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Conceito Material de Crime

Conceito Formal de Crime:


O crime seria definido segundo um critério formal para especificar quando existe crime à luz da vontade do
legislador isto é:
- Se atentarmos e observarmos no processo legislativo, é crime “sempre que o legislador disser que é crime”
- É crime tudo o que o legislador considerar como tal
Essa conceção é inaceitável e inútil.

Conceito Material de Crime:


Há critérios materialmente vinculantes para a decisão do legislador
A definição de crime opera sob critérios de validade respeitantes ao conteúdo e não só quanto à sua forma
A CRP aponta para critérios materialmente vinculantes - art 18º/2
- Existem restrições a direitos fundamentais - as penas restringem direitos fundamentais
- Os crimes são punidos com penas e as penas restringem os crimes

Ideia de bem jurídico com dignidade penal:

Tem de existir um bem jurídico-penal


Dignidade penal = Existência de bem jurídico - interesse essencial para o livre desenvolvimento da pessoa ou da
comunidade
Necessidade penal = direito penal só pode intervir se não existir uma alternativa que proteja o determinado direito
- subsidariedade do direito penal

É difícil concretizar o critério de bem jurídico:


Caracterização através de um critério negativo:
- Um bem jurídico nunca pode surgir de meras concepções morais - vivemos numa democracia pluralista - art 2º
CRP - não nos é permitido tutelar uma visão maioritária sem razão aparente
- Hoje em dia é necessário encontrar um bem jurídico para criminalizar uma conduta
Critério positivo:
- A ideia fundadora de bem jurídico tem de traduzir algo lesionáveis, experiência de dano ou de perda
- Interesse tal que se for lesionado provoca que o livre desenvolvimento da pessoa ou da sociedade seja posto em
causa
- Expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado,
objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso

Tipos de bens jurídicos:


- Bem jurídicos individuais (via, liberdade..)
- Bens jurídicos coletivos ( segurança rodoviária, funcionamento da justiça)

Dignidade Penal:
Bens jurídicos cuja lesão se revela digna e necessitada de pena

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Critério da necessidade ou da carência da tutela penal:

Não pode haver criminalização onde não haja o propósito de tutela de um bem jurídico penal
No entanto, o contrário já nem sempre é verdade - não é por existir um bem jurídico digno de tutela penal que
deva existir intervenção do Estado.

Assim, o conceito material de crime é essencialmente constituído pela noção de bem jurídico dotado de dignidade
penal e a necessidade e carência dessa tutela penal.
A violação de um bem jurídico penal não basta em si para desencadear a intervenção, antes se requerendo que esta
seja absolutamente indispensável à livre realização da personalidade de cada um na comunidade
Aqui reside a natureza definitivamente subsidiária do direito penal - ultima ratio - so deve intervir
quando todos os outros falham.

Exemplo:
Queremos proteger o bem X
Temos 2 alternativas:
1. Direito penal - restringe muito a liberdade das pessoas
2. Temos também como eficaz o direito civil - só restringe o património
A função do direito penal é sempre a proteção de bens jurídicos
Neste esquema, a solução que globalmente consegue a melhor proteção de bens jurídicos - direito civil
Consegue proteger o bem jurídico e restringir menos a liberdade das pessoas

O princípio da necessidade existe porque é uma garantia de que, em termos globais, consegue-se uma ponderação
óptima dos bens jurídicos - salvaguardando-se aquilo que se pretende, restringindo o menos possível os bens que
se vão sacrificar - bens jurídicos do arguido

O Direito Penal só pode intervir quando não houver um meio alternativo eficaz para proteger o bem jurídico e que
seja menos gravoso

O que é que é um bem jurídico penal que mereça tutela penal?


- Temos axiologicamente de enquadrar o bem que queremos proteger na constituição - Figueiredo Dias -
referência axiológica na CRP - referência valorativa à CRP
- Pode se entender como bem jurídico todos aqueles interesses que forem essenciais para o livre
desenvolvimento da pessoa e comunidade - Maria Fernanda Palma

Princípio da não intervenção moderada: o Estado e o seu aparelho formalizado de controlo do crime devem
intervir o menos possível, e devem intervir só na medida requerida pelo asseguramento das condições essenciais
de funcionamento da sociedade.

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Tipos de Crimes:

Atendendo à forma como o bem jurídico é posto em causa pela atuação do agente podemos ter:

Crimes de Dano:
Para haver crime é preciso haver efetiva violação do bem jurídico, afetação efetiva
Ex: Homicídio - art 131º

Crime de Perigo:
Ainda não houve uma efetiva lesão mas existe uma forte possibilidade de acontecer
Basta existir perigo = probabilidade séria de acontecer um efeito adverso do comportamento em causa,
probabilidade de lesão
É necessário que coloque em perigo um determinado bem jurídico
Ainda não há lesão mas podemos antecipar que, devido à natureza do comportamento, haja a probabilidade de
lesão

Dentro destes pode ainda distinguir-se entre:



Crimes de perigo concreto:
O crime faz parte do tipo, isto é, o tipo só é preenchido quando o bem jurídico tenha efectivamente sido posto em
perigo.
Para ser crime, não basta fazer o comportamento perigoso, é preciso que esse comportamento tenha causado
perigo para um bem jurídico 

É necessário que seja provado o perigo que se causou
Ex: 277º - construção de edifício sem cumprir as regras para tal - só é crime se colocar em causa um bem jurídico de
alguém em concreto - se não se conseguir provar esse perigo não há crime e o máximo que pode ser feito é
embargar a obra
Caso do art 138º - exposição ao abandono - é elemento do tipo colocar em perigo a vida de outra pessoa - só haverá
crime de exposição ao abandono quando se comprove que o bem jurídico foi realmente posto em perigo
Art 272º - incêndios, explosões

Crimes de perigo abstratos:


O perigo não é elemento do tipo, mas simplesmente motivo da proibição.
Neste tipo de crimes são tipificados certos comportamentos em nome da sua perigosidade típica para um bem
jurídico, mas sem que ela necessite de ser comprovada no caso concreto: há como que uma presunção inilidível de
perigo, e, por isso, a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não um perigo efetivo para
o bem jurídico.
O perigo é apenas a motivação do legislador para criminalizar, o perigo não é relevante para averiguar se há crime
ou não
É SEMPRE de perigo abstrato, não se transforma nunca em crime concreto - mesmo que tenha havido crime
concreto num determinado caso concreto

Ex: condução sobre o efeito de álcool - art 292º - o condutor embriagado é punido pelo facto de o estado em que se
encontra constituir um perigo potencial para a segurança rodoviária
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Ex: Detenção de uma arma sem licença - é sempre crime porque é sempre perigoso - independentemente de a
arma ser usada ou não

Tem sido questionada, entre nós, a constitucionalidade dos perigos de perigo abstrato:

- Pelo facto de poderem constituir uma tutela demasiado avançada de um bem jurídico, pondo em sério risco
quer o principio da legalidade, quer o principio da culpa
- A doutrina maioritária e o TC pronunciam-se, todavia, pela sua não inconstitucionalidade quando visarem a
proteção de bens jurídicos de grande importância, quando for possível identificar claramente o bem jurídico
tutelado e a conduta típica for descrita de uma forma tanto quando possível precisa e minuciosa

Quando haja acusação pela pratica de um crime de perigo abstrato é indiferente a prova que se faça no sentido de
mostrar que, no caso concreto, o bem jurídico não foi nem podia concretamente ter sido posto em perigo

Visão da professora Maria Fernanda Palma:

- Não podemos desconhecer os vários discursos sobre o crime, ou seja, como é que as sociedades lidam com os
problemas criminais;
- Os legisladores penais instrumentalizam o Direito Penal, esvaziando o conceito material de crime: onde tudo
pode ser criminalizado, se levarmos ao extremo: a Professora adota um modelo de Estado de Dúvida e não
de Estado de Convicção, e é no Estado de Dúvida que há uma boa compreensão do outro lado do conflito: é aqui
que surgem as correntes empíricas (criminologia, psicologia e sociologia que vão densificar o conceito material
de crime).
- Sendo que os dados empíricos do crime podem introduzir alterações nas penas e na responsabilidade da
conduta

- Conceito material de crime como instrumento de fiscalização da constitucionalidade das novas criminalizações;
- A expressão “conceito material de crime” é enformada pela ideia de que existem, num Estado de Direito
Democrático, limites constitucionais, à eleição de certas condutas como crimes que ultrapassam a vontade das
maiorias conjunturais e do poder político
- O Direito Penal: tem uma legitimidade aferida pela proteção dos bens jurídicos essenciais, constituídos da
razão de ser do próprio Estado, as condições essenciais de liberdade: na medida em que as suas sanções são em
si mesmas, GRAVES RESTRIÇÕES da liberdade e de outros direitos fundamentais.
- O Direito Penal só pode retirar liberdade aos agentes do crime precisamente para criar liberdade para todas as
potenciais vítimas;
- Sendo que esta ideia se concretiza numa legitimidade da pena pela estreita necessidade de proteger direitos ou
interesses constitucionalmente tutelados, à luz do art. 18/2.º CRP (princípio da adequação+proporcionalidade).

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