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DIREITO PENAL I

Conjunto das normas jurídicas que definem os factos ilícitos típicos, incluindo os
pressupostos e o âmbito de sua relevância e as respetivas consequências jurídicas
(penas em função da culpa e medidas de segurança em estado de perigosidade) - não é
meramente terminológica, pensa no conteúdo material.
˃ Conjunto de normas jurídicas: a base é norma jurídica que definem os factos
ilícitos típicos, isto é, normas jurídicas que dizem quais os factos suscetíveis de
serem resolvidos pelo direito penal.
˃ Factos ilícitos tipificados: previstos numa lei, facto tipificado positivo, tudo o
resto não interessa ao direito penal como os meros fenómenos, só o que a lei diz
é o que é relevante para o direito penal. - Factos suscetíveis de gerar
responsabilidade penal.
˃ Incluindo pressupostos e o âmbito de sua relevância: quais os pressupostos
para que aconteçam e como é que eles são relevantes de acordo com as
circunstâncias
˃ Respetivas consequências jurídicas: o que se aplica se acontecer o tal facto
ilícito típico:
▪ Atuação com culpa: juízo de censura jurídica e eticamente onde há domínio da
vontade e de como agir da maneira que quiser.
Respondem criminalmente: os imputáveis, +16 anos e sem nenhuma
anomalia psíquica aos quais se aplicam penas.

▪ Atuação em estado de perigosidade: juízo de censura jurídica e eticamente da


pessoa que produz perigo e não culpa.
→ Inimputáveis (-16 anos; ou anomalia psíquica que condiciona para aferir
se o facto é ilícito; ou reconhecem que é ilícito e não conseguem conformar a sua
vontade de acordo com essa apreensão) ais quais se aplicam medidas de segurança.

!!!! Ser perigoso: pessoa que tem anomalia psíquica que para a realização
daquele facto concreto, prova-se que essa pessoa ou não consegue discernir ilicitude do
facto ou não consegue conformar a sua vontade.
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Ana Paula Pinto
Nos factos ilícitos típicos, nunca se diz se é crime ou estado de perigosidade, mas
consequência jurídica, nomeadamente a pena (a lei começa sempre por dizer a pena e
nunca as medidas de segurança.
Em regra, são crimes que são cometidos porque os factos são realizados por
imputáveis, portanto o crime é figura central.

"Direito penal" ou “Direito criminal”: "leis criminais" ou “leis penais”


Não há diferença, a única diferença é a tradição e cultura
Direito penal acentua a sanção, a pena. O sistema é condicionado pelo princípio
da legalidade criminal (Nullum crimen sine lege); tudo está previsto na lei incluindo a
sanção. Pressupõe uma relação jurídica entre Estado e cidadão.
o Formal: intimidade relacionada com a função do direito penal; ou seja a proteção subsidiária
de bens jurídicos; e com as finalidades, estabilizar a norma (crime é disruptivo pelo que a
norma fica destabilizada pelo que a pena vai estabilizar a norma) e prevenção especial
positiva (ressocialização). As normas que regulam os pressupostos, as consequências das
condutas, cominadas com uma pena ou medida de segurança.
Figueiredo Dias: conjunto de normas jurídicas que ligam a certos comportamentos
humanos
o Material: preservação das condições fundamentais da mais livre realização possível da
personalidade de cada pessoa na comunidade, nas condições necessárias para a convivência
social (Figueiredo Dias). Visa tutelar as relações intersubjetivas da comunidade bem como a
livre realização da pessoa na sociedade. Resultando a ideia de que existem ramos do direito
que lhe são próximos.
o Sentido subjetivo: Estado que é detentor do direito de punir (ius punendi) administra a justiça
penal e que aplica as sanções criminais no interesse em nome da sociedade.
o Sentido objetivo: conjunto de normas jurídicas que o Estado produz com vista a definir os
factos típicos e ilícitos e respetivas sanções (ius paenale)

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Direito criminal acentua o facto, o crime enquanto fenómeno social disruptivo
que contende com rudimentos e normas essenciais que mantém a coesão social. Não
está tudo previsto na lei, até porque não havia lei; havia possibilidade de juiz determinar
se era crime ou não e que tipo de consequência/sanção a aplicar.
o Formal: normas que regulam pressupostos e consequências
o Material: normas que regulam as condutas propriamente ditas

Ramo de direito público


Ex: Quando A bate a B ou burla B, aconteceu uma ofensa de um bem jurídico
Bem jurídico: interesse valioso sem o qual não é possível a convivência entre
pessoas.
A resolução da violação do bem jurídico pertence ao Estado porque a solução
interessa a toda a comunidade, pois atinge todas as pessoas. Não há espaço para uma
justiça penal privada.
O direito penal trata todos de forma igual porque todos podem ser criminosos,
portanto também protege todos, isto é, o estado entra na defesa de toda a gente dado
que é um interesse transversal a toda comunidade. É abdicar de justiça pelas próprias
mãos para uma resolução judicial - “monopólio estadual da justiça penal”.

!!! Sempre que apresentar a pretensão ao MP, ele vai deduzir a acusação ou vai dizer
se concorda com dedução particular da acusação - basicamente MP vai sempre
acompanhar processo penal.
3 níveis de crime (público, semipúblico e privado) e só relativamente aos
públicos é que devia considerar indisponíveis e intransacionaveis e os outros nãos
para aliviar a máquina do MP.

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Consequências práticas da noção de direito penal
1) Não tutela situações relacionadas com virtudes e interesses morais, mesmo que a
situação seja do ponto de vista dos interesses morais e das virtudes humanas
censurável. No entanto, há coincidência com muitos crimes que provocam repulsa
moral (ex: homicídio, difamação)
O direito penal ao proteger situações relevantes ético-juridicamente não tutela
situações moralmente relevantes, pois não é essa a sua obrigação nem o seu campo de
atuação.
2) Não entra da defesa de propostas/convicções meramente ideologias, mesmo num
estado de direito democrático, pois o direito penal é um instrumento de poder, pois
tem poder de punir e isso torna-se um perigo caso esteja somente ao serviço de
interesses ideológicos.
Quando o direito penal condena um facto há sempre uma opção de política
criminal (ex: direito penal diz que corrupção é crime é porque há opção de política que
luta contra isso), mas não se pode usar o direito penal para criminalizar condutas que
não tenham por base a violação de bens jurídicos que mereçam tutela penal.
Os bens jurídicos (democráticos) são igualitários e devem ser devidamente
respeitados, sem distinções e quando o direito penal é um instrumento ideológico, faz-
se a desvirar a proteção de bens jurídicas relevantes para a comunidade (interesse
universal) para ser instrumento de defesa e promoção de pretensões setoriais, de certos
grupos.
3) Não tutela funções confessionais, corporativas ou particulares
Há organizações que existem na sociedade e nestas há interesses próprios, o
estado respeita. No entanto, estes grupos/corporações/instituições não podem querer
que o direito penal proteja os seus interesses específicos, pois estaria a desviar-se da
sua função de proteção de bem jurídico relevante a nível universal. Não há normas
penais de proteção especifica de um certo grupo e nem pode haver.
Pode é existir crimes de relevância geral que são cometidos no âmbito de
algumas organizações.
Ex: dentro de um clube futebol, A viola B – esta violação de bem jurídico é um
interesse universal e o direito penal tutela.

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Os interesses confessionais pertencem à igreja que tem código canónico e leis
sancionatórias, logo é respeitado pelo Estado, mas não há interferência do direito penal.

4) Comportamentos humanos que ofendem bem jurídicos, mas cuja ofensa não
implique relevância ética e que não merecem pena, são questões
contraordenacionais, ou seja é o direito das contraordenações que atuará (ramo de
direito sancionatório público). Trata-se de bens jurídicos sem dignidade penal ou que
não têm necessidade de pena.

5) Não tutela meros deveres funcionais: o seu incumprimento desencadeia um ilícito


disciplinar (violação de deveres funcionais) pelo que não interessa para o direito penal
(ilícito penal; violação de deveres júris-penais); é direito disciplinar.
Contudo, uma infração disciplinar também pode ser crime.
Ex: empregado numa empresa ameaça o diretor, ele comete o crime de ameaça
e comete o ilício disciplinar (viola o dever de respeito pelo superior hierárquico). Nestes
casos atua o direito penal e disciplinar para sancionar cada um.
!!! Não há violação de ne bis in idem – não há punição duas vezes pelo mesmo
facto porque são responsabilidade diferentes geradas em ilicitudes diferentes.

Não há normas, no direito penal a proibir comportamentos porque não é preciso.


A ilicitude desses comportamentos está na própria natureza dos comportamentos, ou
seja, está na relevância ética desses comportamentos. Quem gera a ilicitude é a normas
impositiva ou proibitiva do comportamento.

Conceito de Justiça nos Diferentes Ordenamentos Jurídicos: inteiramente


relacionado com o Princípio da reserva da jurisdição estadual

Justiça Criminal: justiça estatal, onde há a proteção de um bem jurídico – heterotutela


com o objetivo de alcançar a paz da sociedade. Típica do estado de cidadania, de um
estado de comunidade.

Há confronto entre a vingança e algo que está para lá desta, a prevenção geral =
a auto-administração da violência e a hetero-administração do poder.
Gewalt, violência e Poder: o poder mais não é do que a normatização da
violência. O Estado impede que os privados se gladiem pelos próprios meios.
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Ex: defesa da lei do talião = reciprocidade para equalizar o castigo.
O poder estatal é uma superação da violência, pois o Estado absorve a violência
entre os indivíduos. Nenhuma sociedade sobrevive se a vingança for normalizada
Num sistema estatal, sabemos que determinado ato é punido com determinada
consequência jurídica.

Justiça Privada: justiça pelas próprias mãos, a autotutela onde se procura retribuir o
mal com o mesmo mal. Típica de um estado de natureza, da luta de todos contra todos,
segundo Hobbes.

A vingança é um círculo vicioso com grande aleatoriedade. Quem pondera o


castigo, quem o aplica? Isto gera muita insegurança e muita incerteza. Pode levar a
vinganças cada vez mais cruéis.
A sociedade torna-se cada vez mais instável, incluindo a nível normativo. O
tecido da comunidade deslaça-se, a sociedade fica profundamente fraturada.
 Daí não se admitir a justiça privada, porque tem um potencial disruptivo e
erosivo.

!!!! Não há sistemas jurídicas perfeitos, tem de haver um elemento falível. Mas a grande
ideia da justiça criminal é reduzir a instabilidade e permitir que a sociedade permaneça
coesa quanto aos bens jurídicos essenciais.

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 Crime, sanção e bem jurídico: suporta todo o edifício jurídico penal.
Perante violações de bens jurídicos, o direito penal criminaliza as ações ou omissões (crimes ou
estados de perigosidade) e fazendo corresponder sanções jurídico penal (consequências jurídicas, reação
à violação): tendencialmente penas ou medidas de segurança.

Crime: pressupõe conotação com a culpa (ser imputáveis ≠ estado de


perigosidade).
˃ Sentido Formal: facto humano, voluntário, típico, ilícito e culposo declarado como tal numa
lei penal a que corresponde uma sanção penal; quando o facto não é culposo e lhe
corresponde uma medida de segurança (Estado de perigosidade).

͢ Facto humano: ação (facto ativo) ou omissão (facto omissivo) realizado por uma pessoa (não por animal,
máquina, natureza)
͢ Voluntário: ser voluntário
͢ Típico ilícito: tipificado na lei e contra bem jurídico
͢ Culposo: sou imputável; agir com culpa
͢ Suscetíveis de uma pena ou medida de segurança

A noção mais ou menos aproximada de crime está no CPP no art. 1.º/1/a:


“«Crime» o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida
de segurança criminais”, já que o art. 1.º/1 CP apenas ao referir-se ao princípio da legalidade
alude ao crime como “facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua
prática”

˃ Sentido material: todo o comportamento humano ético-juridicamente relevante ou


emergente de estado de perigosidade que ofende ou coloca em perigo bens jurídicos dignos
e carentes de tutela penal, essenciais à comunidade (surge num sentido de completar o sentido
formal).
▪ Comportamento humano
▪ Ético-juridicamente relevante:

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o Eticamente: aquilo que todos nós esperamos dos outros para que não
cause problemas a nos próprios; todos esperam que os outros atuem
num padrão que não me ofenderá a mim (≠ interesses morais. remissão para as conseq. da)
o Reprovável: tudo o que vai contra um padrão de atuação na sociedade
de acordo com o Direito Penal
▪ Ofende bens jurídicos dignos e carentes de tutela penal
o Ter dignidade penal: para ser protegido tem de ser norma penal
o Pode não cair no direito penal, mas ser direito das contraordenações, ou
seja, situações que têm dignidade penal, mas não têm necessidade.

⇒ Direito penal vem em ultima ratio: direito de intervenção mínima ≠ Estado de perigosidade

Bem jurídico-penal: expressão de interesse juridicamente relevante para a


convivência comunitária social num certo momento e espaço, digno de proteção penal
e carente dessa tutela.
Figueiredo Dias: expressão de um interesse da pessoa ou da comunidade na manutenção
ou integridade de um certo estado objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso
juridicamente reconhecimento como valioso.

˃ Interesse juridicamente relevante: tem de ser do ponto de vista jurídico relevantes,


desde logo com relevância na CRP (relevância jurídico constitucional) – art. 24.º e ss.
Acaba por ser um conjunto de valores comuns à sociedade, escolhidos através
de um critério utilitário, pragmático. No entanto, não há correspondência com todos os
valores da axiologia: afasta-se da religião, moral, etc.
A CRP proclama os bens jurídicos desde logo, mas é redutor dizer que bens
jurídicos são os escritos na CRP, pois há outros fora do texto da CRP porque há bens
jurídicos que vão aparecendo com a dinâmica da vida social, implica uma CRP não escrita
que tenham ressonância na vida pratica.
Ex: aparecimento da informática, surge os crimes informáticos; …
É necessário utilizar um critério, neste caso o da CRP, pois, por exemplo, utilizar
referendos sobre bens jurídicos levaria a diferentes resultados, dado que certas pessoas
vão considerar X e outras Y como o mais importante. Assim, deve ser protegido o que é
minimamente comum a todos, portanto o que foi discutido na elaboração da CRP. Há

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mútua referência/interferência entre a ordem jurídica constitucional e a ordem jurídica
penal.
No final das contas, segundo o sistema democrático serão os deputados
representativos de todos sem exceção que irão decidir por todos quais os bens jurídicos
a selecionar. Há um debate e os deputados formam um parecer para que haja algum
consenso até no texto constitucional. Desta forma, o legislador ordinário pode proteger
bens jurídicos que não encontrem na CRP escrita uma formulação expressa, mas de
algum modo nela encontrem reflexo.
O consenso que existe na comunidade é uma perspetiva minimalista, mini-max,
em que a liberdade é a regra e a restrição a exceção, sendo que apenas atua em ultima
ratio.

˃ Convivência comunitária social porque o bem jurídico tem de ter vocação e ser interesse
indispensável para a convivência comunitária.
Sem o direito penal, nem todos se regeriam pela ética e respeito, mas, atenção,
o direito penal tem um efeito dissuasor e não tem eficácia plena porque ainda há
violações, isto é, é um direito preventivo para garantir a convivência entre todos,
incluindo aqueles que não concordam.

˃ Num certo momento e espaço: há bens jurídicos que poderão ser sempre protegidos e
outros não, pois depende do momento e espaço em que estão a ser protegidos.
Não há problema porque em causa está a soberania (penal) democrática de cada
estado, respeitando o povo quer.
No domínio penal, a UE tem competência muito limitada, regula regras mínimas
de infrações com relevância transnacional, por isso cabe a cada Estado de acordo com a
sua tradição histórico-política e social de proteger os bens jurídicos.
Mesmo assim, tende a adquirir uma certa estabilidade.

˃ Digno de proteção penal e carente dessa tutela: os 2 pés do bem jurídico


→ Dignidade penal: critério axiológico onde necessita de existir relevância ética
suficiente para entrar no mundo do direito penal, devido à CRP escrita e não escrita
Figueiredo Dias: bens jurídicos essenciais para a convivência comunitária

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→ Necessidade de pena/carência de tutela punitiva: critério pragmático: se não
precisa de proteção, de aplicação de uma pena, então vai para o direito das
contraordenações
→ Aliado ao critério da eficácia da intervenção do DP
Figueiredo Dias: a violação do bem jurídico não basta por si para desencadear a
intervenção penal; antes se requerendo que esta seja absolutamente indispensável à
livre realização da personalidade de cada um em comunidade.

Para proteger o interesse estamos dispostos a impor este custo axiológico, com
custos da liberdade (prisão), património (multa)?
Se o custo axiológico é superior ao benefício axiológico, então não é preciso pena
e não entra para o direito penal, só se merecer pena. Assim, devendo o DP proteger os
bens jurídicos a partir da CRP, não está obrigado a protege-los sempre e do mesmo
modo.
Assim, o mesmo bem jurídico para uns momentos é protegido pelo direito penal
e outros não. De acordo, se o bem jurídico necessita da pena ou não (apesar de ser
digno).
Direito penal é subsidiário, ou seja, só atua quando mais nenhum ramo de
direito pode atuar. Para além de que é fragmentário, isto é, não trata de toda a
realidade, apenas parcelas.

Exemplos: Homicídio:
A quer matar B e A pega na pistola e mata B - não há dúvida que isto tem
dignidade penal e merece pena (aplicar da prisão é melhor benefício que deixar A em
liberdade).
Ou
A tem uma faca e quer espetar em B. B tem 2 hipóteses: ou leva com faca ou
pega numa cena qualquer e fere A. B ao escolher a segunda opção, mata A, pesar de ter
dignidade penal, não precisa de pena porque atua em legitima defesa para proteger o
outro bem jurídico: a sua vida.

!!!! Fundamento do bem jurídico

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Fundamento está na sociedade, pois o bem jurídico é como que uma tradução
da sociedade que será mais tarde refletido na CRP = categoria meta constitucional (com
valor acima da CRP).
Contudo, devem ser reconduzidos a lei fundamental para quando se fizer o
código penal, saber que já está na lei fundamental, evitando subjetividade na definição
dos crimes e penas.

Sanção jurídico penal: consequências jurídicas/reações penais ao facto de natureza


criminal culposo ou perigoso para abranger penas e medidas de segurança:
Em Portugal, o legislador +e dualista na conceção:
͢ Sistema monista em relação ao facto concreto (em sentido estrito): a um
comportamento criminalmente punível, ou se aplica uma pena ou se aplica uma
medida de segurança, não admite duas sanções
!!! Exceção: “Penas relativamente indeterminadas” – aplica-se pena com certo
prazo e depois, por razoes de segurança/perigosidade, conjuga-se com medidas de
segurança, ou seja, há ao mesmo tempo culpa e estado de perigosidade.

͢ Sistema dualista/duplo binário em relação ao estado de culpa (em sentido estrito):


permite aos estados de culpa aplicar penas e aos estados de perigosidade aplicar
medidas de segurança

Penas: censura ético-jurídica do comportamento criminoso e ilícito, têm sempre


finalidade teleológicas, mas são sempre dissuasoras
▪ Penas principais: previstas no tipo legal de crime (PS: prisão ou com pena de multa;
PC: multa e dissolução)
▪ Penas de substituição: parte geral do CP e permite aplicar em substituição da pena
principal se forem mais adequadas. Podem realizar com a mesma eficácia as
finalidades da pena principal, sem os custos axiológicos que comportariam.
▪ Penas acessórias: aplica-se para além das principais e consistem na proibição do
exercício de determinados direitos ou profissões, sendo que o CP (art. 65.º ss) exige
a verificação de certos requisitos: pressupostos autónomos; valoração da moldura
autónoma fixada na lei.

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!!!! Art. 65.º: não há pena automática, só há pena quando o juiz a profere,
estando prevista na lei.

Estado de perigosidade = Medidas de segurança: quando falta condições à censura


ético-jurídica, mas pela gravidade do comportamento e pela perigosidade do agente, se
torna indispensável sancionar o facto – excecionais em relação às penas, art. 91.º.
Facto não culposo e lhe corresponde uma medida de segurança, mas são sanções
penais.
São aplicadas a inimputáveis por anomalia psíquica ou a menores de 16 anos (em
estados de perigosidade) ou excecionalmente a imputáveis, art. 101.º (não é pena
acessória), que se revelem especialmente perigosos.
Estão na Parte Geral e irão influenciar todo o código independentemente de se
referir a crime. É reação jurídica que tem em conta a gravidade do comportamento e a
perigosidade evidenciada pelo agente de facto.
▪ Detentivas: internamentos
Ex: "este tipo tem uma inclinação para o crime"
▪ Não detentivas: interdição de atividades, regras de conduta, …
≠ medidas tutelares educativas previstas na lei educativa 04/2015 que visa a
educação do menor pelo direito, subordiná-lo à legalidade, desde advertências até ao
internamento.

!!!!! É possível aplicar medida de segurança e pena:


˃ Art. 100.º + art. 101.º:a um imputável é possível aplicar uma pena e uma medida de
segurança não privativa da liberdade, não é pena acessória, que implique interdição de
certas atividades ou apesar de ser imputável tem elevado perigo
˃ Pena relativamente indeterminadas, art. 83.º a 90.º: solução mista aplicável a imputáveis
para casos de relevante perigosidade (muito excecionais)
Cumprindo certos requisitos, vai se aplicar uma pena mais um "não se sabe
quanto" = medida de segurança porque a pena daquele facto naquele caso nunca será
superior as exigências de prevenção geral e especial.

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Avaliando a personalidade do agente, estando na prisão será analisado por
técnicos para ver se pessoa está a perceber que a sociedade tem normas e que tem de
as respeitar. É feito um juízo na parte da medida de segurança para ver se é preciso mais
tempo ou não.

˃ Concurso de crimes punidos com pena e medida de segurança privativa da liberdade,


vicariato na execução: intercomunicabilidade das duas sanções, art. 99.º
Primeiro executa-se a medida de segurança para ajudar na ressocialização e
depois a pena, descontando se na pena a medida de segurança já cumprida.
Ex: pessoa é punida ao mesmo tempo por dois crimes, só que num deles é
imputável e noutro é inimputável (porque a inimputabilidade não é geral; é somente
para o caso concreto). Assim, a pessoa cumpre pena de prisão para o crime que é
imputável e uma medida de segurança para o outro que é inimputável. Como é um
concurso, cumpre-se a sanção simultaneamente
Aplica-se a solução mais favorável à socialização do agente bem como a maior
vocação ressocializadora da medida de segurança.
O sistema também prevê um vicariato na condenação (art. 20.º/2 CP).
Não podem funcionar em cúmulo jurídico porque a sua natureza é diferente.
!!!! ≠ Se fosse 2 crimes imputáveis, havia 2 penas. Portanto há concurso de penas,
solucionando se com pena do cúmulo jurídico, pessoa cumpre pena única que é a pena
do concurso.

Princípios aplicáveis ao sistema sancionatório


O nosso sistema penal é democrático, humanista, inclusivo, que se baseia na
dignidade da pessoa humana (art. 1.º CRP) onde as sanções são concebidas de uma certa
forma que concretizam o princípio da dignidade da pessoa humana.

Princípio da legalidade »»» tipicidade (duplo sentido), art. 29.º CRP


Não se pode aplicar sanção penal se não estiver prevista na lei, ou seja, não se
pode discricionariamente aplicar uma sanção pelo julgador. Este prevê que em certas
situações se possa aplicar outra sanção que não a de tipo legal prevista.

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Ex: Processos especiais sumaríssimo: prevê-se que o conflito possa terminar com
acordo, proposta do MP ao arguido que concordando, há acordo e não há julgamento.
Apesar de pôr acordo, é uma sanção mesmo que não esteja no tipo legal de crime
porque foi acordada.
!!!! Não nega a tipicidade porque está prevista na lei, respeitados certos
requisitos, portanto não há discricionariedade ou arbitrariedade, não é fruto de vontade
arbitrária do juiz.
Quando a lei prevê que se possa aplicar outra sanção que a não prevista no tipo
legal de crime, art. 74.º até se permite dispensa de pena.

Princípio da reserva da jurisdição estadual do direito de punir (ius puniendi)


Há uma reserva absoluta do direito de punir: só o estado pode punir. As sanções
penais só podem ser aplicadas mediante um processo de natureza criminal, pois
implicam a restrição a DF.
Decorre do art. 18.º que qualquer restrição a DLG tem de ser necessária
adequada proporcional, dentro dos limites da lei e por uma entidade judiciária com
competência para tal.
As hipóteses excecionais de consenso ou mediação carecem sempre de aplicação
ou homologação por uma entidade judiciária.

Princípio humanização das sanções penais: ligada ao princípio da dignidade da


pessoa humana
Não se admite a pena de morte, prisão perpétua, penas corporais, penas
desumanas, penas que atentem contra dignidade, penas infames, cruéis.
O sistema é relativamente simples porque só admite a privação da liberdade, do
património e de certos direitos.
No entanto, privar a liberdade implica que pessoas sujeitas as penas de prisão
são privadas de outros direitos, resultando numa marginalização, que acabam por ser
alvo de estigma e instrumentalizadas/maltratadas
Na prática é muitas vezes desumana, infame e cruel.

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Princípio da congruência axiológica entre ordem jurídico-constitucional (CRP) e a
ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal, com reflexo nas sanções
Se o bem jurídico tem elevada relevância, então a sanção tem de ser congruente
para com essa relevância.
Ex: bem jurídico “vida” não pode ter como sanção 1 ano de prisão

Princípio da proibição do excesso ou da culpa (quando aplicados às penas) +


proporcionalidade para medidas de segurança
Art. 40.º CP, especialmente nº2: prevê as finalidades das penas (algo que
normalmente não existe)
A culpa é limite da pena, isto é, quando alguém realiza um crime, realiza com
culpa, por isso é que apanha uma pena. Essa culpa é mensurável pelo que há meios para
a medir, o juiz terá de perceber qual é o grau de culpa (média, grave, muito grave…),
sendo rigoroso e fundamentado.
Estabelece-se exigências de prevenção (geral e especial) para saber o quão é
exigente, necessário cada prevenção. A pena funciona dentro desses limites
Mesmo que juiz chegue a conclusão de que a exigência de prevenção geral é
muito elevada e por isso até atire a pena para o máximo possível, a pena não pode
ultrapassar limite da culpa, ou seja, a sanção utilitária nunca pode exceder a censura
que o facto jurídico merece.
!!!! É pressuposto da pena, isto é, sem culpa, não há pena.
!!!! A culpa não pode ser fundamento da pena.
Se a culpa fosse fundamento, teríamos penas perpétuas e até podíamos ter pena
de morte.
A pena não responde à culpa. A pena responde às exigências de prevenção geral
(proteção bem jurídico) e prevenção especial (ressocialização), pelo que se houvesse
pena perpétua nunca haveria ressocialização.
Para proteger bem jurídico, basta a pena de prisão porque qualquer pena de
prisão já tem um efeito dissuasor per se.

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Princípio da Sociabilidade: Estado tem de garantir condições necessária para
reintegração social, também pode ser realizada pela sociedade civil.
Princípio do Menor custo axiológico possível: em duas penas possíveis, a pena menos
restritiva se consegue mesmo resultado deve ser essa a aplicada, isto é, preferência pela
sanção penal não detentivas em relação às detentivas e/ou optar pelas que menos
sacrifício axiológico implique.

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Legitimação do direito penal – a pena
Função ≠ efeito ≠ finalidade ≠ fundamento

Fundamento onto-antropológico (a razão de ser)


É a livre realização da pessoa humana enquanto tal e na sua relação com os
demais, pois só existe direito penal para garantir que cada um de nos se consegue
realizar livremente sozinho e na sua relação com os outros, sendo que o direito penal
vai tentar resolver o problema.
Assim, é um direito que garante a liberdade, é humanista (preocupa-se com
pessoas), com vocação personalista, que assenta no princípio da dignidade da pessoa
humana.

Função
A sua função é ser a reação jurídica ao facto criminoso, mas está estritamente
ligada à realização do seu fundamento, tendo como funções:
͢ Proteção geral e subsidiária de bens jurídicos
͢ Proteção especial: ressocialização de quem comete crime
Não tem função dissuasora, mas uma função preventiva. Se tivesse função
dissuasora em vez de ameaçar com 20 anos, ameaçaria com 100 anos. No entanto tem
efeito dissuasor, dado que o direito penal trabalha as penas com suas duas funções,
tendo como consequência o efeito dissuasor dessas sanções penais.

Finalidade: relacionadas com as funções preventivas


͢ Prevenção geral positiva ou de integração
͢ Prevenção especial positiva ou de ressocialização

Consequências
͢ Restauração da paz jurídica: há paz jurídica, portanto sempre que há crime há violação
de norma jurídica, então a pena vai restaurá-la.
͢ Restauração da paz social: paz social nem sempre se consegue; até porque muitas vezes
e impossível
Efeitos dissuasores, pois a reprovação desmotivará a prática de futuros crimes,
efeitos preventivos, pois previnem a ofensa de bens jurídicos e efeitos reintegradores,
na medida em que contribuem para a ressocialização do agente.

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Se a vítima tivesse papel mais relevante na pena, papel mais ativo na solução
final, talvez haveria alguma paz social, mas o sistema não dialoga com a vítima por existir
o risco de vingança.
Pese embora existam riscos da vítima se querer vingar, se a vítima participar, há
grande benefício para restabelecer a paz social e para o arguido também é bom para a
sua ressocialização

Proteção das vítimas? Na prática não é essa a sua vocação


Os tipos gerais de crime orientam-se para proteger bens jurídicos e não vítimas,
não há referência a vítimas nos tipos gerais de crimes. Só às vezes é que o CP agrava a
pena devido a vítima (ex: art. 132.º). Em geral, o tipo geral de crime existente protege o
bem jurídico que tem subjacente e não uma vítima.
Há crimes cujo bens jurídicos são supra individuais, ou seja, situam se no domínio
das infrações impessoais; não havendo vítimas concretas.
Ex: Crimes ambientes, crimes económicos
Portanto, só reflexamente é que o direito penal protege as vítimas, estas
beneficiam da tutela dos bens jurídicos assegurada pelo direito penal.
As próprias sanções penais não se preocupam com a reparação da vítima, mas
para a reparação do bem jurídico.
Ao se apontar as finalidades do art. 40.º CP, não se fala em vítimas, uma vez que
o direito penal se dirige à comunidade no seu todo, e não propriamente a indivíduos.
Assim, a vítima tem uma intervenção, na resolução do problema, praticamente nula,
apenas no âmbito do processo penal ao testemunhar é que participam, mas é quase
uma re-vitimização. Desta forma, fica a sensação de que não foi feita justiça.
Vias para melhor tratamento das vítimas
→ Via do tipo legal de crime, via da tipificação: os tipos legais de crime devem tipificar
a proteção da vitima.
A teoria de bem jurídico é uma categoria universal igualitária e impermeável a
manipulação ideológica, política porque trata a todos da mesma maneira. O bem
jurídico deve ser a única coisa que tem em conta toda a segurança, trata a todos de
igual.

18
Ana Paula Pinto
Introduzindo nos tipos legais de crime outra coisa sem ser bens jurídicos, vai-se,
tendencialmente, a caminhar para proteger mais uns lados do que outros, há
manipulação e nuances em função das vítimas, ou seja, fatores de desigualdade.
“Se a vítima foi assim, terá de ser assado.”

→ Introduzir uma função reparadora no direito penal no domínio das sanções


Privilegiar os atos de reparação, principalmente os voluntários, para potenciar a
restauração de interesses das vítimas e para potenciar a ressocialização do agente.
Reparação introduzida nas sanções seria uma boa solução para se conseguir
chamar a vítima a estar presente na resolução e ser reconfortada nos atos de
arrependimento do agente.
Nos casos em que a gravidade do facto não é alta é possível, mas quando a
gravidade é altíssima, não há reconciliação possível. (ex: Violação)
O arguido quando explica o porquê de ter realizado o crime, ficamos a
compreender melhor a sua situação concreta.

Deve o direito penal tutelar deveres? Não


O nosso critério é o bem jurídico e não deveres, mas claro que há autores que,
ao longo da história, defendem a proteção de deveres.
O direito penal de maneira nenhuma significa cumprimento de deveres, mas há
normas que tutelam deveres – Direito Penal Secundário.
O que esta no CP é o direito penal primário (direito penal de justiça), o resto é
secundário.
Ex: Crimes ambientais, tributários, económicos, financeiros
Esses crimes têm também deveres, ou seja, existem porque se tutela deveres.
Ex: não se fala em crime tributário sem violação de deveres, quem comete fraude fiscal
comete um crime, viola também deveres de colaboração e lealdade para com a AT
Até existem normas penais que estão ligadas a imposição de comportamentos,
mas o direito penal não precisa de normas de proibição de comportamentos para existir.
Sempre que há crime, há violação do dever de respeitar a norma, mas não o
Direito Penal não tutela esse dever, apenas tutela o dever jurídico.

19
Ana Paula Pinto
A ilicitude é dada pela violação do bem jurídico (mala in se = são males por si), as
normas que proíbem ou impõem são mala cuia proibita = são males que são proibidos
por normas (ex: contraordenações)
O direito penal secundário é Tertium Genus, nem é exclusivamente mala in se
nem exclusivamente mala cuia proibita. É um ramo que tem também tutela de deveres
sem prescindir da categoria do bem jurídico, bens jurídicos a posteriori, invisíveis, que
só são visíveis depois de construído o tipo de crime. A par com a ilicitude, há um
complemento que são os deveres.
Direito disciplinar tutela deveres e o direito penal tutela bens jurídicos, se nos
dois estivessem bens jurídicos ou se nos dois estivessem deveres, havia violação do
princípio ne bis in idem.

Finalidades das penas (!!!!)


Teorias absolutas: retributivas, expiatórias onde preside o ideal de justiça,
norteia-se pelo princípio da justiça
Se alguém realiza um mal, procura-se a justiça desse caso.
Por causa disso há 2 princípios que são defendidos (importantes para direito
penal):
→ Proporcionalidade: sanção deve ser proporcional a culpa
→ Culpa: pessoa que atuou com culpa deve ser sancionado
A primeira vez que apareceu foi com a lei de Talião com o objetivo de impor
ordem, trazer proporcionalidade às sanções.
À gravidade do delito, corresponde a gravidade da pena.
A lei de Talião apareceu em busca da proporcionalidade, mas desvirtua o sentido,
sendo aplicada de uma forma que origina situações desumanas. Para cumprir a
proporcionalidade é preciso pena de morte, isso já é resolver um problema com outro
problema.
Hoje mantém-se os dois princípios, art. 40.º e 42.º CP, no entanto a culpa é limite
da sanção, mas não é fundamento da sanção.

Conceção bilateral da culpa: enquadra a teoria ético-tributária, sendo biunívoca:


não há pena sem culpa e não há pena sem culpa.

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Ana Paula Pinto
Conceção unilateral da culpa: pode haver culpa e não haver pena
Teorias relativas: utilitárias, usam a penas com uma certa utilidade, tornam a
pena útil para fazer alguma coisa
˃ utilitarismo negativos
˃ utilitarismo positivo
▪ Prevenção Gerais:
o Negativa: aplicar a pena para intimidar todos (= prevenção geral intimidatória)
o Positiva: aplicar a pena para proteção/promoção de bem jurídico
▪ Prevenção Especial
o Negativa: aplicar uma pena para que o agente não volte a cometer o crime, ser como
intimidação, ameaça e repressão para pessoa não querer mais voltar a cometer
crime.
Não se promovem valores, mas maltrata-se e reprime se a pessoa para pessoa
não querar mais cometer crime.
o Positiva: atuação na própria pessoa para promover o agente a agir positivamente:
Ressocialização e reintegração

Em Portugal mistura prevenção geral positiva e prevenção especial positiva


(ressocialização), não desprezando a culpa nem a proporcionalidade.
Figueiredo dias: O ponto de partida seria a prevenção geral positiva (finalidade
da pena é tutela de bem jurídico), procurando a paz jurídica. O ponto de chegada seria
prevenção especial, sendo que em última instância a pena será determinada por esta
prevenção especial positiva.
Cada um tem as suas necessidades de ressocialização que seriam tidas em conta
na pena, a pena corresponde adequadamente às exigências preventivas e não excede a
medida da culpa e uma pena justa.
Contudo, há um grande insucesso na prevenção especial. A reparação no direito
penal levaria a melhor ressocialização e proteção da vítima.

Novas tendências
Nova retribuição: reinterpretação das prevenções geral e especial (pendor retributivo)
Propostas restaurativas: abolicionistas, fala-se em dano (harm principle)

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Ana Paula Pinto
A dá uma facada em B, aconteceu um dano, não um crime.
Trata-se o dano, olhando para ele e não para mais nada, não interessa a
prevenção de futuros danos. Olha se para caso concreto e não para a big picture,
prescinde-se de lei penal.
Se não há crime então não há sanção, logo as pessoas vão se entender umas com
as outras.
Ex: Nova Zelândia, Austrália, Japão, comunidades indígenas
Há outras maneiras de resolver os problemas penais sem ser com recurso aso
tribunais, estado, etc

Finalidades medidas de segurança: são as mesmas das penas


Prevenção especial positiva + Prevenção geral positiva
Não há culpa aqui, há um estado de perigosidade, sendo o limite o estado de
perigosidade, mas este não é fundamento.
Neste caso, o mais importante é a prevenção especial, ressocialização, quem
comete o crime, não sabia sequer que estava a violar um bem jurídico, portanto
interessa é a recuperação do individuo.
A medida de segurança tem função de segurança e função de socialização, de
prevenção de novos crimes através da ressocialização.

 Art. 40.º CP: prevenção sempre positiva, sendo a culpa o limite e o pressuposto e não
fundamento. Nas medidas de segurança prevalece a ressocialização.

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Ana Paula Pinto
Sistema Global de Justiça Penal
Plano científico: Ciência conjunta do direito penal, autor alemão propôs a
ciência conjunta do Direito total, ou seja, não olhar para o DP como a única forma de
atingir a justiça penal, mas sim como uma parte da justiça, uma pare dogmática. Esta
não é suficiência, esta tem de ter alguma coisa que a antecede e alguma consequência
da sua aplicação.
Pretendia retirar o improviso casuístico, ou seja, que o DP deixa-se ser fruto do
improviso. Assim, estuda as causas e os efeitos das soluções (leis e instituições) dado
que o DP era imperfeito e o sistema potenciava o crime.
Encontramos três ciências que interagem umas com as outras dando origem a
um determinado resultado:
- Criminologia: “ciência das causas do crime e da criminalidade”
(1) estuda as causas de crime
(2) estuda os efeitos das penas.
Relevância para a vitimologia que trouxe a vítima para o centro do discurso
jurídico-penal e reforçar as necessidades da vítima: vítima do problema, problema da
vítima e vítima como problema.
Trata das vítimas, fazendo o estudo, na ótica da vítima, das causas e dos efeitos
das penas e das medidas de segurança, e das instancias formais de controlo na resposta
do crime.

- Política criminal: os estudos feitos pela criminologia servirão para a política


criminal, que, com base neles, procederá à produção das orientações para combater/
erradicar/neutralizar aquele crime (trata-se de um exercício puramente político, mas
que tem uma vertente criminal), ou seja, conjunto sistemático dos princípios fundados
na investigação científica das causas do crime e dos efeitos da pena, segundo os quais
estás a levar a cabo a luta contra o crime por meio da pena e das instituições com esta
relacionadas
Hoje temos a lei-quadro da política criminal: Lei 17/2006

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Ana Paula Pinto
- Direito Penal/dogmática penal: as orientações da política criminal são
posteriormente levadas à dogmática penal (não é discutível/ opinativo), ou seja,
conjunto de princípios que subjazem ao ordenamento jurídico-penal e devem ser
explicados de automática e sistematicamente, garantindo a segurança jurídica
resistente a intervenções ideológicas, permitindo uma “aplicação mais proporcionada e
justa do DP às diversas situações criminosas”.

 O maior inimigo desta ciência é o populismo penal (sem conotação penal) no


sentido como isto tudo passa por decisões políticas, muitas vezes os políticos decidem
adotar decisões sem atender essa trilogia da ciência conjunta.
O DP não se compadece com uma instrumentalização política, porque a lei penal
é um meio muito poderoso na sociedade, por isso tem de ser sempre científico.
Objetivo: unidade axiológica-funcional (sistema global de justiça penal) através
da construção de um sistema teleológico-funcional e racional da dogmática penal que
não impede a “justiça do caso concreto”, caso seja visível uma injustiça à luz da própria
teleologia politico-criminal imanente ao sistema.

Plano normativo material: manifesta-se através dos diferentes ramos do DP em


sentido amplo, conjunto de normas jurídicas que visam cobrir situações distintas da
vida:
͢ DP de justiça ou DP primário: diz respeito ao CP tanto à parte geral como aos crimes que
estão previstos nele (parte especial).
Tem uma referência axiológica na CRP (art. 24.º/2, 25.º/2, 29.º, 30.º), que são os
DF. São em grande parte os crimes ligados aos bens pessoais, também contra o estado,
mas o núcleo duro e puro é o núcleo ligado aos direitos pessoais.
É um direito personalista por um lado e social por outro, pois somos importantes
como indivíduos, mas também quando convivemos. Assim, tem uma forte ligação aos
DF do cidadão. Assim, o bem jurídico surge como um dado, prius.
͢ DP secundário (legislação extravagante): está ao lado do DP primário e não se trata de
um ramo de direito com menor relevância que o DP primário, trata-se de um DP mais
recente e que diz respeito a um conjunto de crimes económicos, tributários e financeiros,
está ligado aos direitos sociais e à organização económica.
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Ana Paula Pinto
Ao longo do séc. XXI, foi-se intensificando e, hoje, tem mais importância até que
o direito penal de justiça – atualmente, embora seja uma vertente dolorosa, os crimes
financeiros e tributários já parecem ser tidos como mais relevantes pela sociedade, do
que os próprios crimes contra as pessoas.
O bem jurídico aparece como um posterius, ou seja, só após a proibição do
comportamento é possível descortinar o bem jurídico protegido. Desta forma, em geral,
pode-se dizer que este é essencialmente pontual, instável, dinâmico e evolutivo e, por
isso, precário, contingente e conjuntural.
Este poderia ser efetivamente um direito diferente com menores exigências
processuais, menos garantias e regras de imputação mais flexíveis, com outro tipo de
sanções, tem-se manifestado, na prática e na realidade, um direito em tudo igual ao DP
de justiça.

͢ Ramos especiais do DP, art. 8.º: têm normas que divergem e acabam por ser muito
diferentes do DP primário e secundário, reconhecendo a existência de legislação de
carater especial.
Direito Militar tem como base um CP militar (grande parte formado por normas
penais), aplicável apenas aos sujeitos que são militares (excecionalmente alguns civis) e
não à sociedade geral (ao contrário do que acontece com o direito penal de justiça e
com o direito penal secundário).
!!!! Se for homicídio aplica-se o CP; se for um abuso de autoridade militar aplica-
se CP militar mesmo resulte em homicídio, pois é um crime estritamente militar (quando
alguém viola normas de disciplina e obediência).
Em Portugal são julgados por tribunais civis, Tribunal de relação e STJ. Mas a
composição do tribunal também inclui juízes militares.

DP da marinha mercante, DL 33252/43: ainda se aplica, apesar de algumas


alterações (foram sendo retirados vários artigos).

DP internacional: conjunto das normas jurídicas de DI que definem os crimes e


outros factos suscetíveis de reação criminal.
Até ao estatuto de Roma, o DPI era a “negação” do DP, assim, o DPI era um
direito costumeiro. Portanto são princípios gerais de direito e/ou direito
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Ana Paula Pinto
consuetudinário até que o estatuto de Roma consagra um conjunto de crimes que são
crimes contra a humanidade, de guerra, de agressão, isto é, consagra vários tipos legais
de crime relacionado com a sua natureza, vigorando o princípio Nullum crime sine lege.
Subsidiariedade material e complementaridade jurisdicional: TI é subsidiário em
relação aos direitos nacionais, art. 17.º/1 ETPI.
Ne bis in idem: impede que alguém seja julgado 2 vezes, art. 20.º ETPI
Humanidade: aplicação e interpretação das normas e normas que obrigam a um
tratamento humanitário
Legalidade criminal: ninguém é punido por facto ou pena não previsto, não
retroatividade, aplicação da lei mais favorável, …
Responsabilidade criminal individual
Imprescritibilidade

“DP europeu”: na verdade não temos DP europeu, mas sim um quase direito
penal e uma base do DP com base nas normas penais ditadas pelo Conselho de Europa
(constituído por 47 estados que tem uma Assembleia e um tribunal (TEDH)).
É uma base, pois a UE não pode criar normas penais, esta só pode produzir
regulamentos ou diretivas em matéria penal para crimes transfronteiriços. No caso das
diretivas é preciso transpô-las e no caso dos regulamentos estes incidem sobre matéria
civil, mas não matéria penal.
Atualmente muitas normas penais existem por causa da UE, pois são diretivas
aprovadas pela UE e que são transpostas para o direito interno.
Para além do modelo de cooperação judiciária e policial, assente no princípio do
reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e que inclui a aproximação
legislativa dos EM.

Plano processual: direito processual penal – realização do DP em sentido amplo


(relação mútua de complementaridade e recíproca conformação).
Hoje o direito processual penal tem uma autonomia teleológica, não é apenas
instrumento do DP, e de sentido, pois as finalidades dos processos são diferentes das do
DP. O processo penal tem como finalidade a descoberta da verdade, promoção e
respeito pelos DF, estabelecendo paz social, harmonizando as três.

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Ana Paula Pinto
Tendo finalidades diferentes não significa que não precisem um do outro, pois o
processual surgiu para aplicar o DP.
DPP tem um ratio própria, tem espaços próprios para soluções que não passam
pelo DP. Ex: suspensão provisória do processo (art. 281.º CPP) ou o processo
sumaríssimo (art. 392.º CPP) que permitem que o processo termine como uma solução
processual sem necessidade de aplicação de pena.
1º - transita em julgado;
2º - executar a pena – quando se executa entra em ação um outro ramo do
direito de execução de penas e medidas de segurança, prevista no Código de execução
de penas e medidas preventivas de liberdade – lei 115/2009 12 outubro – conjunto de
regras de como devem ser executadas as penas.

Plano executivo: normas de execução das penas e medidas de segurança previstas


tanto no CPP como Código de Execução das penas e medidas privativas de liberdade
(CEPMPL)
Preveem um regime de execução humanista, apostada na discriminação positiva
e na realização das finalidades das penas e medidas de segurança, melhorados e
orientadores na fase de execução à maior ressocialização, próprios de um EDD.

Plano orgânico: diversos órgãos que se encarregam da administração da justiça penal


(tribunais e respetivos titulares, MP, órgãos de política criminal) e a coadjuvar, os
advogados, os estabelecimentos de execução de penas e de medidas de segurança,
entre outros.

 Projetação na resolução de casos concretos com vista à realização integral da


justiça penal
O sistema global de justiça penal deve manifestar-se enquanto tal tanto na
realização do direito em abstrato como na sua realização em concreto, em ordem a uma
plena realização de justiça.
Se o juiz ao resolver o caso, olha como ciências estanques, não olhando a
criminologia ou política criminal, assume uma posição normativista e o resultado será
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Ana Paula Pinto
legalista. Não vai ter em conta outras dimensões cruciais para o caso, aplicando a lei sem
atender as questões aplicáveis ao seu contexto.
O sistema global de justiça permite com razoabilidade atingir a maior justiça do
caso graças. O direito penal ao criminalizar certa conduta tem efeito dissuasor, mas caso
a caso vamos encontrando soluções mais adequadas para cada caso.
Através do processo penal, vamos concretizar a lei penal (que vale para toda a
gente) tendo em conta o caso, o que evidencia o sistema global a funcionar na sua
plenitude, sem desrespeitar a lei, potencia-se no processo uma decisão mais justa
possível para cada um dos casos.
Assim, um caso pode terminar com um acoro sobre a sentença penal, apesar de
o tipo penal prever uma determinada sanção, porque a solução encontrada no processo
respeita os princípios e as soluções jurídico-penais.
Exemplo: Crime público da violência doméstica – nos crimes públicos vigora o
expoente máximo da legalidade e tipicidade, pois ninguém pode desistir. No entanto,
na realidade não apareciam as testemunhas, o réu remetia-se ao silencio, a vítima não
colaborava, pois havia “um acordo anterior”.
Agora há suspensão provisória do processo onde a vítima (quem pode iniciar)
acorda com o réu um período probatório de 2 anos, suspendendo o processo e no fim,
possível arquivação. Este acordo tem de ter a opinião positiva tanto do MP como do juiz.

 Alternativas ao sistema de justiça penal:


˃ Justiça privada
Justiça cumulativa ou corretiva: privada, própria do direito civil onde os
particulares obrigam-se a prestações e contraprestações que de algum modo são
equivalentes
Justiça distributiva: direito público que não seja penal que está orientado à
prossecução do escopo da recolha e (re)distribuição de meios
˃ Justiça restaurativa (abolicionista porque penal não se interessa pelo penal)
Baseia-se em experiências ancestrais e indígenas, isto e, a fonte são as soluções
tradicionais em que os povos sem recorrer a tribunal encontravam, normas costumeiras.

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Ana Paula Pinto
Não é preciso um código - utilizam o harm principle (coisa má é má então não é
preciso escrever isso num código para ser verdade); a sociedade sabe o que é danoso e
o que não é e sendo danoso é passível de ser resolvido segundo a justiça restaurativa.
Há correntes doutrinarias que aproveitam as experiências tradicionais e aplicam
isso aos conflitos penais. Defesa de um conceito purista e minimalista que ressalta o
processo de reconciliação.
Qual é a sua proposta?
͢ Não há categoria de crime tipificado na lei, a infração é um dano (social ou pessoal) –
violação do relacionamento. Assume relevo o interesse específico da vítima e do agressor
͢ Não existem finalidades preventivas, o único fim é resolver o problema concreto, tendo
como efeito sanar o dano
͢ Resolver o problema é entre o agressor e a vítima e não entre agressor e estado (resolução
privada entre pessoas envolvidas na situação concreta)
͢ Infração não ofende o bem jurídico, só provoca dano a uma pessoa
͢ Não há imputação de crime, mas uma responsabilização do dano
͢ Sanção é aquela que agressor e vítima acordar: Acordo – conceito abrangente e
maximalista
͢ Finalidade reparadora
Consequências:
Vítima passa a ser protagonista na resolução
»»»
sanção agrada a vítima
»»»
potencia a pessoalização do agente porque participa no acordo juntamento com a vítima
(encara a sanção como meio de ultrapassar o problema que próprio criou)
A justiça restaurativa não consegue ser alternativa, mas pode ser complementar
a justiça penal (por exemplo na execução da pena).

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Ana Paula Pinto
Críticas:
͢ Indefinição quanto ao dano
͢ Para uns casos vai sempre ser chamada a justiça penal, quando nem sequer são parecidas,
pois depende da vontade das pessoas o que cria situações desiguais
͢ Uma vítima que seja pobre e com escassez de meios aceita por acordo a indemnização, se
não quisesse o acordo ia para justiça penal e haveria uma possível condenação
͢ Desigualdade:
Há um pesos e duas medidas que dependem de fragilidades das pessoas
͢ Própria perceção das pessoas relativamente ao crime e ao dano (variável)

˃ Justiça americana/justiça penal negociada (sistema estadual): baseia-se no princípio da


oportunidade – concordância e celeridade
Baseia-se na negociação, plea bargain onde o MP tem legitimidade democrática
(eleito democraticamente).
A condenação do MP não precisa de juiz porque há negociação diretamente com
arguido. Assim, o arguido fica com a espada na cabeça, sem qualquer liberdade.
O estado está a negociar a pena, como se fosse uma mercadoria negociável, mas
que deveria ser aplicável consoante a lei.
O nosso sistema peca pela morosidade dos processos, o que leva a prescrições.
Contudo, com a inserção colaboração premiada (colaborar com a justiça para condenar
aquela pessoa ali e ajudar-me a mim próprio), também é utilizar a pena para negociar
uma pessoa o seguinte: “tu bufas e eu safo-te”
Há uma ausência da vitima e uma irrelevância da reparação.
Há perigos: utiliza-se a pena como mercadorias; utiliza-se o estado na mesma
posição do arguido e põe os cidadãos uns contra os outros.
A negociação deve ser possível, mas deve envolver estado, arguido e vítima e o
juiz tem de homologar essa negociação.

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Ana Paula Pinto
Direito Sancionatório Público: convivem com direito penal (princípio da

subsidiariedade do DP), mas não são iguais a ele; é a família do direito sancionatório
público (todo direito público que aplica sanções + conjunto de regimes jurídicos que o
Estado utiliza na tutela sancionatória)
▪ Direito das contraordenações
Chega a ter mais importância no dia a dia do que o DP, o que é bom dado o
carácter subsidiário do DP.
Inspirado no modelo alemão: “infrações à ordem”
Em Portugal, começou em 1979:
Direito das contravenções: infração de menor gravidade que os crimes, mas à
qual se aplica uma multa (era contraditório).
Então há que alterar: contraordenações onde reação não é criminal, mas
contraordenacional.
Em 1982 (1ª Revisão Constitucional): aprovação do CP e o Regime Geral Das
Contraordenações – Estado tem direito sancionatório para atacar infrações sem
natureza penal ou que não tenham necessidade de pena.

CONTRAORDENAÇÃO:
→ Critério formal: adotado pelo legislador – contraordenação todo o facto ilícito
e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima, art. 1.º RGCO
→ Critério material
 Qualitativo: axiologicamente neutras e não são éticos-socialmente relevante
Há contraordenações que têm dignidade penal, ou seja, tem ressonância
axiológica. Crimes têm censura ético-social expressa na pena enquanto a
contraordenação não tem isso.
 Quantitativo: é menos grave que crime
Mas há contraordenações com coimas tão pesadas que dizer que são menos
graves é quase ridículo.

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Ana Paula Pinto
ANEXO:

Crime Contraordenação
Bem Condutas ilícitas que lesam ou Condutas ilícitas que não lesam ou
jurídico põem em perigo bens jurídicos- põem em perigo bens jurídicos-
penais. penais, é só motivo do tipo.
Eduardo Correia: o ilícito Eduardo Correia: o ilícito
criminal tem ressonância ética ou contraordenacional é ético-
social socialmente neutro
Critério
Figueiredos Dias: Figueiredos Dias:
material
- A conduta é axiológica- - A conduta não é axiológica-
qualitativa Ressonância
socialmente relevante socialmente relevante
ético-social
- Valoração prévia mais ampla que - Substrato da valoração jurídica =
contém a valorização ilicitude conduta + proibição legal
- Bem jurídico = conteúdo do tipo - Bem jurídico = motivo do tipo
(prius) (posterius)
- Causa da proibição legal - Consequência da proibição legal
Critério quantitativo Infrações mais graves infrações menos graves
(quantum/grau de
gravidade do ilícito)
Índice conceitual formal Art. 1.º RGCO: “Constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e
censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima.”
Há alguns autores que defendem que nenhum destes critérios são suficientes.
= nenhuma destas posições pode ser adotada sem dificuldades
Mário Monte: que nos diz que a diferença entre crime e contraordenação pode
ser obtida através da interseção de vários critérios: os critérios + a política criminal.
A distinção na sua base é essencialmente qualitativa assente na relevância ético
social da conduta que fundamenta o ilícito, que depois vais é mitigada por elementos
quantitativos, os quais são impostos pelo princípio da subsidiariedade do direito penal
e justificados por um critério pragmático de desnecessidade penal/ de pena, fundado
em razões de política criminal.
Partimos de uma base qualitativa (para relevância ético social), conjugamos o
critério de natureza quantitativa e a própria política criminal poderá se muito útil para
fazer a distinção entre contraordenações e crimes.

Surgem várias hipóteses:


(1) condutas com relevância ética que comprometem bens jurídicos dignos e
necessitados de tutela penal (= ilícito penal);

32
Ana Paula Pinto
(2) condutas com relevância ética que atingem bens jurídicos com dignidade
penal, mas não necessitam de tutela penal (=contraordenação);
(3) condutas que isoladamente não chegam a ter relevância ética, mas que
consideradas pelo seu potencial dano cumulativo, põem em causa a convivência social;
(4) condutas com relevância ética que merecem e necessitam de pena, mas só a
partir de um certo grau de lesão ou de perigo para o bem jurídico, e assim já não serão
tratadas no direito penal, mas sim no direito das contraordenações;
(5) condutas sem relevância ética que violem normas que visam a ordenação
social.

Diferenças na sanção e no processo

Coima Pena de multa


Natureza pecuniária (não vai para o Natureza pecuniária, convertível
registo criminal) em pensa de prisão, art. 49.º CP
Art. 17.º RGCO Art. 47.º CP
PS: 3,74€ a 3740,98€ A pena de multa fixada em dias –
PC: 44891,81€ (máx.) min. 10 e máx. 360

Determinação e valores Determinação da medida – art. 18.º cada dia de multa corresponde a
máximos Faz se em função da gravidade da uma quantia entre 5 e 500 EUR,
contraordenação, da culpa, da situação que o tribunal fixa em função da
económica de hoje gente e do situação económica e financeira do
benefício económico que retirou da condenado e dos seus encargos
prática da contraordenação pessoais
Admonição, reprimenda, dissuasão, Art. 40.º CP: A aplicação de penas e
especial advertência relacionada com a de medidas de segurança visa a proteção
inobservância de certas proibições ou de bens jurídicos e a reintegração do
Finalidades agente na sociedade
imposições
Prevenção geral positiva e especial
Finalidades de prevenção geral e positiva
especial do tipo negativa
Sanções acessórias Art. 21.º RGCO Art. 65.º CP
entidades administrativas (AP) – Tribunais
Entidades competentes
mesma entidade de investiga, acusa e
no processo
condena (no entanto há impugnação judicial)
Competência legislativa Art. 165.º/1/d CRP Art. 165.º/1/c CRP

Consequência Não vai para o registo criminal Vai para o registo criminal

33
Ana Paula Pinto
Direito Penal Direito contraordenação
1. Auto de notícia de crime: enviado ao MP ou ir 1. Notícia de
diretamente ao MP (pois o MP é entidade que tem poder contraordenação: autoridades
de ação penal – legitimidade dada pela CRP, dominus da policiais podem tratar do
ação penal); assunto porque é entidade
2. MP verifica se tem fundamento criminal e administrativa, administração
relevância penal e se achar que sim avança com um interna
inquérito, que é investigação criminal, pedindo auxílio 2. Decisão torna-se
aos órgãos de polícia criminal; definitiva e só aí é que há
Estrutura 3. Acusação; possibilidade de impugnação
do - Fase facultativa de instrução presidida por um juiz de judicial: não há estrutura
processo instrução; acusatória
- Despacho que de pronuncia ou não pronuncia do juiz;
- Se houver pronúncia, há julgamento, caso contrário não - Exceto: casos de violação de
há; normas de DA em matéria de
- Em julgamento, juiz julga pela condenação ou urbanismo e de normas
absolvição do agente; tributárias (art. 1.º/l ETAF)
pode haver recurso ou não;
4. Sentença transita em julgado; a seguir, a única
outra possibilidade é recurso extraordinário.
A entidade que investiga e acusa não interfere na A mesma entidade
decisão do juiz que julga e vice-versa. administrativa investiga,
!!!! Fase intermedia (instrução): juiz não vai alterar acusa e decide.
Estrutura
o que MP fez, mas vai acolher aquilo que MP poderá ter Nada diz ao cidadão, este
acusatória
feito mal e alertar para essa situação, respeitando direitos aceita decisão, pagando a
do cidadão que acha que está a ser tratado injustamente. coima, regularizando a sua
situação (art. 54.º/2 RGCO).
Vantagem Mais garantístico Processo muito célebre

!!!! Crime (male in se – eticamente fundado) não precisa de normas proibitivas


ou impositivas de comportamentos, mas as contraordenações (male in proibita) não
vivem sem elas. É pela violação dessas normas que nasce responsabilidade
contraordenacional

▪ Ilícito administrativo stricto sensu: necessidade de uma autotutela da


função administrativa devido a “facto ilícito tipificado numa norma
jurídico-administrativa ao qual se aplique uma sanção”

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Ana Paula Pinto
▪ Direito disciplinar:
É em certa medida, um ramo de direito sancionatório público – é o conjunto de
normas jurídicas que se destina a estabelecer os comportamentos juridicamente
censuráveis no âmbito de uma relação laboral ou de serviço público, ligando-lhes
sanções disciplinares.
Este tem dupla dimensão: privada (empresas privadas e relações laborais não
públicas) e pública (funcionalismo público); sendo mais conhecimento pela dimensão
pública, que coloquialmente se designa por funcionalismo público (é esta a dimensão
presente no caso).
O fundamento desta responsabilidade disciplinar pública passa pela violação de
deveres funcionais previstos na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei 35/2014)
que prevê um conjunto preciso de deveres gerais e especiais de um trabalhador em
funções públicas. Prevê também um conjunto alargado de sanções (disciplinares) que
podem ir desde a repreensão escrita até algo mais severo como o despedimento
disciplinar ou demissão do funcionário.
Direito Penal Direito disciplinar (ilícito disciplinar não é ser
axiológico socialmente neutro)
Bens Jurídico Deveres funcionais
Condutas que violam ou põem em perigo bens Viola deveres gerais ou especiais inerentes à função
jurídicos com dignidade penal e carentes de que exerce, interesses internos da relação de serviço
tutela penal – só reflexamente é que vai tutelar bens jurídicos
(sem dignidade penal), há desnecessidade de
intervenção penal
Subjugado ao princípio da legalidade e da Subjugado ao princípio da legalidade: disciplina
tipicidade deveres funcionais, mas não tipifica os
comportamentos que violam tal dever
Multas Medidas/sanções disciplinares
Penas criminais têm essencialmente uma Medidas disciplinares não são preventivas, não têm
finalidade de prevenção geral e especial a finalidade de pretensão, esgotam a finalidade delas
positivas quando se repõe a confiança, integridade,
funcionalidade do SP
Crimes estão tipificados, previstos na lei Infrações disciplinares não estão todas tipificadas na
lei
Aplicação do direito disciplinar:
- Tutela de deveres funcionais e só reflexamente bens jurídicos não penais
- Desnecessidade de intervenção penal
- Tutela de interesses internos (relação de serviço)
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Ana Paula Pinto
!!!! O princípio ne bis in idem: não se pode julgar duas vezes a mesma pessoa
pelo mesmo facto. Aqui não há problema com este princípio porque um facto pode
consubstanciar que simultaneamente gera responsabilidade penal e disciplinar.

!!!! Responsabilização perante a ordem profissional


Por vezes refere-se a esta responsabilização como disciplinar, mas não é
responsabilidade ético-deontológica porque as ordens profissionais servem para regular
uma concreta profissão, estabelecendo as regras deontológicas e éticas a que uma
determinada profissão deve obedecer (até porque estamos a falar de profissões de
elevada responsabilidade e por isso devem-se reger por normas éticas bem definidas).
É uma responsabilização porque houve uma infração, um desrespeito de normas éticas
fundamentais ao funcionamento de concreta profissão.
!!!! Todas as responsabilidades referidas em primeiro lugar são cumuláveis, o
que significa que a equipa médica poderia responder perante todas estas
responsabilidades, o que significa que é uma exceção ao princípio net bis in adem –
29.º/5 CRP.

▪ Lei tutelar educativa (art. 9.º CP), L 166/99


As crianças são inimputáveis, mas não quer dizer que um menor entre os 12 anos
e 16 anos não pratique um facto ilícito, e ao praticar deve ser responsabilizado por essa
lei penal educativa. Apenas vai buscar ao DP os ilícitos típicos que um menor pode
praticar. Aplica-se medidas tutelares educativas que visam a educação do menor para o
direito, e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade, art. 2.º
LTE. Subordinam-se ao princípio da legalidade e vão desde a admoestação ao
internamento, art. 4.º LTE.
Esta tem como finalidade a ressocialização educativa do menor (sobretudo
educativa), pois parte da ideia de que todos os menores entre os 12 e 16 anos têm um
direito de serem educados para o direito (uma intervenção que os sensibiliza para o
direito). Só de forma reflexiva, de modo secundário, é que protege o bem jurídico.
O jovem pratica tais atos como reação ao meio socioeconómico em que nasceu,
ao ambiente em que foi educado e todos os fatores externos.

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Ana Paula Pinto
"Objetivo é retirar os menores da carreia do crime", satisfação de um direito e
não de uma censura.
▪ Lei de proteção de crianças e jovens em perigo (L 147/99) – aplicada a
menores de 12 anos
É uma lei não sancionatória que não possuiu nenhuma sanção, assume que as
crianças estão em perigo. Assim, é um direito tutelar na feição protetiva, uma lei
protetora para as crianças.
Há uma promoção de direitos de crianças em perigo, promovendo a sua
educação integral.
Art. 1.º: “promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em
perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral”

▪ Sanções processuais aplicadas aos sujeitos ou intervenientes processuais


no andamento do procedimento que violem deveres processuais ou
abusos de direitos processuais, visando uma ordenação processual.
Art. 38.º/5; 45.º/7; 107.º-A; 110.º e 116.º CPC
Ex: alguém que pratica um ato processual que já deveria ter sido praticado; ou que
falta injustificado a um procedimento do procedimento; que falta aos seus deveres perante o
tribunal

!!!!! ≠ Sanções Privadas de conformidade (compliance) e medidas de regulação


Medidas de regulação nas empresas e instituições onde as empresas assumem
que vão sancionar quem não cumprir determinada tarefa/objetivo, violação de direitos
funcionais.
São sanções direito privado de autorregulação (desencadeia responsabilidades
pessoais e coletivas que tornam mais transparente a atividade), portanto não são direito
sancionatórios público, apenas podem complementar sanção penal.
≠ Hetero-regulação por parte de entidades independentes com poderes executivos,
regulamentadores, fiscalizadores e sancionadores que visam complementar
preventivamente a atividade das empresas a ela submetidas.

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Ana Paula Pinto
História do DP
→ Direito Primitivo na Península Hispânica
Direito antigo germânico, em que existia vingança privada ou vingança de
sangue. Mais tarde, começou a introduzir-se a chamada composição pecuniária, ou seja,
substitui-se esta vingança corporal por uma indeminização.
O Código Visigótico tentou moderar as soluções da vingança privada. Surge,
assim, o instituto da faida, de base germânica, que permitia uma vingança instituída
perante o conselho, devidamente acompanhada por um conselho de bons homens.
Nesta altura, surgiu, ainda, a coima que era uma sanção, pagamento, destinada ao poder
público em jeito de sanção e outra parte destinada ao ofendido ou sua família (função
ressarcitória).
Assim, as normas penais caracterizam-se por entregar nas mãos dos cidadãos a
resolução dos conflitos criminais e com a utilização de penas desumanas e degradantes
amenizadas pela possibilidade de aplicação pecuniária e só supletivamente com a
intervenção do Poder instituído.

→ Ordenações e o fortalecimento do poder punitivo do Soberano


As Ordenações Afonsinas constituíram o primeiro esforço no sentido de
sistematizar o direito nacional e surgiu a preocupação em fortalecer o poder central e
chamar a si o poder punitivo com o objetivo de reduzir a aplicação de uma resolução
privada dos conflitos. Contudo, apenas com Afonso IV é que se conseguiu a obrigação
dos problemas criminais terem de ser analisados por um Tribunal.
As normas dispersas foram compiladas, reformadas e completadas em várias
ordenações, no livro V: era relativo à matéria penal (Código criminal – liber terribilis).
Assim, visaram chamar ao Poder instituído a administração da justiça penal e
codificar num livro o direito penal e processual penal. Contudo, ainda era incompleto
por não haver uma parte geral. Por outro lado, as penas não estavam sempre
devidamente determinadas, pelo que cabia ao aplicador a sua concretização (continuou-
se com a pena de morte e penas corporais, cruéis, desumanas e desiguais).
Duraram até ao CP de 1852 e eram caracterizadas por um corte epistemológico
entre o direito e a moral e entre o direito e a religião.

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Ana Paula Pinto
→ A influência iluminista e a codificação penal moderna
Com o iluminismo, procedeu-se à reforma humanista do direito penal e a obra
de Beccaria, com fundamento no princípio da legalidade dos crimes e das penas,
corresponde à necessidade e utilidade de uma reforma do sistema penal com vista a
introduzir uma pena de prisão contra as penas corporais, desumanas e cruéis.
A Revolução Francesa (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão) veio a
contribuir para um certo rigor das penas de retribuição e intimidação.
Só em 1852 é que se procedeu à criação do primeiro Código Penal Português –
inspirado no Código napoleónico de 1810. Continha uma parte geral e uma parte
especial e consagrava o princípio da legalidade criminal, apesar de ainda prever e
permitir a pena de morte com um regime de penas fixas com finalidade a defesa da
prevenção geral de intimidação sujeita ao princípio da proporcionalidade.
1861: surgiu uma proposta de CP que abolia a pena de morte, com o objetivo de
recuperar e corrigir os delinquentes. Contudo, não teve sucesso, mas influenciou a
vigência da lei de 1 de julho de 1867 que abolia a pena de morte e algumas penas
desumanas e degradantes.
1884: reforma do CP, que veio a culminar na aprovação do código penal de 1886
e vigorou até ao CP de 1882 e este código de 1886 visava a retribuição suprema da pena.
A reforma prisional de 1936 veio a fazer uma alteração quanto às finalidades das penas,
pelo que intensificou o interesse na ressocialização.
Reforma de 1954: incorporou as normas relativas à parte geral – introduziu-se o
princípio da individualização das sanções. Reforma de 1972, procedeu à integração de
um conjunto de matérias que estavam reguladas em legislação extravagante.
1974 e 1978: algumas alterações em questões mais urgentes, exigências do
Estado de Direito democrático (que estava em nascimento).

→ Direito Penal Contemporâneo, Revolução de Abril


1982: CP foi aprovado e foi influenciado pela constituição: CP democrático e
humanista; a congruência entre a ordem constitucional e a ordem legal dos bens
jurídicos; a culpa passou a ser o pressuposto e o limite da pena; procedeu-se à

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Ana Paula Pinto
humanidade das penas e medidas de segurança (aboliu-se a pena de morte); e proibiu
o monismo do sistema penal.
1995: nova reforma do CP que procedeu a várias alterações, tendo sempre o
mesmo objetivo: a humanidade, estadualidade, legalidade, tutela dos bens jurídicos e
dinos de tutela penal, culpa e perigosidade como pressupostos e limites da pena e da
medida de segurança, prevenção geral e especial como finalidades da pena e reparação
dos danos – qualquer tipo de atendado contra o Estado de Direito Democrático põem
em causa a dignidade da pessoa humana, bem como os seus restantes direitos.

Fontes de Direito Penal


→ Direito positivo
CRP: fonte obrigatória do DP, ou seja, há um conjunto de normas constitucionais
que se referem ao DP, para além da vinculação deste com o princípio de tutela dos bens
jurídicos constitucionais. Várias são as normas que se referem diretamente ao DP,
constituindo um direito positivo infraconstitucional que visam limitar, de forma
negativa, a interpretação e aplicação das normas penais: art. 1.º, 2.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º,
19.º, 21.º - 38.º, 46.º, 117.º, 130.º, 134.º, 157.º, 161.º, 165.º, 195.º, 271.º.

CP: base sistematizada do DP português, pelo que é neste que se encontra


previsto a maior parte das normas jurídico-penais e, ainda, por conter uma parte geral
e especial. Sendo a primeira importante por servir de base à legislação extravagante.

Leis extravagantes: muitas e têm uma relação com o DP material.

Leis especiais: DP militar (Código de Justiça Militar) e o DP da marinha marcante


(Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante).

Leis supranacionais: normas de direito internacional e regional que vinculam


Portugal.
Estas normas foram aprovadas pelo direito interno e têm eficácia supranacional,
ou seja, podem ser aplicadas em outros Estados.
No plano internacional, destaca-se a Declaração Universal dos Direitos do
Homem e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal internacional. No plano regional, no
âmbito do Conselho da Europa e da União Europeia, destaca-se a Convenção para a

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Ana Paula Pinto
Proteção dos direitos do Homem e das Liberdades fundamentais; decisão europeia de
investigação em matéria penal; e a Convenção Penal sobre a Corrupção, do Conselho da
Europa.

→ Jurisprudência: não é uma fonte formal do direito penal (não é exatamente


obrigatória), tem um papel muito importante na concretização e aplicação do direito
penal.
Art. 445.º CPP: as decisões têm eficácia interna quando resolvem os conflitos,
mas a lei nº 59/98 determina que a jurisprudência não é obrigatória para os tribunais
judiciais, ou seja, internamente é obrigatório, mas externamente não é.
Assim, não é fonte formal de DP e a vinculação que existe é negativa, uma vez
que sempre que haja divergência, deve existir uma fundamentação para tal.

→ Doutrina: não é fonte formal, mas continua a ter uma grande relevância na formação
e aplicação do direito penal
O DP tem de ser eficaz, mas deve ter alguma cautela com o seu bom e rápido
funcionamento, porque podem surgir alguns custos que poderão ser contrários ao que
se deve fazer num estado de direito democrático.
Portanto, recorre-se à doutrina quando os processos de criação legal não
resistirem às demandas do urgente – isto porque a doutrina oferece contributos de
relevante peso para a sua aplicação e, por isso, é uma fonte valiosa de apoio do
legislador.

→ Direito Costumeiro Internacional: não é uma fonte formal, em virtude do princípio


da legalidade criminal (art. 29.º CRP e art. 1.º CP), com a salvaguarda do art. 29.º/2.
No entanto, já foram vários os casos em que se recorreu ao costume, isto é, ao
conjunto de valores universalmente aceites e não a uma lei escrita prevista.
Ex: julgamentos ad hoc em matéria penal de crimes internacionais, em que se
considerou determinados factos como crimes com base nestes valores universalmente
aceites. Estas situações não constituem a regra, mas antes exceções atendendo ao
princípio de justiça.

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Ana Paula Pinto
Tal significa que, no plano internacional, quando estejamos perante situações
que não são integráveis no âmbito do ETPI com relevância para o direito português,
poder-se-á recorrer ao costume (verdadeiro direito penal costumeiro) de acordo com
os limites do DP interno.

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Ana Paula Pinto
Princípios gerais de DP
Princípio da dignidade da pessoa humana, art. 1.º CRP
Não pode haver proibições ou imposições que atendem contra a dignidade da
pessoa humana, promovendo o princípio da humanização das sanções, pelo que não
pode haver sanções desumanas, cruéis e arbitrárias.
Todas as soluções, por mais eficazes, atendem com os valores axiológicos e, por
isso, são contra a dignidade da pessoa humana, não podem ser admissíveis, princípio da
humanização das penas.
A verdade é que as penas também constituem um sacrifício, mas têm como
finalidade a proteção dos bens jurídicos e a ressocialização do agente – têm sempre de
seguir a dignidade da pessoa humana, isto é, têm sempre de ser necessárias e
adequadas.

Princípio da estadualidade/estatalidade:
O Estado tem o poder de punir, o que significa que não há resoluções privadas
de conflitos, sem prejuízo de haver espaço de consenso e acordo concedidos legalmente
pelo estado (por exemplo, a lei de Mediação Penal de Adultos), que terão a supervisão
do Estado – tal significa que há uma grande intervenção do Estado, mas essa atividade
é controlada através da aplicação de normas que limitam qualquer tipo de
arbitrariedade.
Em processo penal, este princípio designa-se por “monopólio estadual de
jurisdição penal” que, por sua vez, determina que cabe aos tribunais cuidar dos
processos penais.
Este princípio tem um corolário o princípio da territorialidade (art. 4.º CP) que
determina que os conflitos penais que sucedam em território português devem ser
tratados pelos tribunais portugueses, de acordo com a lei penal portuguesa – isto
estende-se aos factos praticados a bordo de aeronaves e navios portugueses.
Temos, ainda, de atender ao princípio da complementaridade, no sentido em
que o TPI apenas irá tratar destas questões, quando os tribunais nacionais não
conseguirem tratar dos casos concretos, ou seja, tem um caráter subsidiário.

Princípio da autonomia:

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Ana Paula Pinto
DP apenas vem a intervir quando exista um ilícito penal que tenha sido criado
autonomamente, em função da necessidade de proteção dos bens jurídicos no DP.
Contudo, o DP pode, ainda, tutelar interesses que coincidem com outras normas de
conduta, como a moral. Só tutela bens jurídicos dignos e necessitados de tutela penal.
Não é preciso uma norma “é proibido matar”, basta dizer “quem mata será
preso”. A norma gera automaticamente a ilicitude.

Princípio da subsidiariedade: DP é ultima ratio


DP tem a função subsidiária de proteção de bens jurídicos dignos (critério
axiológico) e carentes de tutela penal (critério pragmático) e, mesmo atendendo a estes
dois critérios de dignidade e necessidade de pena, e necessário verificar se essa
intervenção é eficaz.
Será eficaz quando a aplicação da sanção jurídica comportar mais benefícios
axiológicos do que custos e, pelo contrário, quando não o é, não se procede com a sua
intervenção. Portanto, o DP atua sob a imposição do princípio da intervenção penal
mínima, só atua quando os outros ramos de direito não forem suficientes, dado que são
sempre restrições a DF.

Princípio da tutela penal dos bens constitucionais:


Os bens jurídicos previstos na CRP devem ser tutelados pelo DP e, quando a CRP
refere expressamente, o DP deve intervir, deve o legislador infraconstitucional cumprir
todas as imposições previstas. Contudo, mesmo na ausência destas imposições, o
legislador, apesar de não estar obrigado, deve sempre tutelar esses bens jurídicos
plasmados no texto constitucional.

Princípio da culpa e da perigosidade:


Sem culpa ou sem perigosidade, ninguém pode ser punido – isto porque a culpa
e o estado de perigosidade são sempre os pressupostos e os limites da pena ou da
medida de segurança. O mesmo é dizer que não pode haver uma pena mais grave do
que a gravidade da culpa; e não pode haver uma medida de segurança mais grave do
que a perigosidade do facto.

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Ana Paula Pinto
Especial atenção para o facto de que a culpa e o estado de perigosidade não são
fundamento nem da pena, nem das medidas de segurança – o fundamento passa pela
liberdade, livre realização da pessoa, convivência comunitária, etc.

Princípio da responsabilidade individual e da intransmissibilidade pessoal:


A responsabilidade penal é sempre individual, mesmo nos casos em que um
determinado facto criminoso foi praticado por mais do que uma pessoa, para que se
cumpra as finalidades das penas.
Assim, a responsabilidade penal é intransmissível, bem como as penas e, mesmo
no caso de pessoas coletivas, a responsabilidade é sempre individual e intransmissível,
sob pena de inconstitucionalidade.

Princípio da proibição do excesso:


Princípio constitucional e intimamente ligado ao princípio da proporcionalidade
das sanções criminais, ou seja, a pena terá de ser adequada, necessária e proporcional
à gravidade do facto.
A um facto mais grave deve ser aplicada uma sanção mais grave, mas nunca deve
ultrapassar os limites axiológicos que o sistema penal prevê – culpa e o estado de
perigosidade.

Princípio da ressocialização: a função do DP é a ressocialização do agente e a correção


típica das sanções. A própria execução da pena de risão evidencia a ressocialização não
passa de uma pretensão.

Princípio da reparação do dano:


DP deve proteger os bens jurídicos, com a finalidade de restabelecer a paz
jurídica e da paz social e isto é possível através da reparação do dano propriamente dito
e o dano civil emergente do crime.

Princípio “ne bis idem”, art. 29.º/5 CRP:


O mesmo crime não pode ser julgado por mais de duas vezes, sendo que o facto
pode ser gerador de responsabilidades diversas, ou seja, pode haver pelo mesmo facto,
responsabilidade penal, disciplinar e civil.

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Ana Paula Pinto
Princípio da legalidade: não pode haver uma condenação criminal sobre um facto que
não esteja previamente previsto na lei.

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Ana Paula Pinto
Teoria da Lei Penal
Princípio da legalidade criminal: art. 7.º CEDH, art. 11.º/2 DUDH, art. 29.º/1 e
165.º/1/c CRP e art. 1.º CP
Ninguém pode ser púnico por um facto que não esteja previsto na lei, quando é
praticado. → Nullum crimen sine lege + nulla poena sine lege
 Previsão legal de crime ou estado de perigosidade:
 Previsão legal de pena ou medida de segurança
O princípio da legalidade tem fundamentos externos (conceção do Estado:
Estado de Direito Democrático) e internos (princípios de culpa e de prevenção) e é o
legislador que pode criar leis penais em nome da comunidade, sendo os tribunais os
aplicadores da mesma – neste sentido, o princípio da legalidade contribui para a
realização do Estado de Direito Democrático.
O legislador recorre às chamadas normas penais em branco que preveem uma
determinada sanção, mas remetem a sua previsão para outra norma (norma
extrapenal). Estas desafiam O princípio, porque não têm uma previsão de facto que
preceda a sanção – esta previsão encontra-se numa outra norma.

O princípio democrático tem uma tripla função:


͢ Legitimadora: princípio de legalidade de intervenção penal, ou seja, essa intervenção vai ser
ilegítima sempre que não haja uma lei que preveja o facto como crime e, pelo contrário, vai
ser legítima quando o facto praticado seja passível de uma pena, que devem estar previstos
numa lei anterior.
͢ Garantística: visa a exclusão de incriminações pessoais e casuísticas de tipo judicial, ou seja,
um facto não pode ser considerado crime por uma vontade particular de um juiz e, do mesmo
modo, não pode uma sanção ser determinada fora dos limites legais impostos. A pena e a
medida de segurança têm de estar previstas numa lei anterior, ou seja, o cidadão tem o
direito de saber o que é e o que não é crime, não podendo ser surpreendido.
͢ Impositiva: existe um processo que visa o apuramento da responsabilidade penal perante a
prática de um facto e, se se verificar, é aplicada uma sanção que esteja prevista na lei. Tal
significa que este princípio da legalidade visa evitar a privatização do conflito penal.

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Ana Paula Pinto
Contudo, o princípio da legalidade tem sofrido uma erosão devido à expansão
incriminadora jurídico-penal, pelo que se tem procedido à tipificação de condutas que
não seriam censuradas, ou se fossem, seriam por outros meios que não o direito penal.
Tal expansão obriga a uma certa tolerância do poder judicial ou à necessidade de se
encontrar alternativas para a resolução do conflito.
Trata-se, assim, de dois planos:
(1) um da prescrição normativa do crime que é indispensável, mas não como um fim em
si mesmo;
(2) um da resolução concreta do conflito, proporcionado pelo processo penal e
concretizador do primeiro, dentro dos limites da lei e da CRP – ambos visam a realização
da justiça.

A lei penal deve ser:


1. Prévia: deve ser anterior ao facto, mas deve vigorar apenas para o futuro, ou seja, abrange
apenas os factos que foram praticados após a sua vigência. Contudo, excecionalmente, a lei
penal pode aplicar-se retroativamente, quando seja mais favorável ao arguido.
2. Escrita: estar positivada, pelo que não se admite uma formulação deduzida de uma ordem
de valores transcendental, porque os valores isoladamente considerados são meros “ens in
alio”, pelo que necessitam sempre de ser consubstanciados num determinado tempo e lugar.
3. Clara: delimitação do alcance e do sentido, o que significa que não se pode recorrer à analogia
para fixar o sentido e o alcance da lei penal.
4. Certa: a lei penal não pode ser ambígua nem conter generalidades ou abstrações para a sua
efetiva concretização. Assim, o legislador não pode utilizar estes conceitos gerais e abstratos
para concretizar a lei penal, mas também existem casos em que não é possível evitar
conceitos indeterminados ou clausulas gerais.
Por isso, Figueiredo Dias determina que os conceitos indeterminados são dispensáveis, mas
pode suceder casos em que o legislador pode fixar o sentido e o alcance da lei penal através de
um conceito geral.
5. Parlamentar: lei penal só pode ser criada pela AR, nos termos do art. 165.º/3/c CRP, pelo que
o governo só pode legislar sobre matéria penal quando esteja devidamente autorizado para
o efeito.

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Ana Paula Pinto
Implicações normativas: legalidade e tipicidade
Art.1.º/1 CP: princípio da tipicidade que determina que o facto tem de estar
descrito na lei e esta é exigência é válida para os factos passíveis de pena, cujo
pressuposto e limite é a culpa e, ainda, de medidas de segurança, cujo fundamento é a
perigosidade.
Art. 2.º/1: refere-se aos factos suscetíveis de uma medida de segurança, cujo
fundamento é o estado de perigosidade. Os estados de perigosidade estão previstos no
art. 20.º e 91.º ss CP – apenas serão sancionáveis com medidas de segurança, os factos
que estejam previstos na lei.
Nos casos de factos praticados por inimputáveis portadores de anomalia
psíquica, exige-se o cumprimento do princípio da tipicidade, pelo que, é necessário que
o agente tenha realizado um facto ilícito típico.

Proibição da analogia incriminadora


Art. 1.º/3 CP: proíbe a analogia incriminadora, ou seja, não se pode qualificar um
facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar uma sanção com
recurso à analogia. Trata-se, assim, de uma norma garantística que decorre do princípio
da legalidade criminal.
Contudo, não se proíbe a chamada analogia em benefício do agente, quando a
mesma for necessária, ou seja, pode se recorrer a esta figura quando se justifique e
quando seja favorável ao agente que praticou o facto.

Surge a questão de saber se a interpretação extensiva incriminadora poderia ser


admissível. Muitos autores ainda a repudiam. No entanto, há quem admita,
nomeadamente, a interpretação atualista da incriminação e da causa de justificação em
detrimento do arguido. Para Figueiredo Dias, é possível distinguir analogia de
interpretação e a interpretação jurídico-penalmente permitida seria admissível.
Contudo, a interpretação extensiva que comporta um alargamento do âmbito de
punibilidade, viola o princípio da legalidade, pois não se estaria a punir um facto descrito
na lei como tal, mas antes um facto que, por extensão dos termos da lei, seria como tal
punido.

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Ana Paula Pinto
No caso da restrição in malam partem se coloca este problema, quando daqui
possa resultar um prejuízo para o agente – este tipo de interpretação abre a
possibilidade de aumentar o âmbito de incriminação e, por isso, acaba por ser extensiva
da incriminação.
Há espaço para uma interpretação atualista, tendo em conta a dinâmica da
realidade, desde que o alargamento da punibilidade não seja mais do que a atualização
e concretização do sentido literal da lei.
Em direito penal não há lacunas quanto à incriminação, o que significa que se o
legislador nada disser, é porque não quis incriminar. Outra coisa é se o legislador usou
palavras que carecem de interpretação e, nestes casos, a interpretação extensiva será
admissível.
Portanto, quando num processo interpretativo ou integrativo, resultar a
incriminação do agente, será desfavorável ao mesmo, o que significa que a analogia será
sempre desfavorável ao mesmo quando resultar essa incriminação. Assim, não se pode
atribuir à analogia a categoria de beneficente, mesmo quando a incriminação possa ser
menos grave.

Exceções ao princípio da legalidade criminal: o direito penal internacional


O direito internacional consagra exceções ao princípio da legalidade, nos termos
do art. 8.º/1 CRP, tendo em conta a tipologia de crimes em causa. A partir da vigência
do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, o princípio da legalidade é assumido para
os crimes internacionais pelo ETPI.

Assim, o art. 22.º ETPI consagra três determinações:


(1) princípio da legalidade;
(2) interpretação favorável ao arguido;
(3) salvaguarda do direito internacional que, por sua vez, tem como função evitar a
impunidade de condutas que, mesmo não estando previstas no ETPI, devem ser punidas
à luz do direito penal internacional.

Âmbito de validade do DP:


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Ana Paula Pinto
Aplicação da lei penal no tempo
Princípio de legalidade:
Em todas as suas vertentes tem uma série de consequências, que vão desde logo
tendo em conta a lei que contem todo o regulamento das leis penais; também tem
consequências quanto as características penais:
͢ Lei que contem o regime das questões penais tem de ser uma lei formal
͢ Proibição da analogia incriminadora, analogia in malen parten (art. 1.º/3 CP)
͢ Caraterísticas da lei formal
Deste princípio decorre uma exigência/ ideia de que não há crime nem pena que
não resulte de uma lei prévia, escrita, estrita, certa e parlamentar.
˃ Todas as condutas consideradas crime tem de estar previstas na lei como crime anterior à
prática do ato.
Nullun crime sine lege, nulla pena sine lege
˃ A lei tem de estar positivada (escrita) no CP, mas também em legislação avulsa,
extravagante, que cada vez mais é mais relevante e numerosa.
˃ Lei é sempre anterior à prática dos factos, tem de existir já no ordenamento jurídico
˃ Estrita: tem de ter o seu sentido e alcance bem determinados
˃ Certa: não contendo conceitos indeterminados, sem abstrações, generalidades, …
˃ Deverá ser também parlamentar, no sentido que em primeira mão deverá ser a AR a
legislar em matéria penal, mas o governo também o poderá fazer através de uma lei de
autorização da AR.
Aplicação: princípio da vigência para o futuro
Regra: A lei penal vigora para o futuro, ou seja, as sanções só serão aplicadas a
factos praticados após a sua entrada em vigor – decorre do princípio da legalidade, que
está expressamente previsto no CP (art. 1.º/1 + 2.º/1), CRP (art. 29.º/1 e 3) e diplomas
internacionais e europeus (art. 7.º CEDH e art. 11.º/2 DUDH).
Exceção, art. 2.º/4 CP e 29.º/4 CRP: possibilidade de se aplicar retroativamente
uma lei penal posterior à prática do facto, que contenha um regime mais favorável para
o agente, ou seja, é admitida a retroatividade in bonan parten (lex mellior – lei melhor,
mais favorável).

51
Ana Paula Pinto
Não é admitida/ é proibida a retroatividade in malem partem, a irretroatividade
de leis penais posteriores ao facto que contenham uma solução/regime menos favorável
ao agente.

Limite da exceção, art. 2.º/3: existência leis penais temporárias – princípio da


ultra atividade da lei penal temporária
Leis editadas pelo legislador penal para vigorarem durante um determinado
período, ou seja, são leis que têm um prazo de vigência (são pensadas para um
determinado período, isto é, situações fáticas que exigem uma solução diferente).

!!!! O princípio e a exceção são naturalmente válidos para a lei e no domínio da


jurisprudência, mas isso deve suceder com o “respeito pelo círculo máximo de significações que
imputem ao texto da lei e não se furtando a um particular” – ónus de contra-argumentação. No
domínio da jurisprudência, se um novo entendimento vier determinar um regime mais favorável
ao arguido, é este que se deve aplicar, podendo evitar situações anteriormente julgadas. Devido
ao princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, essa opção tem de respeitar o
texto da lei.

Critério unilateral de conduta e não do momento de produção de resultado:


“no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem”
Art. 2.º/1 CP: aplicação de uma pena depende do preenchimento dos
pressupostos de punição que têm de estar fixados na lei penal. Para a aplicação da lei
penal é necessário determinar o momento da realização do facto e o momento da
verificação desses pressupostos, “ou do preenchimento dos pressupostos de que
dependam” (+ relacionada com a questão das medidas de segurança que dependem de
saber se no momento da prática do facto, a pessoa era portadora de anomalia psíquica
– reunidas as condições, art. 91.º, e de se aferir se, no momento da decisão, a situação
do agente naquele momento ainda requer que o mesmo venha a ser privado de
liberdade, mediante uma medida de internamento.
→ Por vezes há uma dilação temporal entre o momento da conduta e o
momento de produção do resultado, e, por isso foi preciso estabelecer um critério claro
para determinar do momento da prática do facto. É no momento do comportamento

52
Ana Paula Pinto
que se faz sentir a função garantística e impositiva do princípio da legalidade, conferindo
maior certeza e segurança jurídica.

→ É no momento da conduta que o agente manifesta a sua vontade de violar a


lei e de atentar contra um bem jurídico, e, portanto, a punição deve ser determinada
tendo em conta esse momento, em que o agente decide violar a lei e expressa essa sua
vontade através da ação.

Descriminalização de um crime, art. 2.º/2: o crime deixa de ser crime, isto é, o


Estado renuncia à criminalização
O legislador considera que aquela conduta que outrora era crime deixa de ter
dignidade penal ou/e deixa de carecer de pena, deixando ser jurídico penalmente
relevante, não sendo protegido penalmente, ou seja, a lei deixa de considerar o facto
como ilícito típico.
As entidades judiciárias têm de agir em conformidade com esta lei, efeitos automáticos:
- Se ainda não houve condenação: a entidade deve arquivar o processo e a
condenação deixa de fazer sentido
- Já estiver em fase de julgamento: vai declarara a instância extinta
- Se já tiver havido condenação: cessa o processo de condenação e os seus
efeitos penais (art. 2.º/2)

Processos de despenalização, art. 2.º/4 CP: situações em que, embora


continuando a ser crime, passa a ser punido de uma forma mais favorável ao arguido,
ou seja, há uma redução/alteração de penas ou substituição das mesmas num sentido
mais favorável.
 Prevê-se que se aplique a lei penal mais favorável.
- Se houve condenação transitada em julgado: cessa-se a execução e os efeitos
penais e pode haver lugar à cessação total, se a parte de a pena cumprida atingir o limite
máximo da pena prevista na nova lei. Se contiver um limite superior, o legislador
entendeu que não deveria haver cessação da execução e dos efeitos abaixo desse limite.

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Ana Paula Pinto
O limite do caso julgado material deve ser mantido em todas as suas dimensões
que nada tenham a ver com a aplicação do novo regime e, por isso, recorre-se ao art.
371.º-A ao limitar a reabertura a duas condições
(1) entrar em vigor a lei penal mais favorável;
(2) para que lhe seja aplicado o novo regime (por este novo regime entende-se
o que resulta da lei penal mais favorável nos termos do art.º 4 nº 2 CP).
Assim, a lei nova será aplicada a um condenado, a alguém cuja culpa está
formada e declarada.

Quando a conduta deixa de ser crime e passa a ser contraordenação:


→ O facto deixa de ter relevância jurídica quer como crime ou contraordenação,
ou seja, não podemos aplicar uma pena porque já não é crime, mas também não
podemos aplicar uma coima, porque quando o facto foi praticado não era uma
contraordenação, e se o aplicássemos teríamos a violar o princípio da legalidade.
Assim, a única solução passaria pelo legislador criar uma norma transitória, ou
seja, uma norma que dissesse que aquela norma deve ser tratada como
contraordenação, teria de criar uma norma concreta, e expressamente prevista que diga
que o facto deve ser tratado como contraordenação, se o legislador não cria essa norma
transitória ficamos com um vazio punitivo/legal, o qual leva à impunidade do agente
(não é sancionado nem pelo crime nem por contraordenação)
→ Figueiredo Dias: entende que a primeira posição é inconcebível porque
passaria a existir um vazio punitivo. Assim, segundo ele o facto que deixou de ser punido
a título de crime e passou a ser punido no âmbito do DCO deveria ser sancionado como
contraordenação, desde logo, porque no momento de ação o agente não tinha razões
que o levassem a acreditar que ele iria ficar impune, o facto sempre foi uma infração.
Para além disso é chamado à coação a possibilidade de se aplicar a lei penal
mais favorável, se fosse punido com contraordenação iria beneficiar por um regime mais
favorável. Desta forma acabaremos por evitar o vazio punitivo como também dar uma
solução mais favorável para o agente, devido também pela força da unidade sistemática
e, complementaridade intrassistemática, o direito penal e direito contraordenacional se

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Ana Paula Pinto
complementam e, nesse sentido, o facto continua a merecer sanção (não com uma
pena), só podendo ser aplicada uma sanção contraordenacional.
Leis temporárias, art. 2.º/3 CP
As leis penais temporárias irão aplicar-se aos factos praticados durante a sua
vigência, mesmo que depois ao terminar este período surja uma nova lei comum mais
favorável. Normalmente são leis mais severas.
A sua vigência pode ser em termos de calendário, em função do início e cessação
de um determinado evento, …
As leis temporárias são leis que elaboram, perante uma situação de
anormalidade social (realidade fáctica e motivacional específica), que obrigam o
legislador a adotar normas penais durante esse período. Pretende-se que as pessoas
tenham mais cuidado e não cometam os crimes previstos nas mesmas, pelo que, assim
sendo, não faria sentido que aos factos cometidos durante a vigência de uma lei
temporária, fosse aplicada uma norma não temporária (seguramente mais favorável).
Quando é praticado ao abrigo de uma lei temporária, será esta que vai aplicar ao
facto independentemente do regime anterior ou posterior ser mais favorável. Esta não
comunica com os bens comuns.
Hipótese 1
L1 (lei comum): pp 2 anos
Facto
L2 (lei temporal): pp 1 ano
L3 (lei comum): pp 3 anos
 Lei penal mais favorável será a L2, mas esta não poderá ser porque a lei
temporal com vigência e não comunica com a lei comum. A L3 também não se aplica
porque não é mais favorável e a proibição da retroatividade in malem partem.
Hipótese 2
L1 (lei comum): pp 2 anos
Facto
L2 (lei temporal): pp 3 ano
L3 (lei comum): pp 1 anos
 Lei penal mais favorável será a L3, art. 2.º/4 CP e 29.º/4 CRP. Sendo que a L2
não poderá ser publicada por ser lei temporal e desfavorável.

Hipótese 3

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Ana Paula Pinto
L1 (lei temporal): pp 2 anos
Facto
L2 (lei comum): pp 1 ano
 Aplica-se a L1 por ser uma lei temporal e não comunicar com a lei comum –
princípio da ultra-atividade, a lei tem como continuar a ser aplicada mesmo que a
entrada de uma lei penal com mais favorável, senão desvirtua-se a lei temporal.

Sucessão de leis penais temporárias:


˃ Leis temporais da mesma espécie que se fundem na mesma faculdade, ou seja, elas
comunicam entre si na mesma base fática e motivacional. Se numa sessão de leis
temporais elas tiverem a mesma base elas comunicam entre si pois persiste um elemento
constante do tipo incriminador, a mesma situação de excecionalidade.
Assim, aplica-se a lei mais favorável, podendo ser retroativo ao facto de praticar
durante a vigência da lei temporária anterior, pois há apenas uma alteração da conceção
política-criminal do legislador, mantendo-se a base motivacional.
É verdadeira sucessão de leis temporais sem interrupções, art. 2.º/4 CP.
˃ Leis penais temporais que não têm a mesma base fática e motivacional, não se mantêm
circunstâncias que deram a origem a primeira lei. Há alteração da motivação do legislador,
ou seja, altera-se a base fáctica-motivacional.
Nestes casos, aplica-se o art. 2.º/3 – princípio da utltra-atividade das leis penais
temporais.

Sucessão de leis de emergência, art. 2.º/3: Fernanda Palma


"Em situações de sucessão de leis de emergência, a aplicação retroativa da lei
penal mais favorável deve impor-se sempre que persista como elemento constante do
tipo incriminador a mesma situação de excecionalidade" (ou seja, aplicamos o art. 2.º/4
CP). Têm um prazo de vigência e implicam que o DP deve atuar, nesses períodos, de
modo especial (em geral, mais severo).
"Fora desses casos, porém, a sucessão de leis de emergência cabe na previsão
do art. 2.º/3CP"

Problema da alteração dos pressupostos de que depende a ilicitude de um


facto, sem a sua eliminação do número de infrações
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Ana Paula Pinto
Se uma a nova lei alterar os pressupostos da ilicitude e, com a sua aplicação em
concreto, resultar a isenção de responsabilidade penal, ainda que o facto continue a ser
crime, não se deve punir o agente. Ou acrescenta pressupostos que condiciona a
aplicação da lei nos casos concretos.
Em sentido impróprio: a qualidade agrava a conduta
Em sentido próprio: só é cometido crime pelas pessoas com aquela qualidade
Por exemplo, relativamente ao crime de peculato, a agravação prevista no art.
375.º CP depende da qualidade do funcionário, tal como está prevista no art. 386.º CP,
ou seja, como este crime é específico, a agravação depende da qualidade do funcionário.
Assim sendo, se alguém, como funcionário, realizar esse facto, é evidente que
cometeu um crime, se, entretanto, surgir uma lei que desqualifica aquele agente como
funcionário para as funções em específico que desempenha, é evidente que deixou de
vigorar a agravação relacionada com o facto de o crime de peculato ter sido cometido
por agente.
O crime não foi eliminado, não foi um processo de descriminalização tout court,
mas um processo de descriminalização relativa.
A perda legal de funcionário tem várias implicações: desparece o pressuposto de
que depende a ilicitude e, por isso, deixa de ser crime; e, noutro caso, cai o motivo da
agravação, deixando de ser crime de peculato e passando a ser considerado apenas
crime de abuso de confiança.
Deve sempre relacionar-se o facto em concreto, com a alteração que houve – se
o afetar diretamente, há uma descriminalização total.

Regime concretamente mais favorável ao agente


As penas não privativas de liberdade (a admoestação é mais favorável que a
prestação de trabalho a favor da comunidade) sejam concretamente mais favoráveis
que as de prisão (as mais curtas são mais favoráveis que as mais longas).
Contudo, mesmo duas leis aplicáveis à mesma situação podem conter elementos
que se mostrem mais favoráveis e outros menos favoráveis e, por isso, surge a questão
de saber que regime aplicar e existem duas vias:

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Ana Paula Pinto
˃ Ponderação unitária ou global: deve ser aplicada uma única lei, com a totalidade das suas
disposições e que se mostre, globalmente, mais favorável.
˃ Ponderação diferenciada: deve aproveitar-se e aplicar-se o que mais favorável têm cada
uma das leis.
A doutrina segue mais a ponderação unitária ou global, apesar de a ponderação
diferenciada ser a mais adequada, porque se baseia em diferentes fundamentações das
penas principais, acessórias e, ainda, dos pressupostos processuais; porque o termo
“regime” é utilizado no CP para significar “normas” e “disposições penais”; e porque é a
mais eficaz e vai ao encontro da função e das finalidades do direito penal.

→ Situação especiais de determinação do regime aplicável

Trata-se das situações em que esteja em causa um crime duradouro ou


continuado, concurso de crimes e comparticipação – quando a lei nova impõe soluções
mais ou menos gravosas.
→ Crime Continuado: determinado agente, cometeu 2 ou mais factos ilícitos
separados no tempo, mas que vão ser valorados como um só. O art. 30.º/2 e 3 CP prevê
três requisitos para que estejamos perante um crime continuado
(1) violação de um bem jurídico;
(2) execução homogénea ou que o agente atuasse de modo semelhante;
(3) circunstância que facilitasse a repetição desta prática ilícita.
Para se saber qual lei aplicar, pelo que podemos estar perante casos em que um
facto foi praticado na vigência de uma lei e os outros dois foram praticados na vigência
de outra lei – todos eles são relevantes e todos eles correspondem, como um só, ao
momento da prática do facto.

Figueiredo Dias diz que quando ocorre uma agravação da lei que tenha ocorrido
antes do término do fim da consumação, essa agravação só pode valer para aqueles
elementos típicos do comportamento que se verifiquem após o momento da alteração
legislativa.
→ Crimes duradouros: crimes cuja execução se prolonga no tempo (não se
esgota no só momento, mas pode durar, dias, semanas, meses ou anos).

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Ana Paula Pinto
→ Comparticipação: se um individuo praticar factos na vigência da lei antiga,
será essa a ser aplicada, mas se outro tiver praticados factos na vigência da nova, será
esta que se aplicará a esses factos se os pressupostos da sua aplicação se verificarem na
vigência da nova lei. Se um dos comparticipantes praticar factos apenas na vigência da
lei nova, ainda que esta seja mais severa do que a lei antiga, esta não pode deixar de
aplicar-se a esse comparticipante.
→Concurso de crimes: os crimes diversos foram cometidos antes e após a lei
nova e, nestes casos, aplica-se a lei nova aos crimes cometidos depois da nova lei e a lei
antiga aos cometidos antes da nova lei, exceto se a nova lei for mais favorável que a
antiga.
Para determinar, concretamente, o momento da prática do facto, tanto para os
crimes tentados como os consumados, vale o primeiro ato de execução ou a primeira
omissão do agente. Pode suceder que a consumação do crime se dê através de vários
atos. Isto é mais relevante nos crimes tentados, pois não há ato de consumação, mas há
atos de execução.
→ Atos preparatórios (atos que não fazem parte do tipo legal de crime,
antecedem-no, art. 21.º/2ªp CP) e não haver atos de execução. No caso de haver atos
preparatórios, vale o momento da realização do primeiro ato preparatório.
Em regra, não são puníveis, a menos que haja uma disposição que diga que o
são. Mas os atos de execução são puníveis por tentativa.

A contagem de prazos para efeitos de prescrição do procedimento criminal (art.


118.º e 119.º CP) faz-se, em regra, a partir do dia em que o facto se tiver consumado,
quando o crime está consumado.
• crimes permanentes: “desde o dia em que cessar a consumação”
• crimes continuados e crimes habituais: “desde o dia da prática do último ato”
• crimes tentados e atos preparatórios: “desde o dia do último ato de execução”
• crimes agravados pelo resultado: “a partir do dia em que aquele resultado se
verificar” (art. 119.º/4).

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Ana Paula Pinto
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Ana Paula Pinto
Aplicação da lei penal no espaço
Locus Delicti, art. 7.º CP:
Art. 7.º/1, Princípio da Ubiquidade: critério plurilateral/misto para a
determinação do lugar da prática do facto porque diz que o facto se considera praticado
no lugar onde o agente atuou ou devia de atuar quer no lugar onde se produz o
resultado. O local da prática do facto ou sede do delito. Para efeitos de determinação
do lugar do facto: resultado + conduta (total ou parcialmente: crimes continuados e
duradouros)
▪ Conduta: lugar onde se realizou a ação ou omissão
o Crimes duradouros/continuados e em determinados crimes complexos= qualquer lugar
onde se tenha realizado a conduta
▪ Resultado:
o Crimes de resultado: crime apresenta um resultado típico
o Crimes de mera atividade: para consumação é suficiente a realização de uma
determinada conduta
o Crimes sem inexistência de resultado típico (crimes de atentado ou empreendimento,
crimes agravados pelo resultado ou crimes itinerantes ou de trânsito): para
consumação é suficiente a realização de uma determinada conduta
o Crimes tentado, art. 7.º/2: “o facto considera-se igualmente praticado no lugar em que
o resultado se deveria ter produzido” – admissão do local virtual do resultado
▪ Condições objetivas de punibilidade: não devem ser consideradas porque não são conduta
nem resultado. Porém há situações em que podem ser resultado da atuação, apesar de não
ser o resultado típico.
Ex: art. 295.º (crime de mera atividade) não comporta um resultado típico, porém, existe uma
condição objetiva de punibilidade que é a prática de um “facto ilícito típico”. Este facto que não
é resultado típico, se se der num lugar diferente da conduta, será relevante para a determinação
do lugar do facto.
Pinto de Albuquerque: “condições objetivas de punibilidade podem ainda ser subsumidas
ao conceito de resultado não compreendido no tipo, quando elas constituem o resultado conduta
do agente”
▪ Comparticipação: qualquer tipo de comparticipação é relevante para determinar o lugar da
prática do facto
61
Ana Paula Pinto
Objetivo: ter um critério misto mais completo que aceita o lugar do resultado
como o lugar da ação ou da omissão para impedir conflitos negativos de jurisdição,
evitar vazios punitivos e lacunas de punibilidade

Quando se considera praticado em território nacional aplica-se o art. 4.º CP:


Princípio da territorialidade (princípio geral): a todos os factos que ocorrem no
território nacional, território terreste, marítimo, continental e insular – art. 5.º CRP,
independentemente da nacionalidade do agente, aplica-se a lei penal portuguesa.
Alargamento com o Critério do pavilhão (al. b = alargamento, isto é, equipara-se
a plataforma dos navios ou aeronaves): a lei penal será também aplicável aos factos
praticados a bordo de navios ou aeronaves portuguesas, que se encontrem em espaço
aéreo/marítimo internacional (não estando em território de outro Estado), considera-
se um alargamento do território nacional. Este serve para evitar vazios punitivos e
conflitos de jurisdição.
Pavilhão = bandeira do navio/aeronave
Com adoção do princípio da territorialidade pretende-se evitar a dupla punição
pelo mesmo facto “ne bis in idem”, por isso se cada Estado adota o princípio da
territorialidade, esse risco está minimizado.
Em qualquer momento, vale o princípio da convencionalidade, art. 4.º e art. 5.º
CP. Este implica a prevalência da aplicação de tratados ou convenções internacionais de
que Portugal seja subscritor, isto é, Portugal aceita subordinar-se às suas regras próprias
numa lógica de complementaridade ou subsidiariedade com o direito nacional, como é
o caso do Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
Há certas situações excecionais em que a lei penal portuguesa pode ser aplicada
a factos que ocorram fora do território nacional, ou seja, consideramos factos praticados
fora do território nacional com a aplicação de princípios complementares ao princípio
da territorialidade.
Art. 5.º CP: conjunto de exceções ao princípio da territorialidade, sendo
princípios subsidiários como defendem alguns autores (ver se a factualidade se encaixa
em alguma das alíneas). Entre estes não existe uma hierarquia, existe, pois, uma relação

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Ana Paula Pinto
lógico-jurídica (método e nomos) – metodonomológica: maior ou menor aproximação
ao ordenamento jurídico português, de acordo com a sua complexidade e abrangência.
A relação de lógica jurídica que nos ajuda a fornecer um quadro mental de
organização de princípios, que ajuda a estabelecer a ordem pela qual devem ser
aplicados de acordo com a complexidade e abrangência de cada princípio.
(1) Princípio da Proteção dos Interesses Nacionais (art. 5.º/1/a)
Há determinados factos que afetam um bem jurídico que merece tutela
independente do sítio em que forem praticados, pois põe em causa interesses nacionais,
ou seja, que o estado português deve proteger, mesmo que os factos sejam praticados
fora de território nacional (em território estrangeiro).
Dá-nos um elenco taxativo de crimes: crimes de falsificação de moeda, burla
informática, …
Portanto bens jurídicos que têm interesse para o nosso estado e aos quais deve
ser aplicada a lei penal portuguesa.

(2) Princípio da Nacionalidade: desdobra-se em 3


- Nacionalidade ativo ou passiva (art. 5.º/1/e)
Lei penal portuguesa pode ser aplicada a factos praticados no estrangeiro por
portugueses ou estrangeiros contra portugueses, sempre que se apresentar
preenchidas as condições cumulativas do artigo:
i) Agentes encontrados em Portugal;
ii) Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo quando
nesse lugar não se exercer poder punitivo;
a) regiões que não se encontrem sob a soberania de qualquer Estado (= raro)
b) regiões que pertençam a Estados falhados ou que possuam as suas estruturas de poder
judicial profundamente debilitadas e que não se encontrem em condições de exercer
faticamente o seu ius puniendi
iii) Constituírem crime que admita extradição/mandado de detenção e esta não possa ser
concedida = Lei 144/99 + art. 33.º CRP

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Ana Paula Pinto
Extradição é um ato de cooperação judiciária internacional em matéria penal, que
visa permitir que um Estado terceiro possa julgar um cidadão que alegadamente tenha
cometido um crime de acordo com o seu código penal. Assim, trata-se de uma decisão
judicial, mediante processo adequado (art. 33.º/7 CRP), de acordo com o processo previsto no
art. 20.º e ss L144/99.
Art.33.º
Cidadãos estrangeiros: nº4 e 6
˃ crimes pelos quais é requerida a extradição, no direito do Estado requerente só podem ser
punidos com pena ou medida de segurança privativa da liberdade com carater perpetuo ou
de duração indefinida desde que o Estado requerente garanta através de convenção
internacional, que tal pena ou medida de segurança não será plicada ou executada.
˃ Motivos subjacentes não sejam políticos ou por crime que corresponda, no direito do Estado
requisitante, pena de morte ou outra que resulte lesão irreversível da integridade física.

Cidadãos nacionais: nº4, 6 e 3 (+ 32.º/1/b e 2 L 144/99)


˃ Requisitos para os cidadãos estrageiros
˃ Possibilidade de extradição prevista em convenção internacional que Portugal seja signatário
˃ Estar prevista a clausula de reciprocidade nessa convenção
˃ Apenas em casos de terrorismo e de criminalidade organizada
˃ Desde que a ordem jurídica do Estado requerente consagre garantias de um processo justo e
equitativo
 Em princípio, não há razão para que os cidadãos nacionais sejam submetidos
a uma jurisdição estrangeira, mesmo que o facto tenha sido praticado no estrangeiro,
uma vez que os factos praticados no território nacional estão sujeitos a jurisdição
portuguesa, art. 32.º/1/a L144/99

+ L 144/99: lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal


˃ Art. 32.º/1 e 2: requisitos
˃ Art. 20.º e ss: processo
˃ Art. 7.º: proibida a extradição militar
˃ Art. 10.º: a extradição pode ser recusada se a infração tiver reduzida importância
˃ Art. 3.º: princípio da reciprocidade
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Ana Paula Pinto
˃ Art. 6.º: Requisitos gerais negativos de cooperação internacional (respeito pelos
instrumentos jurídicos de direitos humanos, negação da perseguição discriminatória, …)
˃ Art. 31.º: facto previsto como crime nos 2 ordenamentos jurídicos e com pena não inferior a
um ano
˃ Art. 16: regra da especialidade – pessoa que for recebida ou remetida para outro Estado não
poderá ser sujeita a processo por uma razão diferente daquele que deu origem à extradição
˃ Art. 8.º e 19.º: princípio ne bis in idem e outras situações que comportam a extinção do
procedimento penal
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Mandado de detenção europeu (art. 33.º/5 CRP e art. 5.º/1/c/d/f CP) é uma renovada
especialização do instituto da extradição, aplicável nos países da UE, como expressão do
princípio da cooperação judiciária policial em matéria penal e do reconhecimento mútuo de
decisões dos EM. Trata-se de uma transferência entre EM.
L 65/2003 em cumprimento da Decisão quadro nº2002/584/JAI
˃ Art. 1: “detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à
detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento
criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade” =
instrumento de maior alcance e grau de eficácia
˃ Não se questiona o outro EM quando é um crime do catalogo do art. 2.º, nos restantes apenas
se exige justificação da emissão do mandado por infrações puníveis pela lei portuguesa
˃ Art. 3.º: depende de decisão judicial
˃ Art. 12.º: situações de recusa facultativa
˃ Art. 11.º: situações de recusa obrigatória

- Extensão do princípio da nacionalidade ativa e passiva (art. 5.º/1/b)


Lei penal portuguesa pode ser aplicada a factos cometidos em território
estrangeiro contra portugueses por portugueses que vivam em Portugal no momento
da prática e que aqui sejam encontrados, incluindo a vítima.
Para evitar a fraude à lei penal, ou seja, é basicamente para evitar que duas
pessoas portuguesas vão de férias para um lugar estrangeiro com a ideia de matar
alguém e, por isso, nestes casos, evita-se que as pessoas se desloquem para outro lugar

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Ana Paula Pinto
estrangeiro para cometerem crimes que, por sua vez, poderão, por exemplo, não ser
classificados como crime nesse sítio e, consequentemente, não serem puníveis e, assim,
a lei penal portuguesa vai puni-lo.
Aplicado subsidiariamente quando falta um dos pressupostos cumulativos no
princípio anterior.

- Por pessoa coletiva ou contra pessoa coletiva que tenha sede ou não em território
português (art. 5.º/1/g)

(3) Princípio da Universalidade (art. 5.º/1/c + d)


Assente na ideia de que há determinados bens jurídicos com relevância universal
ou internacional que devem ser tutelados independentemente do lugar da prática do
ato e, portanto, o estado português deve protegê-los independentemente do lugar onde
o facto tenha sido praticado: crimes que atuem contra direitos que afetam interesses
que dizem respeito a toda a humanidade (elencos taxativos).
Na alínea c) temos requisitos cumulativos, enquanto na d) são alternativos.

(4) Princípio da Administração Supletiva da Justiça Penal (art. 5.º/1/f) – abrangência


menor
A lei penal portuguesa pode ser aplicada a factos praticados no estrangeiro desde
que esses factos sejam praticados por estrangeiros, contra estrangeiros que se
encontrem em Portugal quando estes crimes admitem extradição e esta não possa ser
concedida, mas tenha sido requerida.
Requisito obrigatório: extradição requerida (e que não pode ser concedida, art.
33.º), pois tem por ratio impedir que Portugal se torne num refúgio de criminosos.

 Sempre que se aplica o art. 5.º, recorre-se ao art. 6.º, pois este contém uma
dupla limitação à aplicação da lei penal portuguesa a factos praticados no estrangeiro,
ou seja, aprofunda o carater excecional.
Nº1: O agente não foi julgado/punido no país onde praticou o crime, se assim for
não poderemos aplicar a lei penal portuguesa, pois existiria uma dupla condenação do
mesmo facto, violando o princípio ne bis in idem, art. 29.º CRP. Contudo, se o agente se
tiver subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação poder-se-ia aplicar a lei
penal portuguesa (ex: se fugiu da prisão).
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Ana Paula Pinto
!!!! Caso o agente seja julgado em Portugal de acordo com o princípio-regra da
territorialidade se verifique que pelos mesmos factos, lhe foi aplicada uma sanção
criminal no estrangeiro, o tribunal poderá proceder ao desconto dessa sanção na pena
a aplicar ao caso concreto, de acordo com o artigo 82.º CP.
Nº2: se não existir nenhum entrave, e se a lei penal do lugar da prática do facto
for mais favorável pode ser aplicada em vez da portuguesa nos tribunais portugueses.
Tem de ser lido em conjunto com o nº 3: não se podendo aplica aos crimes
previstos no art. 5.º/1/a+b.

Relevância do ETPI enquanto instrumento de cooperação internacional que


vincula Portugal
Portugal obrigou-se à cooperação com o TPI em matéria de detenção e entrega
de pessoas sujeitas à jurisdição do mesmo. Contudo, Portugal formulou uma declaração
interpretativa pelo que embora nos teros do art. 12.º Portugal aceite a jurisdição do TPI,
Portugal exerce jurisdição nacional nos casos do art. 5.º e as pessoas forem encontradas
em território português, poderão ser julgadas em Portugal.
Pode, pelo princípio da subsidiariedade do art. 17.º, o TPI convoque a
cooperação de Portugal, que é concedida nos termos do art. 58.º e 59.º.
Portugal, enquanto Estado Parte está obrigado a cooperar com o TPI com base
no art. 89.º (entrega de pessoas) do Cap. IX, exceto em situações que o próprio ETPI
prevê como não atendíveis, art. 90.º e 93.º.

67
Ana Paula Pinto
Eficácia pessoal da lei penal: aplicação da lei penal em relação às pessoas em si
Por força do princípio da igualdade e universalidade (art. 13.º e 12.º CRP) a lei
penal deve ser aplicada a todos os cidadãos de igual modo. À partida alguém que pratica
um facto ilícito típico culposo, que é punível, a pessoa será punida pela prática do facto.
Está também muito relacionado com o princípio da dignidade da pessoa humana, todas
são igualmente dignas, devemos ter todos o mesmo tratamento.
Pode acontecer que o juiz tenha a tentação de aplicar uma pena mais dura a uma
pessoa porque ela tem determinadas características ou teve determinado tipo de
atitude, numa tentativa de discriminação dessa pessoa. Ora, isso é proibido. As únicas
circunstâncias que podem agravar ou atenuar a pena de uma pessoa são aquelas que
estão previstas na lei.
Contudo, a aplicação de lei penal em condições de universalidade e igualdade
tem algumas restrições: limitações temporárias ou limitações impostas pelo exercício
de funções ou irresponsabilidade funcional.
Estas restrições não existem para gerar impunidade, pois ninguém está cima da
lei, mas há pessoas que por exercerem um determinado caso, com relevância pública, e
para que o possa exercer de forma plena e livre têm de receber um determinado
privilégio, sendo tratadas pelo menos temporariamente de forma diferente – é atribuída
uma irresponsabilidade temporal – regimes gerais de imunidades.
Atende-se a uma situação funcional/um cargo/uma função que se desempenhe
para efeitos de aplicação da lei penal.
Imunidade: privilégio por força do qual a pessoa a que é atribuído não fica sujeita
à jurisdição do estado ou não lhe são aplicadas as penas previstas na lei.

Limitações temporárias:
▪ Chefes de estado estrangeiros (regra costumeira): tem uma imunidade absoluta quando
exercem o cargo, porque o chefe de estado, nomeadamente o RP são a figura máxima de
representação do país/estado. Estas figuras acabam por ser uma questão de soberanias que
estão em choque.
Cada Estado é soberano, “par in parem non habet imperium”, o que significa que
entre pares não há império, não há soberania, mas sim igualdade. Assim sendo, cada

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Ana Paula Pinto
Estado goza de uma de uma espécie de imunidade jurisdicional relativamente aos
demais. Um Estado não tem domínio jurisdicional sobre um qualquer outro porque, pelo
contrário, tal significaria que um teria soberania sobre o outro e, por isso, este outro
não seria um Estado, mas sim uma parte do primeiro.
Em termos de jurisdição valerá o “par in parem non habet jurisdictionem”: se um
Estado não tem soberania sobre outro, também não terá jurisdição sobre o mesmo. Em
termos simples, um Estado não pode ser julgado por um outro.
Isto decorre do art. 2.º da Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades
Jurisdicionais dos Estados e dos seus bens quando este refere “sob reserva das
disposições da presente Convenção, um Estado goza, em relação a si próprio e aos seus
bens, de imunidade de jurisdição junto dos tribunais de um outro Estado”. Daqui deriva
a imunidade do Chefe de Estado pois, este é o mais alto magistrado e comandante
supremo das forças armadas desse Estado. Portanto, os Chefes de Estado estrangeiros
têm imunidade absoluta enquanto exercem o seu cargo.
Um Estado goza, em relação a si próprio e aos seus bens, de imunidade de
jurisdição junto dos tribunais de outro Estado. Ora, a verdade é que não existe uma
norma que diga claramente que os Chefes de Estado têm imunidade absoluta. Não há
essa clareza, ao contrário do que acontece com a imunidade dos Estados. Aquilo que
existe são normas de direito internacional que pressupõem a existência dessa
imunidade absoluta.
Portanto, não há uma norma que diga claramente que existe imunidade absoluta
dos Chefes de Estado, mas existem várias normas que pressupõem essa situação: CNU
sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus bens, Convenção sobre as
Missões Especiais.
Esta imunidade absoluta tem de ser analisada com cuidado, pois desdobra-se
em duas dimensões:
(1) Imunidade em razão da matéria ou função desempenhada: está isento de
responsabilidade penal, quanto aos factos praticados enquanto CE, ou seja, factos
criminosos que só um chefe de estado enquanto tal pode praticar, factos próprios que
ele pratica ao serviço da nação. Contudo esta imunidade tem dois limites:

69
Ana Paula Pinto
˃ Carater internacional: crimes cometidos perante o exercício do cargo que estejam previstos
no estatuto do tribunal penal internacional: crimes de guerra, tortura, genocídio. Nestes
casos, uma vez que cesse as suas funções enquanto CE pode responder perante o TPI e
Portugal tem a obrigação de cooperar com tal tribunal entregando tais pessoas para que elas
sejam julgadas.

˃ Carater nacional: possibilidade de o estado de origem (do CE) através da sua lei nacional
poder prever responsabilidade penal pelos factos cometidos durante o exercício da função.
Nestas situações não se pode intervir, impedir que no seu estado de origem, possa ser
responsabilizado penalmente – tudo vai depender do estado de origem do CE.
A verdade é que os outros países respeitam a imunidade do nosso chefe de estado e nós
respeitamos as dos outros, mas isso não significa que nós não tenhamos meios para processar
esse chefe de estado. Agora, há procedimentos e regras próprias para tal.
 A imunidade dos CE não é intransponível, pode ser transposta e há maneira
de o fazer.

(2) Factos práticos no foro privado: factos de natureza privada praticados


enquanto mero cidadão.
O CE tem uma imunidade pessoal, que consiste no facto de ele ter imunidade
enquanto exerce o cargo e quando terminar o cargo, ou termine o seu mandato cessa
também a imunidade.
Por exemplo, se o CE viola uma pessoa, não será condenado por ser CE, mas sim
por ser uma pessoa. A menos que haja uma convenção em sentido contrário, quando
cessa as suas funções. Portanto:
˃ Enquanto está a desempenhar o cargo, o CE mantém a imunidade.
˃ Quando cessa o cargo, o CE deixa de ter a imunidade e vai ser julgado pelo crime que
cometeu, crime este que é pessoal e que foi cometido quando ele estava a exercer o cargo.
Isto é assim, porque:
(1) os crimes que são cometidos no exercício da função afetam diretamente tal exercício
e, por isso, têm de ser imediatamente julgados, não se esperando que cesse o cargo do indivíduo.
Logo, sendo um crime funcional, é o exercício da função que está a ser atingido, não se podendo
permitir que isto se prorrogue no tempo. É por isso que não se impede que o Estado de origem,

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Ana Paula Pinto
através da lei penal internacional, preveja a responsabilidade penal pelos factos praticados no
exercício desse cargo e que o julgue imediatamente.

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Ana Paula Pinto
(2) o crime de natureza pessoal não afeta diretamente o exercício da função. As pessoas
que elegeram democraticamente aquele indivíduo têm determinado tipo de expectativas
constitucionais e, por isso, as questões de natureza privada não devem prevalecer sobre o
exercício do cargo. Logo, sendo um crime do foro privado, não se vai impedir o indivíduo de
exercer o seu cargo. Contudo, também não se poderá deixar que tal pessoa não seja julgada e é
por essa razão que se determina que a pessoa será julgada quando terminar o exercício do seu
cargo.

▪ Imunidade diplomática (Estatuto Diplomático, em PT o DL 40-A/98): existe para garantir que


os diplomatas (“todos os funcionários diplomáticos qualquer que seja a situação em que se
encontrem”) não sejam perturbados nas suas funções, pois as funções que exercem sejam
quais forem, são uma emanação da soberania do estado, do estado acreditante, o estado que
os nomeou.
Os diplomatas têm de ser livres de exercer a sua função, não podendo ser capturado
pela jurisdição penal do Estado onde se encontra (até porque há estados que são terríveis
do ponto de vista dos direitos humanos).
O seu conteúdo está previsto em diplomas internacionais: Convenção de Viena
sobre relações diplomáticas de 1961 (CVRD) ou Convenção de Viena sobre relações
consolares (CVSRC) de 1963.
Art. 29.º CVRD: conjunto de imunidades absolutas de agentes diplomáticos e
chefe de missões
Art. 31.º/1 e 4 CVRD: um agente diplomático (art. 14.º CVRD) não está isento de
responsabilidade penal do estado acreditante, mas sim no estado acreditador
Sempre que se trate de crimes exercidos no exercício das funções consulares, o
Estado não pode fazer nada, tem de ser o Estado de origem desses funcionários que vai
ter de os julgar. Neste caso protege também a família como forma de impedir que
alguém possa utilizar a família de nacionalidade estrangeira para afetar o diplomata
indiretamente.
Art. 1.º/1/d CVRC: serão funcionários consulares “toda a pessoa, incluindo o
chefe do posto consular, encarregado nesta qualidade do exercício de funções
consulares”.

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Ana Paula Pinto
Art. 41.º CVRC: imunidades relativas dos funcionários consulares: não podem ser
presos, detidos ou submetidos a qualquer outra forma de limitação, mas… ⇊
Art. 43.º CVRC: só em caso de crime grave (art. 1.º CPP para densificar crimes
graves e crimes públicos) e cometido fora do exercício da função consular é que tal pode
acontecer. Nestes casos, as autoridades portuguesas não estão impedidas de deter ou
prender um funcionário consular quando este tiver praticado um facto fora do exercício
das funções consulares desde que estejam respeitadas as condições previstas na CVSRC
para a realização desse processo (subsidiariamente aplicar a legislação portuguesa).
Mas isto é aplicado: aos funcionários consulares (e não aos diplomatas e à sua
família); para casos de crimes graves que tenham sido cometidos fora do exercício fora
das funções consulares.

▪ Exceções aplicáveis aos titulares de cargos políticos (lei nº 34/87): imunidades relativas
˃ PR
Art. 130.º CRP determina o regime de responsabilidade criminal.
Art.130.º/1: “por crimes praticados no exercício das suas funções, o PR responde perante
o STJ”, ou seja, quando o PR cometer crimes no exercício das suas funções não está
criminalmente imune.
No entanto, para responder sobre os mesmos têm de ser observados
determinados requisitos procedimentais (nº2):
͢ Haver uma iniciativa do processo por parte da AR, mediante uma proposta de 1/5 dos
deputados e deliberação de pelo menos 2/3 dos deputados em exercício de funções.
͢ Tem de ser julgado imediatamente pelo STJ, por crime praticado no exercício de suas funções.
Nº3: consequência – destituição do cargo e impossibilidade de reeleição
Nº4: Se forem crimes cometidos fora do exercício da função, aqui teremos uma
imunidade relativa porque é temporária, na medida em que o PR (que agora é cidadão)
responde depois de findo o mandato perante os tribunais comuns, portanto, já não vai
ao STJ, mas sim a um tribunal comum como um cidadão normal. O crime que o mesmo
cometeu foi praticado enquanto cidadão e não enquanto PR. É certo que naquela altura
era PR, mas praticou o ilícito fora dessa função.

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Ana Paula Pinto
˃ Deputados:
Art. 157.º/1 CRP que determina que “não respondem civil, criminal ou
disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções”.
Portanto, sabe-se que um deputado emite determinadas opiniões, vota num
determinado sentido e o que diz este artigo é que eles não respondem civil, criminal ou
disciplinarmente por isso. Há aqui que distinguir duas situações:
(1) realizar um facto de natureza criminal no exercício da sua função , art. 157.º/1 CRP:
situação de desresponsabilização criminal pois, apesar de o deputado estar a cometer um crime,
ele está a exercer legitimamente a sua função e, portanto, está, no fundo, protegido.
Se fizer, na AR, uma declaração de natureza criminosa, como o faz no exercício
das suas funções, em princípio não haverá responsabilidade criminal sobre o mesmo.
Faria Costa: refere que, para que isto seja assim considerado, as declarações
devem ser pronunciadas no uso exclusivo das suas funções (ele só as pronunciou porque
estava a falar como deputado) e nos legítimos limites das suas funções (as opiniões ou
votos dos deputados devem caber no núcleo essencial da função de deputado e não
pode ser um aproveitamento dessa função). Isto significa que, mesmo no exercício da
sua função, caso o deputado profira uma declaração criminosa que não seja justificável,
enquadrável nesse exercício, como a mesma é naturalmente ilegítima, ele não estará
protegido.
Por exemplo: um deputado, na AR, aproveita a sua condição e incitar a população a praticar crimes.
Não se pode dizer que isso é legitimo. Claro que ele está a exercer o cargo de deputado e a atuar
como tal, mas ele está a aproveitar-se desse cargo para incitar a população a praticar crimes. Logo,
o que ele está a fazer é um exercício ilegítimo do cargo. Portanto, como diz Faria Costa, existem aqui
depois cidadãos na mesma pessoa que conflituam em pé de igualdade - o cidadão propriamente dito
e o deputado.
(2) realizar um facto de natureza criminal fora do legitimo exercício da sua função, art.
152.º/2 a 4 CRP: situação de responsabilidade criminal – obrigatória uma decisão de autorização
quando houver fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo
limite máximo seja superior a 3 anos ou corresponda pena de prisão. Havendo processo, a AR
decidirá se deve ou não ser suspenso, sendo obrigatória nos casos de limite superior a 3 anos ou
por crime cometido em flagrante delito.

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Ana Paula Pinto
▪ Membros do governo, art. 196.º CRP: prevê apenas condições procedimentais para a
efetivação da sua responsabilidade criminal. Portanto, para os membros do governo não há
imunidades, ao contrário do que sucede com o PR e dos deputados.
Porquê?
A própria CRP concede um tratamento distinto, ou seja, a CRP diz que são
diferentes porque o que se prevê não é uma questão de imunidade, mas sim uma
questão do modo procedimentalmente adequado para efetuar a responsabilidade
criminal.
E é assim, porque os membros do governo não são democraticamente eleitos.
Logo, é natural que relativamente a estes membros não haja imunidade.
Portanto, não importa se o crime é cometido no exercício das funções:
(1) se for um crime não doloso/negligente ou doloso, mas com uma pena inferior
a 3 anos ou que não tenha sido cometido em flagrante delito, não pode o membro do
governo ir preso ou detido;
(2) se for um crime doloso e o máximo da pena for superior a 3 anos ou tiver
havido flagrante delito, então, o MP pode mandar aplicar uma medida cautelar (a
detenção, por exemplo) ou então requerer uma medida de coação (a prisão preventiva,
por exemplo) sem necessidade de autorização da AR.
Nº2: uma vez movido o procedimento criminal contra algum membro do
governo e tendo sido este acusado definitivamente, a AR decidirá se ele deve, ou não,
ser suspenso. No entanto, tem de se ter a noção que tal suspensão é obrigatória quando
se trate de crimes doloso, com pena superior a 3 anos, etc.

Irresponsabilidade funcional:
▪ Exceções decorrentes do exercício de função jurisdicionais, art. 216.º CRP.
Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas exceções
consagradas na lei. Portanto, esta norma consagra o princípio da irresponsabilidade dos
juízes.
Esta norma é muito parecida com aquela que vimos em relação aos deputados
no exercício da sua função. Os juízes, no exercício legitimo da sua função, também não
respondem criminalmente. Mas atente-se que tem de ser o exercício legitimo (faz na

75
Ana Paula Pinto
boa-fé para aplicar a lei como ela é), porque se for um exercício ilegítimo do juiz, então,
não há proteção nenhuma, ou seja, estão excluídas da imunidade todas as situações que
comportam um exercício ilegítimo da função. Não há imunidade absoluta, apenas se
protege o juiz quando o mesmo se encontra legitimamente a exercer a sua função
jurisdicional.

Regime Especial para Jovens adultos:


Art. 9.º CP: prevê o direito penal de jovens adultos maiores de 16 e menores de
21, diz que estes menores são imputáveis porque já tem mais de 16 anos, mas como
têm menos de 21, vão-lhes ser aplicadas normas especiais – Regime Penal aplicável a
jovens delinquentes (RPAJD).
O princípio geral emanante em todo o texto legal é o da maior flexibilidade na
aplicação das medidas de correção que vêm permitir que um jovem imputável até aos
21 anos possa ser aplicada tão só uma medida corretiva, ou seja, tanto quanto possível
não se deve aplicar uma pena de prisão a um jovem destes.
A ideia aqui é conceder a um jovem adulto até aos 21 anos um tratamento que
seja orientado à ressocialização, à sua reeducação, dando maior prevalência à
prevenção especial positiva. Portanto, de acordo com este regime, o direito penal dos
jovens adultos será mais reeducador do que sancionador.
Está excluído daqui o caso dos jovens adultos inimputáveis em razão de anomalia
psíquica pois, para estes vai ser sempre aplicada uma medida de segurança.
Apresenta várias soluções:
͢ Art. 4.º: atenuação especial da pena de prisão nos termos do art. 73.º e 74.º CP
͢ Art. 5.º: aplicação subsidiária da lei tutelar educativa
͢ Art. 6.º: aplicação de medidas de correção

É um poder-dever: Tribunal tem, mas não obrigatoriamente, de o aplicar, pois tudo


depende das circunstâncias concretas. Trata-se de conceder um tratamento mais favorável
orientado à sua ressocialização porque o regime está previsto para um período da vida em
que o jovem ainda está em formação.

76
Ana Paula Pinto
2º SEMESTRE

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Ana Paula Pinto
Teoria Geral da Infração penal/criminal
Metodologia
No início, partia-se da ideia de que os elementos constitutivos do facto (DP de
facto) eram coisas estanques e que todo começa na ação. Portanto a estrutura era: ação,
tipicidade, ilicitude, culpa e punibilidade.
A ação enquanto facto em si mesmo, variava consoante a conceção.
▪ Conceção clássica (positivista-naturalista): dividida em duas vertentes: objetiva (colocavam
a ação típica e ilícita); e subjetiva (colocavam a ação culposa).
Assim, a ação era a base de todo o facto, e concebiam a mesma como o
movimento corporal casualmente ligado à vontade do agente que produz uma
modificação do mundo exterior, enquanto negação de valores. Era uma visão
naturalista, causal, muito objetiva de facto criminal.
▪ Conceção neoclássica (normativista): ação é também um comportamento de modificação
exterior do mundo ligada causalmente à vontade do agente, com relevância social. A
tipicidade, que para esta conceção, não é apenas uma mera descrição formal e externa de
comportamento, ganha sentido de ilicitude, enquanto dano social, ou seja, enquanto
comportamento que lesa bens jurídicos.
▪ Conceção finalista (finalismo ôntico-fenomenológico): tem por base a doutrina anterior,
mas acrescenta outros elementos: a ação tem uma finalidade (já tem em si toda a intenção
do agente), ou seja, um facto pessoal que traduz uma determina vontade, intenção ou
descuido relativamente a um facto já pré-orientado.

 Problemas: a ação em si mesma não tem relevância se o direito não lhe der
essa relevância. A ação só passa a ser relevante jurídico-penalmente quando a norma
lhe dá essa relevância; a ação em si mesma de nada serve, não permite retirar ilações. É
necessário saber o porquê de ser relevante: tem de haver tipicidade e ilicitude, ou seja,
as ações só são relevantes quando são típicas e ilícitas, ser um ilícito típico. O ilícito é a
negação dos bens jurídicos; como a função do DP é proteger bens jurídicos, o ilícito é
exatamente o contrário de tal; e esse ilícito está tipificado porque o DP o considera
relevante.

78
Ana Paula Pinto
Antigamente também se considerava que a culpa incluía o dolo e negligencia,
mas é errado. Quando se diz que a base é o ilícito típico significa que antes de levar a
cabo a ação se sabe que esta corresponde a um ilícito típico bem como há um querer
em realizar a ação, ou seja, o agente do crime domina o conhecimento do ilícito típico e
a vontade livre de o querer praticar.
Assim surge a teoria que adotamos:
▪ Conceção teleológico-funcional e racional (FD): renuncia a um conceito geral da ação, como
elemento básico do sistema, ou seja, só é possível falar da ação quando a mesma é típica,
pelo que a ação tem de ser tipificada, o tipo ilícito.
Conhecimento de que corresponde a um ilícito típico + vontade de o cometer
O próprio ilícito típico compreende a estes dois elementos fundamentais, se não
sei que aquilo é crime, estou a agir sob erro pelo que não estou a realizar um ilícito
típico; se não desconheço um elemento fundamental do próprio ilícito típico também
não realizo um ilícito típico.
A realização implica logo a compreensão de que o dolo e a negligencia são parte
do ilícito típico, não são parte da culpa, faz do tipo subjetivo de ilícito. O dolo é
conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo; negligência é a violação do
dever de conduta.
A culpa é a atitude pessoal ou posição íntima do agente perante o dever ser
jurídico penal, ou seja, uma atitude interna e pessoal de indiferença para com o dever
jurídico penal.

Assim, a construção do tipo incriminar pressupõe um conjunto de circunstâncias


fácticas que diretamente se ligam à fundamentação do ilícito e, por isso, assume papel
principal s configurar o bem jurídico tutelado e as condições que o comportamento
tipificado deve apresentar para o considerar ilícito.
Desta forma, pode ser 1. Tipo de ilícito
classificado de diversas formas a. tipo objetivo de ilícito
atendendo aos diferentes elementos b. tipo subjetivo de ilícito
típicos que o compõe: 2. Tipo de Culpa
3. Condições de punibilidade

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Ana Paula Pinto
Tipo objetivo do ilícito
Autor: saber quem é que praticou aquele crime, pois se há autor há processo,
mas se não há autor não há processo.
Princípio Geral = RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL
Só as pessoas podem ser responsabilizadas penalmente, ou seja, os factos
relevantes têm de ser praticados por pessoas ou serem os autores.
As pessoas são responsabilizadas individualmente mesmo que o crime tenha sido
praticado por várias pessoas (casos de comparticipação), cada uma delas vai ser
chamada para ser responsabilizada pela sua própria atuação.
As pessoas singulares são os seres humanos singularmente considerados, que
gozam de personalidade jurídica a partir do seu nascimento; enquanto as pessoas
coletivas são pessoas criadas judicialmente, às quais é conferida personalidade e
capacidade jurídica para efeitos de direito. As pessoas coletivas e entidades
equiparadas, com exceção do estado, são responsáveis pelos crimes quando os mesmos
são cometidos, é desejável punir criminalmente as pessoas coletivas.
Assim, a responsabilidade individual significa que cada pessoa, seja singular ou
coletiva, tem a sua própria responsabilidade.

Todos os crimes do CP, independentemente da espécie, podem ser cometidos


por pessoas singulares, mas o mesmo não sucede para PC, uma vez que nem todos os
crimes previstos no CP podem ser praticados por pessoas coletivas.
Quando o CP foi aprovado, o art. 11.º estipulava que só poderiam ser
criminalizadas as pessoas singulares, salvo disposições em contrário; no entanto, em
2007, por via de uma alteração, veio permitir-se a responsabilidade penal de PC. Este
surge após a possibilidade de responsabilizar penalmente da PC por via do DP
secundário, DL 28/84: diploma relativo a crimes antieconómicos.
Atualmente, nos termos do art. 11.º/1, a regra continua a ser que as pessoas
coletivas não são responsáveis criminalmente; no entanto, podem sê-lo para alguns
crimes, art. 11.º/2 onde se inclui a legislação avulsa.

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Ana Paula Pinto
Considerou-se que certos crimes não poderiam cingir-se, apenas, às PS, tendo-
se considerado que a própria PC permitiu e viabilizou a prática de crimes pelo que, ainda
que não haja – pela natureza da PC – participação física (não é ela que realiza, de facto,
a ação), esta poderá ser responsabilizada por via analógica.
As PC não são capazes de ação, nem capazes de culpa: elas agem porque as PS
agem por elas. Apenas por questões analógicas é que a PC pode ser responsabilizada,
mas se não fossem responsabilizadas criavam uma situação de impunibilidade (não é
preciso saber quem atuou, basta saber que alguém atuou).
Disto resulta a necessidade de criação de penas próprias para PC: art. 90.º-A e
ss. Estes artigos, mutatis mutandis, constituem um conjunto de penas que se atribuem
a PS: em termos comparativos, para as PC, as penas são ainda mais gravosas, podendo
mesmo implicar a dissolução da própria PC.

Alternativa para quem não concorda:


Desconsiderar a responsabilidade penal de PC através de medidas de segurança,
ou seja, considera as PC perigosas, então aplica-se-lhes medidas de segurança. Só que
mesmo assim temos de reconhecer esta equiparação é partir de princípio de que
andamos a criar PC como pessoas perigosas, o que não faz sentido.

Atendendo ao autor, podemos classificar os crimes como:


˃ Crimes comuns: pode ser cometido por qualquer pessoa, incluindo inimputáveis em razão de
anomalia psíquica (tipo legal de crime começa por “quem”)
Exemplo: art. 130.º CP
˃ Crimes específicos: aqueles que identifica determinado tipo de autor possível onde qualidades
da pessoa ou sobre quem recai um dever especial, sendo relevantes para a incriminação. As
qualidades do autor não definem o círculo de autores, mas definem a agravação do crime comum
(e em algumas situações para a redução).
o Crimes específicos próprios: a qualidade do agente ou o dever especial fundamenta a
incriminação
Exemplo: art. 136.º, 370.º, 224.º

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Ana Paula Pinto
o Crimes específicos impróprios: o legislador está a fazer depender o tipo das qualidades de
que a pessoa seja portadora e não da pessoa em si, ou seja, a qualidade ou dever especial
não fundamenta a incriminação, mas agrava. Esses crimes têm sempre a preceder um
crime comum.
Exemplo:
Art. 375.º/1: temos o crime do art. 203.º (crime comum» crime de furto), mas o tipo
começa com “o funcionário”, ou seja, se não for funcionário, será o art. 203.º, MAS, se for
funcionário, aplica-se o art. 375.º.
Art. 378.º: o art. 190.º/1 é crime comum, mas se for praticado por funcionário será
agravado devido à qualidade.

Conduta: comportamentos humanos livres e voluntários relevantes para o DP,


são inócuas as condutas de animais ou da natureza onde não há intervenção penal.
Dentro desta existe ação (conduta ativa e positiva) e a omissão (conduta negativa).
A omissão pode ser:
˃ Impura/Imprópria: situações no âmbito do art. 10.º/2: omissão de um resultado por omissão
só é punível quando sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue
a evitar esse resultado.
Nº1: omissão é tão relevante a ação como a omissão aquando dos crimes
Assim, se não subsumir as omissões puras, pode-se subsumir a outro tipo legal
desde que exista a omissão do dever de realizar uma certa ação para evitar o resultado
de tal crime. Não basta que haja uma omissão, é preciso também que haja dever jurídico
de ação, isto é, um dever jurídico que pessoalmente obrigue a pessoa a evitar esse
resultado.
Deveres jurídicos de ação:
o Deveres familiares: relações entre cônjuges (art. 1672.º CC) ou unidos de facto, relações
entre pais e filhos (art. 1874.º CC), relações entre familiares (art. 2009.º CC). Estas
pessoa têm um dever jurídico de ajudar os parentes numa situação em que possa estar
em causa ofensa de bem jurídico
o Deveres contratuais, profissionais, funcionais: inscritos em contratos ou que decorram
de uma profissão ou que advenham do desempenho de uma função pública ou privada.

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Ana Paula Pinto
o Deveres do proprietário, possuidor, detentor de coisas moveis ou imoveis: quando
estas coisas são perigosas e que possam resultar na ofensa de bem jurídico e são da
responsabilidade do próprio.
o Deveres de ingerência: emergem das ingerências derivadas de um facto ilícito doloso
ou negligente. Se a pessoa realizou um facto que é ilícito, doloso, negligente e desse
facto resulta a possibilidade de poder haver violação de um outro bem jurídico, ela tem
o dever de evitar que isso aconteça.

 Estas são situações de monopólio (posição de monopólio no art. 10.º),


porque a pessoa tem mesmo o dever de garante: só ela é que consegue resolver esse
problema, desde logo pela pessoa que tem a seu cuidado. Normalmente isto já não
acontece quando se fala de pessoas estranhas
˃ Pura/Própria: crimes descritos na parte especial do CP onde existe a possibilidade de alguém
ser condenado por um crime de omissão por um tipo especial de omissão
Ex: omissão de auxílio do art. 200.º

Podem ser qualificados quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da


ação como:
˃ Crimes de resultado: pressupõe a realização de um evento, um resultado como consequência da
atividade do crime. Neste caso, o legislador, no tipo legal de crime, diz claramente que tem de
existir um resultado. Apenas haverá consumação nos casos em que se verifica um determinado
resultado, isto é, tem de consistir numa alteração externa espácio-temporalmente distinto da
conduta.
Exemplo: art. 130.º

˃ Crimes de mera atividade: o tipo incriminador fica preenchido através da mera execução do
comportamento do agente para a consumação, é suficiente a realização de uma determinada
ação ou omissão do agente, não se exigindo a realização de um determinado evento. Nestes
casos, dir-se-á que a concretização do tipo se dá por mera atividade do agente. O legislador está
a antecipar a tutela porque prevê a ação por si só é suficiente para violar o bem jurídico.
Exemplo: art. 190.º

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Art. 164.º (crime de violação): não exige nenhum resultado (o resultado não é alteração
emocional); o que legislador prescreve são ações que se considera que viola o bem jurídico,
liberdade sexual.
Art. 359.º (crime de prestação de falsas declarações): o desvalor reside na própria ação,
isto é, o exato momento em que a pessoa mente, não se situando depois disso, porque depois
disso nada resulta. O que aconteceu foi aquilo que a pessoa disse, e não o que se produzirá
depois, que não foi nada.
!!!! Alguns autores dividem ainda em crimes formais (cuja tipicidade é lhe diferente do
resultado) e crimes materiais (cuja tipicidade lhe interessa o resultado), respetivamente crimes
de mera atividade e de resultado.

Podem ser qualificados quanto ao modo de execução como:


Há autores que não individualizam e tratam como elemento da conduta.
˃ Crime de execução vinculada: no próprio tipo incriminador descrevem o modo como se executa
o crime (iter criminis). O crime só se realiza se for realizado desse modo, ou seja, se não se realizar
o modo, não se realiza o tipo.
Exemplo:
Art. 217.º (crime de burla): pressupõe que a pessoa engane a outra pessoa através de um
erro ou engano, mas esse erro ou engano são feitos através de factos provocados pelo próprio
agente e, por isso, não é relevante o modo de enganar, mas antes tem de ser um engano
através de factos provocados pelo próprio agente
˃ Crime de execução livre: o tipo incriminador não descreve o modo como se deve executar o
crime.
Exemplo: art. 131.º

Bem Jurídico: expressão de interesse juridicamente relevante para a


convivência comunitária social num certo momento e espaço, digno de proteção penal
e carente dessa tutela. ≠ Objeto da ação: manifestação real, concretização que projeta o bem
jurídico tutelado
Quanto ao número de bens jurídicos tutelados podem ser qualificados como:
˃ Simples: só tutela um bem jurídico
˃ Complexo: incriminação pode visar a tutela de vários bens jurídicos
Exemplo: crime de roubo, art. 152.º
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Ana Paula Pinto
Quanto ao grau de lesão podem ser qualificados como:
˃ Crimes de dano: realização do tipo incriminador tem como consequência necessária uma lesão
do bem jurídico, ou seja, para que seja crime de dano o tipo de incriminador vai exigir que se
verifique uma lesão real e efetiva do bem jurídico tutelado, sendo que se não se verificar
podemos considerar não podemos considerar o tipo incriminador preenchido.
Exemplo:
Art. 131.º (homicídio): exige a morte de alguém para que se verifique o crime. A morte, que
é um resultado da conduta, que se desliga da própria ação, agora é também a violação do bem
jurídico vida e, ao sê-lo, como está no tipo, é um crime de dano porque lesa o bem jurídico.

˃ Crimes de perigo: a realização do tipo incriminador não pressupõe o dano, não é necessária uma
lesão efetiva ou real do bem jurídico. Exige apenas a mera colocação em perigo do bem jurídico,
isto é, basta que o bem jurídico em perigo.
o Concreto: perigo faz parte do tipo incriminador, o tipo incriminador só é preenchido
quando o bem jurídico tenha sido efetivamente posto em perigo
Exemplo:
Art. 138.º: “quem colocar em perigo”
o Abstrato: perigo não é elemento integrante do tipo incriminador, não está expressamente
previsto, é apenas o motivo da proibição. Dizem respeito, muitas vezes, à tipificação de
certos comportamentos em nome da sua perigosidade típica para o bem jurídico com base
na experiência comum, estatística.
A perigosidade não tem de ser provada no caso concreto, a lei tem uma presunção
inilidível (iuris et de iure) de perigosidade. A conduta do agente será punida
independentemente de no caso concreto ter ou não um perigo efetivo para o bem jurídico.
Exemplo:
Art. 292.º: apenas é preciso comprovar que o agente conduzia o veículo com uma
determinada taxa de álcool.
Surgiu na doutrina a discussão relativamente a sua constitucionalidade, pois alguns
entendiam que estes representavam uma tutela demasiada antecipada de um bem jurídico e

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Ana Paula Pinto
isso não era coadunável com a ultima ratio do DP (princípio da intervenção mínima do DP).
para além de que podia constituir uma violação do princípio da legalidade e da culpa.
O TC já se pronunciou (ac. TC 95/11): não parece inconstitucionalidade desde que:
1. visa proteção de um bem jurídico de grande importância
2. seja possível identificar claramente o bem jurídico tutelado
3. a conduta seja descrita de forma precisa e minuciosa
O parte da doutrina que disse que o arguido acusado poderia fazer prova em contrário da
prioridade, ou seja, elidir a presunção de perigosidade, surge então:

o Abstrato-concreto/de aptidão: não é concreto, uma vez que não diz expressamente no
tipo que aquela conduta tem de colocar em perigo o bem jurídico; mas também não é
abstrato, porque não é só motivo de incriminação = uma conduta apta a realizar uma
determinada lesão sem que o legislador alguma vez mencione o perigo concreto, mas
também não se fica apenas como o perigo como motivo da incriminação.
Vão ser tipificadas as condutas que se revelam apropriadas a desencadear um resultado
do perigo proibido, embora se exija a produção de um resultado de perigo concreto.
Admitem a possibilidade de a perigosidade da conduta ser objeto de um juízo negativo
que exclua a tipicidade da conduta.
Ac. TC 95/11: “Os “crimes de perigo abstracto-concreto” assentam pois numa ideia de que um tipo de crime
originariamente concebido como de perigo abstracto pode ser alvo de um juízo de afastamento de
determinada conduta típica, desde que seja possível ao arguido demonstrar a inexistência do perigo, nas
concretas circunstâncias que se verificaram no momento da conduta originariamente típica”
Exemplo: art. 153.º: expressão “de forma adequada a provocar-lhe” inicia a aptidão da
conduta para gerar o perigo proibido.

Imputação do resultado à conduta


Em termos empíricos, se uma grande parte dos crimes são de resultado,
sobretudo nestes, tem de existir uma ligação desse resultado à ação ou omissão do
agente, caso contrário, não poderíamos dizer ser este o responsável por praticar o
crime.
Surge a questão de saber como é que a ação do agente se liga ao resultado,
porque para que haja preenchimento do tipo objetivo de ilícito, não só tem de haver a
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Ana Paula Pinto
produção de um resultado, como esse resultado tem de poder ser imputado ou
atribuído à conduta do agente. Desta forma há uma exigência mínima de causalidade.

Teoria da equivalência das condições/conditio sine qua non: a causa de um


resultado será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar. O próprio
resultado será considerado individual, pois vai ser sempre a soma de todas as condições
que o determinaram.
O juiz vai ter de fazer um exercício de supressão mental de cada uma das
condições para verificar se, na ausência dessa condição, se verifica ou não o resultado.
Vai ter de olhar para todas as condições e suprir-se o resultado seria produzido na
mesma condição, se não for, essa condição será relevante, causal, sem ela não haveria
resultado. Assim, será toda a condição sem a qual o resultado não teria lugar

Críticas:
1. Leva um raciocínio infinito, dando ao objeto da valorização jurídica uma extensão
exagerada, pois com a supressão mental de cada condição, pode-se recuar até à
condição mais longínqua.
2. Não tem em consideração eventuais interrupções do processo causal que possam
ocorrer devido a intervenção de terceiros, da própria vítima ou de eventos naturais.
3. Não funciona em situações de causalidade virtual, dupla ou alternativa
4. Inadaptada aos problemas criminais atuais próprios de uma sociedade moderna,
nomeadamente criminalidade ambiental, …
Portanto esta teoria de base naturalista, desprovida de qualquer reflexão
normativa, não é suficiente como critério de imputação do resultado da ação.

Houve tentativas de correção desta teoria:


✓ Juízos empíricos: a ação é causa do resultado e, mais tarde, condição conforme às
leis naturais.
✓ Juízos científicos: estabelecer relações de causalidade - causa e efeito entre ação (ou
omissão) e resultado. Juízos de probabilidade (que não são infalíveis).

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Ana Paula Pinto
Teoria das condições equivalentes/ causalidade adequada:
De acordo com o art. 10.º/1 CP, quando o tipo leal pressupõe o resultado, vem a
ser relevante a ação/omissão que é adequada a produzir esse resultado. A ação ou
omissão deve ser adequada à produção do resultado. Nos casos de omissão, o legislador
entende que é necessário a existência de um dever jurídico de atuar.
Adequadas não são todas as condições, mas só aquelas que segundo a máxima
da experiência e da normalidade do acontecer são idóneas para produzir o resultado.
Faz-se uma distinção entre as condições juridicamente relevantes e aquelas que
são as condições juridicamente irrelevantes. Para além disso, limita a interpretação
objetiva às condutas das quais resulte um perigo idóneo de produção do resultado.
Assim, faz com que consequências imprevisíveis anómalas ou até raras sejam
irrelevantes, implicando uma negação/afastamento da imputação objetiva da ação, a
não ser que seja previsível, desta forma considera as interrupções do nexo causal.

Germano Marques da Silva: a interrupção da causalidade verifica-se sempre que há causa


adequada posta pelo agente se sobrepõe uma outra coisa, igualmente adequada para produzir o evento,
mas que não provém do mesmo agente, quer diretamente, quer como consequência da causa inicial. Em
regra, a interrupção do nexo causal leva à rejeição objetiva do resultado à conduta, salvo se a mesma for
previsível.

O juiz realizará um juízo prognose póstuma (ex ante), isto é, juízo de


previsibilidade onde se desloca mentalmente para o momento da prática de facto e
verifica de forma objetiva se a ação praticada era adequada e idónea a produzir o
resultado. Tem de ter em consideração as regras da experiência, normalidade do
acontecer, os conhecimentos especiais que o agente detinha no momento da prática do
facto (conhecimento que o agente possui no momento da conduta, mesmo que a
generalidade das pessoas não disponha desses conhecimentos).

Crítica: falha perante certas atividades que comportam riscos para bens jurídicos
e não estão proibidos porque seriam um retrocesso social.
Ex: intervenções médico-cirúrgicas
Assim, vai ser complementada/corrigida pela teoria da relação do risco que nem
sempre se vai aplicar.
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Ana Paula Pinto
Teoria da conexão ou da relação do risco
Esta permite aferir a imputação objetiva do resultado da ação, visando corrigir o
resultado através do corretor de risco permitido.
Nesta teoria, de acordo com a teoria da causalidade adequada, o facto só vai ser
imputável ao agente, se o agente tenha criado ou aumentado um risco proibido para os
bens jurídicos tutelados para o típico de ilícito, e tem de se concretizar no resultado
típico. Para além disto esse fim deve estar coberto pelo fim e âmbito de proteção da
norma. Caso não se verifiquem essas condições, deve se negar a imputação objetiva do
resultado à ação.
Em suma, daqui resultam 4 condições para que o resultado possa ser imputado
à ação:
(1) tenha sido criado um risco proibido para o bem jurídico;
(2) se não foi criado um risco proibido, tenha sido potenciado um risco que já existia;
(3) a concretização do risco não permitido num resultado típico;
(4) produção de resultados cobertos pelo fim e pelo âmbito de proteção da norma

Assim, são 4 corretores do risco:


1.º Corretor, criação de um risco permitido: ação não cria um risco proibido, a
ação é permitida. Situações em que o agente não ultrapassa ao limite do risco
juridicamente permitido ou permitido pelas regras específicas da atividade ou do setor
de atividade em que o agente atuou.
Ex: intervenção médico cirúrgica, prática de um desporto = (regras próprias, legis artis)
Se essas regras forem respeitadas, então estamos no âmbito do risco permitido
e não podemos imputar à conduta do agente a verificação do resultado. Já se as regras
não forem respeitadas, estaremos perante um risco proibido.
Dentro do risco permitido, temos o risco geral de vida desde que não se possa
considerar, no caso, dotado de uma medida normal.
Ex: um médico que prescreve um medicamento ao seu paciente. Este não vai mandar o
paciente fazer 1001 exames para saber se pode tomar o medicamento. Assim, se o
paciente fizesse alergia ao medicamento, poderíamos afastar a imputação objetiva.
Situações de autorresponsabilidade da vida: devemos negar a imputação
objetiva.

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Ana Paula Pinto
Ex: A é portador de SIDA e esta numa relação com S, não vamos imputar a infeção
de S porque houve uma autorresponsabilidade, pois sabia do risco de infeção.
Diminuição do risco: Ex: A empurra B causando-lhe leves lesões. Não será
responsável, porque A empurrou B para evitar que B fosse atropelado e morto. Se lhe
causei lesões, mas atenuei ou diminui o risco que a pessoa ia sofrer, não sou
responsável, como sou legitimado pelo direito.

2.º Corretor, potencialização do risco: exige que no caso de não ter criado um
risco proibido pelo mesmo tenha aumentado, potenciado o risco não permitido que não
existe. Há potenciação de um risco não permitido.
Quando o agente com a sua conduta priora um risco pré-existente, ou seja,
quando piora a situação em que se encontrava um bem jurídico.
Ex: se o condutor de uma ambulância leva um paciente crítico, mas faz uma
manobra errada e essa não era necessária/aceitável que leva à morte do paciente, ele
aumentou esse risco. O paciente já estava numa situação de fragilidade, mas com a sua
conduta piorou o risco, o qual causou a morte.

3.º Corretor, comportamentos lícitos alternativos: casos em que, tanto a


conduta indevida, proibida, ilícita, como a conduta licita produziriam o mesmo resultado
típico.
Quando o comportamento lícito alternativo à conduta do agente, potenciador
do risco, conduza seguramente ao mesmo resultado sensivelmente no mesmo tempo,
do mesmo modo e condições não lhe deve ser imputado o resultado, ou seja, deve ser
negada a imputação objetiva.
A incriminação significaria que estaríamos a punir um cumprimento de dever,
em que o cumprimento teria sido inútil, ou seja, se chegássemos à conclusão que
mesmo o agente agindo licitamente por alternativa à ação que tem, produziria o mesmo
resultado que se produziu com a sua atuação, então devemos negar a imputação
objetiva, sob pena de violar o princípio da igualdade.
A incriminação redondearia numa punição da violação de um dever, cujo
cumprimento teria sido inútil e se constituiria uma violação do princípio da igualdade.

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Ana Paula Pinto
4.º “Corretor” /elemento, resultados que não estão cobertos pelo fim e pelo
âmbito da norma: é um prius
O tem de se encontrar normativamente compreendido no espaço da norma
jurídica em apreço, quer quanto ao fim de proteção (quanto ao motivo que levou à sua
introdução na norma jurídica), quanto ao seu âmbito normativo (ao leque de
ocorrências jurídicas que estão previstas no alcance dispositivo da aplicação da norma).
Para que haja imputação objetiva vai ser necessário que o perigo seja um
daqueles em vista dos quais a ação foi proibida. Um daqueles perigos que correspondem
ao fim de proteção da norma de cuidado. E se tal não acontecer será engada a
imputação objetiva.
!!! FD distingue o fim de proteção da norma de cuidado, daquilo que é o âmbito
de proteção da norma ou âmbito do tipo legal (ao contrário da nossa doutrina, que os
consideram sinónimos).

Caso de causalidade virtual:


A causa real é diferente da causa virtual. No entanto, a causa real continua a ser
causa do resultado, apesar de existir uma causa virtual que pudesse justificar o
resultado. Temos uma causa real, anterior e essa causa não pode ser desconsiderada,
só porque o resultado se iria produzir na mesma.
As causas virtuais não são relevantes.

Caso de causalidade alternativa: verifica-se a existência, no caso concreto, de duas


causas simultâneas que concorrem para a produção do resultado, sendo que ambas são,
por si só, capazes de produzir o resultado.
Não é possível aferir qual das condutas levou à produção do resultado e, nestas
situações, a doutrina maioritária defende que a imputação objetiva do resultado às
condutas alternativas deverá ser negada. Apenas se ressalvando a possibilidade de os
agentes responderem criminalmente pelo facto na sua forma tentada, caso estejam
reunidos os requisitos legais para o efeito, inclusive que os agentes tenham praticado as
condutas de forma dolosa ou a título de dolo.
Assim, o juiz deveria adotar a decisão mais favorável aos arguidos:

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Ana Paula Pinto
- Se atuar com dolo (intenção de praticar o facto ilícito) = imputar ou punir os
agentes por tentativa;
- Se atuar com mera negligência = não será imputável

Posição minoritária (Sara Prata): se ambas as condições se concretizarem e, se


for possível concluir que o resultado tanto se produziria por força de uma como por
força de outra, ambos os agentes são punidos por facto consumado.

Caso de causalidade cumulativa


A figura é diferente, mas o resultado é o mesmo, ou seja, nenhuma das condutas,
isoladamente considerada, provocaria o resultado. O resultado apenas advém da
conjugação das duas condutas, partindo do pressuposto que não há coautoria (não há
um plano conjunto entre os agentes, porque, se houvesse, já não eram dois atos
autónomos e, nesse caso, poderíamos imputar o resultado).
No DP, temos sempre o legislador da conduta e o legislador do resultado – para
além do desvalor do resultado, há um desvalor da conduta.

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Ana Paula Pinto
Tipo Subjetivo do ilícito: desvalor da ação e de resultado
O desvalor da ação exige que o facto típico esteja sempre associado a uma
pessoa, ou seja, todo o ilícito penal é, nesse sentido, pessoal. A ação deve poder ser
imputada a uma pessoa que seja um centro ético de imputação. Assim, o ilícito penal é
sempre um ilícito pessoal.
O tipo subjetivo vai ser composto pelos elementos subjetivos: dolo e negligência,
ambos previstos no CP, art. 13.º e 14.º; embora existam outros elementos de cariz
subjetivo que são especiais e que caraterizam certos tipos de crime.
Art. 13.º: um facto só é punido quando composto por um elemento subjetivo,
falamos em primeiro lugar em dolo (porque a criminalidade dolosa é mais significativa
no nosso ordenamento jurídico) e depois em negligencia (criminalidade negligente já
está num segundo plano, embora tenha vindo a assumir mais relevância). Para que
possa imputar um crime a uma pessoa, é necessário provar dolo; ou negligência (desde
que a lei o preveja expressamente (ex: art. 137.º)).

Art. 14.º: age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo
de crime, atuar com intenção de o realizar ou quem representar a realização de um facto
que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.
Art. 15.º: age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que,
segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz.

Modalidades da culpa
Dolo
Pode ser definido como o conhecimento e a vontade de realização de um tipo
objetivo de ilícito, facto típico ou atividade típica, composto por dois momentos:
intelectual e volitivo.
Art. 14.º: é a intenção e o conhecimento de praticar o crime, ou seja,
consubstancia-se na prática intencional e conhecida de um crime. O agente atua e
realiza o crime, com essa mesma intenção, atuou com a intenção (vontade) de ele
realizar um facto que ele representou (conhecimento) como um crime.

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Ana Paula Pinto
Elementos do dolo:
˃ Elemento intelectual: é exigido ao agente que saiba, conheça, represente corretamente as
circunstâncias do facto e de direito tipificado que preenche o facto objetivo ilícito, art. 16.º
Exige-se este momento para garantir que o agente, no momento da sua conduta,
conhece tudo quanto necessário para fazer uma correta orientação da sua consciência
ética, no sentido de compreender verdadeiramente o desvalor jurídico da sua ação, ou
seja, compreender a ilicitude da sua ação, pois só quando o agente representa na sua
consciência intencional a totalidade dos elementos constituídos da factualidade típica,
é que se pode afirmar que ele se decidiu a praticar o crime e equacionar a aplicação de
uma sanção penal.
Esta representação da totalidade dos elementos objetivos do tipo de ilícito tem
de ser uma interpretação atualizada no momento da ação, tem de ser atual. Não
significa uma ponderação moderada, uma reflexão profunda sobe as circunstâncias do
caso, mas significa que deve haver uma co-consciência imanente à ação, ou seja, a
representação deve configurar um permanente saber acompanhante da ação.
Para dizer que existe dolo o agente tem de ser capaz de representar na sua
consciência intencional/psicológica as circunstâncias do facto que preenche um tipo
objetivo de ilícito. Estas circunstâncias são compostas por circunstâncias de:
o Facto: elementos descritivos.
Não é difícil fazer esta representação, porque estamos a falar de realidades que têm
uma existência material no mundo exterior, isto é, realidades que são apreensíveis através
de uma atividade sensorial.
Exemplo: a vida no crime de homicídio (representar na sua consciência de vida); violação
da integridade física (corpo)

o Direito: elementos normativos.


Suscitam dúvidas porque são realidades que apenas podem ser representadas,
conhecidas por referência a uma norma jurídica ou não, ou seja, são elementos que
carecem de uma valoração socio-normativa ou jurídica.
Exemplo: casamento; contrato

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Ana Paula Pinto
Qual o nível de representação que o agente tem de fazer dos elementos
normativos?
O agente não tem de fazer uma subsunção técnica, exata destes elementos na lei,
porque se fosse exigida essa representação, só juristas é que podiam praticar crimes
dolosos. Exige-se, de acordo com MEZGER, é que o agente faça uma valoração paralela na
esfera de leigo, ou seja, tem de fazer uma apreensão do sentido ou significado
correspondente ao resultado daquela valoração jurídica, no essencial e dentro de um nível
próprio das representações do agente.
Ex: bigamia (o casamento não tem de ser compreendido como uma jurista compreendida,
mas como uma pessoa leiga compreenda)
Se o agente não conseguir representar a factualidade típica como é exigido como
elemento intelectual do dolo, o que via acontecer é que o dolo não vai se afirmar. Portanto,
quando falta esse cumprimento ou o agente faz uma representação errada, estamos
perante aquilo a que se chama um erro sobre as circunstâncias de facto. Erro que afasta o
dolo, nos termos do art. 16.º/1, embora fique ressalvado que possa ser punido por
negligencia, art. 16.º/3.
O elemento intelectual não indicia a atitude de contrariedade e ou indiferença
relativamente ao dever ser jurídico penal, indica se esta atitude é o momento volitivo, ou
seja, a tal vontade de realizar um tipo objetivo de ilícito.
É necessário o elemento intelectual do dolo para a orientação da consciência ética
para o desvalor jurídico.
Entra aqui o princípio da congruência entre o tipo objetivo e subjetivo de ilícito doloso.
͢ A ação só é relevante se souber que aquilo vai projetar-se num tipo de ilícito
͢ Tem de haver congruência entre a ação/omissão e o conhecimento de que aquilo é crime
͢ O agente tem de ser capaz de compreender e representar a conexão que existe entre a sua
ação e o seu resultado

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Ana Paula Pinto
Situações em que essa capacidade do agente de previsão falha, isto é, é abalada
e que podem afastar o dolo.
(1) Conhecimento das circunstâncias do facto: tem de ser verificado em todos
os crimes, que tanto pode ser:
 Elementos descritivos: aqueles que são apreensíveis pelos sentidos
 Elementos normativos: a sua apreensão depende daquilo que é a nossa apreensão da norma,
depende da pressuposição lógica de uma norma.
Ex: quando nos crimes patrimoniais se fala em caráter alheio ou utiliza o conceito
“funcionário ou detentor de cargo político
 Atualidade da consciência intencional da ação: a pessoa tem de manifestar a consciência
dos elementos do facto, sobretudo dos normativos no momento da ação.
Se isto não acontece, ele não atuou com conhecimento e, se não atuou com conhecimento,
há um erro sobre a factualidade típica.
 Erro sobre a factualidade típica: havendo este erro, exclui o dolo, art. 16.º.

(2) Previsão do decurso do acontecimento: agente tem de ser capaz de


compreender a conexão entre a ação e o resultado que dela advém, tem de ser uma
obra do agente. O modo como se vai realizar a ação será relevante, sobretudo nos
crimes de resultado.
Erros possíveis:
 Erro sobre o processo causal: divergência entre o risco que é conscientemente criado pelo
agente e o risco de onde decorre efetivamente o resultado. O agente obtém o resultado que
pretendia, mas por via de um processo causal distinto.
o Posição minoritária: o erro sobre o processo causal é relevante e afasta o dolo, na medida
em que o resultado obtido através da concretização de um processo causal de um risco que
não foi o que o agente projetou, ou seja, foi a concretização de um risco que o agente não
previu.
o Posição maioritária (Eduardo Correia e Maria Fernanda Palma): o erro sobre o processo
causal é irrelevante, ou seja, não afasta o dolo. Exceto nos crimes de execução vinculada
nos quais o processo causal é um elemento do tipo objetivo de ilícito e, como tal, é uma
circunstância do facto para efeitos do art. 16.º/1.

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Ana Paula Pinto
o FD: questão do erro sobre o processo causal fica resolvida através da aplicação da doutrina
da imputação objetiva do resultado à ação e, por isso, aplica-se, particularmente, a teoria
da causalidade adequada. Portanto, fazer um juízo de prognose póstuma, isto é,
colocarmo-nos no momento da prática do facto e verificar se a conduta do agente, o risco
que criou, é idóneo e adequado para a produção do resultado, ou seja, se o resultado seria
o da consequência previsível da sua conduta.
Ora, verificando-se o nexo de causalidade, dizemos que o erro sobre o processo
causal é irrelevante pelo que afasta o dolo.

 Erro de execução/caso de aberratio ictus vel impetus (“desvio da trajetória/golpe”): conjunto


de casos, em que, por erro na execução, é atingido um objeto distinto daquele que era o
previsto pelo agente, ou seja, o agente sabe o que quer atingir, mas por um erro na execução,
irá atingir um objeto ou uma pessoa diferente do seu propósito. Não se produz o resultado
pretendido pelo agente, resultado em relação ao qual se referia a vontade do agente (a
realização típica).
o Teoria da concretização: o agente em relação ao resultado pretendido do crime projetado,
ele só poderá ser punido por tentativa. Quanto ao resultado consumado do crime
produzido, apenas poderá configurar um crime negligente se, para isso, estiverem reunidas
as condições para que se verifique que o agente tenha atuado com negligência
o Teoria da equivalência (teoria minoritária): se houver identidade típica entre o tipo
objetivo de ilícito projetado e o tipo objetivo de ilícito consumado, o agente deve ser
punido pelo crime consumado na forma dolosa.

 Erro sobre a identidade do objeto ou da entidade da pessoa atingida/error in persona vel


obecto: há um erro na formação da vontade do agente, este pretendia atingir pessoa ou
objeto diferente.
Se houver identidade típica entre o objeto visado e a pessoa, o erro sobre a
identidade da pessoa é irrelevante e não se afasta o dolo porque a lei não proíbe a lesão
de objeto ou de pessoas específicas, as normas incriminatórias visam proteger qualquer
objeto e pessoa que esteja compreendida no tipo objetivo de ilícito.
Nas situações em que não há identidade típica entre o objeto visado e a pessoa,
o erro sobre a identidade da pessoa é relevante. O agente vai ser punido por tentativa

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Ana Paula Pinto
em relação ao crime projetado e punido a título de negligência em relação ao crime
consumado.
Coisa diferente é querer acertar numa pessoa, mas acerta num animal. Aqui o
tipo legal de crime refere que aquilo que é relevante é a morte de uma pessoa. No
entanto, a punição por homicídio apenas poderá ocorrer se houver uma coincidência
entre a representação feita e o elemento do tipo.

 Dolus generalis: situação em que o agente erra sobre qual dos diversos atos de uma conexão
da ação produz o resultado.
Nestas situações existe uma ação que está dividida em 2 momentos: (1) o agente
pensa erroneamente que produziu o resultado pretendido; (2) fruto de uma nova
atuação se produz o resultado pretendido (muitas vezes com o objetivo de encobrir o
primeiro momento).
A primeira ação estava suportada pelo dolo, mas não determinou o resultado e
a segunda ação que determinou o resultado já não estava suportada pelo dolo.
o Posição maioritária: agente deve ser punido por crime doloso consumado
▪ Stratenwerth e Kuhlen: dizem que tudo vai depender de saber se o agente tinha
planeado ou não a segunda ação:
o Se tiver planeado: punido por um crime doloso consumado;
o Se não tiver planeado: punido apenas uma tentativa
▪ Roxin: solução varia consoante o agente tenha intentado a verificação do resultado
ou apenas se tenha conformado com esse resultado.
▪ FD: solução passa pela aplicação da doutrina da imputação objetiva do resultado à
conduta, nomeadamente a teoria da causalidade adequada.
Portanto, fazer um juízo de prognose póstuma, isto é, colocarmo-nos no
momento da prática do facto e verificar se o risco que concretizou o resultado pode ser
reconduzido ao quadro de riscos derivados da primeira ação, ou seja, se o resultado
produzido é idóneo e adequado para a produção do resultado da primeira ação.
Se a resposta for positiva, o agente será punido pelo crime doloso consumado.
Se a resposta for negativa, o agente será punido pela tentativa em concurso eventual
com o cometimento.

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Ana Paula Pinto
o Posição minoritária: agente deve ser punido pela tentativa em concurso eventual com o
crime consumado na sua forma negligente.

(3) Conhecimento da proibição legal: se o crime exige o conhecimento da


proibição legal, a existência desse conhecimento é relevante, assim, o erro sobre as
proibições legais exclui o próprio dolo (art. 16.º).
Objetivo de garantir que naquele momento, em que atua consegue orientar a
sua consciência ética para o problema da ilicitude, ou seja, pretende-se garantir que o
agente compreende o desvalor jurídico que está associado à sua conduta.
Estão em causa proibições legais inerentes ao tipo e que é preciso conhecê-las
para se poder dizer que o indivíduo cometeu o crime. Exceto nos casos do DP secundário
em que existem algumas normas que têm proibições legais e é preciso conhecer para se
poder afirmar a resolução do tipo do crime.
Art. 16.º/1/2ªp: o erro sobre as proibições, cujo conhecimento for indispensável
para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto exclui o dolo.

O erro sobre a proibição legal pode afastar o dolo, quando:


- Direito das contraordenações: quando o agente não tem conhecimento da proibição legal
da sua conduta;
- DP secundário: tipos de crime que muitas vezes não são conhecidos pela comunidade e
que envolvem uma serie de conceitos ou que estão baseados em determinadas realidades,
que são extremamente contingentes
- DP de justiça: crimes que tutelam bem jurídicos pouco interiorizados na comunidade, ou
seja, bens jurídicos que ainda não estão verdadeiramente aceites na consciência de valores
da comunidade
- Crimes de perigo abstrato: compostos por condutas com relevância axiológica, mas que
exigem que o agente conheça a proibição legal para estar verdadeiramente consciente da
ilicitude associada à sua conduta
- Condutas cuja certas pessoas não saibam que são proibidas: não percebem o bem jurídico
a tutelar ou porque é protegido

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Ana Paula Pinto
˃ Elemento volitivo/da vontade: vontade de realização do tipo objetivo de ilícito, sendo
importante para a graduação do crime
A doutrina diverge, mas a maioritário defende que é possível identificar 3 tipos:
͢ Dolo direto intencional ou de 1º grau, art. 14.º/1: é o mais evidente porque a realização do tipo
objetivo de ilícito surge como um verdadeiro fim na conduta ou, surge como um pressuposto ou
um estádio intermédio para atingir o fim da conduta.
Sabe e realiza com intenção de o realizar.
͢ Dolo direto necessário ou de 2º grau, art. 14.º/2: a realização do tipo objetivo de ilícito surge
como uma consequência necessária, ou seja, o agente representa a realização típica como algo
inevitável ou altamente provável da sua conduta.
Representar a realização típica como sendo algo que tem de acontecer.
͢ Dolo eventual, art. 14.º/3: a realização do tipo objetivo de ilícito é representada pelo agente
como uma consequência meramente possível da sua conduta, ou seja, o agente prevê um
resultado (um facto típico) como consequência possível da sua ação e conforma-se com esse
resultado, portanto, vai agir na mesma, mesmo sabendo que aquele tipo objetivo de ilícito pode
se produzir.
Representa como possível e conforma-se (≠ negligência consciente onde não se conforma)
Negligência
Age com negligência quem, não procedendo com o cuidado a que, segundo as
circunstâncias, estamos obrigados e somos capazes de proceder. O legislador exige a adoção
de uma conduta cautelosa, segundo as circunstâncias verificáveis, em cada momento.
Art. 15.º: considera-se que se está perante uma atuação negligente quando:
˃ Negligência consciente (al. a): o agente representa como possível a realização de um facto
que preenche um tipo de crime, mas atua sem se conformar com essa realização;
˃ Negligência inconsciente (al. b): o agente não chega sequer a representar a possibilidade de
realização do facto. Todos sabem do perigo, por isso violou um dever jurídico de cuidado
avaliado pelo critério do homem médio.
Ex: art. 137.º
Só se é punido a título de negligência quando há uma violação de um dever de cuidado
que tem de ser repercutido num resultado, ou seja, tem de existir uma conexão entre a
violação do dever e o resultado obtido e tem de existir uma previsão normativa da punição
por negligência.
100
Ana Paula Pinto
Teorias para a distinção entre dolo eventual e negligência consciente
É importante ter a noção de que a distinção é difícil na teoria e, ainda, na prática,
porque a produção de prova que demonstre que o agente agiu com dolo eventual ou
com negligência consciente é muito difícil, pelo que estamos a falar de uma dimensão
interna do agente.
Embora seja hoje ponto assente que a Problemas:
distinção entre esses conceitos radica no 1. Facto de ser difícil estabelecer um
plano volitivo, estas determinam que a critério que permita determinar um
diferença reside no plano intelectual. critério de probabilidade
Para que haja afirmação de dolo 2. Situações em que o agente entende
Teoria da eventual não basta o conhecimento da que à pouca probabilidade de se vir a
possibilidade da realização típica como verificar o tipo objetivo de ilícito, mas
probabilidade consequência típica. mesmo assim está decidido a realizar o
Esta representação tem de ser tipo objetivo de ilícito.
qualificada, ou seja, tem de ser → Privilegia o agente obstinado (pessoa
correspondente a uma probabilidade ou uma extremamente determinada que se
probabilidade relativamente alta. propõe a fazer algo, mesmo sabendo que
a probabilidade é baixa)
Dolo eventual: agente representa a Problema:
realização típica como consequência possível 1. Promove o agente otimista e
da sua conduta e aceita intimamente a sua irrefletido
Teoria da verificação ou pelo menos revela indiferença
em relação a ela.
aceitação
Negligência consciente: agente
representa a realização típica como possível,
mas repudia intimamente a sua verificação e
espera que ela não aconteça.
Parte da ideia de que o dolo pressupõe Privilegia o agente otimista e não
algo mais do que o conhecimento do perigo privilegia o pessimista.
de realização típica. FD – “privilegia o otimista em
Teoria da Eduardo Correia: o agente atua não face do deprimido pessimista”
Conformação, confiando que o resultado não se verificará.
Esta formulação tem dupla negativa muito
art. 14.º/3 difícil de compreender e é uma conceção que
usa uma definição essencialmente psicologista
de confiança (não confiar que o resultado não
se verificará – elemento psicológico).
Dolo eventual: o agente toma a sério o risco de possível lesão do BJ, entra em
Figueiredo
contas com isso e ainda assim decide realizar o facto típico. Neste sentido, é razoável
Dias concluir que aquilo que levou o agente a atuar, no seu entendimento, justifica a lesão do
BJ e a realização típica.

101
Ana Paula Pinto
O agente mostra que está disposto a arcar com as consequências da sua ação
(resigna-se face às consequências que prevê como possíveis).
Sugere que se crie uma terceira figura para além do dolo e da negligência, ou seja,
teríamos o dolo, a negligência e a temeridade onde iria incluir as situações de dolo
eventual e de negligência consciente.
!!!!
Dolo subsequente: consiste num momento em que o agente se conforma com um facto típico
depois de acontecer, ou seja, o agente assume conscientemente a posterior o resultado que se
produziu previamente.
Não constitui dolo do tipo, pois ninguém pode decidir fazer uma coisa que já aconteceu. O
dolo do tipo tem uma dimensão temporal, que vai do início até ao fim da conduta que realiza o tipo
objetivo de ilícito (o que acontece antes e depois não é relevante). Entre o dolo do tipo e a realização
típica tem de existir uma conexão temporal, isto é, as duas realidades têm de ocorrer em simultâneo.
O “dolo” subsequente surge só depois da realização típica, e por isso, vai ser absolutamente
irrelevante.
Dolo antecedente: consiste num dolo prévio à realização típica.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Princípio da confiança: foi desenvolvido sobretudo na jurisprudência alemã e que tem uma
grande aplicabilidade prática em casos de circulação rodoviária, equipas médicas.
Muitas vezes na realização de crimes negligentes existe a participação de várias pessoas
(vários intervenientes), e por isso questiona-se a intervenção e uma pluralidade de pessoas pode
afetar a imputação de responsabilidade individual.
Este princípio estabelece que a cada um deve cuidar do seu cuidado e deve, por isso, confiar
que as restantes pessoas fazem o mesmo, ou seja, quem se comporta no tráfego jurídico, de acordo
com as normas de cuidado que intendem sobre si devem poder confiar que o mesmo acontece com o
resto das pessoas, salvo se tiver razões concretamente fundadas para pensar ou dever pensar em
sentido contrário.
FD: Este dever de confiança tem o seu fundamento no princípio da autorresponsabilidade de
terceiros que parte da ideia de que as outras pessoas também são seres responsáveis e que se elas se
comportam de forma não cuidadosa isso só deve afetar, em princípio, a sua própria responsabilidade.
Neste sentido, ninguém deve responder, do ponto de vista penal, do descuido de outras pessoas
No entanto para ser aplicado e excluir a responsabilidade criminal é necessário:
(1) Atuar com o cuidado devido naquela situação, pois só podemos esperar o cuidado dos
outros se formos cuidadosos
(2) Aferir se ele não tinha razões concretamente fundadas para não confiar no cuidado dos
outros.
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Ana Paula Pinto
Tipos justificadores/causa de justificação: excluem a ilicitude, limitação do tipo
incriminador, isto é, visa atuar como uma limitação do tipo incriminador
≠ causas de exculpação: excluem a culpa.
Para sabermos o que é um tipo justificador é necessário recorrer aos tipos
incriminadores: conjunto de circunstâncias fáticas que se ligam diretamente à
fundamenta menção do ilícito, ou seja, revela o bem jurídico que é tutelado pelo tipo
incriminador e dá a conhecer aquelas que são as condições que o comportamento tem
de apresentar para ser considerado um ilícito.
Neste sentido os tipos incriminadores e justificadores apresentam uma relação
de complementaridade funcional na valoração de uma condita como licita ou ilícita. Isto
porque os tipos incriminadores fundamentam, provisoriamente, a ilicitude e os tipos
justificadores vão excluir de forma definitiva essa mesma ilicitude.
Os tipos justificadores passam sempre por ponderação de interesses de bens
jurídicos protegidos pela ordem jurídica pelo que, quando não passam, estamos perante
situações atípicas.
Ex: desportos de alta competição violentos
Às vezes acontecem fatalidades e não podemos falar de causas de justificação
propriamente ditas, mas antes situações atípicas, porque “escapam” ao sistema clássico
dos tipos justificativos, dizendo apenas a ordem jurídica que, inserindo-se aquela
conduta no âmbito do desporto que, por sua vez, é legal, não haverá qualquer problema
a nível penal.
Ainda que se possa dizer que consentiu, a verdade é que ele não consentiu em
morrer, sendo precisamente por isso que se exclui a possibilidade de realização de juízos
de ponderação, neste âmbito.
Art.31.º: “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem
jurídica, considerada na sua totalidade”, ou seja, a ordem jurídica considerada na sua
totalidade que um determinado facto ofende determinado bem jurídico-penal, mas se
essa ofensa for justificada pela ordem jurídica no seu todo, esta ofensa está justificada
à luz do DP.
Elenco exemplificativo: legislador não enuncia todas as causas de justificação,
mas apenas enuncia algumas (previstas na parte geral). Existem outras previstas na
parte especial e em legislação avulsa (ex: art. 150.º e 156.º CP e ação direta).
103
Ana Paula Pinto
Enunciação de algumas causas de justificação
Legitima Defesa, art. 32.º:
Constitui legítima defesa o facto típico (previsto num tipo legal de crime)
praticado como meio de defesa para repelir a agressão atual e ilícita de interesses
juridicamente protegidos pela ordem jurídica no seu todo pelo agente ou por um
terceiro (o agente é, assim, aquele que pratica o facto em defesa e proteção de algo).
Tem por fundamento a necessidade de defesa da ordem jurídica através da qual
se justifica que possa ser sacrificado um bem jurídico de valor superior aquele que é
tutelado ou defendido e, ainda, têm por fundamento a necessidade de proteção de um
bem jurídico que é ameaçado por uma agressão. Podemos ligar estas duas finalidades
numa só, que é a preservação do direito na pessoa do agredido.

A legitima defesa é composta por:


(1) agressão;
(2) ação ou reação de defesa.
A legitima defesa do art. 37.º CC também acontece no CP.
Uma vez que a legitima defesa assume uma natureza de autotutela de bens
jurídicos, é importante que se verifique todos os requisitos para que uma ação defesa
constitua legitima defesa, nos termos do art. 32.º:

1. Pressupostos relativos à agressão:


FD: agressão para feitos penais é a ameaça derivada de um comportamento
humano a um bem jurídico ou um interesse juridicamente protegido, podendo ser
individuais, coletivos ou bens jurídicos de terceiros.
(1) comportamento humano: ficam de fora as ameaças derivadas de animais, de coisas
inanimadas ou eventos naturais (força da natureza).
(2) comportamento voluntário: não há legitima defesa quando alguém responde a uma
ameaça que foi provocada por alguém que se encontrava num estado de inconsciência ou que
estava totalmente desprovido de vontade.
(3) uma ação ou omissão (pura ou impura)
Ex: são justificadas por legitima defesa, ameaças que uma pessoa faça a uma mãe que não
alimenta o seu filho recém-nascido (omissão da parte da mãe, pelo que não está a cumprir um
dever que incumbe a ela).
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Ana Paula Pinto
(4) atual: é iminente (o bem jurídico já se encontra imediatamente ameaçado, não é
preciso concretização), quando já se iniciou ou ainda persiste.
A atualidade da agressão é importante, porque existem crimes em que o estado
de anti-juricidade vai para além do momento da consumação.
Ex: crime de sequestro é consumado quando o agente fica preso num
determinado armazém, mas o crime mantém-se no estado antijurídico enquanto a
pessoa ficar presa contra a sua vontade e, por isso, durante todo esse período, a vítima
pode reagir em legitima defesa.
A defesa só pode ter lugar até ao último momento em que a agressão ainda
persiste.
(5) ilícita: a ilicitude da agressão vai se aferir em relação a todo o ordenamento jurídico
Contudo, a defesa já não é legitima se a ordem jurídica coloca à disposição do
agredido, procedimentos especiais para reagir a agressões contra bens, interesses ou
direitos relativos.
Não pode haver legitima defesa contra legitima defesa.
(6) Podem ser agressões dolosas ou negligentes
(7) Ameaçar bem jurídico que podem ser individuais ou supra individuais e podem ser
do próprio agente defendente ou de terceiro

2. Pressupostos relativos à ação de defesa:


(1) Necessidade de defesa como tal na situação (em si): tendo em conta aquela que é a
fundamentação da legitima defesa, ou seja, a proteção do direito na pessoa do agredido.
Este requisito muitas vezes é ignorado pela doutrina e pela jurisprudência.
Contudo, FD: esta necessidade de defesa em si é um requisito associado a um conjunto
de grupos de situações problemáticas, em que, por algum motivo, a necessidade da
defesa pode ser negada ou altamente limitada.
Nessas situações, incluímos:
▪ Agressões não culposas: a agressão até pode ser atual e ilícita, mas o agressor age sem culpa.
Quanto menos responsável for o agressor pela sua situação, são mais restritivos os limites de
necessidade de defesa.

105
Ana Paula Pinto
Esta limitação da necessidade da defesa vai aplicar-se com as devidas adaptações para os
casos em que o agressor atua com culpa sensivelmente diminuída.
▪ Agressões provocadas: agressões que são precedidas de atitudes de provocação do agredido, ou
seja, é o próprio agredido que dá caso à situação de conflito ou confronto, seja através de injurias
ou através da prática de factos ilícitos não atuais, ou através da prática de factos que não são
ilícitos, mas são socialmente reprováveis.
Podemos estar perante agressões pré-ordenadamente provocadas, ou seja, o defendente
instrumentaliza a agressão para poder atingir o agressor e poder dizer-lhe que o fez ao abrigo de
uma aparente legitima defesa.
▪ Situações de desproporção do significado da agressão e da defesa: devemos fazer uma
comparação objetiva do significado jurídico-social da defesa relativamente ao peso da agressão
para o agredido e caso haja uma insuportável desproporção deve negar-se a defesa, porque
haverá aqui um abuso do direito de legitima defesa.
Ex: senhor paralítico utiliza uma arma para atirar para matar contra um assaltante que lhe
tenta furtar a carteira por 5 euros, sendo que a arma é o único meio que ele dispõe para se
defender. Nesta situação, mesmo que a arma fosse o último meio que tinha para se defender, há
uma desproporção entre o meio de defesa e a agressão e, nessa medida, uma vez que não havia
necessidade de defesa, não estaríamos perante uma situação de legitima defesa.
▪ Atos de autoridade: atos que são praticados por agentes policiais (de força pública). Trata-se de
pessoas com maior preparação para lidar com situações de agressão e que estão numa posição
especial que os obriga, dentro dos limites de razoabilidade, a estar sujeitos a mais perigos.

(2) Necessidade dos meios utilizados: meio é necessário quando se revela idóneo para
repelir e deter a agressão e, caso sejam vários os meios adequados para o fazer, o agente deve
optar por aquele que for menos gravoso para o agressor.
É necessário fazer um juízo referente ao momento da ação, isto é, um juízo ex ante e
devemos, nesse juízo, apreciar toda a dinâmica do acontecimento:
- Tem de olhar para as características pessoais do agressor: perigosidade, idade, estrutura física;
- Tem de atender aos instrumentos que o agressor utiliza;
- Tem de atender à intensidade e surpresa do ataque;
- Características pessoas do defendente (que pode não ser o próprio agredido)

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Ana Paula Pinto
Este juízo é importante porque pode haver situações em que há um excesso de
meios – excesso intensivo de legítima defesa. O art. 33.º/1 prevê que o excesso de meios
tem como consequência a afirmação da ilicitude do facto.
Art. 33.º: prevê limitações, ou seja, se o agente atuar em excesso de legítima
defesa, o facto continuará a ser ilícito, mas a pena pode ser excecionalmente atenuada.
O meio era necessário, mas usou mais do que era necessário e, se for excessivo,
então o DP determina que continua a ser ilícito o excesso do meio utilizado. No entanto,
o legislador defende que é possível atenuar a pena sem excluir a ilicitude.
Nº2: o agente, mesmo atuando em excesso de legítima defesa, pode não sofrer
uma pena e pode, até, excluir a ilicitude, mas apenas se o agente tiver atuado com
medo, susto, perturbação e receio justificado, não censuráveis – neste caso, a sua
conduta não será censurável.
Este medo, susto ou perturbação têm de ser não censuráveis, ou seja, têm de ser
um afeto que ultrapassa a intensidade que a ordem jurídica espera que seja suportável
por todo o homem fiel ao direito. Para fazermos esta apreciação, temos de pensar no
homem médio, ou seja, se este homem médio, naquelas condições que o agente é
colocado, se teria aquele medo, perturbação ou receio.
!!!! Não se aplica a inimputáveis.

3. Exigência mínima subjetiva (mínimo denominador comum): o agente quando


está a defender tem consciência da sua situação defensiva, que estão reunidas as
condições para haver uma legítima defesa.

Tipos:
˃ Legítima defesa alheia/auxílio necessário: trata-se das situações em que uma pessoa, alheia
à agressão, pode impedir agindo em legítima defesa para tutelar o bem jurídico da pessoa
que está a ser agredida.
FD: o agredido não pode ser ajudado ou nunca deve ser auxiliado contra a sua
vontade, porque o contrário implicaria ultrapassar a ideia que está na base da legitima
defesa que é a proteção de um direito na pessoa do agredido. O foco principal está no
agredido e, se o mesmo não quer ser protegido, não se deve ultrapassar a sua vontade
e, portanto, não se pode reivindicar como um exercício legitimo de auxílio necessário à

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Ana Paula Pinto
atuação do defendente que o faz sem o consentimento expresso do agredido ou sem
que o agredido manifeste a sua vontade nesse sentido.
˃ Legítima defesa preventiva (não é admissível no nosso OJ): já se sabe antecipadamente, com
certeza ou com um elevado grau de certeza, que a agressão vai ocorrer.
˃ Legítima defesa reativa (não é admissível no nosso OJ): não é possível reagir a uma legitima
defesa
˃ Legítima defesa potestativa: erro sobre elementos do tipo justificador. Traduz na errónea
suposição de que se verificam, no caso concreto, os pressupostos da defesa, isto é, a
existência de uma agressão atual e ilícita.
Este erro vai ser tratado de forma semelhante ao erro sobre a factualidade típica,
o art. 16.º/2 determina que o erro sobre os elementos do tipo justificador, ou seja, o
erro sobre o estado de coisas que ao existir iriam excluir a ilicitude do facto, exclui o
dolo. O erro sobre os elementos do tipo justificador exclui o dolo e, se é assim, o agente
não vai ser punido pela prática de qualquer crime doloso.
Se não pode ser punido a título de dolo, pode ser punido a título de negligencia,
de acordo com o art. 16.º/3, para que haja negligência, é necessário verifica-se a
violação de um dever objetivo de cuidado que se traduza, depois, na produção de um
resultado típico; e é necessário que a lei preveja o tipo negligente em causa. Naquelas
condições, o agente poderia ter-se apercebido do erro, ou seja, se estivesse numa
circunstância com condições para perceber o erro.

Direito de necessidade, art. 34.º e ss:


Afastamento através da prática de um facto típico de um período atual que
ameaça bens jurídicos do agente ou de terceiro, que pode ser:
Art. 34.º, Estado de necessidade justificante: exige-se que o interesse
salvaguardado seja de valor sensivelmente superior ao do interesse sacrificante = haverá
exclusão de ilicitude
Art. 35.º, Estado de necessidade desculpante: não se exige que se verifique esta
sensível superioridade do interesse salvaguardado, ou seja, o interesse salvaguardado
pode ser de valor inferior, igual, mas não superior relativamente ao bem jurídico
sacrificado = exclusão de culpa

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Ana Paula Pinto
Estado necessidade justificante tem um duplo fundamento:
(1) razão de utilidade social, traduzida na maximização de proteção de interesses ou
bens jurídicos, mais concretamente o interesse preponderante na situação;
(2) exigência mínima de solidariedade entre os membros da comunidade.

!!!! FD alerta para o facto de o legislador, no art. 34.º, não se referir a bem
jurídico, mas antes a interesses juridicamente protegidos porque, num estado de
necessidade, não se trata de fazer uma ponderação de bens jurídicos, mas antes trata-
se de uma ponderação de bens jurídicos num contexto global de situação.

Pressupostos:
(1) Situação de necessidade: tem de existir um perigo atual que ameace interesses
juridicamente protegidos do agente ou de terceiro que apenas possa ser afastado sobre o bem
jurídico que foi lesado ou posto em perigo.

(2) Interesse juridicamente protegido tem de se encontrar objetivamente em perigo:


tem de ser atual.
A atualidade do perigo é a mesma da agressão da legítima defesa, mas esta
noção para efeitos do estado de necessidade é mais ampla, isto é, o perigo é atual
mesmo quando ainda não é iminente, mas o adiamento de facto salvador representaria
uma potenciação do perigo.
Al. a: conceito “voluntariamente” deve ser entendido como intencionalmente e,
dessa forma, a justificação apenas deve ser afastada se a situação tiver sido provocada
intencionalmente pelo agente, ou seja, se ele tiver premeditadamente criado a situação
de perigo para depois se livrar dela à custa da lesão de bens jurídicos alheios.
FD: só vamos afastar a justificação quando o agente tenha criado
intencionalmente a situação de perigo para depois a afastar à custa da lesão de bens
jurídicos alheios.

(3) Podemos estar perante uma situação de colisão de direitos ou interesses


juridicamente protegidos: tem de haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar
relativamente ao interesse sacrificado.

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Ana Paula Pinto
Princípio do interesse preponderante: exigir que o interesse salvaguardado seja
claramente superior ao interesse sacrificado (não pode haver margens para duvidas de
que aquilo que protegemos é superior aquilo que foi sacrificado).
Não existe uma resposta única, mas podemos recorrer a critérios:
˃ Molduras penais: olhar para estas molduras previstas para a violação de cada um dos bens
ou dos interesses presentes. Mas nem todos os bens jurídicos suscetíveis de ser protegidos
tem natureza penal.
Ex: a moldura penal prevista para a violação do bem jurídico vida é superior à moldura penal
prevista para o crime contra a honra. Daqui retiramos que a vida é superior ao interesse da honra.
˃ Intensidade da lesão do bem jurídico: em princípio, os bens jurídicos pessoais prevalecem
sobre bens jurídicos patrimoniais. Contudo, por exemplo, poderá justificar-se uma pequena
lesão de um bem de natureza pessoal para afastar lesão grave de um interesse patrimonial.
˃ Grau do perigo: ponderar o grau de perigo que é criado ou afastado pela ação de salvamento.
Ex: a criação de um perigo abstrato é justificada pelo direito de necessidade quando se destine a
afastar o perigo completo.
˃ Autonomia pessoal do lesado: atender ao facto de que o ato necessitado ofende o bem
jurídico do lesado, o seu direito de autodeterminação e de autorrealização e, portanto, o
direito de necessidade só se verificará quando for razoável impor ao lesado o sacrifício do seu
interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse ameaçado. Esta exigência de
razoabilidade resulta do art. 34.º/b.
˃ Princípio da imponderabilidade da vida da pessoa já nascida: princípio fundamental que parte
de uma concessão ética e pessoalista que vê a vida do ser humano como algo insubstituível
e incomparável. Portanto, para efeitos do tipo justificador que está em causa, não pode haver
distinções quantitativas e qualitativas entre vidas humanas.
Sempre que haja confronto entre os bens jurídicos vida, temos de atender a este
princípio. Contudo, há casos em que tem de se fazer uma ponderação global da situação,
como nos casos em que a doutrina chama de “casos de comunidade de perigo”, ou seja,
casos em que há várias pessoas, numa situação de perigo, e se sacrifica uma ou alguma
dessas vidas para salvar as restantes.

(4) Adequação do meio: o agente tiver feito uso de um meio adequado para afastar o
perigo, o meio deve ser idóneo para salvaguardar o interesse preponderante.

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Ana Paula Pinto
Avalia-se a idoneidade através de um juízo de prognose póstuma, ou seja, temos
de atender aquilo que são as regras da experiência e a normalidade dos acontecimentos.

(5) Requisito de natureza subjetiva (elemento subjetivo): o agente deve atuar


conhecendo a situação de conflito de interesses, ou seja, deve conhecer os elementos do tipo
justificador e atuar com a consciência de salvaguardar o interesse preponderante.
Não se exige, contudo, que o agente atue com vontade de defender o interesse
preponderante, tem antes de atuar com a consciência de defender o interesse
preponderante (mas não vontade).

Estado de necessidade defensivo: defende-se de um perigo que tem origem na


pessoa que vai ser vítima da ação necessitada. suscitaram alguma discussão na nossa
doutrina, pelo que
(1) alguns defendem que esta causa de justificação supralegal, diferente do estado de
necessidade
(2) outros entendem que este estado de necessidade está sujeito aos mesmos requisitos
previstos no art. 34.º para o estado de necessidade ofensivo.

FD: o estado de necessidade defensivo surge quando não podemos recorrer à


legítima defesa, porque falta um requisito, seja porque o facto perigoso não se configura
como uma agressão; seja porque falta a ilicitude; seja porque falta a atualidade.
Contudo, diz que estes dois tipos de estado de necessidade vão estar sujeitos aos
mesmos requisitos, ou seja, não obstante haver uma distinção concetual entre estado
de necessidade ofensivo e estado de necessidade defensivo, ambas as figuras devem
estar submetidas à mesma regulamentação contida no art. 34.º, até porque o estado de
necessidade defensivo participa no fundamento do estado de necessidade justificante
ou ofensivo – conferir prevalência ao interesse que, numa situação complexa de conflito
de bens e interesses, deva representar-se como de maior valor.
Portanto, o facto de a ação necessitada recair sobre o próprio que dá origem à
situação de perigo, deve ser visto apenas como mais um aspeto da ponderação dos
interesses conflituantes como serve a figura do estado de necessidade.
Diferença entre o direito de necessidade e legítima defesa:

111
Ana Paula Pinto
Estão muito próximas, pelo que o que as permite distinguir é a agressão e o perigo
atual. Ambos excluem a ilicitude:
- Legitima defesa = repelir a atuação ou omissão atual
- Direito de necessidade = repelir um perigo atual.
No entanto, nos casos em que a agressão é iminente, mas ainda não tenha acontecido,
há autores que defendem que estamos perante legitima defesa, pois estamos a antecipar a
hipótese da agressão.
Há espaço para uma defesa antecipada de acordo com o legislador, mas esse espaço é
o direito de necessidade, porque determina que ou existe perigo ou existe agressão.
Há perigo sempre que não houver agressão, ou seja, quando começa a ação ou omissão
de agressão deixa de haver perigo e passa a haver atuação.

Conflito de deveres, art. 36.º: situação de ponderação de bens jurídicos positivos


em que o agente tem de optar por um dos deveres, devendo apenas optar por um,
sendo que optando por um, estou a cometer um crime e abdicar do outro.
Tem de estar em causa deveres jurídicos, impostos por lei ou por autoridade
legítima, deveres positivos e o agente tem de obrigatoriamente optar por um deles,
sacrificando o outro.
Nota: Ac. TRG de 4 de fevereiro de 2013: “em caso de conflito de deveres, sendo
possível hierarquizar os que estiverem em confronto, o comportamento só não será ilícito se o
agente optar pelo comportamento mais valioso”. No entanto, a lei diz coisa diferente,
estipulando que o valor sacrificado pode ser de valor igual.
O tribunal deve, assim, começar pelo direito de necessidade (art. 34.º) e, posteriormente,
foi averiguar se havia estado de necessidade (art. 35.º) e, não havendo, recorre ao art. 36.º,
afastando a ilicitude.
Pese embora, segundo o entendimento do professor, deveria ir-se, de imediato ao art.
36.º e só podemos ao art. 35.º, procurando afastar, desde logo, a ilicitude.
Art.º 37.º: Obediência indevida desculpante, “age sem culpa o funcionário que
cumpre uma ordem sem conhecer que ela conduz à prática de um crime”, ou seja, age
sem culpa porque é desculpável o comportamento de alguém que cumpre uma ordem
pensando que a mesma é legítima, sendo necessário que não seja evidente que conduza
à prática de um crime pelo que não é obrigado a fazê-lo (art. 36.º/2).
Consentimento, art. 38.º:
112
Ana Paula Pinto
Cada vez mais importante hoje por diversas razões entre as quais a questão de
saber até onde cada um de nós deve ser livre de levar os seus desejos de realização
pessoal até ao ponto de colocar em causa bens jurídicos próprios (ex: vida, liberdade,
liberdade sexual), sendo certo que parte do princípio de que há um crime, uma violação
de bens jurídicos.

!!!! Acordo ≠ Consentimento


Sistema pessoal: modo como a pessoa pensa e atua

Sistema social: modo como sociedade olha para estas questões
Qualquer bem jurídico apela ao sistema social porque tem um interesse
comunitariamente considerado relevante para convivência social; pois o bem jurídico
não é um interesse individualmente considerado relevante porque se assim fosse
provavelmente não haveria bens jurídicos (não haveria um consenso)
Na hora de decidir, decide-se por consenso por razão da maioria, respeitando a
diversidade de posições dos deputados que representam o país (=democracia).

Consentimento: quando individualmente se vai contra aquilo que socialmente


está assente, o sistema pessoal contra o sistema social
Apesar de haver conflito desde que reunidas condições, aceita-se que pessoa se
sobreponha ao sistema social e por isso justifique o crime.
Em DP, consentimento é quando há um conflito claro, uma divergência, entre
vontade da pessoa e a vontade da sociedade.
Exemplos:
A faz piercing, tatuagem, operação plástica: o sistema social não aprova esta conduta
porque acima de tudo está a bem jurídica: integridade física; mas A consente, então se A quer
o sistema social aceita.»»» Sistema pessoal sobrepõe-se ao sistema social
Não é uma questão de paternalismo porque se o DP não atuasse assim, sempre que
houvesse lesão do corpo ela estaria justificada, o que não pode ser a regra do sistema social.

Acordo: situação de atipicidade porque não chega a ser um acontecimento típico


(não esta tipificado). Não existe um conflito entre sistema pessoal e sistema social, há
uma convergência entre ambos, embora os atos que sejam realizados não fosse esse
acordo seriam altamente típicos.

113
Ana Paula Pinto
À primeira vista e na verdade na essência, há uma afetação de bem jurídico, mas
essa afetação não é contraria ao sistema social, pois o próprio sistema social permite
essa afetação e o sistema pessoal também permite então não há conflito nenhum (não
há consentimento).
Exemplos:
Relações sexuais entre adultos: há acordo pelo que o que à primeira vista podia ser uma
agressão a bem jurídico é considerada situação atípica (situação não tipificado)
Entrar em casa de outra pessoa: se entra sem autorização é um crime de introdução em
casa alheia porque há bem jurídico violado (privacidade); o sistema social não aprova a
introdução em casa alheia. MAS quando o dono convida para ir a casa, aí o sistema social
aprova complemente a situação.

Pressupostos do consentimento
˃ Caráter pessoal: bens jurídicos pessoais ou património pessoal do individuo
˃ Disponibilidade do bem jurídico: bem jurídico tem de ser disponível, considerados
transacionáveis
Suprimidos da equação bens jurídicos comunitários, que são por definição
indisponíveis e bens jurídicos pessoais indisponíveis (ex: vida).
Suicídio?
O criminoso morreu, mesmo que bem jurídico tenha dignidade penal, o DP recua por
considerar desnecessário uma pena. Na tentativa de suicídio, o DP recua porque apesar de bem
jurídico, vida continua a ter dignidade penal, mas não há necessidade.
Questão do corpo?
Assiste-se a uma tendência de pessoas reivindicar maior domínio e disponibilidade do
seu corpo. Há 2 facetas: externa "só toca no meu corpo quem eu quero" e interna "eu faço o que
quero com o meu corpo".
Assim, deve-se usar a cláusula dos bons costumes, apesar de em termos concretos não
dar respostas muito concretas. Esta cláusula tem a ver com o facto de a lesão ser ou não ser
grave e irreversível, ou seja, fazer o que quiseres com corpo desde que não seja grave e
irreversível. (!!! Quem responde em tribunal é a pessoa que realiza a lesão quando o DP
considera que foi grave e irreversível.)

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Ana Paula Pinto
O art. 144.º determina o que são situações de ataque a integridade física graves, mesmo
assim, em concreto vamos ter dificuldade em discernir o que é grave ou não. Assim, a
jurisprudência vem ajudando.

!!! Questão da incapacidade e representação:


- Menores de 16 anos não podem consentir
• Intervenções de médicos, art. 150.º: responsáveis pelo menor dão
consentimento pelo menor, mas este consentimento tem de ser para situações em que
bem jurídico é pessoal, é disponível e é necessário.
- Consentimentos dado sob erro são inválidos, não há justificação.

Consentimento presumido, art. 39.º: quando:


- Interesses jurídicos disponíveis
- Não ofender bons costumes
- Referente a um momento atual
É necessária uma decisão e não pode ser adiada e por impossibilidade de decisão
ser tomada pelo próprio interessado.
- A intervenção tem de corresponder à vontade real do interessado.
Vontade real não exige que se tenha certeza, exige se que seja normal e razoável
esperar que a pessoa consentiria pelo que implica atender as circunstâncias e atuações
normais da pessoa.

Exemplo:
Testemunhas de Jeová obstar transfusão sangue: se o médico souber que se trata de
testemunha de Jeová, não lhe pode dar transfusão; se não sabe tem de atuar como atuaria em
qualquer caso normal (se não fizer pode ser homicídio por omissão).

Art. 150.º: estas intervenções não são ofensas à integridade física, estão autorizadas
pela própria lei, mas é preciso que sejam indicadas e levadas a cabo pelas leges artis: por médico
ou pessoa autorizada quando intenção de diagnosticar e tratar doenças.
Independentemente do art. 38.º: nesta questão dos tratamentos médicos, há aqui dois
pontos a ter em conta (1) se feito por médico e de acordo com leges artis e com intenção de
ajudar a pessoa, isto não tem nenhum problema e ordem jurídica aprova e justificada; (2) se não
cumprir, não se justifica.

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Ana Paula Pinto
Art.156.º: é preciso que pessoa consinta (regra é pedir o consentimento para cumprir o
art.150.º, se não consentir não pode fazer nada). A não ser que não possa consentir e haja
consentimento presumido.

Atuações oficiais, CPP: Situações em que as entidades públicas têm de exercer


determinado tipo de diligências por força da lei ou por força de uma entidade judiciária,
ou seja, situações em que realmente a entidade está a atuar oficialmente, mas a
restringir/atacar bens jurídicos.
O CPP contem várias causas de justificação de atuações oficiais previstas por lei.

Atuação direta, art. 336.º CC: recurso à força indispensável por não haver tempo
útil para recorrer meios coercivos normais para alcançar certa finalidade que lei
promover para a proteção de interesses jurídicos penalmente, ou seja, sendo necessário
e indispensável e não sacrificando valores superiores aos que se visam proteger.

Autorizações oficiais: situações em que a administração autoriza determinado


tipo de ação ou atividade, mas estas são ofensivas ou podem ser ofensivas de bens
jurídicos, mas são legítimas porque são autorizadas.
Exemplo: uma autorização para explorar uma pedreira, que de um certo ponto de vista,
pode ser considerado uma ofensa ao ambiente (bem jurídico). Há uma ponderação de bens
jurídicos e, assim, aquilo que a administração conclui é que, nessa ponderação, vale a pena
sacrificar um pouco alguns bens jurídicos, para poder obter outros benefícios ou outros bens
jurídicos. Assim, autoriza-se que isso seja feito: autorização legitima e, por isso, afasta a
ilicitude devido a esta ponderação de bens jurídicos.

Detenção da pessoa em flagrante (Agere pro magistrado), art. 255.º:


Ex: cidadão que pode deter outro se este estiver em flagrante delito, ou seja, está
autorizado a fazê-lo, para chamar a autoridade judicial e entregar a pessoa à autoridade.
Se não tivesse autorização seria um crime de sequestro, pois qualquer detenção tem de
estar prevista legalmente. Assim, justifica a restrição à liberdade.

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Ana Paula Pinto
Ordens oficiais ou de serviço: é também a atuação oficial, distingue-se pelo facto
destas ordens remeterem para o cumprimento ordens.
Estas ordens têm o problema da obediência e, normalmente, estas devem ser
obedecidas, isto é, quando uma entidade dá uma ordem aos seus subordinados, é
suposto que estes cumpram essa ordem e aí, quando cumprem essa ordem, não estão
a praticar crimes, porque ao cumprir a ordem, estão a atuar legitimamente.
Art. 37.º: funcionário cumpre uma ordem de um superior hierárquico que pensa
ser legitima, mas que leva à prática de um crime. Quanto ao funcionário que cumpre a
ordem (ilegítima), determina que
(1) Se o funcionário sabe que a mesma é ilegítima, o mesmo tem o direito de
desobediência podendo opor-se à ordem;
A obediência cessa quando o agente sabe tal comportamento diga respeito a um
crime, art. 37.º CP.
(2) Se ele não tiver conhecimento que aquilo conduz à prática de um crime, ele age sem
consciência da ilicitude (ou seja, em princípio, age sem culpa).
FD: entende não se tratar de uma questão linear, sendo necessário perceber se
a ordem que conduz: em princípio, considera que o funcionário age sem culpa. Contudo,
tem de se procurar perceber se o comportamento é efetivamente desculpável, na
medida em que se deve procurar perceber se ele tinha possibilidade de conhecer o
caráter ilícito daquele comportamento.
Se fosse efetivamente percetível que conduziria, então devia imiscuir-se de
realizar (art. 36.º/2). Só consegue afastar a culpa, quando o individuo desconhece a
ilicitude e não tem como a conhecer (art. 36.º/2).
Pode-se falar, ainda, de uma atenuação da pena tendo em conta as
circunstâncias em que se encontrava (por exemplo, quando a pessoa está a atuar sob
pressão).

Direito de correção: já evoluiu


Antigamente, era legitimo que os pais pudessem bater nos filhos, bem como os
professores com reguadas nos alunos, e até outros castigos.

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Ana Paula Pinto
No entanto, começou a perceber-se que isto era antipedagógico e que afetava
as crianças psicológica e fisicamente e, por isso, este começou a ser questionado.
A partir daí, acabou a possibilidade de recorrer à violência na escola; mas
relativamente a outro tipo de castigos que não corporais, existe essa possibilidade.

Problema: prende-se com os pais porque questiona-se os atos de “violência”


com finalidades corretivas.
De facto, quando um pai age com violentamente para com os filhos, estamos
perante um crime de ofensa à integridade física. No entanto, surge a questão de saber
se esta conduta é verdadeiramente típica ou não, se é causa justificativa ou não.
Posição dominante: o agente deve atuar com finalidades educativas e não para
dar razão à sua irritação. É necessário que o castigo seja criterioso e, portanto,
proporcional, devendo ser o mais leve possível e não que possa assumir um peso
superior ao comportamento adotado pelo educando; sendo em todos os casos,
moderado.
Paula Ribeiro de Faria: determina que talvez seja difícil ir pelo lado do direito de
correção, precisamente porque não é fácil explicar a violência num jovem de 10 anos de
idade com a censura do facto realizado por ele. = Teoria da “cláusula de adequação
social”, há situações em que é socialmente adequado fazer-se certas coisas.
Os tribunais têm, assim, entendido que, de acordo com critérios, os pais têm o
direito de educar os filhos.
Quanto ao professor e aluno, o professor pode utilizar algumas práticas de
correção, desde que não sejam violentas.

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Ana Paula Pinto
Tipos de culpa: problema da liberdade (questão filosófica)
A questão da culpa em DP está completamente ligada à questão da liberdade, só
atua com culpa quem for livre.
Culpa: juízo de censura ética: só censurar-se eticamente alguém que foi livre de
escolher caminho x ou y. Portanto se não há possibilidade escolha, não se pode fazer
nenhuma censura.
Assim olhamos para atitude interna, personalidade, caráter da pessoa. Na
Alemanha, a atitude é a revelação do seu caráter. No DP, apesar de toda a gente ter o
direito de manifestar a sua personalidade como quiser, a atitude que cada um expressa
para situação que tem relevância jurídico-penal é importante, ou seja, a atitude interna
de maior ou menor indiferença para com o direito pode ser censurável.
Todo o DP incide sobre facto (direito de facto) e não um DP da personalidade,
mas temos de verificar a questão da culpa, temos de ir à personalidade (à atitude interna
de maior ou menor indiferença para com o direito).
Há uma necessidade de exigibilidade, ou seja, perante uma situação para haver
crime, tem de ser afirmada a culpa, temos de dizer que era exigível outro
comportamento. Era exigível que se atuasse de outra maneira porque pessoa era livre
de atuar doutro modo.
Situações onde não há exigibilidade:
˃ Estado de necessidade desculpante, art. 35.º
Se para afastar um perigo para um bem jurídico se tiver se praticar um facto
ilícito para afastar o perigo, e não for exigível outro comportamento, não será punido
porque há uma exclusão de culpa. Tendo em conta o bem jurídico que corre perigo, a
pena poderá ser somente atenuada.

˃ Excesso de legitima defesa desculpante


Às vezes o individuo pode utilizar meios excessivos na sua defesa, o que não
afasta a ilicitude, mas a pena pode ser excecionalmente atenuada (art. 33.º/1).
Se esse excesso resultar de perturbação, medo, susto não censuráveis, pode ser
excluída a culpa, pois a atitude interna é afetada por um elemento não censurável (art.
33.º/2).

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˃ Falta de consciência de ilícito não censurável, art. 17.º: erro sobre a ilicitude (mas atua no
domínio da culpa), mas erro não pode censurável
Quase todos os crimes não dependem de uma norma a proibir aquela conduta,
portanto não há maneira de desconhecer a ilicitude porque a ilicitude está intrínseca na
norma penal. No entanto o legislador admite que alguma circunstância possa haver erro
da ilicitude.
Exemplo: A estrangeiro pratica mutilação genital feminina a B; MP elabora a acusação,
mas A não sabia que a mutilação genital feminina é crime em PT (alias essa é uma prática
tradicional no país de origem). Aqui há uma afirmação que não tinha conhecimento de que
aquilo era ilícito e essa falta de consciência da ilicitude afasta a culpa.
Atenção! A convenção de Istambul diz que nestas situações não se pode invocar o erro
com fundamento nas práticas e convicções culturais (o erro culturalmente motivado não opera),
art. 144.º-A CP
˃ Conflito de deveres, art. 37.º

É necessário que não haja inimputabilidade:


˃ Em razão da idade, art. 19.º: com menos de 16 anos não há responsabilidade penal (mesmo
que atuem com dolo) porque não há liberdade, não é exigibilidade, pois não há culpa porque
há menor perceção do perigo e no risco nestas idades (comprovado cientificamente). Isto é
não estão preparados para discernir a ilicitude do facto ou conformar a sua vontade com essa
ilicitude.
Nestes casos, vai se aplicar uma medida de segurança adequada a sua
idade através da lei tutelar educativa (L 147/99). A medida mais grave é o internamento
do menor em estabelecimento próprio para os educar para o direito.
O processo tutelar educativo culmina sempre com aplicação de uma medida de
segurança mais ou menos grave.
˃ Em razão anomalia psíquica, art. 20.º: só é relevante quando condiciona a prática do facto
concreto, ou seja, não se aplica uma medida de segurança pelo facto de pessoa ser portadora
de anomalia psíquica, aplica-se uma medida porque pessoa realizou um facto ilícito típico
resultante de um estado de perigosidade que resulta da anomalia psíquica que a condiciona.
Como não há culpa (não é imputável), não se aplica uma pena, uma vez que a
pena é expressão do juízo de censura ética feita pela realização de comportamento.
120
Ana Paula Pinto
Portanto, aplica-se uma medida de segurança que visa lado ressocializar a pessoa e
retirá-la da situação em que ela possa continuar a realizar o facto (segurança para todos,
incluindo a própria pessoa), sendo uma consequência de prevenção especial e geral.

Razões múltiplas que se confluem na expressão "anomalia psíquica": tem de


haver uma conexão biopsicológica:
▪ Psicoses (endógenas ou exógenas): processo orgânico corporais, mas sobretudo devido a
fatores humanos vitais (sociais, familiares) que atiram pessoas para determinado tipo de
comportamento que ela própria não consegue controlar e retirar liberdade
Exemplo (exógenas): problema cerebral, delírios, psicoses de privação, intoxicações
(resultantes de droga)
Exemplo (endógenas): esquizofrenia, perturbações afetivas graves (pessoas que ter
problemas graves de carência de afetos e depois transformar em certa loucura depressiva),
doença bipolar
Todas elas têm características de perturbar a personalidade da pessoa – atitudes
e comportamento que pessoa não consegue controlar e que a podem tornar perigosa.
Personalidades anormais
▪ Oligofrenia/débeis mentais: casos de fraqueza intelectual congénita ou sem causa orgânica
demonstrada, divididas em 3 graus:
o Grau da idiotia (mais grave/profundo): estado dos indivíduos que intelectualmente não
conseguiu ir além daquele que corresponde a uma criança de 6 anos; dificuldades em
exprimir-se, de autonomia. Situação em que a pessoa apesar de ter, por exemplo, 40 anos,
corresponde a uma criança de 6 anos a nível psicológico.
o Grau de imbecilidade (médio): estado dos indivíduos que apenas atingem o
desenvolvimento próprio de quem não atinge índice mental do início da puberdade, ou seja,
atingem uma atitude própria de um individuo que não passou do início da puberdade.
o Grau de debilidade mental (debilidade): estado do indivíduo que apenas atingem o
desenvolvimento de uma criança que atinge o final da puberdade: dificuldade de
aprendizagem; exige estudos escolares próprias; moderação própria de um adulto; não
consegue compreender facilmente as coisas (compreensão própria de adulto, mas com
muitas dificuldades)

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Ana Paula Pinto
▪ Psicopatia: situação mais comum (qualquer um de nós pode sofrer), muito variadas e
manifestam-se de maneira muito díspar e com consequências muito diferentes que trazem
desafios. Devido à evolução científica, agora não se olha para os psicopatas sempre coo
inimputáveis.
Quem faz o diagnostico são os peritos e o juiz apenas questiona se por causa dessa psicopatia
o agente pode ou não ser considerado inimputável, fazendo assim a valoração jurídica
(normativa) da inimputabilidade, que tem a ver com a capacidade de entender o facto ilícito e
atuar de acordo com essa capacidade.
As psicopatias são distúrbios de personalidade que se caracterizam por vários sintomas
comportamentais que são considerados anormais (não seguem o padrão normal) e
consequentemente com reações emocionais. Portanto manifestam-se na personalidade e
algumas implicam falta de empatia, ou de culpa ou até de remorsos.
Em geral, as psicopatias geram situações de irresponsabilidade.
o Psicopatia esquizoide: altamente sensíveis, vulneráveis, mas emocionalmente limitados;
não são dados a emoção com se trata da experiência de outras pessoas; socialmente são
pessoas frias, difíceis, cruéis; sobretudo são pessoas muito apáticas; podem ser também
esquizofrénicos (muito isolados; imprevisíveis)
o Psicopatia paranoica: tem ideias muito sobrevalorizadas; agarram-se muito às suas ideias;
possuem pensamentos unidirecionais e por isso são egocêntricos; suspeitam muito dos
outros (mania da perseguição); pessoas conflituantes; constroem uma narrativa própria e
vivem nessa narrativa
o Psicopatia antissocial: completamente indiferentes aos outros, incluindo os mais chegados;
sem respeito pelos padrões sociais; "inabilidade social"; tendência para mentir e para
responsabilizar sempre os outros; questões como a honra, vergonha, pudor, normas sociais
não lhes dizem nada
o Transtorno histriónico: gostam de manifestar a sua relevância e importância para com os
outros; gostam de espetacularidade e show-off; construir fantasias para chamar à atenção
(fantasiar histórias mirabolantes para serem o centro das atenções); mentirosos
patológicos; infantis;
Eduardo Correia: psicopatas desejosos de consideração social: fazem coisas impressionantes
para serem considerados socialmente, isto é, passam uma imagem de si que não existe.

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Ana Paula Pinto
o Transtornos emocionalmente instáveis/lábeis: imprevisíveis, ou seja, num momento estão
muito bem dispostos e, de um momento para o outro, ficam mal-humoradas por questões
que não o justificam (comportamento tem de ser recorrente)
o Transtorno ansioso: excessiva sensibilidade com as críticas, com os sentimentos, timidez;
debaixo de muita tensão; insegurança (tem de ser um comportamento recorrente)
o Transtornos de dependência/inseguros: dependem completamente dos outros; não
conseguem fazer nada sozinhos; sem capacidade de iniciativa, de resolução, uma vez que
revelam uma insegurança e insuficiência interior e estão, em regra, ligados a este tipo de
psicopatia complexos sexuais.
o Psicopatas abúlicos: falhas de vontade, ou seja, são incapazes de reagir ao mundo exterior
e que nada fazem; não reagem; não se interessam por nada, não querem saber de nada;
pode ter a ver com intoxicações (álcool ou drogas - que é a única coisa que lhes importa na
vida). São calmos e tranquilos, ou seja, trata-se de uma situação de significativa paragem e
falta de reação.
o Narcisistas: vaidosos (num extremo muito elevado); consideram-se "deus na terra";
manifesta-se a nível da beleza ou a nível da intelectualidade
o Psicopatas fanáticos: caracterizam-se por importância exagerada em função daquela ideia
formada e fixa (não sendo capazes de ouvir e aceitar opiniões diferentes), ou seja, reduzem
toda a sua vida a esta ideia de que num nível extremo, pode tornar-se perigosos. Pode ter
origem de perturbações sexuais na infância.
Ex: terroristas; por razões de racismo, políticas, religiosas
o Psicopatas hipertímidos: caracterizam-se por ter um humor alegre, temperamento vivo e
uma atividade que tendem para o exagero (esta é a nota fundamental), ou seja, enfatizam
muito as coisas para criar um estado de animação geral.
o Psicopatas depressivos: caracterizados por sofrer uma depressão exagerada –
aparentemente mostram boa disposição, mas o estado depressivo é visível (estão sempre
muito tristes e ansiosos – quase que não consegue esconder; apesar de existirem pessoas
que conseguem e, neste caso, quando não estiver na presença de outra pessoa, já não
consegue conter a tristeza).
o Psicopatas explosivos: temperamentos excitáveis, isto é, com a mínima coisa têm atitudes
muito agressivas

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Ana Paula Pinto
o Psicopatas insensíveis: não têm piedade, vergonha, remorso, sínicos, são cruéis e brutais,
ou seja, não têm qualquer tipo de sensibilidade (pode cometer os mais brutais crimes).
o Psicopatas histéricos: depressivos, inseguros ou abúlicos e nervosos.

▪ Neuroses: estados neuróticos (angústia, medo, fobias, ansiedade). Nem todas as neuroses
são propriamente consideradas anormais, isto é, que possam levar a inimputabilidade (só em
situações limite é que se pode falar de inimputabilidade). Em regra, são episódicas.
Exemplo: neuroses compulsivas

▪ Anomalias sexuais: desvios sexuais ou num sentido anormalmente elevado (Hiper


sexualidade) ou num sentido anormalmente baixo (Hipo sexuais).
Hiper sexualidade: pessoa tem instinto sexual muito acima de média e não consegue
controlar esse instinto sexual. Numa situação de abuso sexual ou assumimos que tem patologia
e são inimputáveis (não se pode fazer um juízo de culpa – alguém que precisa de tratamento e
não de censura); ou então não assumimos e desfiamos uma censurabilidade muito elevado em
termos de culpa. Este crime tem ressonância social-ética grande e não é fácil compatibilizar a não
censurabilidade com essa ressonância.

▪ Perturbações profundas da consciência: perdem a consciência num determinado lapso de


tempo por razões de natureza fisiológica ou psicológica, sendo que nesse lapso de tempo,
realiza um crime.
Exemplo: hipnose, esgotamento, sono
Art. 20.º: para ser inimputáveis não basta ter uma anomalia psíquica, esta tem de o tornar
incapaz de avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar a sua vontade com essa ilicitude
Quando uma pessoa não consegue avaliar a ilicitude, não tem culpa porque a culpa
pressupõe uma atitude interna de avaliação da ilicitude, ou seja, atitude de indiferença ou
sensibilidade para com o direito.
Portanto, a culpa é uma manifestação da personalidade de cada um (é ou não sensível à
ilicitude e ao direito):
- Se a atitude interna for de indiferença quando sabe as consequências das suas ações = revela
uma atitude de insensibilidade para com as normas jurídicas, apesar de ser exigível ter essa
sensibilidade (situação de culpa);
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Ana Paula Pinto
- Caso de inimputável, não se pode falar, porque não tem hipótese de revelar nada ou até
pode saber que é ilícito, mas não consegue determinar a sua atuação com esta avaliação.

Nº3: Há situações em as pessoas colocam-se numa situação de inimputabilidade para


praticar um crime (por não terem coragem para o cometer no seu perfeito juízo) e, nestes casos,
vai responder como imputável, porque quando decidiu realizar aquele crime e colocar-se numa
situação de inimputável, estava na situação de imputável e, por isso, vai responder como tal. →
Actio/Omissio libre in causam

 Art. 91.º: quem for considerado inimputável (nos termos do art. 20.º) é
condenado pelo tribunal a uma medida de cura, tratamento ou de segurança por houver
fundado receio que venha a acontecer outros factos da mesma espécie (sendo
necessário prova).
Qualquer facto dos que estão previstos na parte especial do CP tem quer ilícito
e típico (não há diferença entre os factos cometidos com culpa ou não) e se forem
realizados por um inimputável (art. 20.º), não se vai aplicar uma pena de prisão, de
multa, de substituição, ou acessória a essas pessoas (não se pode expressar um juízo de
censura a este tipo de pessoas).
A finalidade da pena é proteger bens jurídicos que previstos nas normas penais,
sancionado o agente. Nas medidas de segurança, primeiro dá-se mais valor à prevenção
especial positiva, porque temos de trabalhar o individuo e a hipótese de o reconquistar
e, só depois, é que se preocupa com a violação da norma (porque não teve muita
relevância, atendendo tratar-se de um caso de uma pessoa que fez aquilo, não porque
queria, mas antes em virtude da anomalia que sofre).
No entanto, temos de dar aqui um sinal de preocupação com a sociedade em
geral e, por isso, o legislador prevê que se deve aplicar medidas de segurança (como o
internamento), para proporcionar um equilíbrio, sob pena se estamos apenas a valorizar
apenas a prevenção especial. Nos termos do art. 40.º, o legislador tem em conta a
perigosidade do agente, mas não deixa de mencionar a gravidade do facto.

125
Ana Paula Pinto
Condições de punibilidade
Só acontece em alguns crimes porque normalmente o tipo ilícito (objetivo e
subjetivo) já diz tudo.
Estas são pressupostos adicionais exigidos para que haja responsabilidade, isto
é, são pressupostos adicionais de punibilidade. Estão relacionados com a dignidade do
facto, ou seja, para além de ser ilícito e culposo tem de ser digno de pena.
Assim temos condições de punibilidade objetiva (dizem respeito a circunstâncias
fáticas) e condições punibilidade subjetiva (dizem respeito ao autor e à vítima).

Exemplos do CP:
Art. 135.º “incitamento ou ajuda ao suicídio”: Se não insistisse estes pressupostos,
nomeadamente, “se o suicídio vier efetivamente a ser tentado ou a consumar-se”, haveria
tudo (tipo objetivo e subjetivo ilícito e culpa), menos a condição para a punição. Falamos de
um suicídio, factualmente não é a mesma coisa que o homicídio pelo que não se pode
comparar.
Se produzir a morte é relevante, mas relativamente relevante, dado que não se aplique
a mesma pena, desde logo a um grau de lesão do bem jurídico diferente.
Se a pessoa não morrer: a pseudovítima não será condenada por uma questão de
política criminal, isto é, apesar da dignidade penal, político criminalmente não há nenhuma
necessidade de pena. Isto aplica-se igualmente ao ajudante.
Só que assim não se consegue desmobilizar o ajudante (há uma função preventiva),
por isso o artigo visa desmobilizar o ajudante através da imputação de um crime se não
houver suicídio.
Se houver atos preparatórios já não é relevante. (Ac. STJ de 18 de setembro de 2018).
Relativamente ao indivíduo não há punibilidade nenhuma, já relativamente ao
ajudante tem de haver punibilidade pela tentativa ou pela consumação, aqui estão os por uma
condição de punibilidade. Esta é uma condição objetiva de punibilidade, ou seja, não seria
punível se não tivesse dignidade (quando não chega a tentar).

Art. 151.º/1 “participação em rixa”: participantes na rixa que não são homicidas tem
punição devido à condição de punibilidade, bastando existir: morte/ofensas à integridade
física grave + rixa.

Art. 227.º “insolvência dolosa”: simular a insolvência quando está numa situação
difícil, portanto há uma insolvência dolosa para não pagar aos credores. Assim existe a
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Ana Paula Pinto
condição de punibilidade para que se ocorrer verdadeiramente a insolvência, esta seja dolosa,
visando proteger os credores.
Desta forma, é punido se ocorrer de facto a insolvência depois de a simular, isto é, a
insolvência em si não é crime, apenas o é quando houve um processo doloso antes.
Se não ocorrer a insolvência não é politico-criminalmente relevante a punição, ou
seja, está tudo previsto no artigo, mas como não chega à insolvência judicialmente
reconhecida (condição de punibilidade), não há dignidade para a imputação.

Art. 295.º “embriaguez e intoxicação”: pode e não integrar a figura de


imputabilidade: figura da actio/omissio libre in casu (“ação/omissão livre na causa”) – art.
20.º/4. Por vontade ou negligência o agente pratica o facto em estado que seria de
imputabilidade, mas como se coloca livremente nesse estado com essa intenção será punido,
há esta condição de punibilidade.

Art. 322.º + 323.º + 324.º/2: só é punível se mantiver relações diplomáticas (não


estando é punido pela norma geral), esta é uma norma especial

Art. 72.º “atenuação especial da pena”: sempre que existir estas circunstâncias deve
ser tido em conta para diminuir a ilicitude, culpa ou a necessidade da pena.

Tentativa/desistência em comparticipação ou em cumplicidade


Em DP é importante distinguir 3 realidades relativamente às formas do crime que
fazem parte da mesma dinâmica, mas fazem a diferenciação para efeitos de
comparticipação.
˃ Atos preparatórios, art. 21.º: em regra não são puníveis (a polícia pode atuar
preventivamente, mas o DP não entra, pois isso seria inverter os princípios do DP da
subsidiariedade, de ser a ultima ratio) salvo as disposições em contrário. Não se pode
antecipar a tutela desta forma sem grandes graus de certezas.
A maioria dos crimes podem levar a atos preparatórios, exceto os crimes de
execução espontânea.
Para estes não existe uma norma gerar para punir, estão presentes junto ao tipo
ilícito que a pune, sobretudo na parte especial do CP. Estes crimes têm efeitos muito
nocivos, por isso é que existe esta antecipação da proteção.
Ex: art. 271.º, 268.º/1, 269º, 270.º

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˃ Atos de execução: importante para sabermos se estamos perante uma tentativa
Em regra, a tentativa é punível, nos termos do art. 23.º, se o crime for punível
com pena superior a 3 anos, a não ser que o próprio tipo legal diga expressamente que
a tentativa é punível.
Ato de execução será aquele que preencher uma das alíneas do art. 22.º/2.
Igualmente pode existir tentativa impossível, onde, no fundo, não se pode punir a
vontade, art. 23.º/3.
˃ Consumação: é a realização da conduta típica na expectativa de se verifique o resultado
Pode não haver a consumação porque pode ocorrer desistência nos termos do
art. 24.º CP.
A pessoa pode desistir ou tentar impedir o resultado e, nesta situação, o direito
dá um “prémio” a quem faz isto, art. 24.º/1, sobretudo quando o agente intervém a
evitar a consumação do crime. Salvo o art. 24.º/2, a tentativa só não é punível se para
além da intervenção de terceiro o agente se tiver esforçado para evitar o resultado.
Se a consumação não se verificou por intervenção de 3º, não há exclusão da
punibilidade por tentativa. para efeitos de punibilidade é importante saber se a pessoa
desistiu ou não. A tentativa só não será punível se o agente contribui para evitar a
consumação do crime.

Desistência em caso de comparticipação:


Um crime pode ser cometido por uma ou por várias pessoas, assim, uma pessoa
pode praticar vários crimes; ou várias pessoas podem praticar um crime.
A comparticipação existe sempre que um ou várias pessoas realizam um crime
ou vários crimes, ou seja, há uma comunhão de esforços para a realização de um crime
ou vários.
Isto é revelado pelo art. 26.º: Autoria: tornar parte direta, ser igualmente autor,
através de acordo prévio (às vezes com a distribuição de tarefas) ou não, no crime.
!!!! Comparticipação não é o mesmo que cumplicidade porque apesar de se
poder considerar a cumplicidade é de alguma forma um modo de comparticipar (sentido
lato), normalmente não é isso. A comparticipação está prevista na autoria (art. 26.º), já

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Ana Paula Pinto
a cumplicidade não está no art. 26.º, por isso não é autoria é apenas cumplicidade (não
são autores, têm um instituto próprio, são cúmplices).
No art. 26.º existe uma forma de comparticipação muito próxima da
cumplicidade, mas não é cumplicidade, que é a instigação (é quem possui o domínio da
decisão e cria no executor a decisão de atentar contra certo bem jurídico-penal de
determinada forma).
No art. 28.º o legislador teve o cuidado de definir como funciona a cumplicidade,
como é a ilicitude no caso de comparticipação. Então, se o crime é específico e há
comparticipação, todos podem vir a responder, pois pode haver comunicação das
qualidades funcionais.
Normalmente a regra é que não são comunicáveis os elementos relacionados ao
tipo, mas as qualidades como funcionário, médico, advogado, se comuniquem aos
autores, ou seja, a comunicação normalmente faz-se em relação aqueles que não tendo
essas qualidades tomam a consciência, sabendo que um deles tem essa qualidade, e
realizam o tipo de ilícito que por falta da qualidade não seria preenchido. Assim, se a
execução do crime depender do facto da qualidade, por ser um crime próprio, e se
existirem outras pessoas que sabendo disso (de ser crime próprio e sabendo que tem a
qualidade), vão responder pelo mesmo crime. Salvo disposição em contrário, por
exemplo em crimes de mão própria (não é possível comunicar, só podem ser cometidos
por determinada pessoa, ex: infanticídio).
Em suma, a regra é da não comunicabilidade dos elementos subjetivos do tipo,
no entanto as qualidades de funcionário, médico, advogado (relações de confiança)
comunicam, ou seja, em relação àqueles que não tendo essas qualidades tomam
consciência da qualidade de um deles e cometem o crime.
Assim, o comparticipante é punido de acordo com a sua culpa,
independentemente da culpa dos outros pelo que o juiz tem de apurar quais foram os
factos e a culpa de cada um, art. 29.º.

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Ana Paula Pinto
Concurso de crimes:
Como se trata a unidade ou pluralidade de ações e/ou resultados?
Para falarmos em concurso de crimes temos de fazer uma distinção entre crime
continuado, crime instantâneo e crime duradouro/permanente bem como da prática
reiterada do facto e de factos sucessivos.
Crime de execução instantânea: crime cuja consumação da ação ou o resultado
é imediato, não se reitera no tempo pelo que se esgota naquela ação ou naquele
resultado.
Ex: art. 131.º

O crime pode ser de execução instantânea, mas dar-se pela
Prática reiterada do facto: consumação resulta da junção de diversas ações
isoladas, e na situação dos factos sucessivos, todas as ações são adequadas a consumar
o crime
Ex: todos dias colocar veneno na comida da pessoa até morrer

Crime de execução permanente/duradouro: quando a sua consumação da ação
ou do resultado se prolonga no tempo (pode demorar dias, meses ou anos). A violação
do bem jurídico é permanente, enquanto o crime estiver a ser cometido.
Ex: art. 158.º

Factos sucessivos: todas as ações produzem um tipo, há múltiplos factos, mas
valem como uma unidade de ação, correspondem a um único crime.
Ex: 10 estalos = um crime de ofensa à integridade física

Crime continuado, art. 30.º/2 (desenvolvido pela jurisprudência alemã): consiste
numa unificação jurídica de um concurso efetivo de crimes que protegem o mesmo bem
jurídico fundada em culpa diminuída (concurso efetivo de crimes que não é tratado
como tal, tendo a pena diminuída em relação àquela que seria se fosse tratado como
um concurso efetivo).

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É uma unidade criminosa normativamente construída e que se reporta é uma
pluralidade de ações que são semelhantes do ponto de vista jurídico objetivo e subjetivo
e que como tal são objeto de uma valorização unitária, tratado como um único crime.
Desta forma, é necessário preenchimento dos 3 pressupostos:
˃ Violação típica do mesmo bem jurídico várias vezes, isto é, realização plurima de violações
típicas do mesmo bem jurídico. Bem jurídico, nos termos do art. 30.º/2, não pode ser um bem
eminente pessoal, é sobretudo relacionado com crimes de património.
˃ Execução seja homogénea, ou seja, violações têm de ser executadas de forma homogénea, o
agente tem de apresentar o mesmo modus operandi, recorrer a instrumentos e meios
semelhantes.
˃ Violações típicas sejam levadas a cabo num quadro de solicitações que diminuem
consideravelmente a sua culpa, isto é, tem de se verificar uma situação exterior que facilita a
atividade criminosa birba por isso é menos exigível que o agente se comporte de acordo com
a lei.

Concurso de crimes: (CP não faz distinção, trata tudo como se fosse a mesma
coisa)
˃ Efetivo: verdadeiro concurso de crimes, pois há várias normas convocadas porque há vários
crimes ou vários bens jurídicos, sendo que o desvalor de cada violação é autónomo
o Real/material: agente realiza várias ações
▪ Homogéneo: ofendendo o mesmo bem jurídico tipificado
Ex: realiza em 3 dias diferentes (3 ações distintas), 3 homicídios → Bem jurídico é sempre
a vida, pelo que ofende 3 vezes a vida
▪ Heterogéneo: ofendendo vários bem jurídico tipificados de modo diverso
Ex: realiza em 3 ações diferentes: um homicídio, um crime de ofensa à integridade física e
um crime de dano
o Ideal/formal: agente realiza uma única ação
▪ Homogéneo: ofendendo os mesmos bens jurídicos
Ex: agente com uma metralhadora mata de uma vez 3 pessoas
▪ Heterógeno: ofendendo diversos bens jurídicos protegidos por diversos tipos
Ex: agente como metralhadora mata uma pessoa, fere outra, e danifica um imóvel.

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˃ Aparente: concurso de normas, ou seja, existem várias normas que são convocadas porque
tendencialmente protegem o mesmo bem jurídico. No entanto, só se aplica uma delas, pelo
que existem critérios:
o Critério de especialidade: norma especial que apresenta todos os elementos da
norma normal e que possui elementos específicos. Assim vai se aplicar a crimes com
essas características especiais
Ex: burla informática: elementos da burla, mas também informática
o Critério da subsidiariedade: podendo proteger o mesmo bem jurídico têm uma
diferença de grau, isto é, um domina e a outra é dominada (crime doloso e crime
negligente)
o Critérios da consunção: duas normas que se podem aplicar num caso, mas o
conteúdo do ilícito de uma norma é consumido pelo conteúdo ilícito da outra norma
Ex: dano na camisa pela faca num homicídio – crime de dano é consumido pelo homicídio

!!!! O nosso legislador atende apenas a distinção entre o concurso homogéneo e


heterógeno, não atendeu à questão do ideal e real, como se verifica no art. 30.º.
Paulo Pinto de Albuquerque determina que à luz do art. 77.º e 78.º o concurso
efetivo de crimes ideal, o agente deve ser punido de forma diminuída, a pena vai ser
mais leve porque só realiza uma ação.
A pena máxima será a soma de todas as penas dos crimes individuais e a pena
mínima será a pena mais alta dos crimes considerados individualmente.

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Grupos de tipos e figuras típicas e estrutura especial
Crimes fundamentais, qualificados e privilegiados
- O crime fundamental é o crime básico, isto é, é o crime onde o legislador
considerou que se encontrava o tipo fundamental/básico (tipicidade).
- No entanto, o legislador entendeu criar outras figuras típicas OU para acréscimo
de requisitos que agravam o tipo básico (crimes qualificados); OU para acréscimo de
requisitos que atenuam o tipo básico (crimes privilegiados – estão relacionados com a
culpa, pois, as circunstâncias diminuem a culpa).
Ora, quando temos o crime básico e outro que agrava o tipo básico, chamados a
este segundo crime que protege o mesmo bem jurídico, como qualificado – porque
qualifica (agrava) o tipo básico.

Crimes habituais: o legislador considera que o crime tem relevância quando é


cometido habitualmente.
Exemplo: lenocínio profissional

Crime de empreendimento: a forma tentada de um facto se eleva à categoria de


consumação. O legislador vem dizer que quem tentar praticar o crime já está a
consumar o crime. Relativamente a estes crimes, a mera tentativa equivalerá a crime
consumado.
Exemplo: art. 308.º CP

Crimes agravados pelo resultado:


Surge do direito canónico “Versare in re ilicita”, ou seja, quem pratica um
ilícito tem de responder pelas consequências do ato.
Já no século XIX, o crime preterintencional, ou seja, um crime fundamental
doloso com um resultado agravante não doloso que advém da realização do tipo
incriminador fundamental, tinha sempre de ser crime negligente. A consequência
seria uma pena agravada que deveria ser maior do que aquela que resultaria da
aplicação das regras gerais do cúmulo jurídico em causa: do concurso do crime
fundamental doloso com o crime agravante negligente. Batava exigir um nexo de
causalidade, não era necessário o analisar da conduta culposa do agente e a
produção de resultados.
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Agora, o art. 18.º é um crime agravado pelo resultado:
͢ o crime fundamental pode ser doloso ou negligente;
͢ o resultado agravante não tem necessariamente de ser um crime ou um crime negligente,
basta ser um facto ou estado ou situação que em si mesma não constitui um crime (ex.
art. 277.º/5). O resultado agravante pode ser um facto típico concebido com dolo,
hipótese em que a lei apenas puna o facto cometido com dolo direto.
͢ A determinação da pena aplicada ao crime agravado pelo resultado vai ser diferente, já
não é uma agravação superior
Figueiredo Dias: o que sustenta o crime agravado é a especialidade do nexo que
existe entre o crime fundamental e o resultado agravante que se consubstancia no
perigo normal típico que está ligado à realização do crie fundamental.
Consequentemente, pelo menos, na negligencia grosseira do agente que violou a
dever de cuidado e não previu corretamente a possibilidade da sua conduta levar à
produção de resultado.
Exemplo: art. 152.º CP

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