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Capítulo I

Estruturas Elementares do Direito Penal:


1.1 Definição de Direito Penal
 Conjunto de normas jurídicas que associam a factos, penalmente relevantes,
determinadas consequências jurídicas desfavoráveis.
 É o direito que surge para limitar o poder punitivo do Estado (Jus Purindi), para evitar a
justiça privada (ex: vingança “olho por olho, dente por dente”) como também para
defender e reconstituir os bens jurídicos protegidos pelo direito penal.
 O Direito penal é o ramo do Direito mais intrusivo na vida do cidadão e que faz inserir
as consequências jurídicas. Este só age quando existe um ataque grave a bens jurídicos
e é o último recurso na proteção dos mesmos. Tem uma dimensão preventiva e é uma
forma de proteção de bens jurídicos (ex. integridade física)
 Jus imperii – poder de imposição – uma das características do Direito público (o DP é
uma expressão/manifestação primeiro do direito público)

Opera entre a vítima, o delinquente e o Estado.


Existem quatro tipos de crime: formal, estrutural, sociológico e material, e cinco tipos
de penas: a pena de prisão, a pena de multa, as medidas de segurança e as medidas de
correção:
Formal – crime em sentido formal é todo o facto suscetível de ser punido com uma
pena. (Princípio da legalidade penal). A atuação/generalização do DP que provem do
principio da legalidade (art.1º CP) que serve para fundamentar o principio da culpa do
agente.
 O principio da reserva da lei faz parte do principio da legalidade (a assembleia é a única
que pode fazer as leis, porém o governo também as pode fazer se a assembleia autorizar
– art. 165ºCRP)
 Toda a pena é uma restrição a um Direito fundamental.
 O direito é um conjunto de normas que define os comportamentos puníveis e define
também as penas aplicáveis.

Estrutural – crime é um comportamento que possui uma estrutura: uma previsão, onde o
legislador descreve a situação do facto; uma estatuição, ou seja, a consequência para
quem adota um determinado comportamento que o legislador proíbe. Por exemplo, no
artigo 131º CP, a previsão é “quem matar outra pessoa”, sendo a estatuição “é punido
com pena de prisão de oito a dezasseis anos”.
Sociológico – crime em sentido sociológico é um comportamento humano que num
determinado momento é considerado crime por contrair os valores estabelecidos.
Material – crime em sentido material, trata-se de todo o comportamento humano que
lesa ou ameaça de lesão, isto é, coloca em perigo bens jurídicos fundamentais, tais como
valores, interesses, que num determinado contexto histórico ou geográfico carecem de
tutela por serem bens essenciais à própria vida em sociedade (ex: a vida, liberdade,
honra, etc). (Princípio da proporcionalidade / princípio da ofensividade)
 Principio da proporcionalidade – o direito penal tem que ser proporcional ao dano
causado.
 Principio da ofensividade – o crime é uma ofensa. Não há crime sem ofensa a bens
jurídicos.
 Em sentido formal (estático) – principio da proporcionalidade
 Em sentido material (dinâmico) – principio da proporcionalidade e principio da
ofensividade
A pena não é a única sanção, pois também existe a medida de segurança:

Crime – é um facto típico + ilícito + culposo.


Princípio da culpa-As penas têm como pressuposto a culpa, sem culpa não pode haver
pena, e quanto maior for a culpa, maior a pena e vice-versa. Existem ainda situações em
que os culpados não possuem a capacidade de assumir a culpa, a essas situações chama-
se de inimputabilidade.
A inimputabilidade pode existir em razão da idade (art. 19º CP) e em razão de
anomalia psíquica (art.20º CP) – as medidas penais, não assentam na culpa, mas sim
têm como pressuposto a perigosidade do individuo.
Pena de prisão – é a pena mais robusta, uma vez que envolve a restrição de um direito
fundamental, a liberdade. Esta, segundo o art. 41ºCP, tem um limite mínimo de um mês
e um limite máximo de 25 anos.
Pena de multa – tem uma natureza pecuniária. Esta, segundo o artigo 47ºCP, é fixada em
dias, cujo limite mínimo é de 10 dias e o limite máximo é de 360 dias. Caso o
condenado requerer, segundo o artigo 48º, nº1 CP, a multa ou parte desta pode ser
substituída por trabalho comunitário. Segundo o artigo 49º CP, se a multa não for paga,
quer seja através de dinheiro, quer seja através de trabalho comunitário, a multa pode
ser traduzida em pena de prisão.
Medidas de segurança – podem ser aplicadas a indivíduos considerados perigosos, de
modo a evitar atos ilícitos. O internamento é um exemplo de uma medida de segurança.
Um facto suscetivel de desencadear medidas de segurança – facto típico + ilícito +
perigosidade do agente.

Nota: a pena é em caso de culpa. A medida de segurança é em caso de


inimputabilidade. Nunca se pode aplicar as duas em simultâneo.

Em regra, o Legislador português só pune o dano a um objeto jurídico se o dano for


feito de forma dolosa e quanto mais valioso for o bem jurídico menor é o grau de ofensa
suficiente para preencher o principio da proporcionalidade. Ex: Dolo + Negligência (o
direito penal, em regra, só pune atos dolosos, porém a vida é um bem jurídico bastante
valioso, ou seja, não basta julgar de forma dolosa mas também se pune o mesmo se for
de forma negligente.

1.2. Teoria do Bem Jurídico:


 Como bem jurídico, entendem-se os valores que estão subjacentes a uma determinada
sociedade inerentes à própria coexistência humana. Dado o significado que esses
valores assumem para a sociedade, justifica-se a intervenção mínima, essa reação do
direito penal, só deverá acontecer quando a tutela fornecida por outros ramos do
ordenamento jurídico se mostrar insuficiente para acautelar o bem jurídico violado; o
direito penal só deverá intervir em último “ratio” e para tutelar as ofensas mais graves a
bens jurídicos fundamentais.
 De acordo com esta teoria, o que legitima o Estado a definir determinados
comportamentos como crime, restringindo direitos das pessoas, é a tentativa de
salvaguardar os bens jurídicos fundamentais. No entanto, de acordo com o artigo 18º
nº2 CRP, as restrições dos direitos das pessoas limitam-se ao necessário para
salvaguardar outros direitos.

1.3. Quando é que o direito penal deve agir?


 Princípio da subsidiariedade - O direito penal só deve intervir quando os outros ramos
do Direito falham ou se mostram incapazes para proteger os bens jurídicos que o direito
penal deve proteger.
 Princípio da última ratio ou da intervenção mínima do direito penal - O direito
penal deve ser o último recurso devido às consequências que resultam da sua aplicação
(a suspensão de liberdade dos indivíduos).

Princípios legitimadores da intervenção penal:


Princípio da subsidiariedade – pode ser analisado em 2 sentidos:
 Amplo (lato sensu) – o recurso à sanção penal pode ser preferidos mesmo nos casos em
que não há estrita necessidade da aplicação penal, mas em que a sua atuação seria
indispensável para reafirmar os bens jurídicos tutelados.
 Estrito (stricto sensu) – funciona como uma vinculação limitadora do legislador
ordinário, em que o Direito penal só deve de ser usado se este provar ser indispensável
para tutelar os bens jurídicos, ou seja, este só pode agir se houver certeza da sua
necessidade para tutelar o bem jurídico dentro de estreitas orientações guiadas pela
proporcionalidade.

Princípio da eficácia – é um dos princípios que vai orientar o legislador sobre a


intervenção penal ou não, cifras negras (os crimes que nunca chegam a ser julgados ou
reportados) pode ser um indicador para uma intervenção mais forte do direito penal ou
para uma suavização da intervenção penal podendo até ser um indicador para uma
possível descriminalização seja esta total ou técnica. Contudo este não pode ser seguido
cegamente pelo legislador, pois também tem de analisar entre os custos e benefícios da
aplicação penal usados outros princípios.
Princípio da proporcionalidade – o legislador não pode estipular meios que atinjam
certos direitos sem estes serem adequados para tutelar os bens jurídicos, a medida tem
de ser proporcional perante os bens jurídicos em causa.
Princípio da legalidade – Este exprime-se fundamentalmente na não retroatividade da
lei penal para criminalizar condutas (artigo 29º nº1 e 3 CP), não há crime nem punição
sem lei (nullum crimen nulla poena sine lege). Este princípio é consagrado na nossa
constituição no artigo 29º e artigo nº1 CP, mas também em outros importantes diplomas
legais como é o caso da Declaração universal dos direitos do homem (art. 11º) e a
convenção europeia dos direitos homem e das liberdades fundamentais (art.7º) entre
outros diplomas legais. Trata-se de uma limitação material e formal do poder do Estado
que acaba por ser essencial para estabelecer o Estado de direito democrático. Uma das
razoes para a analogia ser proibida tem a ver com o facto de esta pôr em causa o valor
de segurança jurídica e os princípios do nullum crimen nulla poena sine lege.
A nullum crimem nulla poena sine lege divide-se em 4 subprincípios essenciais ao
princípio da legalidade:
1. Nullum crime, nulla poena sine lege previa – significa que nenhuma pena pode ser
aplicada sem que uma lei anterior o qualifique como crime. Art. 29, nº1 e 3 CRP e art.
1º nº2 CP.
2. Nullum crimen, nulla poena sine lege certa – a norma tem de determinar com uma certa
previsão o facto estabelecido como crime, assim dando segurança e certeza jurídica
sobre a aplicação da norma ao cidadão e para evitar arbitrariedades sobre a aplicação do
poder punitivo.
3. Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta – significa que só as leis escritas emanadas
pelo órgão do Estado democraticamente eleito são as que podem ser normas
incriminadoras, assim excluindo o costume de direito interno, contudo o costume
internacional e normais internacionais podem ser normais incriminadoras dentro do
direito interno.
4. Nulla poena sine judicio – significa que não há culpa sem um processo penal que
assegure a segurança e os direitos e garantias processuais dos cidadãos (art. 32º nº1 ao
10 da CRP).

Discriminação – de notar que os princípios anteriores, que fundamentam a


criminalização de uma conduta (intervenção do direito penal) podem ser também usados
inversamente para fundamentar uma descriminalização.
Existem 2 tipos de descriminalização:
1. Total – o ato em questão deixa de ser crime por completo, deixa de ser previsto na lei.
Por exemplo durante a segunda república portuguesa, o suicídio era crime, no pós-
revolução deixou de o ser por completo.
2. Técnica – existe uma descriminalização parcial do ato em vez de ser aplicado uma pena
de prisão, é aplicado um regime contraordenacional ou de revogação de alguns atos
previstos da norma que deixam de ser crime. Caso do consumo de drogas.

Fundamentos da descriminalização do consumo de droga em Portugal:


Princípio da cooperação internacional – sendo a droga um fenómeno mundial,
Portugal devido as relações internacionais consequentes do art. 8º da CRP acaba por ser
e ele próprio influenciar as políticas mundiais sobre o consumo da droga.
Princípio da prevenção – prevenir o consumo das drogas, existem métodos mais
eficazes contra o consumo e a procura do consumo de drogas através de medidas
educativas, socializantes e a sensibilização comunitária que fazem o direito penal
desajustado para servir este fim seguindo o princípio da subsidiariedade e da última e da
última ratio do Direito penal. Há 3 tipos de prevenção – primária (sensibilização da
comunidade em geral), secundária (feita aos indivíduos em risco de consumir ou já
dependentes do consumo), terciária (apoio aos ex toxicodependentes na sua reintegração
na comunidade).
Princípio humanista – sendo o Estado português, um estado que valoriza a dignidade
da pessoa humana, sendo a toxicodependência considerada uma doença pelos domínios
científicos, não faz sentido criminalizar o toxicodependente pois este merece dignidade
e não ser vítima do poder punitivo do Estado só por este estar doente e também pelo
facto do Estado ter o dever de lhe realizar o direito destes constitucionalmente à saúde.
Princípio do pragmatismo – a tese fundamental do pragmatismo pode definir-se na
subordinação do valor ético por detrás do fundamento em relação ao critério da eficácia
na ação prática. Ou seja, um limite ideológico por detrás da descriminalização em
relação à realidade e ao critério da eficácia.
Princípio da segurança – deve agir sobre o interesse das liberdades e estes dois devem
estar em equilíbrio. Sendo que a função do Estado é também garantir a segurança
através da proteção dos interesses vitais da comunidade, a segurança não pode ser
desproporcional aos valores da comunidade e aos bens jurídicos essenciais, a
descriminalização foi só no consumo, mas não aos outros crimes associados a droga em
si como tráfico devido ao princípio da segurança.
Princípio da subsidiariedade – (descrição já referida)
Princípio da coordenação e da racionalização de meios – a utilização dos recursos
humanos para que as alternativas medidas ao direito penal tenham eficácia, ou seja os
recursos humanos da administração pública conseguir executar os meios alternativos
previstos no princípio da subsidiariedade com eficácia.
Princípio da participação – é através da interação e participação dos cidadãos que as
politicas relativas à droga podem ser alteradas seja pelo sua participação nos
mecanismos democráticos representativos que expressão os valores comunitários, seja
pela sua interação com as medidas preventivas primárias secundárias e terciárias, seja
através das instituições privadas da apoio social comunitário quanto ao
toxicodependente, seja através de apoio financeiro para os mais carenciados para que
estes evitem cometer ou entrar no mundo criminal das drogas.
A discriminação e não despenalização – o consumo e aquisição de droga sofreu uma
descriminalização em sentido técnico deixando estas práticas de serem categorizadas
como crime, mas sim como simples contraordenações (tutela do direito administrativo e
não penal).

1.4. Quais são os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal?


Os bens jurídicos que devem ser tutelados pelo direito penal são os bens jurídicos
previstos na constituição, segundo a lógica: já que o direito penal na sua aplicação vai
acabar por restringir certos (bens jurídicos) constitucionalmente protegidos só existe
legitimidade para sua restrição se o bem jurídico ofendido tenha sido bens jurídicos
constitucionais e não infraconstitucionais (ordinários). (ver artigo 18º nº2, CRP).
Mas todos os bens jurídicos na constituição dignos de intervenção penal?
Não, só os bens jurídicos necessários ao desenvolvimento harmonioso da sociedade e ou
valores vitais das necessidades humanas que são dignos de tutela penal, como a
propriedade, a vida, a integridade física, a privacidade, o desenvolvimento da
personalidade, por exemplo. Os bens jurídicos necessários ao desenvolvimento
harmonioso da sociedade são o chamado mínimo ético do direito penal. E são só estes
dignos de tutela penal.

1.5. Fundamentos da política criminal:


O que é a política criminal?
É uma ciência auxiliar do direito penal, que ajuda a determinar os melhores métodos
para prevenção e repressão do crime, desde uma intervenção não penal com a educação
e métodos socializantes, como também fundamento para legitimação da intervenção
penal e limite na intervenção penal. Os sujeitos jurídicos da politica criminal são a
policia e o MP, e os não jurídicos, a comunidade em geral. A melhor politica é a
socializante.
Os princípios que a guiam:
Legitimidade – (já mencionado e desenvolvido anteriormente) garantia contra o livre
arbítrio do poder punitivo quer no plano judicial (na ação do direito penal e
administrativo) quer no plano jurídico material e processual do direito punitivo (direito
que respeita e é limitado pela dignidade da pessoa humana e a vontade popular).
Culpabilidade – assume-se como fundamento, fim e limite da pena. Este princípio
afasta a culpabilidade objetiva da esfera da aplicação criminal, e põe a culpabilidade
subjetiva como critério da aplicação penal, ou seja, a culpabilidade objetiva pode ser
exemplificada da seguinte forma: o indivíduo A é dono de um prédio com elevador, o
elevador é regularmente inspecionado e está muito acima das exigências legais de
segurança. Um dia o elevador cai com pessoas lá dentro, o indivíduo A é culpado
objetivamente, mas não subjetivamente, ou seja, ele tem uma responsabilidade civil para
com as vítimas, mas não tem criminal porque nesta situação não houve nem intenções
nem ações ou omissões de ações que fizessem dele culpado do que aconteceu. (art. 40º
CP). Este princípio exige que a medida da culpa fundamente e limite a medida pena,
para evitar arbitrariedade na aplicação do ius puniendi e para proteger o condenado de
uma privação da liberdade desproporcional à sua culpa em prol de um tratamento justo e
digno, ninguém pode ser punido mais do que merece, sendo merecida pena de acordo
com a culpabilidade do agente. A investigação sobre um facto de crime não pode partir
da perspetiva que o individuo é culpado, mas sim de presumir inocência até facto
contrário, isto é essencial para um Estado de direito democrático.
Este princípio é formado por 3 subelementos que determinam a culpabilidade:
1. Personalidade da ação – relação de causalidade vinculante do agente da ação e ao
resultado do delito.
2. Inimputabilidade ou capacidade penal – condição psicofísica do agente, consciente
na sua capacidade, em abstrato, de entender e de querer.
3. Culpabilidade em sentido estrito – consciência e vontade do delito concreto e que,
por sua vez, pode assumir a forma de dolo e de culpa, segundo a intenção se reflita na
ação e não no resultado, não querido nem previsto ainda que seja previsível.

Humanidade – é uma construção do constitucionalismo penal que defende a ideia de


justiça não violenta, que respeite a dignidade da pessoa humana e que afasta as penas
cruéis e desumanas. Na política criminal este princípio orienta uma justiça que tem
como bem essencial a vivência comunitária, que produza bem-estar e que protege e
estabelece a paz jurídica sem infringir sobre a dignidade da pessoa humana.
Ressocialização – este princípio está ligado ao princípio da humanidade e defende a
ideia que é a partir das sanções penais humanista que o delinquente pode voltar
“curado” a sociedade, ou seja, defende-se a ideia da não utilização de penas privativas
de liberdade na pessoa e media criminalidade em prol de penas alternativas como por
exemplo o trabalho comunitário, prisão domiciliária, etc. Implica que o delinquente seja
visto como um ser humano capaz de se integrar na sociedade e não como um inimigo ou
delinquente permanente.

Alguns crimes possuem penas acessórias (não são todas as leis/regras que têm) – ex:
152º CP (alem da pena imposta, a pessoa em questão terá que frequentar programas
específicos de prevenção de violência doméstica).

A criminologia ajuda os juristas a determinar a eficácia das penas e se as mesmas


funcionam ou não através de analises documentais. Em certos contextos, a criminologia
efetua um papel de apoio e noutros contextos efetua um papel de provocação (papel
mais ativo, desperta a atenção do legislador). Os pareceres criminológicos têm um forte
papel nos legisladores na questão das penas, se as mesmas são alteradas ou não. A
criminologia influencia a política criminal, esta por sua vez influencia o direito penal
“normativo” e vice-versa.

Feuerbach – defendia a pena como coação psicológica.

1.6. Qual é o objetivo da “arquitetura penal”?


É a ressocialização do agente do crime na sociedade para evitar a reincidência do crime.
Este é o imperativo ético do direito penal. (ver art. 42º nº1 CP)

1.7. Direito penal de autor:


Defende a ideia de um sistema penal que deve agir contra certos indivíduos por estes
seres inerentemente perigosos (teoria da perigosidade) e predispostos para o crime
(escola antropológica do crime e a escola criminal positiva) devido a características
(raciais, étnicas, sociais, económicas, anatómicas, etc, por exemplo). O incumprimento
do deve ser (facto do crime) deixa de ser o fator importante para o direito penal, o
ser(autor) passa a ser o fator mais importante, basta ser um certo indivíduo (autor) para
se ser considerado perigoso. Esta teoria do direito penal é a base da arquitetura que é o
direito penal de inimigo e ambos são a base do direito penal aplicado totalitários (nazi,
soviético, fascista, etc), mas sua aplicação também pode ser vista nos antigos regimes
anteriores as revoluções humanistas-liberais do séc. XVIII e XIX onde a utilização do
ius puniendi não tinha restrições formais e materiais.

1.8. Direito penal de inimigo:


Partindo da teoria do direito penal de autor, o direito penal do inimigo é a sua evolução
lógica e também histórica. Estes autores perigosos passam a ser tratados como inimigos
da ordem social e do Estado e como inimigos do Estado estes devem ser eliminados. Ao
serem inimigos acabam por ser tratados como não pessoas e cidadãos devido ao perigo
que representam seja este real ou não, isto resulta numa coisificação estes indivíduos
deixam de ter a categoria de ser humano e logo deixam de terem direitos, liberdades e
garantias especialmente a nível do direito penal e direito processual penal. Ao não terem
direitos e garantias, atos como tortura, a pena de morte, e até penas indefinidas no
tempo ou até mesmo penas sem julgamento ocorrem. Foi este tipo de sistema usados,
em conjunto com a escola criminal positivista numa ordem antissemítica, pelos nazis
contra os comunistas, os ciganos, os homossexuais e em especial os judeus que foram
categorizados como sub-humanos e vistos como uma ameaça e inimigo nº1 do Estado
alemão nazi, que deu lugar às atrocidades da 2º guerra mundial.

1.9. Direito penal secundário:


 Do ponto de vista formal:
o Tendencionalmente trata dos crimes contra bens jurídicos supra-
individuais (bens jurídicos coletivos)
o Pertencem a todos mas não imputados (não podem ser distribuídos de
forma exclusiva) a qualquer um de nós (ex: ambiente, economia, etc)
 Do ponto de vista material:
o Em regra está acomodado na legislação dispersa ou extravagante

Há exceções em que certas leis do DP secundario que estão no CP (ex: Art. 279º), assim
como o direito primário/clássico, existem leis que não estão no código penal (ex:
cyberbullying).

Tendência securitária – com os crimes de escala internacionais como o terrorismo, o


tráfico de drogas e seres humanos entre outro no nosso tempo contemporâneo tem
havido uma tendência securitária. Esta defende que o direito penal humanitário ou do
cidadão mostra-se incapaz perante as novas ameaças advindas da globalização como o
terrorismo, e que o direito penal deve agir de uma forma mais agressiva e preventiva,
em que os direitos, liberdades e garantias devem ser restringidos em prol da segurança
em especial da segurança nacional. Para esta o valor da segurança é um valor
imperativo que deve de estar acima de tudo e que é a partir da segurança obtida por
restrições de direitos, liberdades e garantias que se obtém a liberdadade.

As estruturas elementares
1.1. O crime (e os factos suscetíveis de desencadear uma M. S.)
1.2. A pena (e as medidas de segurança)
1.3. A fundamentação onto-antropológica
 Estudo do ser (onto) – um ser específico: o ser humano (antropológica)
 Ontologia do Ser-ai: uma relação do eu com o outro
 Relação de cuidado-de-perigo (não invadir a esfera jurídica do outro): de um modo ou
de outro estamos sempre em relação com o outro

Em sentido material – crime é uma rutura dessa relação de cuidado-de-perigo e a pena é


a reconstrução da relação rompida.
 Fundamento – relação cuidado-de-perigo
 Finalidade – realização da justiça
 Funções – Efeitos que o DP geralmente alcança
 Função primária – proteção de bens jurídicos (art. 40º CP)
 Função secundária:
o Função de garantia – uma ordem de garantia para o potencial
delinquente contra eventuais abusos de poder do estado. Limite ao poder
do estado. Fran Von Liszt dizia que o direito penal é a magna carta do
delinquente (proporciona ao delinquente a que o estado não abuse do
seu poder sobre a sua pessoa)
o Função de coesão – através da ordem jurídica, o direito penal promove e
partilha certos valores que são fundamentais para a convivência pacifica,
transmite a mensagem de que vale a pena respeitar certos valores
o Função de segurança – promover um estado geral de integridade dos
bens jurídicos. Segurança no sentido de certeza jurídica.

Dos delitos e das penas:


Nesta obra, Cesare Beccaria propõe-se a criticar, examinar, abusos dos séculos
anteriores a ele. Beccaria coloca as leis naturais e divinas como imutáveis e
constantes; impondo uma ressalva às naturais, as quais podem variar de acordo com a
vantagem, ou tomando-se imprescindível. Porém, esta mudança é feita pela avaliação
das “relações complicadas das inconstantes combinações que governam os
homens”.
Beccaria propõe, como ideal, que houvesse distribuição equitativa das vantagens entre
os membros da sociedade. Porém, na realidade concentram-se privilégios em poder de
poucos. Assim sendo, somente as leis podem impedir ou pôr fim nestes abusos.

Origem das penas e do direito de punir:


Segundo o autor, a lei [e a moral política] deve estar “baseada em sentimentos
indeléveis do coração do homem”. Ninguém faz graciosamente o sacrifício de uma
parte de sal liberdade apenas visando o bem comum. Na origem das agrupações, as
liberdades foram sacrificadas para haver mais segurança; entra, então, em cena o poder
soberano. O depósito destas liberdades seria a lei; a qual não é o suficiente para evitar
o despotismo. Por este fato, e para este motivo, foram criadas penas a estas leis. Estas
penas devem ser sensíveis, segundo o autor, pois deste modo impediriam que as
paixões particulares superassem o bem comum.
A crueldade nos castigos é inútil, sendo, então, odiosa e injusta. Não haverá sociedade
com forma fixa de governo pela força de um corpo político sem a disseminação do
conhecimento legal, somente haverá força dos que compõe esse grupo. Se não há
instante estável no pacto social, não existirá resistência quanto ao tempo e as vontades
humanas.
Ao juiz cabe a constatação dos fatos, quando a lei é clara e exata; quando necessárias
destreza e habilidade na investigação das provas, o bom senso é suficiente ao
magistrado. O melhor julgamento, de fato, seria o feito por iguais, não ocorrendo, então,
sentimentos de desigualdade; o julgamento deve, ainda, ser público e obter legitimidade.
A confiança que se deposita em uma testemunha deve ser medida pelo interesse que ela
tem em dizer ou não a verdade. A tortura é uma barbárie consagrada pelo uso na maioria
dos governos até a época de Beccaria; porém, ela demonstra o direito da força, pois
inflige pena ao cidadão quando não se sabe se é inocente ou não. Pode haver crime certo
ou incerto, se é certo deve ser punido pela lei fixa, se não deve ser considerado inocente.
“Cabe tão-somente às leis determinar o espaço de tempo que se deve utilizar para a
investigação das provas do crime, e o que se deve conceder ao acusado para que se
defenda.”
O tempo que é empregado na investigação das provas e o que determina a prescrição
não devem ser aumentados em virtude da gravidade do delito que se persegue. Separa-
se então duas categorias de delitos: Grandes e Pequenos.
O princípio de um crime deve ser castigado, mas de forma mais branda, por se tratar da
vontade de cometer um crime. Busca-se prevenir até tentativas iniciais do crime; porém,
a punição deve ser mais branda para também fazer com que a pessoa que iniciou o
crime não procure completá-lo.
A função dos castigos é de impedir o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à
sociedade, e afastar a sociedade do caminho do crime, ou seja, a função da pena é
utilitarista. “Quanto mais terríveis forem os castigos, tanto mais cheio de audácia será o
culpado em evitá-los.
O meio utilizado pela legislação para prevenir o crime deve ser mais forte à medida que
é mais danoso ao bem público. Busca-se uma proporção entre delito e pena.
São considerados delitos somente ações que tendam à destruição da sociedade ou aos
que a representam, ações que afetam o cidadão quanto à existência, bens ou honra, ou
ações que executem atos contrários aos determinados em lei ou executem atos os quais a
lei proíbe – visando o bem público.
É preferível prevenir os delitos a puni-los, tenta-se proporcionar o máximo possível
devem aos homens e livrá-los do máximo de males.
Conclusão: A pena deve conter as seguintes características: publicidade, prontidão,
utilitarismo, a menor possível dependendo de cada caso, proporcional ao crime e
prevista em lei.

Resumindo:
1. Secularização do estado e do direito penal (o afastar da igreja, separação da justiça
divina e justiça penal)
2. Beccaria substitui o divino pelo contrato social
3. Beccaria traz a proporcionalidade das penas
o Penas adequadas aos crimes cometidos
o Queria convencer os soberanos que era mais fácil e útil trabalhar com penas
mais leves e proporcionais do que penas desproporcionais e mais pesadas que
eram utilizadas na altura – principio da utilidade
o Defendia a abolição da pena de morte
o Pena mais branda e efetiva do que uma pena mais grave mas sem resultado
certo – argumentação empírica
o A privação da liberdade começa a ser o centro das penas/sistema penal. A pena
“rainha” passa a ser a pena de prisão
o Traz também a pena pecuniária – pena de multa para crimes menos graves
4. Adota uma logica utilitarista que se forca na ideia de prevenção. As pessoas veriam as
consequencias do crime cometido, logo não o faziam
5. Crime como dano social – incumprimento do contrato social
6. Beccaria é um defensor do principio da legalidade
o Não havia fundamento na lei
o O soberano é que decidia o peso do castigo na hora da punição
o Não havia segurança jurídica
o O delinquente tem que saber as consequências e o que é incorreto na hora do
seu comportamento, na altura de Beccaria não havia essa noção
7. Beccaria defendia a obtenção de informação sem a tortura (queria convencer os
soberanos de que a tortura não era útil)
8. O processo de investigação não poderia ser secreto pois muitas vezes o individuo so
tinha conhecimento do processo na altura da execução da pena. Os processos judiciais
tem que ter um tempo razoável e não demorado, pois muitas vezes durante a
investigação o individuo era mantido em prisão preventiva durante todo o processo de
investigação e por vezes o processo demorava imenso tempo, logo o individuo era
mantido preso durante todo esse tempo.

1.10. Direito penal clássico (nuclear, primário)

 Do ponto de vista formal:


o é o direito penal de justiça (liberal)
o Nasce com a revolução francesa
o Tendencionalmente trata de bens jurídicos individuais – crimes de lesão ao bem
jurídico
 Do ponto de vista material:
 Em regra, está acomodado no CP.

Direito da mera organização social – constrói-se por meio da contraordenação e


da coima
Direito penal – estrutura-se e vive enquanto sua razão e modo-de-ser, através de dois
elementos essenciais: o crime e a pena
Funções do direito penal:
 proteção dos bens jurídicos (função principal)
 garantia (funções secundárias) – protege contra potências abusos/criminoso, além de
ter uma proteção de bens jurídicos, também é uma garantia contra potências abusos do
estado
 coesão (funções secundárias) - Através do direito penal, a norma jurídica promove a
partilha de certos valores que são fundamentais para a convivência pacífica.
 segurança (funções secundárias) – promoção de um estado geral de integração dos
bens jurídicos

Leis:
 Artigo 40 Código Penal – finalidades das penas e medidas de segurança
 Artigo 1 – princípio da legalidade

Palavra mágica – Racionalizar o direito do estado

O DP tem um sistema que proporciona: Dentro da unidade do sistema (nã o


pode ter normas contraditó rias que
metam em causa a sua unidade)
Sistema – fragmentariedade + unidade

O DP vai regular determinados pedaços da vida (nã o toda)

Um sistema tem normas:


 normas que anunciam axiomas - é uma condição de racionalidade do própria ordem
jurídica, e são mais rígidos que os princípios. (Axioma – artigo 31-1º do CP). Ex: se um
comportamento é considerado licito no direito civil então tem de ser licito no direito
penal, não pode haver contrariedades.
 normas que anunciam princípios - obedece a uma lógica de mais ou menos, posso
seguir em parte, posso afastar num determinado caso. (ex: art. 1º CP)
 normas que anunciam regras - normas com conteúdo mais preciso, de ação imediata
(ex: art. 131 CP não matar uma pessoa): lógica do tudo ou nada, ou se segue ou não;
dirigidas ao cidadão, procuram orientar o seu comportamento (regras de conduta), art.
118º CP.
 normas definitórias - trazem definições legais dirigidas ao juiz (art. 14 e 15º CP)
 normas sobre normas (ou metanormas) - normas que disciplinam as condições de
aplicação de outras normas, que se dispõem sobre outra regras, não existindo relação de
hierarquia (exemplo: art. 4 e seguintes - normas que dizem quando aplicamos a ordem
penal em exemplos fora de Portugal)

Se um comportamento é considerado lícito no Direito Civil, não pode ser considerado


ilícito no Código Penal.
Se uma ação for considerada ilícita no Direito Civil pode ou não ser ilícito no Código
Penal.
O Direito Civil tem comportamentos ilícitos que podem não existir no Código Penal,
exemplo o não cumprimento de contratos, não existe nenhuma lei no CP que trate disso.
O Direito Penal é a arma mais gravosa e só reage nos comportamentos mais gravosos.

Semelhanças entre o direito penal e o direito penal de mera ordenação social


(DPMOS):
 Ambos aplicam uma sanção/têm carater sancionatório
 Do ponto de vista formal o D.P.M.O.S aplica coimas referentes a
contraordenações
 Do ponto de vista material A contraordenação é um facto axiologicamente
neutral
 O D.P.M.O.S não busca proteger bens juridicos mas sim organizar a vida
humana, organização da sociedade (Ex: Trânsito) (Factos axiologicamente
neutrais)
 A coima é uma sanção pecuniar (certa quantia) e não uma pena.
o A coima é regida por um critério económico.
o Pena é uma censura pelo mau uso da liberdade
o Diferença do ponto de vista material
o Pena é imposta pelo tribunal judicial num âmbito de um processo
criminal
o Coima pode ser imposta por entidades administrativas e pode ser
contestada por um tribunal administrativo (Diferença de regime
jurídico)
o A pena de multa pode ser substituída por pena de curta duração (Ex:
Prisão - Fungibilidade da pena de multa – pode-se tornar pena de prisão
se a pena de multa não for paga)
o As coimas são infungíveis (não pode substituída por nada), não
substituem nenhuma sanção jurídica e não podem ser substituídas

Princípio da territorialidade – O Direito Penal Português só pode ser aplicado em


território português (Art.º 4 Código Penal)

Princípio da extraterritorialidade – O Direito Penal Português pode ser aplicado fora do


território português perante algumas exceções (Art.º 5 Código Penal)

Aplicação das normas extraterritoriais


 O Direito Penal permite (Art. 5 e 6 Código Penal)
 O D.P.M.O.S não permite

Responsabilidade jurídica de pessoas coletivas


 O D.P.M.O.S pode sancionar pessoas coletivas - É o seu “cartão de visitas”, há uma
abertura ilimitada. Os grupos coletivos não conseguem delinquir então criou-se o
D.P.M.O.S (societas delinquere non potest)
 O Direito Penal não pode porém tem exceções de sancionar pessoas coletivas (Art.º 11
Código Penal)
 Capacidade de sancionar pessoas coletivas – Se podem atuar em outros ramos de
ordenamento jurídico, podem atuar também no Direito Penal
 Capacidade de receber culpa
 Capacidade de receber pena - Como privar a liberdade de pessoas coletivas? - Receber
penas pecuniárias (Penas de multa)
 O Estado é uma pessoa coletiva porém não pode ser punido

Regime da Punibilidade da tentativa


 O Direito Penal nem sempre pune a tentativa, só pune os casos mais graves (Art.º 23
nº1 Código Penal)
o Art.º 203 nº2 Código Penal
o Nos crimes consumados com pena de prisão inferior a três anos, a sua
tentativa é punível caso o legislador entenda
 No D.P.M.O.S a tentativa só é punível aonde o legislador expressamente prevê essa
possibilidade – Princípio dos números clausos (números fechados) - Só quando o
legislador determinar que se deve aplicar (daí a designação de números fechados)

1ª Modalidade - Descriminalização
Uma conduta perde a sua relevância jurídica
Apaga-se por completo a norma
2ª Modalidade - Despenalização
- Própria ou Relativa
- Diminui a moldura penal em ação/do comportamento
- Diminui a realidade da pena
- Desagravamento da pena
- Ex: Moldura Penal de 5 anos, o individuo está preso há 3 anos, entretanto o legislador
diminui a moldura penal para 3 anos, então o individuo tem que ser libertado
- Imprópria
- Um crime passa a ser uma contraordenação
- Num momento o legislador pode passar a pena de prisão para uma coima

1.11. Direito Penal e Processo Penal:


Se o direito penal se caracteriza pela positivarão de normas que consagram a proibição
penal de certas condutas ou comportamentos – os crimes – o processo penal é – através
de uma ótica mais formal – o conjunto de regras que permitem verificar se, em
determinada situação concreta, existiu ou não a pratica de um facto previsto e
proibido pela lei penal e ainda determinar quem foi o autor ou autores da prática
daquele facto.
Além disso tem que apresentar garantias precisas que se impõem em um Estado de
direito democrático. O processo penal é também o modo de fazer aplicar as penas e as
medidas de segurança previamente prescritas pelo direito penal. De facto, as penas e as
medidas de segurança prescritas pelas normas do direito penal não se podem aplicar –
ao agente – senão através do processo penal. O processo penal configura, o bastião de
garantias dos direitos fundamentais e, transversalmente, dos próprios valores que o
direito penal visa proteger: a liberdade e a dignidade da pessoa humana.
O Direito Penal só tem sentido se existir o direito processual e o inverso também é
verdadeiro. A tarefa principal do processo penal é a da determinação e é através do
processo penal que ficam determinados os três pontos essenciais que sustentam a sua
razão de ser:
1. O facto criminal
2. O autor do facto criminal
3. A consequência jurídica (a pena que ao autor do facto criminal deve caber)

1.12. Direito Constitucional e o Processo Penal:


Partilham de uma certa comunhão de objetivos, nomeadamente quando se trata da
proteção de direitos fundamentais do cidadão perante o Estado, preocupação esta
essencial para ambos. A constituição introduz limitações no campo do procedimento
criminal, uma vez que o processo penal, para lá da proteção daqueles direitos, também
visa a realização de justiça, a descoberta verdade material, a aplicação de uma pena ao
culpado, bem como o restabelecimento da paz jurídica, colocada em causa pelo crime.

1.13. Direito Penal e Direito Disciplinar:


O primeiro ponto que urge enfatizar, sobre as relações entre o direito penal e o direito
disciplinar é o carácter sancionatório de ambos – de sanção estadual. A consequência
jurídica das infrações penas e as infrações disciplinares tem um radical comum: a pena.
No primeiro caso uma pena criminal, no outro uma pena disciplinar. Ou seja, quando
nos defrontamos com o direito disciplinar temos de ter presente que a normal
consequência jurídica da pratica de uma infração é uma pena, se bem que meramente
disciplinar.
No Direito Disciplinar opera entre si o agente da informação e o Estado. Sucede,
todavia, que se, por um lado, o direito disciplinar – a pena disciplinar – tem como
finalidade repor ou restabelecer o normal e eficaz funcionamento dos serviços – logo, o
bom funcionamento da orgânica e da dinâmica administrativa – quedaram perturbados
pela infração disciplinar, é hoje, de igual modo, inquestionável que aquele que exerce
funções públicas, mesmo que arguido, não pode deixar de ser olhado como a pessoa a
quem são garantidos direitos fundamentais e que, também por esta ótica, o direito e a
pena disciplinares têm uma finalidade de sancionar o trabalhador do Estado
prevaricador. E um desses direitos passa, seguramente, pela assunção de que qualquer
sanção imposta pelo Estado não pode reduzir ou degradar o infrator a mero objeto
mesmo que se envolva ou que se conforte a aplicação da sanção dentro dos limites
inultrapassáveis da não violação da dignidade da pessoa humana ou da não violação dos
seus direitos mais elementares ou fundamentais. E uma tal situação verificar-se-ia,
mesmo que afeiçoada por aquelas intransponíveis fronteiras, se a pena disciplinar – que
toca, em tantos casos, com a vida mais profunda das pessoas que, in casu, acontece
também exercerem funções públicas – visassem exclusivamente a finalidade de repor o
normal funcionamento dos serviços. Nem os serviços são puro algoritmo de
funcionalidade, nem a pena pode ser a correção, coativamente imposta pelo Estado,
daquele preciso algoritmo. Os serviços são prestadores sociais de bens
comunitariamente assumidos como necessários.
É definido ainda a infrações disciplinar como: “o comportamento do trabalhador, por
ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais
inerentes à função que exerce” (artigo 183º do ED). É possível de perceber que toda e
qualquer infração disciplinar se tem de basear em factos. O que é o mesmo que afirmar:
aqui como no direito penal, está-se indissociavelmente ligado ao facto. Só há infração
disciplinar, como também só há infração pena se houver um facto que as sustente. Este é
um dado de particular importância porque ele é também expressão de uma ideia forte de
garantia.
No regime autoritário português – só adquire ressonância jurídica se for provocada por
uma conduta dolosa ou, no mínimo, negligente. A construção das diferentes infrações
disciplinares – é levada a cabo de uma maneira bastante diferente daquela que perpassa
por praticamente toda a construção do ilícito penal. Com efeito, a fabricação da norma
disciplinar sancionatória faz-se a partir da ideia da violação de um dever e origina
infrações formais.
Lenocínio:
Artigo 169º, n.º1:
 Temos sempre uma norma objeto e um parâmetro de controlo, parâmetro esse que é o
art. 18 da CRP
 Argumentos favoráveis à constitucionalidade:
o Princípios dos bens jurídicos – proteção da dignidade humana, integridade
física, liberdade sexual, desenvolvimento da personalidade
 Só há crime em sentido material quando existe uma ofensa à integridade humana

Vida humana é um bem jurídico, homicídio é um ataque ao bem jurídico.


Todos os meios jurídicos importantes são protegidos com uma “camada de proteção”.
Quanto mais denso for o bem jurídico, maior é a probabilidade de o legislador querer
adicionar outra camada de proteção, ou seja, é adicionada a proteção contra crime de
perigo (perigo contra a vida).
 Lesão (homicídio) – destruição total ou parcial do bem juridico Perigo Abstrato
 Perigo
o Crimes de perigo concreto Perigo concreto
Lesão
o Crimes de perigo abstrato

Crimes de perigo concreto – são criados se através da Vida


conduta for criada uma efetiva situação de risco para o
bem jurídico (ex: art. 291º CP). A sua configuração
requer a demonstração de que o bem jurídico
efetivamente foi posto em perigo. Refere-se à situação em que há uma probabilidade
real e iminente de um dano real.
Crimes de perigo abstrato – o perigo não é um elemento do tipo penal, é apenas um
motivo que leva a incriminar a conduta. O legislador presume que certos
comportamentos podem ou são potenciais perigos para o bem jurídico. (ex. art.292º
CP). A sua consumação depende da demonstração de que tenha colocado o bem jurídico
em risco. O risco é presumido, de forma absoluta, pela lei. Envolve situações em que
uma conduta é considerada perigosa independentemente da existência iminente de um
dano real.

Quanto mais valioso é o bem jurídico, maior será a camada de proteção (ex: a vida é
primeiramente protegido pelo perigo abstrato, depois é protegido pelo perigo concreto e
depois pela lesão).

Funcoes do bem jurídico:


 Crítica ou de Legitimação ou de Limitação do Direito Penal
o Justifica a intervenção do Direito Penal
o É a partir d bem jurídico que o legislador define as molduras penais
 Função Interpretativa ou Herminurtica do bem jurídico
o A interpretação das normas depende do bem jurídico – elemento teleológico
 Função sistemática/ordenatória
o Através do bem jurídico, o legislador vai organizar os tipos penais (a parte
especial)

1.14. O âmbito de aplicação do direito penal no Tempo (art. 2º CP):

Temporalidade do direito penal:


O direito penal é mutável ao longo do tempo, ou seja é modificável (ex: Mesmo uma
proibição como o homicídio sofreu oscilações ao longo do tempo).
Desde 1995, o CP já sofreu cerca de 60 alterações.
Cada vez mais há paciência para verificação dos direitos da lei.
Quando um facto acontece, pode vigorar uma certa lei, porém até ao julgamento a lei
pode ter sido alterada.
Va Catio Legis – vacância da lei – a lei foi publicada mas ainda não surgem os seus
efeitos, pois o tempo em que começa a entrar em vigor ainda não começou.

Retroatividade vs Irretroatividade:
Retroatividade – aplicação de uma lei a factos anteriores à sua vigência
(Princípio da) Irretroatividade – a lei só produz efeitos a partir da sua vigência para o
futuro, não é aplicável a eventos que ocorreram no passado
Um problema que pode existir na aplicação do direito penal é que na duração do facto
até ao julgamento a lei pode mudar. Por norma utiliza-se a lei que se encontrava vigente
durante a prática do facto. A retroatividade é uma manisfetação disso.
3 situações de expressa proibição da retroatividade da lei:
 Campo das leis que restringem direitos, liberdades e garantias (art. 18 n.º 3 da CRP)
 Matéria de impostos (o estado pode criar um imposto, mas não pode afetar factos que o
antecederam, ou seja não pode haver retroatividade) (art. 103 da CRP)
 Lei penal (art. 29 n.º 1 e 3 da CRP)
In mallam partem – lei posterior opera de forma desfavorável ao agente
In bonam partem – lei posterior opera de forma favorável ao agente
(só se aplica no direito penal)
Se a nova lei for mais favorável ao agente invertemos o sentido, temos um dever de
aplicação retoativa dessa nova lei. É preciso distinguir sempre o sentido da nova lei. Se
a nova lei for “amiga do delinquente” não só não há proibição da retroatividade, como
há uma obrigação da mesma (princípio da aplicação da lei mais favorável ao agente).
 Primeiro identificar a natureza da nova lei.

Lei temporária - é uma norma que tem um período de vigência determinado.


 tem um regime específico, porque é uma excessão à lei penal retroativa mais favorável
ao agente.

As normas têm a finalidade de influenciar o destinatário.


Antes da prática do facto, o agente tem de conhecer a lei que o proíbe de exercer tal
comportamento.
Afloramentos:
Afloramento – quando alguém é preso e, enquanto cumpre a pena, a lei discriminaliza
esse ato, este terá de ser libertado imediatamente.
 Casos de descriminalização (art. 2 nº. 1 e 2 do CP)
 Despenalização*, em particular na despenalização relativa (relacionada com as
molduras penais) (art. 2 n.º4 do CP)

*significado de despenalização - aboliçã o de sançõ es previstas pela lei (para


determinado ato, comportamento, substâ ncia, etc.)
Despenalização própria - quando se mantém uma conduta criminosa, mas o
legislador por algum motivo decide baixar a moldura penal.

A lei mais favorável é sempre decidida em concreto e não em abstrato.

Art.3 do CP – momento da prática do facto:


O facto considera-se praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso de
omissão, deveria ter atuado, independentemente do momento em que o resultado típico
se tenha produzido.

1.15. O âmbito de aplicação do direito penal no espaço:


Princípio da territorialidade:
Princípio da territorialidade (art. 4º e 7º CP) – leis penais aplicam-se em factos
praticados em território nacional.
o Dimensão negativa - Estado não vai aplicar as suas leis em factos que
acontecem noutros países.
o Dimensão positiva – Estado aplica a sua lei penal a factos praticados no seu
território.
o Criterio do pavilhão – art. 4º CP
 A lei aplica-se ao território português, independentemente da nacionalidade do agente.
 Este princípio é aplicável a bordo de aeronaves e navios portugueses,
independentemente se estiver dentro do espaço aéreo de outro país, pois foi a bordo.

Princípios complementares:
 O princípio geral é o princípio da territorialidade, os outros quatro complementam
essa teritorialidade.
 O que têm em comum os princípios complementares? – A capacidade de
fundamentar a extraterritorialidade do DP.
 Primeiro vemos sempre se é aplicável o princípio da territorialidade, só depois é
que vamos analisar os princípios complementares presentes no artigo 5º.

1 - Princípio da Nacionalidade:
 nacionalidade ativa – quando o crime é feito por um português (alínea b) art. 5º)
 nacionalidade passiva – quando o crime é feito por um são estrangeiros (alínea e)
art. 5º)

Extraterritorialidade – permitem a aplicação da lei penal potuguesa fora de território


português.
Há crimes que estão proibídos de extraditar cidadãos do próprio país. Alguns crimes
como o terrorismo, a criminalidade organizada e crimes políticos não admitem
extradição (art. 33º CRP).
Nacionalidade comulativa (alínea b n.º1) – Facto realizado contra portugueses, por
portugueses que viverem habitualmente em Portugal ao tempo da sua prática e aqui
forem encontrados pode ser aplicada a lei penal portuguesa (ex. Homem que vive
habitualmente em Portugal, desloca-se à Alemanha para auxiliar um conhecido seu num
homicídio ou suicídio, tanto a vitima como o agente tem que ser portugues)
2 - Princípio da defesa de interesses nacionais:
 Dizem respeito a bens jurídicos que refletem interesses nacionais que justificam
essa aplicação extraterritorial (artigo 5º alínea a) (ex: crimes contra a realização
do estádio de direito).
3 - Princípio da universalidade:
 Ou são bens juridicos supranacionais (alíneas c e d)(ex: crimes ambientais) ou são bens
jurídicos individuais especialemnte sensíveis ao crime organizado internacionalmente
(ex: tráfico de órgãos humanos).

4 - Princípio da administração supletiva da justiça penal:


 Supletiva porque sempre que os outros princípios falharem, há uma válvula de
segurança (alínea f).

Restrições à aplicação da lei portuguesa: (art. 6º - vem corrigir certos excessos do


artigo 5º)
 Embora seja aplicável a lei portuguesa, nos termos do número anterior, o facto é julgado
segundo a lei do país em que tiver sido praticado sempre que esta seja concretamente
mais favorável ao agente (nº 2). Contudo existe a exceção a estr artigo (artigo 3º)

Instrumentos de aplicação do direito penal no espaço:


Mandado de detenção Europeia:
 É uma ordem judicial emitida em toda a UE
 Simplifica a extradição, alternativa à extradição
 Cumprir as garantias no DP no estado em que o agente se encontra

Princípio da confiança mútua: circula em todos os estados da UE e assim que preso o


indivíduo é mandado para o país de origem - Dever de captura e entrega
Tribunal penal internacional:
 Surgiu com o Tratado de Roma
 Exemplos: crimes contra a humanidade e crimes de guerra
 Mexem com crimes universais/globais
 Competência subsidiária – só é exercida se os estados não puderem ou quererem
exercer a sua competência penal, o seu poder punitivo (isto nos estados nacionais)

Aplicação do Direito Penal quanto às pessoas:


Princípio da igualdade – ninguém está imune à jurisdição penal (em princípio)
Exceções:
 Imunidades diplomáticas ou consulares
o Os funcionários das embaixadas que estejam a exercer funções noutros países
gozam de imunidade
o A lógica é garantir um certo desempenho das suas funções, eliminar uma
ameaça de persiguição penal
o São exercidos por tratados internacioanis (ex: convenção de Viena)
o Responderá penalmente pelo estado que representa e não por aquele onde está
 Imunidade de titulares de cargos políticos
o Presidente, Deputados (157º CRP) e Membros do Governo (196º CRP)
o Imunidade temporária - O presidente só é condenado quando o mandato acaba
(art. 130 n.º4 CRP)
o Garantia de desempenho da função
 Estas exceções são garantias funcionais

1.16. Fontes do Direito Penal:


A CRP é uma fonte do Direito Penal
Depois da 1º guerra mundial surgem as constitucionalizações do Direito
O DP é constitucional
A CRP pode desempenhar 3 papéis:
1º - Imposição de incriminalização:
 A própria constituição pode incriminalizar certos tipos de comportamento
 A constituição ordena ao legislador ordinário (art. 177 n.º2)
o Se o legislador não o fizer é declarado inconstitucionalização por omissão
 Não compete à constituição a sua margem de atuação do legislador ordinário

2º - Impulso da incriminação:
 Menos intenso que uma incriminação
 Art 37 n.º3 CRP:
o Não há imposição de incriminação ou incrimina esses abusos ou pelo menos a
definir como uma contraordenação
o Ou DP ou direito penal de mera ordenação social

3º - Constituição como limite à incriminação:


 O DP (em princípio) só pode proteger bens jurídicos que se encontram previstos na
constituição
 Art. 18 n.º2 CRP
 O DP tem a sua própria autonomia apesar do bem jurídico/interesse jurídico não estar
previsto na CRP (art. 185º CP)

1.17. A lei em sentido estrito


 É uma fonte do Direito Penal
 Art.º 165 CRP
 Reserva de lei – Lei emanada pela Assembleia da República
 Só a lei aprovada pela Assembleia da República é que pode definir crimes e penas - Só
a Assembleia da República pode definir leis, penas e medidas de segurança - Art.º 165
alínea c CRP)
o Ou então por um decreto-lei do Governo quando expressamente autorizado pelo
Parlamento
o O Governo fica impedido pelos limites dessa autorização
o Se ultrapassar esses limites é declarada Inconstitucionalização
 As contraordenações podem ser criadas por um decreto-lei do Governo - Não é preciso
um ato legislativo autorizado pela Assembleia da República - Porém este tem que estar
em sintonia com o Regime Geral de Contraordenações (Estabelecido pela Assembleia
da República – Art.º 165 alínea d CRP)
 Só a criação de tipos penais está sujeita ao princípio de reserva de lei
 A criação de tipos contraordenacionais não vigora o princípio da reserva de lei - Não é
preciso a autorização do parlamento
o Só o Regime Geral de contraordenações é que é definido pela Assembleia da
República e está sujeito ao princípio de reserva de lei
o Governo tem competência para criar coimas e contraordenações mas não o
Regime Geral de contraordenações - Para esta situação, caso o Governo queira
fazer alterações no Regime Geral de contraordenações é preciso a autorização
da Assembleia da República.

Direito Consuetudinário - Costumes como fonte de direito


Não se pode punir as pessoas baseados em meros costumes

Proibição do Direito Consuetudinário:


 Não se pode aplicar se os costumes forem contra o individuo
 É contra a lei mas se for a favor do agente é aplicado
 Os costumes fundamentam uma oscilação na interpretação das normas
 Não se pode usar na incriminação

Direito Europeu
 Influencia os direitos nacionais dos países da União Europeia
 Diretivas – A União Europeia estabelece certas finalidades a alcançar mas deixam ao
critério dos Estados Membros a escolha dos meios mais adequados para realizar essa
finalidade
 Dever de Transposição - Transformar em normas internas/Legislação interna de cada
Estado Membro as exigências da União Europeia

1.18. A interpretação da lei penal


Toda a norma jurídica requer interpretação - Densificação do sentido e do alcance da
norma

Linha metodológica interpretativa – Passagem do “texto-norma” para “norma-texto”


 Texto-norma – Enunciado linguístico que constitui o objeto de interpretação
o Vamos interpretar o enunciado linguístico
o Objeto de interpretação
 Norma-texto – Comando/Imperativo de conduta que vamos retirar do texto-norma
o Completo enunciado do “dever-ser”
o Produto do resultado da interpretação
o Aquilo que se retira

Essa passagem do “texto-norma” para “norma-texto” é feita de 4 elementos:

 Gramatical – Estuda o significado das palavras utilizadas na lei. Procura-se o


significado lexical das palavras
 Histórico - Procuramos as intenções que motivaram o legislador no processo de criação
da norma (Qual foi a intenção do legislador)
 Sistemática - Interpretação que busca integrar essa norma com outras normas, comparar
com outras normas
 Teleológico - Finalidade da norma. Específico propósito da norma

Não existe uma hierarquia desses elementos (Isto na Introdução ao direito)


No Direito Penal, em nome do princípio da legalidade, temos que dar primazia ao
elemento gramatical. Os outros critérios só poderão ser trabalhados dentro da moldura
do critério gramatical.

Moldura do sentido literal possível - Nunca se pode ultrapassar a barreira do elemento


gramatical – Desde que não se rompa esse limite é suscetível a sua interpretação
Interpretação extensiva - Ainda é licita - Não passa a moldura da interpretação- Ex: A
perna mecânica é parte do corpo
Interpretação restritiva - Ex: Restringe o conceito de corpo humano – A perna mecânica
não faz parte do corpo humano, é património e não integridade física

Analogia – Ultrapassa-se essa barreira - Só se for a favor do agente


 Há analogia no uso impróprio da linguagem
 Há também em casos de semelhança entre um caso coberto e outro não coberto pela
norma

Ex: Art. 208 Código Penal - Não se usa a analogia num caso de um furto de uma
prancha, tem semelhanças com um barco, pois incriminaria o agente – In mallon parton

1.19. Crime
Tipicidade + Ilicitude + Culpa do agente
Crime de realização livre - Não exige nenhum específico modo de causação do
resultado
Ex: Homicídio (Art.º 131 Código Penal) - Não exige uma forma especifica de matar
alguém
Crime de realização de vinculação
 O tipo penal exige um resultado produzido através de um determinado meio/maneira.
Ex: Crime de Burla (Art.º 217) - Crime contra o património (o legislador fala em
prejuízo patrimonial – Esse é o resultado)
 O agente tem que induzir o proprietário a erro ou engano e este tem que fazer um ato de
disposição patrimonial - É a maneira especifica que vai ao resultado
 Restringe a punição
Tipo legal de crime
Conjunto de elementos legais que dá relevância jurídico penal a um comportamento

Existem duas maneiras de olhar o tipo penal:


Tipo de ilícito - Define a chamada matéria de proibição, ou seja, aquilo que está
proibido – Princípio da Ofensividade
Tipo de garantia – Princípio da legalidade. Para que haja crime e preciso que haja lei,
que se preencha o tipo legal de crime. Garantia em serviço do cidadão - Para que não
haja abusos de poder

Elementos do tipo
O legislador utiliza certas estruturas para a matéria penal
Elementos objetivos do tipo - Não envolve um estado anímico (vontade) ou
psicológico do agente
- Elementos descritivos do tipo – Enunciam uma realidade que é apreensível pelos
sentidos (Uma realidade que é empiricamente observável)
- Ex: Morte no homicídio
- Elementos normativos do tipo - Só podem ser compreendidos através de um
juízo de valor de interprete - através das normas do Direito Penal, de outros ramos do
ordenamento jurídico e de outras valorações ético-sociais
- Ex: Ato sexual de relevo (art.º 163 Código Penal) - Não é explicito, temos que
fazer um juízo de valor

Um tipo penal também pode ter elementos subjetivos


- Envolvem um estado anímico ou psicológico do agente
- Ex: Crime de furto (é necessário que o agente haja com intenção de apropriação)

1.20. Tipos de Tipicidade


Quanto à conduta:
Tipos dos crimes de ação - Crimes comissivos - Ação de ataque ao bem jurídico - Em
regra, o Direito Penal só se interessa por esses crimes
Tipos dos crimes de omissão - Crimes omissivos – Pune-se a omissão. O Direito Penal
reconhece, excecionalmente, alguns crimes de omissão, por exemplo, o artigo 200 do
código penal
Crimes de resultado – Crimes materiais
 Cujo tipo penal não permite mas como exige uma separação espácio-temporal do ato
do agente (Ex: O disparo e o momento em que acerta no individuo) e uma modificação
do mundo exterior
 É nos crimes de resultado que vai se colocar o problema da causalidade (causa-efeito)
 Ex: Dispara-se e morre - Será que o disparo foi a causa da morte?

Crimes de mera atividade– Crimes formais


 O problema da causalidade não se coloca
o Não é importante a separação espácio-temporal do ato do agente e a
modificação do mundo exterior
 Basta-se a mera execução de um determinado comportamento
 Ex: Crime de invasão a domicílio (art.º 190 Código Penal)
1.21. 3 grandes teorias da causalidade

Teoria da equivalência das condições


Teoria da condition sine qua non
Causa de um resultado é toda a condição sem a qual o resultado não ocorreria
Utiliza a fórmula da supressão mental hipotética
- Para identificar uma determinada condição, temos que a eliminar do crime cometido,
temos que eliminar mentalmente – Ex: Num caso de disparo de arma de fogo que
resultou em morte, se eliminarmos o disparo da arma de fogo a morte não teria
acontecido?
- Alguns autores afirmam que é a melhor forma para explicar a causalidade
Problema desta teoria
- Causa é tudo aquilo que contribuiu para que o crime existisse
- É uma teoria muito ampla
- Ex: Se a vítima do crime do disparo de arma de fogo não existisse o crime não teria
acontecido
- Permite uma interpretação muito ampla
Esta teoria não permite acrescentar cursos causais hipotéticos
- Ex: Se eu não disparasse outro ia disparar
No Direito Penal não se pode convocar cursos causais hipotéticos pelo menos para a
questão da causalidade

Teoria da causalidade adequada


A causa de um resultado é a condição que segundo um juízo de prognose póstuma
objetiva á apta ou idónea a produzir um resultado
Prognose (Juízo sobre um futuro; Probabilidade de ocorrências futuras) póstuma
(Depois da ação; Posterior aos factos) objetiva (Feito na perspetiva de um observador,
um terceiro, neutral que foi colocado posteriormente ao momento da ação)
- Ex: X foi convidado por Y para passear num parque durante uma tempestade, esse
passeio leva à sua morte. Não considerar que o convite de Y, apesar de contribuir para a
morte de X, foi a causa adequada e direta do resultado a que se procedeu
Não basta a causa do ponto de vista empírico/naturalístico, é preciso uma adequadação

Teoria da imputação objetiva do resultado


Distingue a causalidade e conexão do risco (2 juízos)
Nos crimes de resultado, num primeiro momento separamos o juízo de causalidade e
num segundo momento separamos um juízo de conexão de risco
Para que uma conduta preencha o tipo legal de crime, é necessário que ela seja causal
para o resultado mas também que ela crie um risco proibido e que esse risco se realize
no resultado
É necessário estabelecer que a ação do agente criou um risco proibido e que o resultado
foi uma concretização desse risco
Em resumo, essa teoria considera um resultado como sendo imputado ao agente se a sua
conduta criou um risco proibido e esse risco se concretizou no resultado
Ex: Convidar alguém para passear na floresta enquanto chove, não é um risco proibido
mas sim permitido. Perante a morte de X, Y não preencheu o tipo legal de homicídio

Um critério da Imputação objetiva:


Comportamento Ilícito alternativo
Numa situação especifica, o resultado prejudicial teria ocorrido de qualquer maneira,
mesmo que o acusado não tivesse agido de maneira ilícita. Mesmo sem a ação ilícita do
acusado, o mesmo resultado teria ocorrido devido a outro comportamento ilícito ou
evento
Esse critério não é aplicado no campo dos ilícitos dolosos, só nos casos negligentes. Só
vale, segundo a doutrina dominante, para os crimes negligentes. Nos crimes dolosos o
agente já tem a vontade de agir

1.22. Causas de justificação (Exclusão de Ilicitude)


O crime é um facto típico, ilícito e culposo
O preenchimento legal de crime arrasta com ele uma presunção de ilicitude
Um comportamento típico é também ilícito a não ser que ele tenha uma justificação -
Justificar um facto
- Apresentar razões para que um comportamento inicialmente ilícito seja considerado
lícito ou tolerado pela ordem jurídica
- Matar é ilícito mas em legitima defesa é lícito - É a única causa de justificação
que permite o homicídio

1.23. Legitima defesa (Art.º 32 Código Penal)


É composta por 2 princípios:
1º princípio
Princípio da defesa individual (autotutela)
Proteger um bem jurídico próprio ou alheio
2º princípio
Defesa da ordem jurídica
Protege não um bem jurídico seu mas também a ordem jurídica

O Direito não precisa ceder perante o injusto

Pressupostos da Legitima Defesa


Para que possa haver legitima defesa tem haver uma agressão (Situação de perigo criada
por uma conduta humana) (1º elemento)
É preciso que a agressão seja ilícita (Contra o Direito, e tem que ser atual) (2º elemento)
O agredido faz cessar uma situação de agressão atual. Quando a agressão acaba já não
há nada para repelir - Não há vingança
- Fazer cessar um ato ilícito atual
Legitima defesa de terceiros – Proteger bens juridicos de outros/terceiros

Alguns requisitos para atuar em legitima defesa:


Necessidade
Ação necessária para repelir a ação ilícita
Requisito de subsidiariedade
- Estando disponível no momento, tem preferência para atuar as forças do Estado
- O particular só pode usar a legitima defesa se não for possível, no momento da ação,
usar a força policial
- Se a força policial estiver presente, esta tem prioridade em utilizar a força
- Se mesmo assim o particular decidir agir, já não é considerado legitima defesa
- Se houver mais d que um meio, o particular deverá utilizar o meio menos intrusivo na
esfera jurídica do agressor, deve-se utilizar o meio mais suave (Ex: Dar um tiro ao
agressor vs utilizar um tijolo – Usamos o tijolo)

Proporcionalidade
Estamos perante um agressor que criou a situação de perigo. Se este tentou violar
alguém e é morto, não deixa de ser legitima defesa
Embora não seja necessário haver proporcionalidade entre os interesses envolvidos, há
que haver consideração por uma crassa/grosseira desproporção entre a defesa e a
agressão. Ex: Matar uma criança por roubar uma cereja

No Direito Português, o uso de arma de fogo, e por sua vez, o homicídio, só pode ser
aplicado em situações que põem em risco a vida ou a integridade física essencial

Pressupostos
 Elementos objetivos - Situação e ação de legitima defesa
 Elemento subjetivo – O agredido tem que saber que está a agir perante os
princípios/pressupostos da legitima defesa – conhecimento da ação justificativa

Desvalor do resultado
 Eu quando a ajo em legitima defesa, eu produzo um resultado (Ex: morte do agressor).
Por ter agido em legitima defesa, esse resultado perde o seu valor.

Segundo a doutrina dominante, quem provoca o agressor para haver legitima defesa,
este não pode depois beneficiar dela, estaria a manipular a ordem jurídica

Casos práticos:
Caso prático 1: “Para garantir uma maior coerência na definição das molduras penais
aplicáveis aos diversos crimes, atenta a importância dos bens jurídicos protegidos em
cada momento histórico, o legislador decide alterar a moldura penal aplicável ao crime
de gravações e fotografias ilícitas (CP, art. 199.º), reduzindo o máximo da pena de
prisão de até 1 ano para até 3 meses. Defina e caracterize o fenómeno legislativo em
causa nesta hipotética situação.”
 Resposta: Fenómeno legislativo presente – Despenalização própria, quando se mantém
uma conduta criminosa, mas o legislador por algum motivo decide baixar a moldura
penal, alterando os lineares da pena.

Caso prático 2: “Retorne à situação objecto do caso 1. Agora suponha: quando a nova
lei entra em vigor, P já havia sido condenado, com trânsito em julgado, pela prática do
crime de gravações e fotografias ilícitas, cometido sob a égide da lei antiga. A execução
da pena de prisão também já estava em curso, tendo P cumprido 4 meses de reclusão em
estabelecimento prisional. O que deverá acontecer com P? Fundamente a sua resposta.”
 Resposta: Estamos perante um caso da aplicação da lei penal no tempo, pois cessam os
efeitos da execução da pena em curso, na medida em que a pena máxima passou a ser
de 3 meses e P já teria cumprido 4 meses. Neste caso também é utilizada a lei mais
favorável ao agente.

Caso prático 3: “Estamos nos idos de 2015. P1 sente-se apaixonado por P2, uma
colega de trabalho, que rejeitou energicamente todas as suas investidas de aproximação,
desde o início deixando claro a inexistência de qualquer interesse em P1. Inconformado
com a rejeição, P1 adopta um padrão reiterado de comportamentos de assédio em
relação a P2, no lugar do trabalho e fora dele, impondo comunicações e contactos por
ela não desejados e não consentidos. P1 oferece presentes, telefona frequentemente,
segue e aparece nos locais frequentados por P2, monitora permanentemente a sua rotina,
insistindo em aproximações físicas e convites para encontro.
Pouco tempo depois, ambos tomam conhecimento, através de noticiário televisivo, de
que fora aprovada e publicada uma norma legal que passava a incriminar a conduta de
quem “de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta
ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a
prejudicar a sua liberdade de determinação” (actual art. 154.º-A do CP).
Todavia, o diploma incriminador, a Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto, só entra em vigor
30 dias após a sua publicação, circunstância que não é referida na mencionada notícia
da comunicação social, sendo também desconhecida por P1 e P2.
Em 1 de Setembro do mesmo ano, nesta altura já acreditando estar a cometer um crime,
P1 decide arriscar uma última tentativa, com novos atos de perseguição. O que, desta
vez, leva P2 a procurar a polícia narrando os factos acontecidos naquela data, na
expectativa de que P1 pudesse vir a ser processado e punido ao abrigo da nova lei, com
um ponto final neste triste capítulo da sua vida. Desde então, P1 não voltou a procurar
P2. Poderá P1 ser responsabilizado criminalmente? Porquê?”
 Resposta: P1 não pode ser responsabilizado criminalmente na medida em que a lei que
consagra o seu comportamento como crime não estava em vigor, princípio da legalidade
penal. O período entre o ato e a entrada em vigor da lei chama-se vacância da lei
(vacacio legis). Se aplicássemos retroativiamente a lei penal que vai prosdicar o agente,
estaríamos a violar a aplicação retroativa da lei penal in mallan partem.

Caso prático 4: P1, titular da respectiva licença, pretende caçar patos-trombeteiros.


Para tanto, ele consulta, em Julho de 2019, o respectivo calendário venatório, aprovado
pela autoridade governamental competente, donde se retira que o abate daquela espécie
cinegética está temporariamente proibido para a época 2019-2020 (Junho-Maio), em
face do decréscimo significativo que as suas populações têm vindo a sofrer ao longo dos
últimos anos.
Apesar disso, P1 prefere contrariar a interdição temporária, abatendo exemplares de
patos-trombeteiros em Janeiro de 2020.
O facto é levado ao conhecimento do Ministério Público, que deduz acusação, em Julho
de 2020, pela prática do crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas,
tipificado no n.º 1 do artigo 30.º da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro, na sua actual
redacção. No entanto, notificado para apresentar defesa no âmbito do processo criminal,
P1 alega e demonstra que a proibição já não se encontra em vigor, uma vez que a
autoridade competente avaliou como satisfatórios os resultados alcançados com a norma
protectiva vigente durante a época anterior, por isso revogando, em Junho de 2020, a
interdição para a época subsequente. Quid iuris?
 Resposta: A lei em causa é uma lei temporária (porque é uma norma que tem um
período de vigência determinado), porque tem um regime específico, é uma excessão à
lei penal retroativa mais favorável ao agente) (art 2º, n.º3).

Caso prático 5: Considere novamente o caso 1. Desta vez suponha: quando a nova lei
entra em vigor, embora já havendo processo criminal instaurado, P ainda não havia sido
julgado pelos factos alegadamente ocorridos sob a égide da lei antiga. Porém, dias antes
do julgamento e com efeitos imediatos, o legislador volta atrás na sua decisão,
revogando a nova lei e reestabelecendo a vigência da moldura penal anterior, por
considerar que esta é mesmo a solução mais adequada em termos de política criminal.
Dando-se como provadas a materialidade e a autoria dos factos imputados a P, o juiz do
caso precisa determinar a medida concreta da pena que vai aplicar ao condenado. À luz
de qual lei ele deve fazê-lo? Porquê?

Resposta:

Caso prático 6: Tatiana, venezuelana residente no Brasil, falsificou selos


utilizados pelos serviços consulares portugueses sediados naquele país, com a
intenção de os empregar como autênticos ou intactos. A conduta está prevista
como crime pelo Código Penal Português, no seu art. 269.o, n.o 1. O facto
ocorreu em São Paulo, em 7 de Julho de 2019. Tatiana foi ali capturada pelas
autoridades brasileiras. É aplicável a lei penal portuguesa? Explique.

Resposta:

Caso prático 7: Pablo, chileno com residência em Nashville, capital do Estado


do Tennessee, mata Michael, um norte-americano também ali residente. O facto
ocorreu nesta mesma cidade, em 20 de Novembro de 2018. Investigado pelas
autoridades norte-americanas, Pablo foge para Portugal e instala-se em Coimbra,
onde é capturado pelas autoridades nacionais. Sabendo disso, o Estado do
Tennessee requer ao Estado português a extradição de Pablo, para que este possa
ali responder pela prática do crime de homicídio. Segundo a legislação do Estado
do Tennessee, o homicídio é punido com a pena de morte. É aplicável a lei penal
portuguesa? Explique1.

Resposta:

Caso prático 8: Nuno, português residente em Sintra, está de férias na


Alemanha, na casa de Beatriz, portuguesa residente em Düsseldorf, sua amiga de
longa data. Cansada de viver, Beatriz pede a Nuno que a auxilie a suicidar-se.
Com algum pesar, Nuno atende ao pedido, comprando no comércio o veneno
letal ingerido por Beatriz. O Direito alemão não pune a ajuda ao suicídio. Ao
contrário do Direito português, que pune este comportamento no art. 135.o do
CP. O facto ocorreu em Julho de 2020. Nuno retorna a Sintra. Joana, mãe de
Beatriz, informa o Ministério Público dos factos ocorridos em território alemão.
É aplicável a lei penal portuguesa? Explique.

Resposta:

Caso prático 9: José, cidadão português, pratica um crime de roubo em território


australiano, conduta que também é definida como crime pela lei portuguesa. O
facto ocorreu em Fevereiro de 2019. Em fuga das autoridades locais, José retorna
a Portugal, fixando nova residência em Lisboa. O Estado australiano requer a sua
extradição ao Estado português. É aplicável a lei penal portuguesa? Explique2.

Resposta:

Caso prático 10: P, cidadão de um país com regime autoritário, é investigada


pelas autoridades locais, que suspeitam da prática, naquele território, de um
crime de natureza política, punível (suponha-se) pela lei nacional com pena de
prisão. O facto ocorreu em Maio de 2020. P foge para Portugal e instala-se em
Viseu. Sabendo disso, o Estado de origem de P pede ao Estado português a sua
extradição, para que possa responder criminalmente por aquele facto. Quid iuris?
3

Resposta:

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