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Direito Penal I
2021/2022
Direito Penal I
Aulas Práticas Dra Ana Rita Alfaiate
quarta-feira, 20 de outubro de 2021
Exemplo: Se eu estacionar num sítio onde tal me é proibido, é-me aplicada uma coima. Se
eu não a pagar, o máximo dos máximos que pode acontecer é, depois de um grande
processo, penhorarem-me os bens. Porém, se eu não tiver bem nenhum, não há mais nada
que possam fazer.
Este princípio tem, no entanto, o reverso da medalha: não é o mesmo quando está
em causa um ilícito num outro ramo do Direito. Uma coisa que é ilícita para outro ramo do
Direito (v.g., Direito Fiscal, Administrativo, Contraordenacional, etc) não tem
necessariamente de ser ilícito para o Direito Penal.
Assim, em suma: tudo o que é ilícito para o Direito Penal é necessariamente ilícito
para os restantes ramos do Direito, mas o inverso não é verdadeiro – a ilicitude dos outros
ramos do Direito não tem de ser um ilícito penal.
Isto é muito fácil de compreender, p.e., no âmbito das regras rodoviárias. Eu não
posso conduzir com mais do que 0.5g de álcool por litro de sangue. Porém, se eu conduzir
com 1.1g/l, isso é uma contraordenação. Se eu conduzir com 1.2g/l, isso já é um crime.
Quando se diz que conduzir com 1.2g/l é um crime, significa que isso é um ilícito do Direito
Penal, mas que já tinha expressão de ilicitude no plano do Direito Contraordenacional.
Porém, não é absolutamente essencial que aquilo que são os bens jurídico-penas
sejam os interesses protegidos constitucionalmente – i.e., que exista uma total
coincidência entre o Direito Penal e o Direito Constitucional.
Aliás, aquilo que normalmente se designa por relação entre o Direito Penal e o
Direito Constitucional é uma relação de mútua referência, em que sobressai a autonomia
constitutiva do Direito Penal. Isto significa que o Direito Penal tem uma certa autonomia
para a criação de crimes, mesmo que o bem jurídico que fundamenta a existência do crime
não seja completamente explícito na Constituição (v.g., maus-tratos a animais de
companhia, ofensas à memória de pessoa falecida).
No entanto, a CRP acaba sempre por estabelecer algum limite, na medida em que o
legislador, mesmo que cumpra todas as regras que, do ponto de vista formal, são
necessárias para criar lei penal, não pode decidir criar um crime completamente incabível.
As leis podem ser legítimas em termos formais/processuais, mas ser simultaneamente
inconstitucionais – o art. 18º/2 CRP estabelece que só se pode privar uma pessoa de um
DLG quando tal sirva para proteger interesses tão ou mais importantes do que aquele que
se está a restringir.
Porém, isto não esgota o Direito Penal – é apenas aquilo que é regra no Direito Penal. Para
além dos crimes e das penas, no âmbito do Direito Penal, existem factos qualificados
pela lei como crimes, que também vão ter uma reação criminal, mas que não vão ser as
penas: vão ser as chamadas medidas de segurança.
Para se poder aplicar uma pena a uma pessoa (só há dois tipos de penas principais em
Portugal: a pena de prisão e a pena de multa), essa pessoa tem de ter cometido um crime.
Por sua vez, para a pessoa ter cometido um crime, ela precisa de atuar com culpa –
porque a culpa é essencial para se dizer que existiu um crime, sendo um dos patamares da
construção do crime (que são: a tipicidade, a ilicitude, a culpa e a punibilidade).
Por seu turno, para a pessoa agir com culpa, ela tem de ser capaz dessa culpa e, para tal,
precisa de ser imputável. Ora, existe: inimputabilidade penal em razão da idade (pessoas
com menos de 16 anos) e inimputabilidade penal em razão de anomalia psíquica (que as
impede de compreender a ilicitude do facto).
Ligação que é necessário estabelecer: aplicar pena - existir crime - agir com culpa - ser
imputável.
Porém, tanto as pessoas que têm uma anomalia psíquica como os menores de 16 anos
podem praticar factos que são classificados como crimes – apesar de não lhes podermos
chamar crime, uma vez que elas não são imputáveis (ao não serem imputáveis, não agem
com culpa e, sem culpa, não há crime).
Conclui-se, portanto, que a definição de Direito Penal em sentido objetivo (crimes + penas)
não esgota o Direito Penal, pois há outros factos, praticados por outras pessoas, que não
se podem chamar crimes e que vão ter uma reação criminal que não se vai chamar pena
(mas sim medida de segurança).
Por outro lado, o Direito Penal não se esgota com aquilo que é “um conjunto de normas
jurídicas”, ou seja, não se esgota no conjunto de normas jurídicas do Código Penal e da
legislação penal avulsa.
2. Direito Penal em sentido subjetivo (ius puniendi) – significa o direito que o Estado tem
de punir, definindo o que vai ser crime e qual vai ser a consequência associada a cada
crime. Portanto, o Estado define quais os comportamentos que vão ser proibidos (i.e., os
comportamentos que vão ser considerados crimes), sendo certo que têm aquelas
limitações impostas pelo artigo 18º/2 CRP.
Por outro lado, o Estado também tem a função (para além da de definir o que vai ser crime)
que consequência se vai associar a cada um destes comportamentos. À partida, as penas
que se associam aos comportamentos hão de ser diferentes em função da importância do
bem jurídico que está protegido.
Em Portugal, a pena máxima é a pena de 25 anos de prisão. Esta pena só pode ser
aplicada em duas situações: homicídio qualificado (homicídio praticado com especial
censurabilidade e perversidade contra determinadas pessoas que estão protegidas pelo
direito) e concurso de crimes (em que a pessoa pratica vários crimes ou em a mesma ação
viola várias normas jurídicas – não estudamos o concurso de crimes no 3º ano).
Além da pena de 25 anos (que só pode ser aplicada numa destas duas situações), existem
penas mais baixas. Mesmo no crime de homicídio, o homicida pode ser punido com uma
pena de prisão de 8 a 16 anos (artigo 131º CP). Ora, à partida, se a pena é de 8 a 16 anos e
se o bem jurídico ali protegido é a vida, então, quem furta há de ter a possibilidade de lhe
ver aplicada uma pena inferior a isto.
Isto significa que as penas que estão previstas para os factos também indiciam a
relevância e importância quer da ilicitude que foi praticada pelo agente, quer do bem
jurídico que ali está protegido. Não é que isto seja o único indicador (até porque há alguns
desvios), mas a regra é: no caso das molduras penais, quanto maior for a moldura penal,
maior é a importância do bem jurídico que está protegido e maior é a gravidade do facto
cometido.
Muitas vezes, de tanto a criminologia mencionar certos casos recorrentes, surgem próprias
alterações legislativas com base nessas informações. Isto mostra, precisamente, que
outras disciplinas vão influenciando aquilo que é o Direito Penal substantivo.
Existem outras disciplinas que se relacionam muito com o Direito Penal, designadamente,
o Direito Processual Penal, o Direito de Execução de Penas, a Política Criminal, etc. Há,
portanto, todo um conjunto de ciências que influenciam e formam o Direito Penal “total”
(que nós não vamos estudar aqui).
O que vamos estudar é: o Direito Penal substantivo, o Direito Penal dogmático/a dogmática
penal – praticamente só dentro daquilo que é o Direito Penal clássico, ou seja, dentro
daqueles crimes que aparecem no Código Penal (não vamos estudar muito legislação
penal avulsa). Não vamos estudar muito crimes económicos, sendo que vamos estudar
mais crimes contra a pessoa, contra a vida, contra a integridade física, etc.
Às vezes, não é muito fácil identificar a vítima em crimes como, p.e., a corrupção –
em que o que corrompe têm uma vantagem, mas o que foi corrompido também tem uma
vantagem. Portanto, quanto muito, a vítima somos todos nós: é a segurança no traço
jurídico. Porém, desde que esteja identificado o agente e desde que exista o poder judicial,
é possível fazer funcionar o Direito Penal.
Claro que o Dr. Faria Costa e outros encontram outras justificações para o artigo
40º CP, sem ser dizer ele lá tem os fins das penas.
Qual é a grande diferença? É que, embora seja uma ideia que vem dos
retribunicionistas (nós não lhes negamos esse mérito), a verdade é que olhamos para a
culpa de uma maneira diferente. Para as teorias retributivas, valia o chamado princípio da
bilateralidade da culpa (a culpa era tudo: limite, pressuposto, medida e fundamento da
pena – i.e., não existia culpa sem pena e a culpa era traduzida tal e qual na pena).
Mas, não se poder ultrapassar o limite da culpa não significa que a toda a culpa
tenha de corresponder uma pena. Pode existir menos culpa do que pena e até pode existir
(diz o prof. Figueiredo Dias e o CP) culpa e não existir pena. O artigo 74º CP (fazer
remissão do artigo 40º para o 74º e vice-versa) tem consagrado o instituto da dispensa de
pena. É possível existir culpa e não existir pena.
A culpa é, portanto, o mero limite da pena, sendo que até pode acontecer que nem
haja pena nenhuma – com base no artigo 74º CP.
Nota: cuidado pq o artigo 40º/2 menciona a palavra “medida”, mas a culpa não é nunca
medida da pena!!! O nº2 do artigo 40º significa sim que a culpa é limite da pena.
Apesar de tudo, estas teorias absolutas – que, ainda hoje, encontram defensores –
não têm esta linearidade. O Prof. Dr. Faria Costa fala de uma teoria ético-retributiva, mas
diz que a pena é um bem – i.e., é a forma que a sociedade oferece ao agente de ele
recuperar o seu estatuto na comunidade em que estava inserido e cuja relação rompeu
quando praticou o facto.
Segundo o Prof. Dr. Faria Costa, nós estamos todos numa relação de cuidado uns
com os outros e connosco próprios e, quando cometemos um facto qualificado como
crime pela lei, rompemos essa relação – é como se quebrássemos a nossa ligação à
comunidade. Ora, a forma que se encontra para recuperar a relação é através do
cumprimento da sanção.
1. A ideia de proporcionalidade, que vem muito do Princípio de Talião (“olho por olho,
dente por dente”). As sanções não são completamente arbitrárias e discricionárias,
sendo que hão de corresponder ao mal do crime: o mal da pena tem de ser semelhante
ao mal do crime. Quanto maior tiver sido o prejuízo causado pelo agente, maior há de
ser o castigo que ele vai sofrer.
2. O princípio da culpa – a ideia de que alguém só responde por praticar um facto com
culpa na medida da sua culpa é uma ideia das teorias retributivas. Para as teorias
retributivas, vale o chamado princípio da bilateralidade da culpa – a culpa é tudo: limite,
pressuposto, medida e fundamento da pena. Não existe culpa sem pena e a culpa é
traduzida tal e qual na pena, i.e., a pena é igual à culpa.
6. Teorias de prevenção
O Prof. Dr. Figueiredo Dias defende que, hoje, não se podem defender as teorias
absolutas, uma vez que uma interpretação até literal do nosso Código Penal mostra que
parece que o legislador se quer afastar da ideia de bilateralidade e prefere uma outra noção
do princípio da culpa: o princípio da unilateralidade da culpa.
Esta teoria tem, talvez, a crítica mais simples de se fazer, uma vez que é a teoria
que se apresenta mais frágil. Pode dizer-se, assim, que esta teoria instrumentaliza o
agente, não garantindo sequer uma ideia de justiça relativa entre os diferentes agentes.
Nesta medida, o quantum da pena vai ser muito mais influenciado pelas características do
meio social em que o agente está envolvido, do que propriamente por aquilo que ele fez.
Então, dois agentes que praticaram o mesmo facto vão ter sanções diferentes fruto do
contexto em que vêm, o que é muito injusto.
Uma expressão que está muito associada a esta teórica é a da “realização contra
fáctica do valor da norma”, precisamente porque contra o facto que enfraqueceu o valor
de determinada norma se aplica a pena para reafirmar o valor dessa mesma norma.
Ora, a opção passa por tirar a maçã podre da maceira, ou seja, afastar o agente
que violou uma norma, de maneira a evitar que as restantes pessoas ao seu redor se
tornem mais propensas a violar a norma também - o que, no fundo, significa afastar aquela
pessoa da sua comunidade.
Para quê? Por um lado, para que não contamine os que estão ao lado. Por outro
lado, para que se possa isolar o agente, de modo a poder reeducá-lo para que não cometa
mais crimes – a isto se dedica a Escola Correcionalista. No entanto, também isto tem um
problema: sendo que estamos a falar de penas, estamos a falar da aplicação de sanções a
pessoas que são capazes de culpa e que são, por isso, imputáveis. Ora, não se pode
“tratar” uma pessoa imputável precisamente porque ela não tem uma doença – se tivesse,
seria considerada inimputável.
A maior parte de pessoas que comete crimes são pessoas que, pelo contexto social
em que vivem, estão habituados a cometer (e a ver cometer) factos criminosos, sendo isso
recorrente e praticamente “normal”. Por isto, o processo tem de ser muito mais amplo: não
é um processo de ressocialização (que é mais fácil), mas sim um processo de socialização
(mais difícil).
1. Efetivamente, na maior parte dos casos, aqueles que se iriam recuperar, recuperar-se-
iam na mesma, mesmo que não tivessem ido para a prisão. Inclusive, provavelmente
até se teriam recuperado mais facilmente se não tivessem passado pelo
estabelecimento prisional.
2. Além disto, na prática, o Estado não oferece a oportunidade que diz oferecer.
Quanto aos fins da pena, o legislador acolheu a teoria da prevenção geral positiva
e a teoria da prevenção especial positiva. O artigo 40º/1 CP estabelece que as penas e as
medidas de segurança visam duas coisas:
Ora, a grande maioria dos autores crê que, se não nos revemos no comportamento
do inimputável por anomalia psíquica, então, não há necessidades de proteção geral.
Como não nos revemos no comportamento, não achamos que o valor da norma está
fragilizado e, nessa medida, não temos de recuperá-lo.
• Nos termos do artigo 92º/1 CP, em regra, quando acaba a perigosidade, acaba a medida
de segurança;
• Nos termos do artigo 92º/2, se não se souber bem se a perigosidade abrandou ou não, a
medida de segurança cessa quando se atingir o limite máximo da pena (16 anos);
• No entanto, nos termos do artigo 92º/3 CP, se, no âmbito dos crimes mais graves, a
perigosidade nunca acabar, a pessoa poderá ficar detida até tal acontecer, sendo
renovada a sua medida de segurança de 2 em 2 anos, indefinidamente.
O art. 92º/3 é corroborado pelo legislador constitucional (artigo 30º/2 CRP), mas, no
entanto, alguns autores não concordam com isto (inclusive, a Dra. Ana Rita).
Quanto à culpa, diz o artigo 40º/2 CP que, em caso algum, pode a pena ultrapassar
a medida da culpa. Isto afirma o princípio da unilateralidade da culpa: não há pena sem
culpa, mas pode existir uma pena abaixo dessa culpa ou até existir culpa e não existir pena
(v.g., artigo 74º CP).
Nos termos do artigo 74º CP, uma pessoa pode ser julgada por um facto, pode ser
condenada (e para ser condenada, sendo imputável, é porque tem culpa jurídico-penal),
mas, depois, não cumprir pena alguma, porque é dispensado o cumprimento de pena. Este
artigo 74º é o artigo mais difícil de ultrapassar por quem ainda defende as teorias ético-
retributivas, que dizem que ele é um incidente de execução da própria pena (a pena existe,
mas não é executada em concreto).
Não existem apenas estas duas reações criminais: as penas para os imputáveis e
as medidas de segurança para os inimputáveis. Existe um terceiro tipo de reação
criminal: a pena relativamente indeterminada.
7. Monismo e Dualismo
Sobre a problemática de como se reagir criminalmente, confrontamo-nos com duas
posições: o monismo e o dualismo. À luz desses critérios, tendemos a considerar que o
sistema tende a resvalar para o critério monista. Os critérios têm a ver com o que são os
pressupostos do sistema monista e o que são os pressupostos do sistema dualista.
• Dizemos que é um sistema dualista quando: ao mesmo agente, pelo mesmo facto, seja
possível aplicar uma pena de prisão e uma medida de segurança de internamento, por
conseguinte, duas reações privativas da liberdade. A pessoa por um só facto pode ser
privada da liberdade por duas reações diferentes, uma que é a pena de prisão e, onera
ainda, com uma medida de segurança de internamento.
No artigo 76º/2, o legislador diz que quando o caso preenche quer os requisitos da
reincidência, quer os requisitos da pena relativamente indeterminada, em princípio, aplica-
se as penas relativamente indeterminadas (não se aplica porque ela é uma medida
estranha). Esta pena está prevista nos artigos 83º, 84º e 85º. O artigo 83º tem um regime
geral; o 84º tem um regime atenuado e o 85º tem um verdadeiro regime atenuado.
O artigo 83º diz que esta pena, a relativamente indeterminada, se dirige ao agente
que tenha praticado um crime doloso, ilícito no qual deve ser aplicado pena de prisão
efetiva de mais de 2 anos, cumulando o sujeito um passado criminoso. Esse passado
criminoso tem que ver com o facto de o agente já ter cometido pelo menos dois ou mais
crimes dolosos e, a cada 2 ou mais crimes dolosos cometidos anteriormente, tenha sido
aplicada e cumprida pena de prisão efetiva superior a 2 anos. Para além disto, o agente
tem que revelar uma personalidade com acentuada inclinação para o crime. Ou seja, é um
delinquente por tendência, alguém cuja vida do crime é uma carreira.
Segundo o artigo 83º/3 e 4, os factos são tidos em conta se entre eles não tiverem
passado mais de 5 anos de liberdade do agente. A primeira operação para calcular a pena
relativamente indeterminável é verificar a pena que em concreto se aplicaria ao agente não
sendo considerado delinquente. Vamos supor que a pena concreta que aplicaríamos era de
12 anos, se esses 12 anos é a pena concreta, é a partir destes que se vai calcular a pena
relativamente indeterminável. O 83º/2 diz como fazemos esse cálculo, o máximo seria 12
mais 6 (18). A PRI terá um mínimo de 8 e um máximo de 18.
CASO PRÁTICO 1
Por visionar filmes pornográficos nos quais aparecem crianças e adultos com aparência de
criança, foi condenado ao internamento de 2 anos por factos praticados nesse contexto.
Na mesma altura, no entanto, A havia furtado um computador de uma superfície comercial
precisamente com o intuito de puder satisfazer os seus desejos. O computador foi avaliado
em 1600 euros e A, foi condenado por um crime de furto numa pena de prisão de 3
anos. Quid Iuris quanto à forma de execução dessas sanções.
Resolução:
Estamos perante um caso de vicariato na execução (artigo 99º). O agente vai cumprir
primeiro a medida de segurança (2 anos); depois desconta-se esses 2 anos ao total da
pena de prisão (sobrando 1 ano). Sobrando 1 ano para cumprir, o autor fica em liberdade
condicional (artigo 99º/2). Como metade da pena era 1.5, já tendo cumprido 2 anos, pode
sair em liberdade condicional. Este instituto não põe em causa o sistema monista pois,
pese embora o autor estar onerado a uma pena de prisão e uma medida de segurança,
ocorre, mas por factos diferentes.
CASO PRÁTICO 2
Considere estes 5 factos:
(3) A pagou uma pena de multa no valor de 2 mil euros por um crime de injúria;
(5) A praticou no mês passado um crime de burla pelo qual deverá ser lhe aplicada pena
de prisão efetiva de 3 anos.
2. Considere agora que A foi condenado em todas aquelas 3 primeiras penas, mas ainda
não as cumpriu totalmente por não ter tido tempo útil para tal na medida em que tem
apenas 23 anos. Quid iuris?
Teria que se aplicar o artigo 85º. O agente tem menos de 25 anos. A PRI, será no
mínimo 2/3, ou seja, é igual, e o máximo seria 7 (3 mais 4).
3. Considere agora que pelo crime de burla, A deveria antes ser condenado numa pena
de 1 ano de prisão. Poderá ser aplicada uma PRI ao agente? Justifique.
Não se pode aplicar uma PRI porque não estão reunidos os pressupostos do artigo 83
porque a pena concreta do crime tem de ser superior a 2 anos.
Sanção: no caso do direito penal, a sanção chama-se pena. No que concerne à mera
ordenação social, a sanção chama-se coima. Sendo que a pena tem uma dimensão ético-
jurídica, estando ligada às qualidades desvaliosas do agente; a coima tem uma
neutralidade do ponto de vista dos valores (neutralidade axiológica: reação a um facto que
se considera errado).
Quem pode aplicar a sanção: no que diz respeito à pena, a sanção só pode ser aplicada
pelos tribunais exclusivamente; atinente à coima, esta pode ser aplicada pelas autoridades
administrativas, mas também pelos tribunais (o tribunal também pode aplicar
contraordenações).
Nota: O concurso e a tentativa são matérias que não interessam muito para penal I. Os
outros são muito importantes, é para saber.
9. Princípio da legalidade
Princípio que tem muitas implicações na prática e teoria. Este princípio é associado
à máxima "nullum crimen, nulla poena sine lege", que quer dizer, não há crime nem pena
sem lei. Contudo, não chega dizer isto sobre este princípio, é incompleto. Este princípio
também é aplicado às medidas de segurança (em vez de penas) e em factos qualificados
pela lei como crimes (em vez de crimes).
Diz-nos que o agente, quando pratica o facto, está a contar um tipo de sanção, ou
seja, quando decide praticar o facto, assume os riscos da sanção associada. Assim, não
parece justo que se possa aplicar uma sanção mais grave que só aparece após o facto ter
sido praticado ou, ainda pior, não era crime quando o praticou, mas passou a ser quando
foi julgado.
Com esse pensamento, não permitimos que o cidadão seja livre na sua escolha de
assumir praticar o facto e sofrer as consequências associadas. A liberdade tem de
continuar a ser fundamento para a aplicação de leis criminais. O princípio é exclusivo em
matéria que seja desfavorável ao agente. Se for para beneficiar o agente, podemos aplicar
a lei retroativamente.
(II) PROIBIÇÃO DO RECURSO À ANALOGIA NO DIREITO PENAL DESFAVORÁVEL AO
ARGUIDO IN MALAM PARTEM:
Em todas as restantes situações, não irá estar a fazer mal a ninguém, por isso,
nesses casos o recurso à analogia é permitido, sendo favorável ao agente.
Só o Governo ou AR podem criar leis penais. Esta exigência existe porque estamos
a ir contra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Se estivermos perante uma lei que venha descriminalizar, ou seja, é benéfica para o
cidadão. Mesmo assim, a exigência tem de se manter, porque bastava haver disputas
políticas para que deixassem de ser crime rapidamente. Deixa de ser crime porque deixa
de ser necessário proteger aquele bem jurídico, por isso, é necessário que seja feito por
quem está legitimado para representar o cidadão comum.
(IV) PRINCÍPIO DA DETERMINABILIDADE DA LEI PENAL:
Assim, nestes casos, pode ser reapreciada a pena, em função da nova moldura da
nova lei (371º- A CP), mesmo que já transite em julgado.
Se a nova lei prever que o facto passa a ser uma contraordenação, para o doutor
Caeiro, não o podemos condenar por nada (deixou de ser crime e não era
contraordenação quando cometeu o facto – a jurisprudência pensa o mesmo). O doutor
Figueiredo diz que se deve aplicar a contraordenação, porque continua a ser algo ilícito.
As leis intermédias podem ser aplicadas por serem favoráveis ao agente, mas, em
princípio, não deviam ser aplicadas. São leis que não estavam em vigor no momento da
prática do facto e já não estão em vigor no momento do julgamento. Como é a mais
favorável, pode ser aplicada, por ser posterior.
No artigo 2º/3 encontramos as leis temporárias ou leis de emergência. São leis que
valem para um período excecional da comunidade, sendo que os factos praticados durante
a vigência delas são sempre puníveis, mesmo após o término da sua vigência. Como são
situações factuais, pontuais, que exigem a criação dessa lei, os factos ocorridos durante a
sua vigência, mesmo que posteriormente surja lei mais favorável, são punidos pela lei
temporária.
Casos Práticos
CASO PRÁTICO 3
A e B, naturais do Porto, foram casados durante 10 anos, tendo em conjunto o filho C,
nascido em 2014. Divorciados desde 2019, A e B chegaram a acordo sobre a regulação do
exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho C, tendo este ficado a
residir com a mãe (A), mas recebendo visitas frequentes do seu pai (B), que acabou por se
mudar para o Algarve, mas vem frequentemente ao Norte. Numa das visitas de B ao seu
filho C, em maio de 2021, tendo ambos saído para passear por Serralves, B acabou por
agredir com violência C, depois de este lhe ter revelado que muito certamente não passaria
de ano. Para o efeito, B usou, entre outras coisas, o seu cinto, o que provocou em C dores
fortes e quimoses variadas. Ao saber do episódio, A apresentou queixa contra B por crime
de violência doméstica relativamente ao filho de ambos, C, mas B acabou acusado apenas
por ofensas à integridade física, na medida em que não se preencheu o elemento típico da
coabitação entre agente e vítima para que se pudesse falar, no caso, em violência
doméstica. Sabendo que, pela Lei 57/2021 de 16 de agosto, se prescindiu daquele
elemento típico quando está em causa a violência praticada sobre descendente, diga se B,
que está hoje a ser julgado, pode ser punido nos termos do art. 152º do CP. Justifique.
Resolução:
Estamos perante um caso de aplicação da lei penal no tempo. Assim sendo, a primeira
coisa a fazer é, nos termos do artigo 3º CP, determinar o momento da prática do facto. In
casu, o momento da prática do facto é maio de 2021. Em maio de 2021 estava em vigor a
lei anterior, na medida em que a nova lei só surge em agosto de 2021.
Em matéria da aplicação da lei penal do tempo, em regra, nos termos do artigo 2º/1 CP,
aplica-se ao agente a lei que está em vigor no momento da prática do facto. Nesta
medida, in casu, em princípio, aplicar-se-ia a B a lei que estava em vigor em maio de 2021,
pelo que este seria, de facto, condenado apenas por ofensas à integridade física.
Surge, em agosto, uma nova lei que é claramente desfavorável a B. Ora, uma lei posterior
ao momento da prática do facto só pode ser aplicada ao agente se lhe for favorável. Como
não é o caso, mantém-se a regra do artigo 2º/1 e a B é aplicada a lei em vigor no momento
da prática do facto. Está aqui em causa, portanto, o princípio da irretroatividade da lei
penal in malem partem – não é permitida a retroatividade penal se esta for desfavorável
ao agente.
CASO PRÁTICO 4
A perseguiu B, atriz revelação de uma novela da TVI, de abril de 2013 a fevereiro de 2014,
aparecendo-lhe de surpresa nos estúdios de gravação, dando-lhe presentes,
comparecendo em todos os eventos públicos em que B participava, referindo-se-lhe
exaustivamente em publicações do Facebook e no seu blog, com frases como “B, um
amor para toda a vida”. B, profundamente inquieta com toda esta situação, apresentou
queixa contra A em janeiro de 2014, mas o processo acabou arquivado na medida em que
não foi possível subsumir as condutas de A nem nos crimes contra a honra nem nos crimes
contra a reserva da vida privada. Sabendo que, pela Lei 83/2015 de 5 de agosto, o Código
Penal português passou a prever, no seu art. 154º-A, o crime de perseguição, diga se é
possível condenar A, depois disso, pelos factos cometidos. Justifique.
Resolução:
Estamos perante um caso em que, não havendo enquadramento legal, o processo foi
arquivado por não haver matéria penal a que se pudesse subsumir os factos no momento
em que foram praticados. Porém, posteriormente, surge uma lei que já prevê um crime
justamente para quando se praticam estes factos: o crime de perseguição.
CASO PRÁTICO 5
Suponha que, em agosto de 2020, A praticou o facto X, que constituía um crime punível
com pena de prisão até 3 anos. Julgado e condenado por esse facto, A começou a cumprir
uma pena de 1 ano de prisão no dia 18 de outubro do mesmo ano. No entanto, uma
alteração ao Código Penal de janeiro de 2021 revogou a norma que previa aquele crime.
Quid Iuris?
Resolução:
Nos termos do artigo 3º CP, o momento da prática do facto é agosto de 2020. Em princípio
e nos termos do artigo 2º/1 CP, a lei que se aplica a A é a lei em vigor em agosto de 2020,
que, in casu, é uma lei que estabelece que o facto X é punível com pena de prisão até 3
anos. Há, porém, uma exceção à regra do artigo 2º/1 no nº2 do mesmo preceito: os casos
de descriminalização.
Nesta medida, A, que está condenado e a cumprir pena de prisão por um facto que,
entretanto, deixou de ser crime e passou a ser neutro do ponto de vista jurídico-penal
(caso de descriminalização), será posto em liberdade, nos termos do art. 2º/2 in fine CP.
Para além disso, cessam todos os efeitos penais, pelo que o facto X deixará de constar do
registo criminal de A.
CASO PRÁTICO 6
Durante um período de grande perturbação nos transportes públicos, por essa
circunstância, foi aprovada uma lei que previa com prisão até 6 meses quem circulasse
naqueles transportes sem bilhete para o efeito. A, indivíduo avesso a regras, decidiu fazer
uma viagem de Coimbra para Lisboa no Intercidades sem comprar bilhete, passando toda
a viagem a tentar esconder-se do responsável pela verificação dos bilhetes (B). Perto de
Vila Franca de Xira, B encontra finalmente A e, depois de se envolverem numa grande
discussão, B faz A sair na estação de Vila Franca de Xira. 6 meses depois, quando a
situação já é mais calma, é aprovada nova lei que vem agora punir com coima quem circula
em transportes públicos sem bilhete para o efeito. Sabendo que, no momento em que A é
levado a julgamento, já está em vigor a lei nova, diga se e como será punido A. Justifique.
Resolução:
Estamos no âmbito de uma lei temporária, que surge para um estado factual de exceção
que, por sua vez, justifica o incremento de normas particulares para esse momento
excecional. Nesta medida, aplica-se ao caso o regime das leis temporárias, consagrado no
artigo 2º/3. Ora, in casu, está em causa uma sucessão de leis, sendo que essa sucessão se
deve a uma alteração das circunstâncias.
Resolução:
In casu, está em causa uma lei temporária, uma vez que estamos no âmbito do que se
supõe ser um período excecional (greves da CP). O que não sabemos é se a alteração
legislativa produzida com a nova lei se deve a uma alteração das circunstâncias ou a
uma mera alteração da conceção do legislador. A questão que se coloca aqui é a de saber
se isso importa em termos práticos, i.e., se haverá consequências diferentes consoante o
caso. A resposta, in casu, é negativa.
Se se considerar que não há alteração das circunstâncias e que foi o legislador quem
mudou de conceção, a lei aplicável ao agente será a primeira, com fundamento no facto de
ser a mais favorável. Se se considerar que há efetivamente alteração das circunstâncias, a
lei aplicável ao agente será a lei em vigor no momento da prática do facto que, por
coincidência, também é a primeira lei (a mais favorável).
Nota: É importante mencionar que, in casu, caso exista alteração de circunstâncias, a lei
aplicável é a primeira não por ser a mais favorável, mas sim por ser a lei em vigor no
momento da prática do ato.
Assim, este é um caso prático em que, quer exista alteração das circunstâncias quer não
exista alteração das circunstâncias, a lei aplicável será sempre a mesma: a primeira, que,
por coincidência, é também a mais favorável.
CASO PRÁTICO 8
Suponha que, em abril de 2020, tendo em conta a situação de pandemia que se começara
a viver, foi aprovada uma lei segundo a qual passou a ser punido com pena de prisão até 1
ano quem, intencionalmente, tossir sem máscara num espaço fechado. Em julho, por
causa do abrandamento da taxa de contágio, foi aprovada uma nova lei pela qual aquele
comportamento passou a ser punido com uma pena de multa. Em outubro, numa fase de
novo aumento de casos de infetados em Portugal, foi aprovada uma terceira lei, fixando
como pena para aquela conduta uma pena de prisão até 6 meses. Todas as leis fixavam o
seu período de vigência desde a data de publicação até ao final da pandemia. A tossiu,
sem máscara, dentro de uma sala de aula, no dia 8 de maio de 2020 e é julgado em
novembro deste mesmo ano. Qual a lei aplicável ao caso?
Resolução:
Assim sendo, a lei aplicável ao agente é a lei em vigor no momento da prática do facto.
Ora, o momento da prática do facto é 8 de maio de 2020, sendo que a lei em vigor nesse
momento era a lei de abril de 2020, que estabelecia uma pena de prisão até 1 ano. Nesta
medida, a A será aplicada a lei de abril de 2020, pelo que poderá ser condenado a uma
pena de prisão até 1 ano.
Resolução:
Este caso pode levantar mais hipóteses porque, na realidade, não sabemos se isto são leis
temporárias. Nada nos é dito nesse sentido. Assim sendo, temos de resolver este caso
prático segundo três possibilidades:
2. São leis temporárias, mas não existe alteração das circunstâncias – as circunstâncias
são sempre as mesmas, simplesmente o legislador vai mudando a sua conceção.
Neste caso, em regra, aplica-se ao agente, de entre as leis temporárias, a que for mais
favorável – que, por coincidência, também é a lei dois.
3. São leis temporárias, sendo que cada vez que surge uma lei nova é porque as
circunstâncias se alteraram.
In casu, a lei que se aplicaria ao agente seria a lei um, porque é a lei que estava em
vigor no momento da prática do facto. Assim, B poderia ser condenado a uma pena de
prisão até 3 anos.
Resolução:
Estamos perante um caso em que o Dr. Caeiro e o Dr. Figueiredo Dias não estão de
acordo. Está em causa uma situação em que o agente pratica o facto durante a vigência
de uma lei que julga o facto como crime, sendo que, posteriormente, surge uma outra lei
que passa a prever o mesmo facto não como crime, mas sim como contraordenação.
1) Por um lado, o Dr. Figueiredo Dias considera que esta situação se encaixa no art. 2º/4
e não no nº2 do mesmo preceito, afirmando que isto não é uma descriminalização.
Para o Dr. Figueiredo Dias, uma discriminização significa um comportamento deixar de
ser ilícito e passar a ser neutro. Nesta situação, o comportamento não passa a ser
neutro – há uma diminuição no juízo de ilicitude, mas o comportamento continua a ser
ilícito (apesar de ser uma ilicitude contraordenacional e não penal). Por isto, o Dr.
Figueiredo Dias defende que se aplica ao agente a lei posterior mais favorável que, in
casu, é a lei da contraordenação, punindo-se o agente com uma coima. Note-se, ainda,
que o Dr. Figueiredo Dias afirma existir uma continuidade entre o juízo de ilicitude do
Direito de mera ordenação social e o juízo de ilicitude do Direito Penal (v.g., caso da
condução em estado de embriaguez).
2) Por outro lado, o Dr. Pedro Caeiro, acompanhado por muita doutrina (nomeadamente,
o Dr. Taipa de Carvalho) e pela jurisprudência, considera que esta situação se encaixa
no art. 2º/2 e não no nº4 do mesmo preceito. Em primeiro lugar, para o Dr. Caeiro, o
Direito Penal e o Direito de mera ordenação social são dois ramos do Direito diferentes,
pelo que considera que o legislador, quando se refere a “leis posteriores” no nº4, quer
dizer “leis posteriores penais”. Como tal, o que interessa ao Direito Penal é o facto de o
comportamento ter deixado de ser considerado crime – houve, portanto, uma
descriminalização. Nesta medida, aplica-se o art. 2º/2 CP e o agente já não pode ser
punido pelo crime. Em segundo lugar, o agente também não poderá ser punido por
contraordenação, na medida em que o princípio da legalidade também vale para o
Direito Ordenacional e que, se se aplicar a norma que prevê o facto como
contraordenação, estar-se-á a fazer uma aplicação retroativa desfavorável ao agente.
Nota: Em termos práticos, num caso como este, se falarmos das duas posições, temos a
cotação máxima; se falarmos apenas da posição do Dr. Pedro Caeiro, temos positiva; se
falarmos apenas da posição do Dr. Figueiredo Dias, temos negativa. Conclusão lógica: falar
das duas posições.
Resolução:
Em vez de ter de cumprir a sua pena até dezembro de 2027, A cumprirá pena, no máximo,
até dezembro de 2025 – nunca cumprirá, portanto, 9 anos, mas sim 7 anos, que é agora o
máximo previsto para essa pena. É o que decorre do artigo 2º/4 in fine CP.
Porém, note-se que, se A foi condenado a 9 anos de pena de prisão sem que os 9 anos
fossem o máximo da pena aplicável, ele pode alegar que, não tendo sido condenado à
pena máxima possível aquando do seu julgamento, também não é justo que o seja agora,
alegando que não deve cumprir os 7 anos de prisão (que são agora a pena máxima). Nesta
medida, nos termos do artigo 371º-A CP, A pode requerer uma apreciação de pena e o
tribunal pode, reapreciados os factos, chegar à conclusão de que o agente não precisa
sequer de cumprir os 7 anos de prisão.
A redação do artigo 2º/4 in fine CP tem sido alvo de muitas críticas, sobretudo a partir
do momento em que deixou de respeitar, inclusivamente, o caso julgado. Além disso,
apesar de, à primeira vista, ser aliciante por ser mais favorável ao agente, pode originar
alguns casos de injustiça relativa (v.g., caso prático seguinte).
CASO PRÁTICO 12
Quid Iuris se A, B e C, julgados e condenados respetivamente a 6, 12 e 14 anos de prisão
em 2015, veem, hoje (24 de novembro de 2021), o título legal de crime no qual foram
subsumidas as suas condutas ser alterado no sentido de que prevê como pena máxima 6
anos de prisão? Justifique.
Resolução:
Nos termos do artigo 2º/4 CP, A, B e C são os três postos em liberdade hoje. Porém, a
verdade é que A acabou por cumprir a sua pena toda, enquanto B cumpriu metade da sua
e C cumpriu até menos de metade da sua. Isto demonstra que, em termos de justiça
relativa, o facto de se abdicar do limite do caso julgado e se permitir a aplicação da lei
posterior mais favorável em todas as situações pode dar aso a este tipo de injustiça. Este é
um argumento a favor de quem defende a inconstitucionalidade ou, pelo menos, a não
conformidade desta nova redação do artigo 2º/4 CP.
CASO PRÁTICO 13
Em 2014, A e B cometeram, em conjunto, um crime de furto. Suponha que, nessa data, tal
crime era punido com pena de prisão de 2 a 8 anos. Perseguidos pelas autoridades, só A
foi condenado e levado a julgamento, tendo B fugido para o estrangeiro. Em 2016, A foi
condenado a uma pena de prisão de 7 anos, não tendo interposto recurso. Em 2020, a
pena de prisão aplicável ao crime cometido por A e por B passou a ser de 2 a 6 anos. Em
2020, B foi finalmente encontrado, julgado e condenado.
3. Imagine agora B tinha sido encontrado, julgado e condenado em 2019, numa pena de
4 anos de prisão. Poderá B beneficiar, de algum modo, da despenalização que,
entretanto, se verificou?
Ora, 4 anos era metade da moldura penal anterior (2 a 8 anos). Agora, a moldura vai de 2 a
6 anos. Nesta medida, muito provavelmente, se a pena de B fosse reapreciada (art. 371º-A
CPP), ele teria de cumprir menos do que 4 anos. B tem efetivamente vantagem em recorrer
ao art. 371º-A, na medida em que há a possibilidade de poder cumprir menos tempo. Se
não recorrer, terá que cumprir a sua pena pelo menos até 2023.
1) O facto ocorreu em Portugal – neste caso, a solução tem que passar pelo artigo 4º
CP, sendo que o agente será julgado segundo a lei penal portuguesa, nos tribunais
portugueses, salvo se houver tratado ou convenção internacional em contrário (única
ressalva feita pelo artigo 4º).
2) O facto não ocorreu em Portugal – neste caso, a solução tem que passar pelos
artigos 5º e 6º CP. O artigo 5º aplica-se aos agentes que praticaram o facto fora do
território português e que, à partida, nunca seriam julgados em Portugal, mas que
podem vir a ser julgados em Portugal, com base em alguns princípios, nomeadamente:
• O princípio da defesa dos interesses nacionais (al. a) do artigo 5º) – apenas para os
casos elencados nesta alínea;
• Nos termos do nº1, só se vai julgar um agente em Portugal, nos termos do artigo 5º, (1)
se o agente ainda não foi julgado no país onde praticou o facto, (2) se o agente já foi
julgado no país em que praticou o facto e até foi condenado, mas não iniciou o
cumprimento da sua pena porque fugiu ou (3) se o agente já foi julgado, condenado e já
começou a cumprir a sua pena, mas não a cumpriu totalmente (v.g., fugiu da prisão; saiu
em liberdade condicional e fugiu do país). Ora, como o agente pode ser julgado em
Portugal tendo já sido julgado no estrangeiro, ele vai ser julgado em Portugal, mas vai ser
descontado, na pena em que se o condenar em Portugal, o tempo que ele já tiver
cumprido pena no país onde já foi julgado (artigo 82º CP).
• O nº2 estabelece que, não obstante a se estar a julgar o agente em Portugal (e, por
conseguinte, em princípio, aplicar-se-lhe a lei portuguesa), às vezes, pode aplicar-se-lhe
uma lei do país em que esse agente praticou o facto (e não a lei portuguesa, como
sucede em regra) por essa lei lhe ser mais favorável, exceto se se estiver a julgar o
agente ao abrigo das alíneas a) e b) do artigo 5º.
• Nos termos do nº3, se se estiver a julgar um agente em Portugal por um facto praticado
fora do território português ao abrigo das alíneas a) e b) do artigo 5º, mesmo que a lei do
lugar da prática do facto seja mais favorável que a portuguesa, não se pode aplicar a
primeira e tem de se julgar o agente segundo a lei portuguesa.
Casos Práticos
CASO PRÁTICO 14
Durante o mês de Agosto, A casado com B, envenenou a mulher com a intenção de a
matar durante as férias que gozavam no Funchal. Detido imediatamente pelas autoridades,
A foi acusado do crime de homicídio qualificado de forma atentada pois B acabou por
sobreviver.
a) Sabendo que ambos são alemães, poderá A ser julgado pelos tribunais portugueses?
Isto é um caso da lei penal aplicada no espaço, como todos os problemas deste
tipo temos de olhar para o artigo 7º do CP e verificar se algum dos critérios deste artigo
permitem dizer que o facto foi praticado em Portugal.
In casu, temos no nº1 do artigo 7º o primeiro critério, o critério da ação que nos
permite dizer que o facto foi praticado em território nacional. Tendo em conta que o agente
atuou no Funchal, o facto ocorreu em Portugal.
A partir do momento que há um critério do artigo 7º afirmamos que o facto foi
praticado cá e remetemos para o artigo 4º do CP. Remetendo para este artigo vamos
aplicar a regra que é o Princípio da territorialidade. Aplicamos a lei penal portuguesa aos
factos praticados em território português, com a única ressalva que aparece no início do
artigo 4º que se houver tratado e convenção internacional a encontrar. Como o nosso caso
não indica a existência de tratado e convenção internacional a encontrar aplicamos a regra
através do princípio da territorialidade.
b) A envia um manuscrito envenenado ainda na Alemanha para o hotel onde se
hospedaria com a mulher e com a indicação de que lhe fosse entregue no segundo dia
de estadia, o que veio acontecer. Tendo B, no entanto, ainda assim sobrevivido devida à
rápida intervenção de um médico que encontrava-se no mesmo Hotel.
Estamos perante um caso de aplicação da lei no espaço em que o agente, olhando
para os vários critérios que podemos mobilizar para a prática do facto do artigo 7º em
termos de ação, esta foi praticada fora de Portugal.
Em termos de resultado, que é um outro critério do nº1 do artigo 7º, também não
temos na medida em que não existiu resultado. Este pretendia que a mulher morresse, o
que acabou por não acontecer.
Nenhum dos critérios do n.º1 artigo 7º verifica-se, nem a ação porque foi na
Alemanha, nem o resultado porque este ocorreu.
Como nenhum dos critérios do artigo 7º/1 verifica-se, passamos para o n.º2 do
artigo 7º, para casos de tentativa, que é o que encontramos neste caso, às vezes a ligação
a Portugal dá-se pela ação. A ação pode ser tentada em Portugal, como pode ser tentada
fora de Portugal mas analisamos se o agente esperava que o resultado dessa tentativa
ocorre-se em Portugal, e é o que acontece neste caso.
Seguindo o critério do resultado esperado, o agente praticou a ação na Alemanha
mas esperava que a mulher viesse a morrer no Funchal, mas por acaso esta não morreu.
Estamos perante um caso tentativa em que o resultado esperado devia ter ocorrido em
Portugal.
Com base no artigo 7º n.º2 vamos considerar o facto praticado em Portugal,
remetendo assim para o artigo 4º, e deste modo, o agente será julgado pela lei penal
portuguesa pelo princípio da territorialidade, salvo se tratar de Tratado ou Convenção
Internacional.
Além de ter de ser uma ação típica ilícita vai ter de ser culposa e punível. Iremos
assim abordar este tipo de ilícito num plano objetivo e num plano subjetivo. Vamos
concentrar-nos em dois aspetos imputação do resultado à conduta e nas três teorias
desta. Na medida que o primeiro aspeto é iminentemente teórico, no fundo é a descrição
dos tipos legais de crime quanto ao autor, conduta e bem jurídico.
Quando estamos perante crimes de dano, que são também crimes de resultado,
temos de fazer a imputação do resultado à conduta.
Nesta imputação do resultado à conduta nós vamos dizer que aquele indivíduo do
ponto vista objetivo foi quem determinou a produção deste resultado, sem esta pessoa
este resultado não tinha acontecido.
Casos Práticos
CASO PRÁTICO 22
A deu um empurrão a B. Na sequência deste empurrão B teve um enfarte miocárdio e
morreu. Em tribunal descobriu-se que A desconhecia a doença cardíaca de B. Poderá o
resultado ser imputado à conduta de A? Justifique.
Este é um primeiro caso para resolver uma primeira questão em matéria de
imputação à conduta pela segunda teoria. Estas teorias nunca podem ser usadas
individualmente, passamos de uma para as outras numa tentativa de aperfeiçoar a
imputação, estas teorias vão afunilando os casos em que é possível essa imputação.
No ponto de vista da primeira teoria, teoria da causalidade, situando-nos na regra
da conditio sina qua non, teríamos de dizer que este resultado morte de B, deve ser
imputado à conduta de A, na medida que se A não tivesse dado aquele empurrão em B, B
não teria sofrido aquela doença cardíaca logo não teria morrido na sequência dessa
doença.
CASO PRÁTICO 23
A dispara contra B com intenção de o matar, moribundo e encontrado na estrada B é
encontrado por C que por compaixão desfere dois tiros certeiros provocando-lhe a morte
imediata. Quid iuris quanto à imputação do resultado morte? Justifique.
Neste caso, mais uma vez perante a primeira teoria teríamos de fazer a imputação
embora não tenha sido o tiro de A que matou B, teríamos de fazer a imputação a A, na
medida que se ele tivesse dado um tiro B não teria ficado moribundo na estrada e não teria
sido encontrada por C, que por sua vez não lhe teria dado os tiros fatais e, portanto, A não
teria morrido.
Pela segunda teoria, para o A não era previsível que, entretanto, aparecesse este
senhor C. é verdade que se ele não lhe tivesse dado aqueles primeiros tiros C não teria
oportunidade de lhes desferir os últimos tiros, mas a verdade é que eles não sabiam de um
e do outro. E, portanto, relativamente a A só lhe vou poder imputar os resultados que se
tenham verificado até ao momento em que há um terceiro que interrompe esse nexo. Os
resultados que se verificam até ao momento da interrupção são os resultados de tentativa
de homicídio.
Logo, a A vou imputar a tentativa de homicídio, não vou imputar um resultado de
homicídio verdadeiramente porque este veio a ocorrer por parte de C. A será imputado de
tudo o que ocorre até ao momento que o terceiro intervém, e ao terceiro, C, vou imputar o
que ocorre a partir da sua intervenção. Vou imputar a C o resultado de morte de A.
CASO PRÁTICO 24
A circula de automóvel a 80 km/h num local em que a velocidade máxima permitida é 50
km/h. Entretanto, devido ao arrebentamento de um pneu perde o controlo de o carro e
galgando o passeio atropela B, que vem a morrer em virtude do acidente. Poderá o
resultado, morte de B, ser imputado à conduta de A? Justifique.
Neste caso, nós temos uma pessoa que vai em excesso de velocidade, mas não é
o excesso de velocidade que é determinante para provocar aquele resultado, o que é
determinante para causar aquele resultado é o rebentamento daquele pneu.
Este caso serve para mostrar que quando se trata de um evento fortuito, uma coisa
que a pessoa não consegue controlar o resultado também não lhe deve ser imputado na
medida em que é imprevisível para o agente. No ponto de vista objetivo estamos a dizer
que é imprevisível.
Se nós formos advogados da pessoa da família que foi atropelada iremos dizer que
o pneu só rebentou porque este ia em excesso de velocidade num piso que não admitia
aquela velocidade, por exemplo. Aquele piso estava limitado àquela velocidade porque
estava de tal danificado que era muito fácil rebentar os pneus se as pessoas fossem com
uma velocidade superior, e isso até estava assinalado à entrada da via.
Se nada mais for dito, o rebentamento de um pneu, uma pessoa que atropela outra
porque, entretanto, houve um poste que caiu em cima do seu carro e este descontrolou-se,
este é um evento que o condutor não consegue controlar e a partir do qual ele não deve
ver o resultado a ser imputado à sua conduta. Não é um facto que ele objetivamente
pudesse controlar, com todas as ressalvas que acabamos de referir.
Em suma, pela primeira teoria há imputação porque se ele não fosse a conduzir não
teria havido o rebentamento do pneu e ele não teria atropelado ninguém. Pela segunda
teoria, como não é normal e previsível que rebentem pneus então não haveria essa
imputação, tendo em conta toda argumentação paralela que podia ter sido em conta para
o rebentamento do pneu.
CASO PRÁTICO 25
A e B estão a conversar na beira da estrada, a dada altura A distrai-se e não repara num
automóvel que desgovernado vem na sua direção. Nesse mesmo instante, B empurra A e
salva-o da morte certa. Devido ao empurrão A caiu e partiu uma clavícula que lhe causou
30 dias de doença, por isso A apresentou queixa contra B pelo crime de ofensas à
integridade física. Quid Iuris quanto à imputação deste resultado à conduta do agente?
Aqui estamos perante uma situação em que pela primeira teoria há imputação do
resultado à conduta porque se B não tivesse empurrado A este não teria caído e partido a
clavícula. Pela segunda teoria também parece haver imputação do resultado à conduta,
porque é normal e previsível que por um empurrão possa resultar numa parte do corpo
partida.
Mas na terceira teoria, será que este agente criou ou potenciou um risco não
permitido para o bem jurídico protegido pelo âmbito da proteção da norma e que se
materializou no resultado típico? Será que estamos no âmbito daquela fórmula que permite
a imputação pela terceira teoria conforme nós a descrevemos anteriormente?
CASO PRÁTICO 26
Numa estrada em que se podia conduzir a 100 km/h, A ia a conduzir a 80 km/h cumprindo
todas as regras de condução. Inesperadamente o peão B atravessa-se à frente de A,
batendo no automóvel de A este acaba por morrer.
Pode a morte de B ser imputada a A? Justifique.
Pela primeira teoria, a morte de B pode ser imputada a A, porque no fundo,
podemos afirmar que se ele não fosse a atravessar a estrada com o seu carro não teria
atropelado aquela pessoa.
Pela segunda teoria já depende, porque podemos dizer que este peão é uma
intervenção inesperada, não é normal e previsível os peões andarem a atravessar estradas.
CASO PRÁTICO 28
No âmbito de uma cirurgia A, o anestesista de serviço, engana-se na dosagem do produto
anestésico vindo o paciente B a morrer. Analisado o relatório de autópsia prova-se que a
morte de B ocorreria igualmente caso a anestesia tivesse sido corretamente efetuada.
Na verdade, em virtude de uma raríssima enfermidade congénita, desconhecida até do
próprio B, a mais pequena quantidade de anestésico era absolutamente incompatível com
o organismo de B. Deve ou não imputar-se o resultado da morte de B à conduta de A?
Justifique.
Estamos perante a matéria de comportamento lícito alternativo que é
frequentemente confundido com a causalidade virtual porque em ambas situações, ainda
que o agente não tivesse atuado como atuou, o resultado típico ter-se-ia produzido na
mesma.
A grande diferença de um caso de causalidade para um caso de comportamento
lícito alternativo, é que no caso do segundo sempre se teria produzido mas dependente da
conduta do próprio agente. No caso de comportamento lícito alternativo o resultado ocorre
porque o agente atua ilicitamente, neste caso errou na dose de anestesia, não é suposto
que os anestesistas errem na dose de anestesia que irão aplicar.
Mas ainda que o próprio agente tivesse acertado na dose rigorosamente na dose de
anestesia, em virtude da sua ação enquanto agente o resultado teria sido exatamente o
mesmo.
Deste modo, um caso de comportamento lícito alternativo é um caso em que o
agente desencadeia o resultado por atuar ilicitamente, mas mais tarde venha a provar-se
que o mesmo agente teria desencadeado exatamente o mesmo resultado se
alternativamente tivesse atuado licitamente.
Se no momento que ele atuou praticou a coisa errada invés da certa isso é
irrelevante porque o desfecho da sua atuação enquanto agente iria ser sempre o mesmo.
É sempre a sua atuação que leva ao resultado.
Em termos de consequência, não há imputação do resultado à conduta porque se o
próprio direito não consegue proteger o bem jurídico não tem sentido que seja o agente a
pagar por essa incapacidade do direito de prever que aquele bem jurídico seria posto em
causa. Ainda que o agente tivesse tudo que o direito manda-lhe fazer o resultado teria sido
mesmo, ou seja, o bem jurídico tinha sido posto em causa de qualquer das maneiras.
CASO PRÁTICO 30
A provoca um acidente de viação em que B, condutor do outro veículo, fratura uma perna.
Transportado para o hospital B é submetido a uma intervenção cirúrgica. Por um lapso do
anestesista C, ocorreu uma troca de anestesia o que provocou a morte de B. Poderá o
resultado morte de B ser imputado à conduta de A? Ou à conduta de C? Sendo certo que
logo a seguir à operação flagrou um incêndio na enfermaria para que B seria levado se a
intervenção cirúrgica tivesse sido bem-sucedida, incêndio esse que provocou a morte de
todos os pacientes que lá se encontravam. Justifique.
Pela primeira teoria, há imputação do resultado à conduta do A, porque se ele não
tivesse sido atropelado, não teria fraturado a perna, não teria chamado a ambulância, não
teria sido submetido à intervenção cirúrgica, não teria sido administrado com a anestesia
errada e morrido.
Pela segunda teoria, é normal e previsível que quando eu provoque um acidente
que desencadeie uma fratura na perna de uma pessoa esta pessoa seja transportada para
o hospital. Mas não é normal e previsível que no Hospital troquem as anestesias às
pessoas, e portanto, já não posso imputar o resultado à conduta do A, na medida, em que
houve uma interrupção do nexo casual imprevisível. É tudo previsível até ele chegar ao
hospital, o que não é previsível é que ele tenha uma troca de anestesia, e essa interrupção
do nexo causal pela intervenção do terceiro imprevisível é que afasta a imputação do
resultado à conduta do A.
O que significa que ao A só vou poder imputar o resultado que se verifiquem até à
interrupção. Os resultados que se verificarão até à interrupção serão imputados ao A que
será a responsabilização por ofensas à integridade física.
Este resultado morte é desencadeado por esta troca de anestesia, mas mesmo que
isto não tivesse acontecido o paciente teria morrido porque teria sido transportado para
uma determinada enfermaria onde houve um incêndio e não deu tempo de tirar os
pacientes resultando na mortes destes, deste modo B morreria de qualquer maneira.
Estamos perante um caso de causalidade virtual, deste modo estamos perante um
caso de causalidade virtual que não aproveita ao agente. Na sequência disso vamos
imputar o resultado da conduta a C. Diferente ocorreria se B fosse alérgico àquela
anestesia ou a qualquer tipo de anestesia, mesmo que C tivesse dado a anestesia certa B
teria morrido, aqui estaríamos perante um comportamento lícito alternativo.
• O elemento volitivo do dolo – o agente não queria exatamente fazer aquilo que fez.
Isto significa que o erro de que vamos falar surge num dos elementos do dolo e vai
impedir que o agente seja punido a título doloso, quando esse erro seja relevante, e
que, no limite, só possa ser punido a título negligente. Este é um problema que surge no
domínio intelectual do dolo, i.e., é um problema de conhecimento relativamente ao tipo de
ilícito – o agente não sabe que aquilo que está a fazer corresponde a uma coisa proibida/a
uma coisa que é um tipo de ilícito.
Exemplos: (1) A queria matar B e acaba por matar C, porque se confunde; (2) D queria
destruir o carro de E e acaba por destruir o carro de F; (3) G queria bater em H e acaba por
bater em I.
Ora, para o direito, o que releva é proteger o bem jurídico, independentemente do seu
titular. Nessa medida, se existir identidade típica, o erro é irrelevante (não se exclui o dolo
e o agente é punido pelo crime doloso consumado); se não existir identidade típica,
então, o agente vai ser punido numa solução próxima do concurso (i.e., relativamente ao
que o agente queria fazer, só existe o desvalor da ação porque ele queria fazer, pelo que
temos uma tentativa; relativamente ao que o agente fez, existe um desvalor de resultado
porque ele não queria atingir aquela pessoa – só atingiu porque se confundiu, mas a
verdade é que atingiu –, pelo que temos uma negligência). Assim, nos casos em que não
existe identidade típica, a solução é tentativa quanto ao crime projetado + negligência
quanto ao crime efetivamente consumado (desde que a tentativa e a negligência estejam
previstas para os respetivos crimes).
b) O erro na execução – o agente erra ao executar o facto (v.g., B quer atingir A com um
tiro, só que tem tão fraca pontaria que atinge o caixote do lixo ao lado de A). Neste caso, o
agente é punido com tentativa quanto ao tipo legal de crime projetado + negligência
quanto ao crime efetivamente consumado, desde que a tentativa e a negligência estejam
previstas para os respetivos crimes (v.g., tentativa de homicídio é punível, mas disparar
sobre um caixote do lixo é um crime de dano e, por acaso, não existe crime negligente de
dano – o dano só é punível a título doloso, pelo que B seria punido apenas pela tentativa de
homicídio). Há casos em que, em abstrato, a solução é o agente ser punido pela tentativa
ou negligência, mas, em concreto, o crime praticado pelo agente não é punível pela
tentativa ou pela negligência – se o crime não for punível pela tentativa ou negligência, não
se pode punir o agente a nível penal (não obstante, o agente pode ser depois
responsabilizado a nível civil).
Exemplo: A quer matar B, pelo que A dá um tiro a B. Convencido que B está morto (i.e.,
que já atingiu o resultado), A quer desfazer-se do cadáver e enterra B. Descoberto o
cadáver de B, vem a comprovar-se que aquilo não era um cadáver quando foi enterrado,
mas sim uma pessoa viva, descobrindo-se que, afinal, B morreu por asfixia. Assim, aquilo
que seria uma ocultação de cadáver enquanto encobrimento do crime de homicídio foi o
que efetivamente provocou o resultado de morte que é suposto nos homicídios. A segunda
ação do agente é aquela através da qual o agente concretiza o resultado que ele pretendia
atingir com a primeira ação.
Neste caso, em que a segunda ação do agente lhe permite atingir o resultado que ele
pretendia com a primeira ação, o que nós fazemos é juntar o desvalor de ação da primeira
ação com o desvalor de resultado da segunda ação – isto forma um crime doloso
consumado. Assim, o agente é punido pelo crime doloso consumado. O agente sairia
muito beneficiado se fosse punido apenas por tentativa de homicídio + homicídio
negligente (estas duas situações têm penas muito baixas).
Casos Práticos
CASO PRÁTICO 31
Durante uma festa de Carnaval em que está fantasiado de polícia, Duarte dispara sobre o
pé de Eduardo, seu amigo, convicto de que a arma que trazia consigo estava
descarregada. A arma usada por Duarte pertence ao seu pai, que é efetivamente polícia,
mas que, estando de folga, se encontrava a dormir quando o filho se fantasiou e saiu de
casa. A intenção de Duarte era somente tornar a sua fantasia mais realista, mas a verdade
é que a arma estava carregada e a bala atingiu o pé de Eduardo, que teve de ser operado e
ficou sem poder andar durante vários meses. Quid iuris? Justifique a sua resposta legal e
doutrinalmente.
Certa noite, Carlos e Daniel fazem uma espera a Eduardo à saída de um bar para lhe dar
uma lição, vingando-se assim de Eduardo por este ter posto a circular certas histórias
sobre eles. Quando a vítima sai do bar, Carlos enfia-lhe um saco de pano preto na cabeça
e ambos o agridem violentamente com socos e pontapés, preenchendo, dessa forma, o
tipo objetivo do crime previsto no artigo 144º do CP. Porém, ao retirar o saco da cabeça da
vítima, Carlos e Daniel apercebem-se que se trata de alguém que não conhecem, com uma
estatura e aspeto semelhantes ao de Eduardo. Pronuncie-se sobre a responsabilidade
criminal de Carlos e Daniel, mobilizando os elementos legais e doutrinais necessários.
CASO PRÁTICO 33
CASO PRÁTICO 34
a) A dispara sobre B. Convicto que o tinha morto, resolveu depois desfazer-se do cadáver,
atirando-o de uma ravina. Sabendo que o resultado da autópsia veio a revelar que a morte
de B ficou a dever-se não ao disparo de A, mas a pluritraumatismos provocados pela queda
da ravina, diga qual a responsabilidade penal de A pela morte de B.
Estamos perante um caso de dolus generalis – A pratica duas ações e está convicto de que
atingiu o resultado pretendido com a primeira ação quando, na realidade, esse resultado
que pretendia atingir é efetivamente atingido por ele, mas só através da segunda ação.
Como o resultado que o agente atinge com a segunda ação é aquele que ele pretendia
atingir com a primeira, A vai ser punido por homicídio doloso consumado – vamos juntar o
desvalor de ação da primeira ação com o desvalor de resultado da segunda ação e
formamos o tipo legal de crime de homicídio doloso consumado.
Nota: O erro na formação da vontade e o erro na execução são os dois casos mais
comuns que saem mais frequentemente em caso prático.
Nota 2: Ver a questão dos tipos tipicidade, designadamente, quanto ao autor, quanto à
conduta e quanto ao bem jurídico (aulas teóricas) e, caso o Dr. Caeiro chegue a essa
matéria, ver também a questão do artigo 14º CP (elemento volitivo do dolo).
Casos Práticos 15
Caso prático 1 15
Caso prático 2 15
Caso Prático 4 20
Caso Prático 5 21
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Caso Prático 7 22
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Caso Prático 9 23
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