica-se o art. 156.º, pelo que o ato médico é típico
(ao contrário do que seria nos termos do art. 150.º), correspondendo ao crime de intervenção ou
tratamento médico-cirúrgico arbitrário (art. 156.º/1), uma vez que visa tutelar o bem jurídico da
liberdade pessoal do paciente.
No nosso caso, o paciente chega ao hospital inconsciente depois de uma tentativa de
suicídio, e por isso não foi capaz de prestar o seu acordo (art. 156.º/1).
Todavia, é necessário olhar para o art. 156.º/2 que possui duas exceções.
Segundo a alínea a), o facto não é punível quando o consentimento só puder ser obtido com
adiamento que implique perigo para a vida ou perigo grave para o corpo ou para a saúde.
E pela alínea b), o facto não é punível quando o consentimento tiver sido dado para certa
intervenção ou tratamento, tendo vindo a realizasse outro diferente por se ter revelado imposto
pelo estado dos conhecimentos e da experiência da medicina como meio para evitar um perigo para
a vida, o corpo ou a saúde.
Para além destas, há uma cláusula geral que indica que o médico só pode atuar ao abrigo do
art. 156.º/2 se não se verificarem circunstâncias que permitam concluir com certeza que o
consentimento (acordo) seria recusado.

133
Ana Paula Pinto
Na posição maioritária da doutrina, nos casos de suicídio, o médico deve sempre intervir
para salvar o paciente, pois as estatísticas dizem que a grande maioria dos suicídios são situações
de para-suicídios, constituindo tentativas desesperadas de uma pessoa chamar a atenção. Além
disso, mesmo que se trate de verdadeiros suicídios, estaticamente comprova-se que, nos momentos
finais da vida, há um arrependimento.
Mesmo que não houvesse dados estatísticos, o valor que a vida humana ocupa no nosso
ordenamento jurídico já por si nos deveria levar a ponderar com muita cautela estas situações.
Neste sentido, por mais pequena que seja a possibilidade de arrependimento, o médico deve
tratar a pessoa, uma vez que existe o dever de garantia perante o paciente.

3.- Imagine agora que F professava com todo o fervor uma religião que o impedia de
receber qualquer transfusão de sangue ou transplante de órgãos. O médico G conhecia as
crenças religiosas de F, mas decidiu ocultar esse conhecimento e efetuar uma transfusão
sanguínea, por pensar que, em situações de crise como aquela, F optaria por salvar-se, em
detrimento do respeito pelas suas convicções.
Esta questão coloca-se desde logo porque o lesado (F) não está capaz de dar o seu
consentimento para a operação, uma intervenção médico-cirúrgica.
O art. 150.º expressa claramente que quando há um ato médico e quando o paciente
assentiu na sua realização desde que praticados por médicos ou semelhantes com finalidade
terapêutica e segundo as regras de legis artis, tal não será um prolema de consentimento, mas de
acordo que exclui a tipicidade, isto é, não será uma ofensa à integridade física. Isto porque quando
o paciente acorda no ato médico, estamos perante uma exclusão do tipo.
No entanto, em algumas situações falta o acordo do paciente porque ele rejeita ou está
inconsciente, portanto incapaz de o prestar.
Não havendo acordo/consentimento aplica-se o art. 156.º, pelo que o ato médico é típico
(ao contrário do que seria nos termos do art. 150.º), correspondendo ao crime de intervenção ou
tratamento médico-cirúrgico arbitrário (art. 156.º/1), uma vez que visa tutelar o bem jurídico da
liberdade pessoal do paciente.
No nosso caso, o paciente chega ao hospital inconsciente depois de uma tentativa de
suicídio, e por isso não foi capaz de prestar o seu acordo (art. 156.º/1).

134
Ana Paula Pinto
Todavia, é necessário olhar para o art. 156.º/2 que possui duas exceções.
Segundo a alínea a), o facto não é punível quando o consentimento só puder ser obtido com
adiamento que implique perigo para a vida ou perigo grave para o corpo ou para a saúde.
E pela alínea b), o facto não é punível quando o consentimento tiver sido dado para certa
intervenção ou tratamento, tendo vindo a realizasse outro diferente por se ter revelado imposto
pelo estado dos conhecimentos e da experiência da medicina como meio para evitar um perigo para
a vida, o corpo ou a saúde.
Para além destas, há uma cláusula geral que indica que o médico só pode atuar ao abrigo do
art. 156.º/2 se não se verificarem circunstâncias que permitam concluir com certeza que o
consentimento (acordo) seria recusado.

No caso, o médico sabia da religião, mas acreditava que naquela situação (por conhecer o
paciente) o paciente ia esquecer as convicções religiosas, não havendo documento vinculativo,
temos de olhar para as duas hipóteses.
Temos a ideia de que a pessoa era realmente dedicada à religião, ignorávamos a convicção
do médico que ele optaria por ser salvo e o médico ia ser punido pelo nº1 do art. 156.º. Se o médico
conhecia relativamente bem o paciente e se acreditasse que naquela situação entre a vida ou a
morte, ele ia preferir salvar-se então aplicar-se-ia o nº2 do artigo 156º. Assim, tudo depende do
nível de proximidade que o médico tinha do paciente.

Caso prático 2
L, sabendo que o seu amigo M desejava fazer uma viagem a Itália no Verão, disse-lhe que
podia levar o seu automóvel, uma vez que nessa altura estava a frequentar um curso nos EUA e
não precisava dele. Entretanto, M desistiu da projetada viagem mas, tendo conhecimento de que
o seu primo N também pretendia viajar nessa altura e não dispunha de viatura para o efeito, cedeu-
lhe o automóvel de L.
Uma vez regressado e sabendo do sucedido, L apresentou queixa-crime contra N pela
prática do crime p. e p. pelo art. 208.º do C.P. N defendeu-se alegando que actuou a coberto do
consentimento prestado por M.
Se fosse juiz, qual a relevância que atribuiria à argumentação de N? Justifique.
135
Ana Paula Pinto
Este caso prático reporta-se ao consentimento, regulado no art. 38.º. No entanto importa
analisar se o consentimento inicial que L dá a M poderia aproveitar para N (excluindo a ilicitude da
conduta de N no crime de furto para uso, art. 208.º).
Em relação ao consentimento de L dado a M, temos de verificar se estão preenchidos os
requisitos do mesmo, art. 38.º.
Primeiramente, o interesse ou bem jurídico lesado tem de ser individual, uma vez que o
consentimento, tem como fundamento a autorrealização pessoal do titular do interesse do lesado,
assim o interesse ou bem jurídico tem de ser individualizável.
Para além de ter de ser livremente disponível como bens patrimoniais e a integridade física
(art. 149.º), ficando excluídos, por serem indisponíveis, por exemplo, os interesses coletivos/
comunitários, a vida (apenas se pode dispor perante lesões próprias).
Depois, o facto consentido não pode ser ofensivo dos bons costumes, ou seja, quando a lesão
é grave e irreversível.
Por outro lado, só podem prestar consentimento válido os maiores de 16 anos com
discernimento para perceber o consentimento que estão a prestar, isto é, de perceber o alcance do
consentimento que estão a dar.
Tem de traduzir uma vontade séria, esclarecida e livre (o agente tem de ter conhecimento
da situação), não podendo ser viciado por qualquer problema de vontade, ser coagido.
Por fim, não está sujeito a formalidade, logo pode ser prestado por qualquer meio e pode
ser revogado até à execução do ato.
Em relação ao consentimento a N, não existe um consentimento expresso, ou seja, o titular
do bem jurídico não deu expressamente. Assim, pode-se questionar se estaremos perante um
consentimento presumido, art. 39.º. Sendo certo que tanto o consentimento expresso como
presumido têm o mesmo valor.
Há consentimento presumido, nº2, quando não há consentimento expresso, mas é possível
presumir, supor de forma razoável que o titular do interesse protegido teria consentido na ofensa
se lhe tivesse sido possível lhe colocar a questão, ou seja, se fosse possível perguntar se consentia
ou não. Assim, só entra em jogo quando não for possível obter a manifestação expressa da vontade
do titular do interesse protegido ou quando houver sério perigo na demora.

136
Ana Paula Pinto
No consentimento presumido temos de pensar se no momento de ação ele queria ou não
prestar os eu consentimento através de um juízo de prognose póstumo.
No nosso caso, para haver consentimento presumido, tinha de por um lado não ser possível
perguntar ao L ou que houvesse um sério perigo na demora. Não há razões para pensar que há
consentimento presumido, porque quer N ou M poderiam ter perguntado a L; nem há perigo na
demora.
Para além de que é razoável supor quando o valor em causa seja pequeno o titular do direito
renunciaria a favor de terceiro ou agente.
Poderia, no entanto, haver consentimento hipotético: casos em que vem a verificar,
segundo um juízo ex post, que o consentimento teria sido dado se o devido esclarecimento tivesse
ocorrido.
Este consentimento é diferente do presumido, porque no presumido não havia hipótese de
perguntar ao titular do interesse se consentia ou não; mas no hipotético já se pode perguntar ao
titular do bem jurídico se consente ou não.
Esta solução vai de encontro à teoria de imputação objetiva em particular aos critérios do
comportamento lícito alternativo.
Temos dever se ex post (depois do facto/depois de utilizar o carro) havia ou não
consentimento do L /se teria consentido se o tivessem perguntado. Neste caso não, porque se
tivesse consentido não tinha apresentado queixa.
Neste caso, não temos consentimento presumido, expresso nem hipotético, logo não à
justificação para a conduta de N (pelo menos pela via do consentimento).

Caso prático 3
E, funcionária de um jardim-de-infância, deu duas bofetadas e três pontapés no menor F,
de 5 anos de idade, uma vez que este, em brincadeira com outras crianças, arremessou um balde
de plástico ao pé de E, sem, contudo, lhe causar ferimentos.
Em audiência de julgamento, E invocou «nunca ter agido com a intenção de maltratar o
menor, uma vez que o crime de ofensa à integridade física exige dolo específico» e que, se assim
se não entendesse, sempre atuara a coberto do «poder-dever de correção de pais e educadores».
Pronuncie-se, de jeito fundamentado, sobre a linha argumentativa expendida por E.
137
Ana Paula Pinto
Esta hipótese prática leva-nos a questionar se existe uma causa de justificação com base no
dever-poder de correção sobre outra pessoa.
Atualmente entende-se que não é aceitável um direito de correção de professores ou
funcionários nas escolas sobre os alunos através de prática de factos típicos. O direito de correção
existe, mas não vai servir como justificação/causa de exclusão e ilicitude no caso de um professor
ou funcionário agredir um aluno.
Não existe nenhuma lei que determine como causa de justificação, portanto um
comportamento desta natureza vai contra o estatuto do aluno e a ética escolar – Lei 51/2012 de 5
de setembro.
No caso, a conduta da educadora não seria justificada (não haveria nenhum acusa de
justificação que pudesse recorrer). Haveria vários tipos legais crime, incluindo violação à integridade
física.
Já em relações aos pais existe maior abertura, no entanto apenas temos posições
dogmáticas.
FD defende que só haverá justificação/exclusão da ilicitude de um comportamento desta
natureza se se verificarem 3 requisitos. Primeiramente, os pais/tutores tem de atuar com uma
finalidade educativa, isto significa que nunca podem usar o castigo para expressar
frustração/irritação… Em segundo, tem de ser criterioso e proporcional, ou seja, ser o mais leve
possível (e não no sentido de corresponder à medida do comportamento da criança). Por fim, o
castigo deve ser moderado, no sentido em que nunca deve atingir os limites de uma ofensa
qualificada ou atentatória da dignidade do menor.
Já Paulo Pinto de Albuquerque reforça os requisitos, exigindo que o comportamento que
desencadeie a advertência/castigo seja suscetível de despoletar responsabilidade criminal caso o
menor fosse imputável; o educando deve ter conhecimento prévio da sanção em que incorre da
prática daquele ato censurável e o castigo não deve ter carácter físico, só sendo possível recorrer
excecionalmente à ofensa simples mediante reiteração do menor.

138
Ana Paula Pinto
FICHA 15
Caso prático 1
S, recorrendo a uma pedra, partiu o vidro de uma das janelas da residência de T e abriu os
fechos que a cerravam, tudo com o propósito de se introduzir no interior desse local e de se
apropriar do que pudesse. S havia sido informado por P da existência de uma elevada quantia em
joias e dinheiro naquela residência, bem como das rotinas do seu proprietário.
No entanto, quando se preparava para o fazer, apercebeu-se de que, do lado interior da
janela, tinham sido colocadas grades por detrás do caixilho, de forma a não serem percetíveis do
exterior.
Entretanto, apareceu T, o que motivou a fuga imediata de S. Um grupo de jovens que ia a
passar, apercebendo-se do sucedido, deteve o meliante.
No decurso do inquérito apurou-se que S, no momento dos factos, não era portador de
qualquer utensílio capaz de cortar as ditas grades.
Refira-se, de modo fundamentado, à responsabilidade jurídico-penal de S e P.
Neste caso, podemos estar perante uma tentativa, mas em primeiro lugar temos de
distinguir atos de execução de atos preparatórios.
Os atos preparatórios são aqueles que precedem temporalmente, segundo a natureza das
coisas a execução de um ilícito típico, art. 21.º. Estes não são puníveis, salvo disposição em contrário.
Não se encontram, em regra, descritos nos tipos legais, e, por isso não podemos nos basear neles
para imputar responsabilidade a alguém.
Excecionalmente poderá acontecer que os atos preparatórios sejam punidos, ex: atos
preparatórios ao incitamento da guerra civil, ou alteração violenta do estado de direito, entre outros
são puníveis.
Estamos perante atos que apontam já com um grande grau de probabilidade para a
realização e um tipo ilícito e em relação aos quais se revela necessária uma intervenção penal
especifica num momento precoce do inter crimis.
Também acontece que determinados atos que são materialmente preparatórios, mas que
formalmente já constituem um tipo objetivo de ilícito, os crimes autónomos.
Ex: crime da contração de moeda, porque quem contrafaz a moeda faz com o objetivo de a
introduzir no mercado.
139
Ana Paula Pinto
Para que haja tentativa nos termos do art. 22.º, é necessário em primeiro lugar que haja uma
decisão de cometer um crime e em segundo lugar tem de haver a prática de atos de execução de
um crime, que não chega a consumar-se.
Não se pode dissociar a tentativa do Iter Criminis (do caminho do delito). Este consubstancia
as várias fases pelas quais passa a realização de um crime: resolução criminosa, prática de atos
preparatórios e a prática de atos de execução.
Diferentemente dos atos preparatórios do art. 21.º, os atos de execução (art. 22.º/2) são
aqueles que evidenciam já grande probabilidade da consumação do ato.
Na al. a) temos os atos de execução nos crimes de execução vinculada, pois a partir do
momento em que o agente começa a exercer um ato incluído no procedimento típico já temos um
ato de execução.
Assim, as al. b +c correspondem aos atos de execução nos crimes de execução livre. Na al. b
há uma equiparação aos atos típicos parciais da al. a, ou seja, todos aqueles atos que se revelem
idóneos e adequados, num juízo ex ante, a produzir o resultado típico ou adequado a levar à
realização integral do tipo.
A al. c vem alargar o conceito de ato de execução, tendo presente a teoria da adequação,
sendo atos de execução aqueles que segundo a experiência comum o determinam, salvo
circunstâncias imprevisíveis.
FD considera que a al. c é uma norma que estabelece dois critérios cumulativos de conexão
para que estejamos perante um ato de execução: conexão de perigo e conexão típica.
A conexão de perigo exige que entre o ato e a realização típica, segundo um lapso temporal
estreito, e de acordo com o sentido de ambos, deve existir uma relação de iminente implicação.
Assim, o ato tem de acarretar um perigo iminente de produção de resultado ou da realização típica
integral.
A conexão típica diz que o ato deve penetrar no âmbito de proteção do tipo de crime.
Segundo Roxin, esta penetração existe quando há uma intromissão na esfera pessoal da vítima; já
FD utiliza o âmbito de proteção do tipo incriminador. Estando verificadas estas duas conexões, o ato
em análise é um ato de execução nos termos da al. c.
Havendo um ato de execução, estamos perante uma tentativa.

140
Ana Paula Pinto
Quanto a S: temos um crime de furto qualificado, pois implica um arrombamento (art.
204.º/2/e), sendo qualificado para termos tentativa teriam de estar presentes os atos qualificados
para além das outras exigências mencionadas acima.
O partir da janela é um ato de execução, que cabe na al. b ou c do art. 22.º/2.
Aplicando-se a al. c, temos de verificar se existia conexão de perigo típica num juízo ex ante,
temos um ato de execução.
FD: a tentativa de penetração na casa de outra pessoa não parece ter uma conexão de perigo
típica como perigo de furto, pois o ato de tentar entrar na casa de alguém não é um que se insere
necessariamente no âmbito de proteção do crime de furto qualificado, pois não há ainda uma
perturbação da esfera pessoal do dono da casa no que toca à sua propriedade. Assim, entrar na casa
de alguém não quer dizer eu afete o âmbito de proteção da norma de furto qualificado. Embora
este ato possa entrar no âmbito de proteção de outros crimes, como a violação do domicílio e crime
de dano.
No nosso caso, para FD, não há ato de execução pelo crime de furto (só se estivéssemos a
falar de crime de violação e domicílio ou crime de dano). Se não temos ato de execução, não temos
tentativa – temos um ato preparatório.
Roxin: já teríamos um ato de execução de furto qualificado, porque há uma conexão
temporal estreita e já há uma afetação da esfera patrimonial da vítima.
Se considerarmos a teoria de Roxin, a tentativa seria punível se o crime que estiver em causa
tiver uma pena superior a 3 anos de punição, art. 23.º/1. E verificando o art. 204.º/2, esta tentativa
seria punida.
Nota: há certos crimes mesmo que tenham uma pena inferior a 3 anos é punível, porque
existe uma norma que o diz.

Quanto a P, este dá informações ao assaltante. O fornecimento destas informações, significa


que P é cúmplice, pois atua com cumplicidade. A cumplicidade consiste numa situação em que
alguém de forma dolosa presta auxílio material ou moral à prática de um facto doloso por parte de
outra pessoa. O cúmplice é alguém que favorece ou aumenta a probabilidade de realização de um
facto típico por parte do autor, dando um contributo efetivo para que o autor pratique o facto.

141
Ana Paula Pinto
Se a tentativa for punida a cumplicidade na tentativa também é, mas a pena aplicada ao
cúmplice vai ser duplamente atenuada (art. 72.º e 73.º): em função da própria cumplicidade, art.
27.º/2; e em função da própria tentativa, art. 23.º/2.

Caso prático 2
F disparou sobre G com intenção de o matar. Ao vê-lo caído no chão, ainda com vida,
correu para uma cabine telefónica a fim de telefonar para o INEM, o que fez. Quando voltou ao
local, verificou que H, médico, já havia prestado os primeiros socorros a G, tendo-o transportado
ao hospital onde, após intervenção cirúrgica, G acabou por recuperar.
Em audiência, F defendeu que a sua conduta era subsumível à figura do «arrependimento
ativo».
Se fosse juiz(a), como decidiria? Fundamente a sua resposta.
A ideia base da tentativa é a não verificação do resultado típico, como acontece com a
consumação onde existe o desvalor da conduta e o desvalor do resultado, assim, a tentativa é punível
por existir desvalor da ação.
Para que haja tentativa nos termos do art. 22.º, é necessário em primeiro lugar que haja uma
decisão de cometer um crime e em segundo lugar tem de haver a prática de atos de execução de
um crime que não chega a consumar-se. Desta forma, é necessário identificar se existe atos de
execução no caso.
Ao contrário dos atos preparatórios (aqueles que procedem temporalmente a execução do
ilícito típico e, em regra, não são puníveis, art. 21.º), os atos de execução são aqueles enumerados
no art. 22.º/2, ou seja, os que preencherem elemento constitutivo de um tipo de crime (aplicável a
crimes de execução vinculada), os que forem idóneos a produzir o resultado típico e os que, segundo
a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se
lhes sigam atos das espécies indicadas as alíneas anteriores
Assim, a al. b remete para a idoneidade que exige um juízo de prognose póstuma, de forma
a aferir se o ato de execução é ou não idóneo à produção do resultado típico.
Já a al. c, apesar de alargar o elenco dos atos de execução, tenta ao mesmo tempo limitar a
abrangência da al. b. Neste sentido, FD avança com uma dupla conexão: conexão de perigo e
conexão típica (conexão de perigo típico).
142
Ana Paula Pinto
Assim, há conexão de perigo sempre que entre o último ato parcial praticado e a realização
típica se verifique, segundo lapso temporal estreito e de acordo com o sentido de ambos, deve existir
uma relação de iminente conexão. O ato acarreta um perigo iminente para o bem jurídico.
Há conexão típica sempre que o ato penetre no âmbito de proteção do tipo criminal, ou seja,
quando o ato de execução já interfere na esfera íntima da vítima (Roxin).
No entanto, o agente parece se arrepender, ao correr para a cabine telefónica, quase que
temos uma desistência da tentativa. Desta forma, é necessário perceber a relevância deste facto.
Neste sentido temos de fazer uma distinção entre tentativa acabada e inacabada.
Por um lado, a tentativa acabada é aquela em que o agente está convencido de que já
praticou os atos de execução necessários para a consumação material do crime. Já a tentativa
inacabada é aquela onde o agente está convencido de que ainda não realizou todos os atos de
execução necessários para a consumação material do crime.
A aferição da distinção destes conceitos deve ser feita tendo em consideração representação
mental que o agente tem sobre o processo causal no último momento que pratica o ato de execução
– teoria da consideração conjunta.
No nosso caso temos uma tentativa acabada, pois o agente entende que realizou todos os
atos para obter o resultado.
Esta distinção é importante, porque a desistência da tentativa acabada exige um
arrependimento ativo do agente, no sentido de impedir a consumação material do crime. Enquanto
a desistência da tentativa inacabada apenas exige que o agente omita/deixe de praticar os demais
atos de execução necessários à consumação material do crime.
No caso, nesta tentativa não basta que ao agente abandone o facto/seu plano ele tem de
voluntariamente impedir a consumação, art. 24.º/1/2ª alternativa.
Este arrependimento consiste na prática de determinados atos pelo desistente com o
objetivo de impedir a consumação do crime. O agente tem de iniciar uma nova cadeia causal
destinada a impedir a consumação do facto e a produção do resultado.
Estes atos têm de se revelar idóneos, adequados para impedir a consumação. Têm de ser
praticados pelo próprio agente, mas também por outros que sejam chamados pelo desistente.
No nosso caso, o agente correu para a cabine telefónica para chamar o INEM – conduta
adequada para impedir a consumação.

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No nosso caso, o problema está que na realidade não é ele que salva a pessoa, ou seja, a
consumação não acontece, mas não por causa dele (foi outra pessoa). Portanto a não consumação
do homicídio não se deve aos esforços do agente desistente, mas sim aos esforços de um terceiro.
Quando isso acontece deixamos de ter um arrependimento ativo e eficaz nos termos do art. 24.º/1
e passamos a ter um arrependimento ativo ineficaz nos termos do art. 24.º/2. Apesar de não ter
sido o agente, ainda há a possibilidade da sua tentativa não ser punida.
Para isso é necessário que se verifique que o agente se esforçou seriamente para evitar a
consumação.
Os esforços são atos que criam, na perspetiva do agente, uma hipótese de salvamento do
bem jurídico. E serão sérios quando o agente leva a cabo tudo aquilo que subjetivamente pensa que
teria de fazer ou poderia fazer para evitar a consumação (ideia de melhor contribuição possível).
No nosso caso, o agente fez esforços sérios, assumindo que não poderia ter uma atuação
melhor (não tinha telemóvel ou sem bateria, não tinham ninguém à volta, …) – não vai ser punido
pela tentativa. Provavelmente seria punido por violação à integridade física.

Caso prático 3
G desejava matar H. Durante um curso de trabalhos manuais que ambos frequentavam, ao
ver que em cima de uma bancada de trabalho se encontrava uma navalha, G agarrou-a e desferiu
três golpes em H.
Sucede, contudo, que a navalha tinha a lâmina partida, facto que não era percetível a quem
o não soubesse, como era o caso de G. Em consequência, H sofreu apenas escoriações.
Em sede de inquérito, o Ministério Público entendeu arquivar o processo «tendo em conta
que o meio usado nunca atingiria o objetivo a que G se propusera».
Concorda com o despacho de arquivamento? Justifique
No caso temos uma tentativa impossível ou inidónea. Esta pode acontecer em duas
situações: quando é levada a acabo através de meios inaptos (ex: alguém que tenta fazer uma
mulher abortar com remédios para a azia) ou quando é levada à cabo por um objeto essencial
inexistente (ex: uma pessoa vê o seu inimigo deitado no sofá, mete-lhe uma almofada na cabeça
para o matar, mas a pessoa já estava morta), art. 23.º/3.

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A nossa lei vai equiparar a tentativa inidónea à tentativa idónea. Salvo quando a inaptidão
do meio utilizado, ou a carência do objeto essencial sejam manifestos, a tentativa continua a ser
punível, apesar da realização do facto estar irremediavelmente condenada ao insucesso.
No nosso caso, não temos um problema de inexistência do objeto essencial, o que temos é
uma ineptidão do meio, porque nos é dito que a navalha tinha a lâmina partida e por isso, não ia
conseguir matar ninguém com a navalha naquelas condições.
Assim, temos uma tentativa falhada por inidoneidade do meio.
Para perceber se é punível vamos ter de aferir se a inaptidão do meio utilizado é ou não
manifesta. Se for manifesta a tentativa não vai ser punida; se não for manifesta é punida.
Assim, tem de ser aferido as circunstâncias do caso segundo um juízo de prognose póstuma
por um observador que é colocado na mesma posição do agente, ou seja, se o homem médio se
aperceberia ou não.
No caso, não é manifestamente inidóneo porque esta inadequação do meio não era
percetível para quem não soubesse dela, ou seja, se a pessoa não soubesse qua a lâmina estava
estragada não ia aperceber-se disso.
Portanto, o agente que não sabia que a lamina estava estragada, quando pega na navalha
para ferir o outro pensa que vai obter o resultado que pretendia, era adequada para matar.
Assim, o meio não é manifestamente inidóneo, é só inidóneo. Por isso, o agente vai ser
punido pela tentativa de homicídio.

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