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Maria Branco Saraiva de Freitas 3ª Turma

Direito Penal I

- Aulas Práticas Dra. Ana Rita Alfaiate

2021/2022
Direito Penal I
Aulas Práticas Dra Ana Rita Alfaiate
quarta-feira, 20 de outubro de 2021

1. A função do Direito Penal


Para que serve o Direito Penal? Qual é a função do Direito Penal? O Direito penal
tem a função de proteção de bens jurídicos. Porém, a proteção de bens jurídicos
(interesses de um indivíduo ou da comunidade) é uma vocação comum a todos os ramos
do Direito.

Então, qual é a especificidade do Direito Penal relativamente aos demais? É


que o Direito Penal visa a proteção subsidiária de bens jurídicos, sendo o único ramo do
Direito que o faz.

Porque é subsidiária? É subsidiária porque o Direito Penal é o único ramo do


Direito que permite a compressão de um direito, liberdade e garantia – que é a liberdade do
cidadão. Todos os outros ramos do Direito, por mais gravoso que seja o comportamento
adotado por uma pessoa, atacam, no máximo, o património dessa pessoa.

Exemplo: Se eu estacionar num sítio onde tal me é proibido, é-me aplicada uma coima. Se
eu não a pagar, o máximo dos máximos que pode acontecer é, depois de um grande
processo, penhorarem-me os bens. Porém, se eu não tiver bem nenhum, não há mais nada
que possam fazer.

  O facto de existirem comportamentos que têm uma expressão em termos de


ilicitude não significa, necessariamente, que isso seja uma ilicitude do ponto de vista
jurídico-penal. Isto prende-se com o princípio da unidade da ordem jurídica, que
estabelece que: tudo o que é ilícito para o Direito Penal é necessariamente ilícito, primeiro,
para os outros ramos do Direito. Simplesmente, eles não foram suficientemente capazes de
proteger aquele interesse e foi preciso escalar na proteção desse interesse, chegando ao
Direito Penal (o Direito de última ratio).

  Este princípio tem, no entanto, o reverso da medalha: não é o mesmo quando está
em causa um ilícito num outro ramo do Direito. Uma coisa que é ilícita para outro ramo do
Direito (v.g., Direito Fiscal, Administrativo, Contraordenacional, etc) não tem
necessariamente de ser ilícito para o Direito Penal.

  Assim, em suma: tudo o que é ilícito para o Direito Penal é necessariamente ilícito
para os restantes ramos do Direito, mas o inverso não é verdadeiro – a ilicitude dos outros
ramos do Direito não tem de ser um ilícito penal.

Isto é muito fácil de compreender, p.e., no âmbito das regras rodoviárias. Eu não
posso conduzir com mais do que 0.5g de álcool por litro de sangue. Porém, se eu conduzir
com 1.1g/l, isso é uma contraordenação. Se eu conduzir com 1.2g/l, isso já é um crime.
Quando se diz que conduzir com 1.2g/l é um crime, significa que isso é um ilícito do Direito
Penal, mas que já tinha expressão de ilicitude no plano do Direito Contraordenacional.

  Em suma, é importante perceber que um comportamento proibido pelo Direito


Penal (v.g., matar alguém) é um comportamento errado, mas que nem todos os
comportamentos errados são um ilícito penal (v.g., recusar pagar uma coima) e nem todos
os comportamentos errados têm uma tradução em ilicitude jurídica (v.g., cuspir para o
chão; não dar lugar a uma grávida no autocarro).

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O que são os bens jurídicos (valores/interesses)? Ora, a grande maioria deles tem
um referendo constitucional: a vida, a integridade física, a liberdade, etc – são interesses
com uma expressão tão enraizada no nosso ordenamento jurídico que não é difícil
encontrar uma retaguarda constitucional para a sua proteção.

  Porém, não é absolutamente essencial que aquilo que são os bens jurídico-penas
sejam os interesses protegidos constitucionalmente – i.e., que exista uma total
coincidência entre o Direito Penal e o Direito Constitucional.

Aliás, aquilo que normalmente se designa por relação entre o Direito Penal e o
Direito Constitucional é uma relação de mútua referência, em que sobressai a autonomia
constitutiva do Direito Penal. Isto significa que o Direito Penal tem uma certa autonomia
para a criação de crimes, mesmo que o bem jurídico que fundamenta a existência do crime
não seja completamente explícito na Constituição (v.g., maus-tratos a animais de
companhia, ofensas à memória de pessoa falecida).

No entanto, a CRP acaba sempre por estabelecer algum limite, na medida em que o
legislador, mesmo que cumpra todas as regras que, do ponto de vista formal, são
necessárias para criar lei penal, não pode decidir criar um crime completamente incabível.
As leis podem ser legítimas em termos formais/processuais, mas ser simultaneamente
inconstitucionais – o art. 18º/2 CRP estabelece que só se pode privar uma pessoa de um
DLG quando tal sirva para proteger interesses tão ou mais importantes do que aquele que
se está a restringir.

2. O que é o Direito Penal


  O Direito Penal pode ter duas principais abordagens:

1. Direito Penal em sentido objetivo – traduz-se no Direito Penal como um conjunto de


normas jurídicas que liga a determinados comportamentos, que se chamam crimes,
determinadas consequências jurídicas, próprias deste ramo do Direito e que se chamam
penas.

Porém, isto não esgota o Direito Penal – é apenas aquilo que é regra no Direito Penal. Para
além dos crimes e das penas, no âmbito do Direito Penal, existem factos qualificados
pela lei como crimes, que também vão ter uma reação criminal, mas que não vão ser as
penas: vão ser as chamadas medidas de segurança.

Para se poder aplicar uma pena a uma pessoa (só há dois tipos de penas principais em
Portugal: a pena de prisão e a pena de multa), essa pessoa tem de ter cometido um crime.
Por sua vez, para a pessoa ter cometido um crime, ela precisa de atuar com culpa –
porque a culpa é essencial para se dizer que existiu um crime, sendo um dos patamares da
construção do crime (que são: a tipicidade, a ilicitude, a culpa e a punibilidade).

Por seu turno, para a pessoa agir com culpa, ela tem de ser capaz dessa culpa e, para tal,
precisa de ser imputável. Ora, existe: inimputabilidade penal em razão da idade (pessoas
com menos de 16 anos) e inimputabilidade penal em razão de anomalia psíquica (que as
impede de compreender a ilicitude do facto).

Ligação que é necessário estabelecer: aplicar pena - existir crime - agir com culpa - ser
imputável.

Porém, tanto as pessoas que têm uma anomalia psíquica como os menores de 16 anos
podem praticar factos que são classificados como crimes – apesar de não lhes podermos
chamar crime, uma vez que elas não são imputáveis (ao não serem imputáveis, não agem
com culpa e, sem culpa, não há crime).

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Ora, é nestas situações que se diz que está em causa um facto qualificado pela lei como
crime. Quando estes factos qualificados pela lei como crimes são praticados por alguém
que padece de uma anomalia psíquica, esse alguém será punido em sede do Direito Penal.
Porém, não vai ser punido com uma pena, mas com uma medida de segurança.

Conclui-se, portanto, que a definição de Direito Penal em sentido objetivo (crimes + penas)
não esgota o Direito Penal, pois há outros factos, praticados por outras pessoas, que não
se podem chamar crimes e que vão ter uma reação criminal que não se vai chamar pena
(mas sim medida de segurança).

Por outro lado, o Direito Penal não se esgota com aquilo que é “um conjunto de normas
jurídicas”, ou seja, não se esgota no conjunto de normas jurídicas do Código Penal e da
legislação penal avulsa.

2. Direito Penal em sentido subjetivo (ius puniendi) – significa o direito que o Estado tem
de punir, definindo o que vai ser crime e qual vai ser a consequência associada a cada
crime. Portanto, o Estado define quais os comportamentos que vão ser proibidos (i.e., os
comportamentos que vão ser considerados crimes), sendo certo que têm aquelas
limitações impostas pelo artigo 18º/2 CRP.

Por outro lado, o Estado também tem a função (para além da de definir o que vai ser crime)
que consequência se vai associar a cada um destes comportamentos. À partida, as penas
que se associam aos comportamentos hão de ser diferentes em função da importância do
bem jurídico que está protegido.

Em Portugal, a pena máxima é a pena de 25 anos de prisão. Esta pena só pode ser
aplicada em duas situações: homicídio qualificado (homicídio praticado com especial
censurabilidade e perversidade contra determinadas pessoas que estão protegidas pelo
direito) e concurso de crimes (em que a pessoa pratica vários crimes ou em a mesma ação
viola várias normas jurídicas – não estudamos o concurso de crimes no 3º ano).

Além da pena de 25 anos (que só pode ser aplicada numa destas duas situações), existem
penas mais baixas. Mesmo no crime de homicídio, o homicida pode ser punido com uma
pena de prisão de 8 a 16 anos (artigo 131º CP). Ora, à partida, se a pena é de 8 a 16 anos e
se o bem jurídico ali protegido é a vida, então, quem furta há de ter a possibilidade de lhe
ver aplicada uma pena inferior a isto.

Isto significa que as penas que estão previstas para os factos também indiciam a
relevância e importância quer da ilicitude que foi praticada pelo agente, quer do bem
jurídico que ali está protegido. Não é que isto seja o único indicador (até porque há alguns
desvios), mas a regra é: no caso das molduras penais, quanto maior for a moldura penal,
maior é a importância do bem jurídico que está protegido e maior é a gravidade do facto
cometido.

O que aqui estudamos é o Direito Penal em sentido subjetivo, ou seja, a dogmática/


doutrina penal. No entanto, o Direito Penal em sentido amplo/em sentido objetivo
relaciona-se com o Direito Penal em sentido subjetivo e influencia-o muito.

Exemplo: Se se perguntar se os agressores sexuais em Portugal são maioritariamente do


sexo masculino ou feminino, a nossa primeira resposta é dizer masculino. Se se perguntar
se as vítimas de violência doméstica em Portugal são maioritariamente do sexo masculino
ou feminino, a nossa primeira resposta é dizer feminino. Se se perguntar se é verdade que
os agressores sexuais de crianças são, normalmente, pertencentes ao agregado familiar da
mesma, a nossa primeira resposta é dizer que sim.

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Porém, isto não está no Código Penal. Quem nos dá estas informações é uma disciplina
que se chama Criminologia, que estuda o fenómeno do crime e que vai fazendo um
“diagnóstico” dos crimes que vão ocorrendo em Portugal. É a criminologia que nos diz se é
preciso punir mais, se é preciso punir menos, quem são os agressores com maior
incidência, quem são as vítimas com maior incidência, etc.

Muitas vezes, de tanto a criminologia mencionar certos casos recorrentes, surgem próprias
alterações legislativas com base nessas informações. Isto mostra, precisamente, que
outras disciplinas vão influenciando aquilo que é o Direito Penal substantivo.

Existem outras disciplinas que se relacionam muito com o Direito Penal, designadamente,
o Direito Processual Penal, o Direito de Execução de Penas, a Política Criminal, etc. Há,
portanto, todo um conjunto de ciências que influenciam e formam o Direito Penal “total”
(que nós não vamos estudar aqui).

O que vamos estudar é: o Direito Penal substantivo, o Direito Penal dogmático/a dogmática
penal – praticamente só dentro daquilo que é o Direito Penal clássico, ou seja, dentro
daqueles crimes que aparecem no Código Penal (não vamos estudar muito legislação
penal avulsa). Não vamos estudar muito crimes económicos, sendo que vamos estudar
mais crimes contra a pessoa, contra a vida, contra a integridade física, etc.

3. Inserção sistemática do Direito Penal no conjunto das


ciências jurídicas
Uma segunda nota tem a ver com a inserção sistemática do Direito Penal no
conjunto das ciências jurídicas. O Direito Penal é um ramo do direito público.
Frequentemente, é muito fácil identificar-se o “triângulo”: um agente, uma vítima e o Estado
(como terceiro imparcial, representado pelo poder judicial, que vai julgar o agente).

Às vezes, não é muito fácil identificar a vítima em crimes como, p.e., a corrupção –
em que o que corrompe têm uma vantagem, mas o que foi corrompido também tem uma
vantagem. Portanto, quanto muito, a vítima somos todos nós: é a segurança no traço
jurídico. Porém, desde que esteja identificado o agente e desde que exista o poder judicial,
é possível fazer funcionar o Direito Penal.

Note-se, ainda, que o Direito Penal português e o Direito Processual Penal


português não têm grande preocupação com a vítima. A figura central das suas
preocupações é o agente. A partir do momento em que se identifica o agente, o que se
quer é descobrir a verdade material (a verdade do processo) – que, muitas vezes, não
corresponde à verdade verdadeira –, mas também acautelar que o agente tem um
processo jurídico justo e equitativo, onde não é quartado de outros direitos para além do
direito que está a ser investigado (v.g., ele beneficia da presunção de inocência).

Portanto, em geral, a nossa grande preocupação é com o agente do facto e não


propriamente com a vítima.


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4. Fins das penas
A pena vai ser sempre a mesma, seja aplicada por um retribucionista ou por uma
pessoa que adota as teorias da prevenção. O fundamento para adotar aquela pena é que
vai ser diferente para uns e para outros. Para o Dr. Figueiredo Dias, nós temos finalidades
de prevenção. Além disso, ele entende que elas estão expressamente consagradas no
nosso Código Penal, no artigo 40º, e que não é fácil fugir à consagração das penalidades
da prevenção, uma vez que elas estão explícitas.

Claro que o Dr. Faria Costa e outros encontram outras justificações para o artigo
40º CP, sem ser dizer ele lá tem os fins das penas.

Porém, mesmo quem defende as finalidades da prevenção não nega os méritos de


algumas coisas introduzidas pelas teorias retribucionistas. A primeira e talvez a mais
importante é o princípio da culpa, i.e., a ideia de que não existe crime e pena sem existir,
primeiro, uma culpa. Portanto, a ideia de que alguém só responde por praticar um facto
com culpa na medida da sua culpa é uma medida que vem do retribucionismo.

Qual é a grande diferença? É que, embora seja uma ideia que vem dos
retribunicionistas (nós não lhes negamos esse mérito), a verdade é que olhamos para a
culpa de uma maneira diferente. Para as teorias retributivas, valia o chamado princípio da
bilateralidade da culpa (a culpa era tudo: limite, pressuposto, medida e fundamento da
pena – i.e., não existia culpa sem pena e a culpa era traduzida tal e qual na pena).

Hoje em dia, dizemos que adotamos o princípio da culpa, mas um princípio da


unilateralidade da culpa. Isto significa que a culpa já não é tudo relativamente ao crime e à
pena. Para nós, a culpa é só pressuposto e limite da pena (e não é nem seu fundamento
nem sua medida). É pressuposto porque não se pode aplicar uma pena sem primeiro ter
culpa. É limite porque não se pode ultrapassar o limite da culpa, i.e., não pode existir mais
pena do que culpa.

Mas, não se poder ultrapassar o limite da culpa não significa que a toda a culpa
tenha de corresponder uma pena. Pode existir menos culpa do que pena e até pode existir
(diz o prof. Figueiredo Dias e o CP) culpa e não existir pena. O artigo 74º CP (fazer
remissão do artigo 40º para o 74º e vice-versa) tem consagrado o instituto da dispensa de
pena. É possível existir culpa e não existir pena.

A culpa é, portanto, o mero limite da pena, sendo que até pode acontecer que nem
haja pena nenhuma – com base no artigo 74º CP.

Nota: cuidado pq o artigo 40º/2 menciona a palavra “medida”, mas a culpa não é nunca
medida da pena!!! O nº2 do artigo 40º significa sim que a culpa é limite da pena.

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quarta-feira, 3 de novembro de 2021

5. Teorias absolutas ou retributivas

Nas teorias absolutas, a pena é um fim em si mesmo – é um mal, um castigo, uma


compensação pelo mal do crime. Há, portanto, uma ideia de compensar o agente por
aquilo que ele fez – ideia esta completamente desligada do futuro, seja do futuro da
comunidade seja do futuro do próprio condenado. Não há preocupação, então, com os
efeitos que determinada sanção terá no futuro do agente.

São, portanto, teorias muito voltadas para o passado e para o castigo,


defendendo fins das penas que se esgotam em si mesmos ou teorias que se esgotam em
si mesmas, sem terem verdadeiros fins – isto é, um verdadeiro aspeto positivo (v.g., de
educação, de reeducação, de prevenção, etc).

Apesar de tudo, estas teorias absolutas – que, ainda hoje, encontram defensores –
não têm esta linearidade. O Prof. Dr. Faria Costa fala de uma teoria ético-retributiva, mas
diz que a pena é um bem – i.e., é a forma que a sociedade oferece ao agente de ele
recuperar o seu estatuto na comunidade em que estava inserido e cuja relação rompeu
quando praticou o facto.

Segundo o Prof. Dr. Faria Costa, nós estamos todos numa relação de cuidado uns
com os outros e connosco próprios e, quando cometemos um facto qualificado como
crime pela lei, rompemos essa relação – é como se quebrássemos a nossa ligação à
comunidade. Ora, a forma que se encontra para recuperar a relação é através do
cumprimento da sanção.

Ora, mesmo para quem defende as teorias da prevenção, há méritos indiscutíveis


que estão ligados às teorias absolutas – dois são de destacar:

1. A ideia de proporcionalidade, que vem muito do Princípio de Talião (“olho por olho,
dente por dente”). As sanções não são completamente arbitrárias e discricionárias,
sendo que hão de corresponder ao mal do crime: o mal da pena tem de ser semelhante
ao mal do crime. Quanto maior tiver sido o prejuízo causado pelo agente, maior há de
ser o castigo que ele vai sofrer.

2. O princípio da culpa – a ideia de que alguém só responde por praticar um facto com
culpa na medida da sua culpa é uma ideia das teorias retributivas. Para as teorias
retributivas, vale o chamado princípio da bilateralidade da culpa – a culpa é tudo: limite,
pressuposto, medida e fundamento da pena. Não existe culpa sem pena e a culpa é
traduzida tal e qual na pena, i.e., a pena é igual à culpa.

6. Teorias de prevenção

O Prof. Dr. Figueiredo Dias defende que, hoje, não se podem defender as teorias
absolutas, uma vez que uma interpretação até literal do nosso Código Penal mostra que
parece que o legislador se quer afastar da ideia de bilateralidade e prefere uma outra noção
do princípio da culpa: o princípio da unilateralidade da culpa.

Hoje, adotamos o princípio da culpa, mas um princípio da unilateralidade da


culpa: a culpa já não é tudo relativamente ao crime e à pena. Para nós, a culpa é apenas
pressuposto – porque não se pode aplicar uma pena sem, primeiro, ter culpa – e limite
(máximo) da pena – não se pode ultrapassar o limite da culpa.

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Contudo, não se poder ultrapassar o limite da culpa não significa que a toda a culpa
tenha de corresponder uma pena. Pode existir menos culpa do que pena e até pode existir
(diz o Prof. Figueiredo Dias e o CP) culpa e não existir pena. O artigo 74º CP é um exemplo
disso, tendo consagrado o instituto da dispensa de pena.

O Código Penal começa pelas teorias de prevenção geral, que se referem à


comunidade e à preocupação com a própria comunidade e não com o agente.

Dentro das teorias da prevenção geral, as primeiras a mencionar são as teorias da


prevenção geral negativa, às quais se associa a palavra “intimidação”. A teoria de
prevenção geral negativa é uma teoria a partir da qual o que se procura é intimidar a
comunidade para não cometer os crimes que certo agente cometeu.

Esta teoria tem, talvez, a crítica mais simples de se fazer, uma vez que é a teoria
que se apresenta mais frágil. Pode dizer-se, assim, que esta teoria instrumentaliza o
agente, não garantindo sequer uma ideia de justiça relativa entre os diferentes agentes.
Nesta medida, o quantum da pena vai ser muito mais influenciado pelas características do
meio social em que o agente está envolvido, do que propriamente por aquilo que ele fez.
Então, dois agentes que praticaram o mesmo facto vão ter sanções diferentes fruto do
contexto em que vêm, o que é muito injusto.

Exemplo: Numa comunidade em que é comum e constante cometerem-se crimes,


vão aplicar-se penas cada vez mais pesadas, com o intuito de intimidar mais as pessoas
para que não cometam crimes. Por oposição, numa comunidade em que é raríssimo
cometer-se um crime, as penas aplicadas podem ser leves porque não é necessário serem
pesadas para intimidar completamente a população.

  Porém, não deixa de ser um mérito a preocupação com a comunidade. Portanto, o


que tem de se fazer é encontrar uma alternativa em que se continua a proteger a
comunidade sem instrumentalizar o agente ou, pelo menos, contornando a questão da
instrumentalização.

  Surge, assim, a teoria da prevenção geral positiva, à qual se associa a palavra


“integração”. Note-se que não se trata de uma integração do agente, uma vez que é uma
teoria geral, mas sim de uma integração da norma do ordenamento jurídico – no sentido
em que, a partir do momento em que a norma é violada, entende-se que a norma tem
menos valor e uma certa redução na sua eficácia, sendo preciso fazer alguma coisa para
recuperar essa eficácia e valor. Ora, o que se pode fazer é aplicar uma consequência a
quem viola estas normas.

  Se uma norma é constantemente violada por muitas pessoas da comunidade, deixa


de se associar a proibição formal a uma ideia de ilicitude material. Assim, para nós,
embora a norma exista, não lhe associamos valor nenhum e, assim sendo, não nos
importamos de a violar.

Ora, o que dizem os defensores da teoria da prevenção geral positiva é que, se se


quer recuperar o valor da norma (que é essencial para aquela comunidade, porque senão
não era uma norma jurídico-penal), então, tem de se aplicar uma consequência de cada vez
que ela é violada.

Uma expressão que está muito associada a esta teórica é a da “realização contra
fáctica do valor da norma”, precisamente porque contra o facto que enfraqueceu o valor
de determinada norma se aplica a pena para reafirmar o valor dessa mesma norma.

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Porém, um problema mantém-se: não há preocupação para com o agente. Surge,
portanto, uma prevenção especial voltada para o agente.

A prevenção especial começa com a prevenção especial negativa, que se pode


explicar recorrendo à metáfora da maceira com a maçã podre. Numa maceira, temos
uma maçã podre, sendo que temos duas alternativas: ou tiramos a maçã podre e
prolongamos a vida das que ainda estão sãs, preservando-as; ou deixamos ficar a maçã
podre e ela vai acelerar o processo de decomposição das maçãs que ainda estão sãs.

Ora, a opção passa por tirar a maçã podre da maceira, ou seja, afastar o agente
que violou uma norma, de maneira a evitar que as restantes pessoas ao seu redor se
tornem mais propensas a violar a norma também - o que, no fundo, significa afastar aquela
pessoa da sua comunidade.

Para quê? Por um lado, para que não contamine os que estão ao lado. Por outro
lado, para que se possa isolar o agente, de modo a poder reeducá-lo para que não cometa
mais crimes – a isto se dedica a Escola Correcionalista. No entanto, também isto tem um
problema: sendo que estamos a falar de penas, estamos a falar da aplicação de sanções a
pessoas que são capazes de culpa e que são, por isso, imputáveis. Ora, não se pode
“tratar” uma pessoa imputável precisamente porque ela não tem uma doença – se tivesse,
seria considerada inimputável.

Assim, avança-se para a teoria da prevenção especial positiva, que é


provavelmente a teoria mais aliciante do ponto de vista teórico e a mais difícil de
implementar do ponto de vista prático. É a chamada teoria da ressocialização, a mais
famosa nos dias de hoje.

  Quando se fala em “ressocialização” e na origem da palavra, isto pressupõe que a


pessoa em causa já teve uma vida fiel ao Direito e que, entretanto, cometeu um episódio
de desvio, sendo que se vai, depois, relembrá-la de como era bom ter a sua vida anterior
(fiel ao Direito). Porém, há pessoas que não se podem verdadeiramente ressocializar,
porque elas nunca estiveram socializadas. Nesta medida, o nosso trabalho é um trabalho
de verdadeira socialização.

A maior parte de pessoas que comete crimes são pessoas que, pelo contexto social
em que vivem, estão habituados a cometer (e a ver cometer) factos criminosos, sendo isso
recorrente e praticamente “normal”. Por isto, o processo tem de ser muito mais amplo: não
é um processo de ressocialização (que é mais fácil), mas sim um processo de socialização
(mais difícil).

A grande questão da teoria da ressocialização é que a própria ressocialização é


um direito do condenado e não uma obrigação. O condenado tem o direito a
ressocializar-se, mas não é obrigado a fazê-lo se não quiser. O Estado é que tem a
obrigação de prover a todas as necessidades do cidadão que quer essa ressocialização. O
Estado não tem, portanto, o direito de exigir a ressocialização, mas tem o dever de dar
todas as ferramentas a quem a queira.

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O problema disto é um problema de ordem prática porque, em teoria, não há
qualquer problema. Do ponto de vista emocional, dizer que isto é um direito do condenado
e um dever do Estado é quase dizer que a pena é uma oportunidade do condenado. Ora, o
condenado raramente entende a pena como uma oportunidade, mas sim como um
castigo, por duas razões:

1. Efetivamente, na maior parte dos casos, aqueles que se iriam recuperar, recuperar-se-
iam na mesma, mesmo que não tivessem ido para a prisão. Inclusive, provavelmente
até se teriam recuperado mais facilmente se não tivessem passado pelo
estabelecimento prisional.

2. Além disto, na prática, o Estado não oferece a oportunidade que diz oferecer. 

Então, a fragilidade da teoria da ressocialização é a dificuldade de a pôr em prática,


apesar de, teoricamente, ela ser “a teoria perfeita”.

  Segundo o Dr. Figueiredo Dias, o Código Penal estabelece, no artigo 40º,


exatamente aquilo que pretende, quer das teorias de fins das penas (artigo 40º/1) quer da
culpa (artigo 40º/2).

Quanto aos fins da pena, o legislador acolheu a teoria da prevenção geral positiva
e a teoria da prevenção especial positiva. O artigo 40º/1 CP estabelece que as penas e as
medidas de segurança visam duas coisas:

1. Proteção de bens jurídicos – designadamente, através da teoria de prevenção geral


positiva, com a ideia de reafirmação do valor da norma;

2. Reintegração do agente na sociedade – designadamente, através da teoria de


prevenção especial positiva.

  Repare-se que o legislador trata as penas e as medidas de segurança da mesma


maneira. Porém, será que as medidas de segurança têm exatamente as mesmas
finalidades das penas (i,e., primeiro, prevenção geral positiva e, depois, prevenção
especial positiva)? Em regra, não, uma vez que os imputáveis não se revêm nos
comportamentos adotados pelos inimputáveis por anomalia psíquica.

Exemplo: Se quem passa num caminho de sentido proibido são só inimputáveis


por anomalia psíquica, então, nós (imputáveis) não nos revemos nesse comportamento.

Ora, a grande maioria dos autores crê que, se não nos revemos no comportamento
do inimputável por anomalia psíquica, então, não há necessidades de proteção geral.
Como não nos revemos no comportamento, não achamos que o valor da norma está
fragilizado e, nessa medida, não temos de recuperá-lo.

As medidas de segurança realizam-se, portanto, apenas através da teoria de


prevenção especial, que tanto pode ser positiva como negativa. No caso dos
inimputáveis, já se pode pensar naquela ideia de imposição de “tratamento” (prevenção
negativa) – em função da perigosidade que a pessoa apresenta, como é claro.

O artigo 91º/1 CP traduz os dois pressupostos de aplicação das medidas de


segurança (facto típico ilícito e perigosidade do agente), que já estão no artigo 40º/3. O
grande problema é o nº2 do artigo 91º, em que o legislador afirma que há determinados
crimes que são de tal modo graves que, mesmo que o agente, do ponto de vista da
prevenção especial, não tenha necessidade da medida de segurança, tem de ficar privado
da liberdade em nome da “defesa da ordem jurídica e da paz social” (teoria de prevenção
geral).

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Portanto, em rigor, nos termos do artigo 91º/2 CP, embora, em regra, as pessoas
não se revejam no comportamento dos inimputáveis e, por conseguinte, não haja
necessidades de prevenção geral, a verdade é que, em determinadas situações, é a
prevenção geral que justifica a liberdade destas pessoas. Então, ainda que de forma
residual, a prevenção geral também está no horizonte das preocupações daqueles
que aplicam medidas de segurança.

Note-se, porém, que, especificamente nos casos do artigo 91º/2 CP – em que,


do ponto de vista da prevenção especial, não existe mesmo nenhuma necessidade de a
pessoa ficar privada da liberdade e, contudo, tem de suportar aqueles três anos de
internamento (“duração mínima”), em nome da prevenção geral –, a prevenção geral
torna-se a finalidade mais importante.

Quanto à duração das penas, a pena máxima em Portugal é de 25 anos para o


homicídio qualificado e para o concurso de crimes. Por seu turno, relativamente à duração
das medidas de segurança:

• Nos termos do artigo 92º/1 CP, em regra, quando acaba a perigosidade, acaba a medida
de segurança;

• Nos termos do artigo 92º/2, se não se souber bem se a perigosidade abrandou ou não, a
medida de segurança cessa quando se atingir o limite máximo da pena (16 anos);

• No entanto, nos termos do artigo 92º/3 CP, se, no âmbito dos crimes mais graves, a
perigosidade nunca acabar, a pessoa poderá ficar detida até tal acontecer, sendo
renovada a sua medida de segurança de 2 em 2 anos, indefinidamente.

O art. 92º/3 é corroborado pelo legislador constitucional (artigo 30º/2 CRP), mas, no
entanto, alguns autores não concordam com isto (inclusive, a Dra. Ana Rita).

Quanto à culpa, diz o artigo 40º/2 CP que, em caso algum, pode a pena ultrapassar
a medida da culpa. Isto afirma o princípio da unilateralidade da culpa: não há pena sem
culpa, mas pode existir uma pena abaixo dessa culpa ou até existir culpa e não existir pena
(v.g., artigo 74º CP). 

Nos termos do artigo 74º CP, uma pessoa pode ser julgada por um facto, pode ser
condenada (e para ser condenada, sendo imputável, é porque tem culpa jurídico-penal),
mas, depois, não cumprir pena alguma, porque é dispensado o cumprimento de pena. Este
artigo 74º é o artigo mais difícil de ultrapassar por quem ainda defende as teorias ético-
retributivas, que dizem que ele é um incidente de execução da própria pena (a pena existe,
mas não é executada em concreto).

Não existem apenas estas duas reações criminais: as penas para os imputáveis e
as medidas de segurança para os inimputáveis. Existe um terceiro tipo de reação
criminal: a pena relativamente indeterminada.

O paradigma em Portugal é aplicar-se uma pena ao agente se ele for imputável ou


uma medida de segurança se for inimputável, sendo que, ao mesmo agente, pelo mesmo
facto, não se vai aplicar duas sanções ambas privativas da liberdade (uma pena e uma
medida de segurança). Porém, é possível que o mesmo agente, por factos diferentes,
tenha uma pena e uma medida de segurança, ambas privativas da liberdade – ou seja, é
possível ser-se imputável para umas coisas e inimputável para outras coisas.

Quando, no mesmo circunstancialismo, o agente é imputável para um facto e


inimputável para outro, há uma solução no nosso ordenamento jurídico que passa pelo
vicariato na execução (artigo 99º/ CP). O legislador estabelece que se cumpre primeiro o
internamento e que esse tempo de internamento é, depois, descontado no tempo de
prisão.

Maria Branco S. De Freitas 10


  Porém, é muito importante não se pode confundir o vicariato de execução com a
pena relativamente indeterminada.

A pena relativamente indeterminada surge quando o agente tiver cometido um só


facto, mas o seu passado faz com que a reação não se satisfaça nem só com a pena nem
só com a medida de segurança. Então, surge este terceiro tipo de reação criminal: a pena
relativamente indeterminada, regulada nos artigos 83º, 84º e, sobretudo, 85º CP.

Maria Branco S. De Freitas 11


quarta-feira, 10 de novembro de 2021

7. Monismo e Dualismo
Sobre a problemática de como se reagir criminalmente, confrontamo-nos com duas
posições: o monismo e o dualismo. À luz desses critérios, tendemos a considerar que o
sistema tende a resvalar para o critério monista. Os critérios têm a ver com o que são os
pressupostos do sistema monista e o que são os pressupostos do sistema dualista.

• Consideramos que o sistema é monista quando: ao mesmo agente, pelo mesmo facto,


for possível de aplicar em termos de reações privativas da liberdade ou uma pena de
prisão ou uma medida de segurança de internamento. 

• Dizemos que é um sistema dualista quando: ao mesmo agente, pelo mesmo facto, seja
possível aplicar uma pena de prisão  e  uma medida de segurança de internamento, por
conseguinte, duas reações privativas da liberdade. A pessoa por um só facto pode ser
privada da liberdade por duas reações diferentes, uma que é a pena de prisão e, onera
ainda, com uma medida de segurança de internamento. 

  Referirmo-nos à pena e à medida de segurança de internamento pelo fato de estas


consubstanciarem as únicas reações criminais passiveis de desencadear uma privação da
liberdade. À luz desta conceção, seremos monistas se aplicarmos uma das duas formas de
privação; seremos dualistas se podermos aplicar ambas.

  O nosso sistema de reações criminais é um sistema monista pois, as características


da pena de prisão e os pressupostos de aplicação da mesma indiciam tal posição. A
sanção de privação da liberdade é aplicada a um tipo de pessoas (imputáveis), enquanto a
medida de segurança é uma sanção aplicada a um outro tipo de pessoas (inimputáveis). 

CASOS DUVIDOSOS DE APARENTE FUGA À “REGRA” MONISTA

  Há duas figuras no nosso CP que podiam levantar algumas dúvidas, a propósito da


classificação do sistema como monista. No fundo, obriga-nos a olhar se efetivamente
estamos, ou não, numa situação em que a pessoa é imputável ou é inimputável. 

(I) Vicariato na execução

  A primeira situação chama-se vicariato na execução, que está previsto no artigo 99


do CP. Este artigo trata de um problema que, numa primeira leitura menos rigorosa, parece
baralhar estas certezas. Na medida em que o vicariato se aplica, há agentes que, pelo
mesmo circunstancialismo temporal, são para uns factos imputáveis e, para outros factos
inimputáveis.

  O vicariato na execução aplica-se a só um agente por dois factos diferentes, sendo


que a um dos factos se aplica uma pena de prisão porque consideramos que o agente é
imputável e, a outro dos factos, aplica-se uma medida de segurança de internamento
porque consideramos o agente seja inimputável aquando da ocorrência desse facto. Com
isto, não se quer dizer que as pessoas são consideradas imputáveis estáticas, ou seja, até
se pode ter nascido com todas as capacidades e com um normal desenvolvimento, mas,
ao longo da vida, pode ter-se desenvolvido uma qualquer patologia que nos tenha tornado
inimputáveis.

  Este regime funciona da seguinte maneira: depois de o sujeito cumprir o


internamento até ao fim, desconta-se o tempo da execução da pena de internamento ao
tempo da pena de prisão e, se já se tiver cumprido metade da pena de prisão, e se as
exigências de prevenção estiverem asseguradas, a pessoa pode ser posta em liberdade
(99/2). 

Maria Branco S. De Freitas 12


EXEMPLO:
Imagine que o senhor A é cleptomaníaco e comete um crime:

1. O senhor A foi condenado a 3 anos de internamento e a 3 anos de pena de prisão. 

Na primeira hipótese, o senhor A ficava efetivamente privado da liberdade 3 anos, devido


ao internamento, não precisando de ficar mais tempo privado de liberdade. Assim, no fim
do internamento, tínhamos de descontar o tempo de internamento ao tempo total de
prisão, e como já tinha estado 3 anos internando, não havia que cumprir o tempo da
pena de prisão. 

2. O senhor A foi condenado a 4 anos de internamento e a 7 anos de prisão

Na segunda hipótese, primeiro cumpria os 4 anos de internamento e depois havia que


complementar com o remanescente do tempo da pena de prisão. Acontece que, ao
descontar o tempo de internamento pelo tempo total da pena de prisão (7 menos 4 = 3),
faltaria cumprir 3 anos. Não obstante, olhando para o 99/2, se a pessoa já tiver cumprido
metade da pena de prisão, a pessoa pode sair em liberdade condicional se estiverem
asseguradas as medidas de prevenção geral. Assim, a pena total era de 7 anos e,
cumpridos três anos e seis meses de pena, havia lugar à liberdade condicional. 

3. O senhor A foi condenado a 1 ano de internamento e a 3 anos de prisão

Na terceira hipótese, cumpria o primeiro ano de internamento; depois descontar-se-ia o


tempo de internamento (3 menos 1), ou seja, sobrava 2 anos. Mas para atingir a metade,
ainda lhe faltava meio ano. Como ainda não se tinha atingido a metade, podia-se
substituir esse tempo por trabalho comunitário nos termos do artigo 99/3 para se atingir
o meio ano que faltava da pena, para poder sair em liberdade condicional. Vamos
imaginar que, ainda sobre esta hipótese, ao fim desse meio ano que faltava, ainda não
estavam garantidas as exigências de prevenção geral e, por isso, a pessoa ainda não
podia sair em liberdade condicional. O sujeito, no máximo, tem de cumprir 2/3 da pena; a
pessoa já tinha cumprido 1 ano de internamento, mais meio ano de trabalho comunitário,
logo, faltava-lhe cumprir mais meio a trabalhar a favor da comunidade. 

4. O senhor A foi condenado a 5 anos de internamento e a 2 de prisão.

Na quarta hipótese, cumpria os 5 anos de internamento e, por conseguinte, não tinha de


cumprir pena de prisão nenhuma. 

Conclusão: O vicariato de execução será capaz de pôr em causa o monismo do nosso


sistema? Não porque, ao mesmo agente, pelo mesmo facto, só podíamos aplicar ou uma
pena de prisão ou uma medida de segurança de internamento.

Maria Branco S. De Freitas 13


(II) Pena relativamente indeterminada

  No artigo 76º/2, o legislador diz que quando o caso preenche quer os requisitos da
reincidência, quer os requisitos da pena relativamente indeterminada, em princípio, aplica-
se as penas relativamente indeterminadas (não se aplica porque ela é uma medida
estranha). Esta pena está prevista nos artigos 83º, 84º e 85º. O artigo 83º tem um regime
geral; o 84º tem um regime atenuado e o 85º tem um verdadeiro regime atenuado. 

  O artigo 83º diz que esta pena, a relativamente indeterminada, se dirige ao agente
que tenha praticado um crime doloso, ilícito no qual deve ser aplicado pena de prisão
efetiva de mais de 2 anos, cumulando o sujeito um passado criminoso. Esse passado
criminoso tem que ver com o facto de o agente já ter cometido pelo menos dois ou mais
crimes dolosos e, a cada 2 ou mais crimes dolosos cometidos anteriormente, tenha sido
aplicada e cumprida pena de prisão efetiva superior a 2 anos. Para além disto, o agente
tem que revelar uma personalidade com acentuada inclinação para o crime. Ou seja, é um
delinquente por tendência, alguém cuja vida do crime é uma carreira.

  Segundo o artigo 83º/3 e 4, os factos são tidos em conta se entre eles não tiverem
passado mais de 5 anos de liberdade do agente. A primeira operação para calcular a pena
relativamente indeterminável é verificar a pena que em concreto se aplicaria ao agente não
sendo considerado delinquente. Vamos supor que a pena concreta que aplicaríamos era de
12 anos, se esses 12 anos é a pena concreta, é a partir destes que se vai calcular a pena
relativamente indeterminável. O 83º/2 diz como fazemos esse cálculo, o máximo seria 12
mais 6 (18). A PRI terá um mínimo de 8 e um máximo de 18. 

  Chama-se pena relativamente indeterminável porque o agente não sabe quanto


tempo irá ficar preso. O agente sabe que no mínimo vai ficar 8 anos e no máximo vai ficar
18. A pena só se define efetivamente ao longo da PRI, dependendo de muitos fatores: da
sua evolução, do seu comportamento, do facto praticado. 

  O problema associado à PRI é o da natureza jurídica. Se afirmamos que não temos


um sistema dualista, a PRI não pode ser uma pena mais uma medida de segurança.
Podemos dizer então que a PRI é um terceiro tipo de reação criminal, com características
de pena e com características de medida de segurança, no qual o agente está privado da
sua liberdade por conta da culpa até ao limite da pena concreta (12 anos) e, a partir daí, o
agente está privado da sua liberdade por conta da sua personalidade. Por causa da PRI
pode-se afirmar que temos um sistema tendencionalmente monista ou monista prático. 

Maria Branco S. De Freitas 14


Casos Práticos

CASO PRÁTICO 1
Por visionar filmes pornográficos nos quais aparecem crianças e adultos com aparência de
criança, foi condenado ao internamento de 2 anos por factos praticados nesse contexto.
Na mesma altura, no entanto, A havia furtado um computador de uma superfície comercial
precisamente com o intuito de puder satisfazer os seus desejos. O computador foi avaliado
em 1600 euros e A, foi condenado por um crime de furto numa pena de prisão de 3
anos. Quid Iuris quanto à forma de execução dessas sanções.

Resolução:

Estamos perante um caso de vicariato na execução (artigo 99º). O agente vai cumprir
primeiro a medida de segurança (2 anos); depois desconta-se esses 2 anos ao total da
pena de prisão (sobrando 1 ano). Sobrando 1 ano para cumprir, o autor fica em liberdade
condicional (artigo 99º/2). Como metade da pena era 1.5, já tendo cumprido 2 anos, pode
sair em liberdade condicional.  Este instituto não põe em causa o sistema monista pois,
pese embora o autor estar onerado a uma pena de prisão e uma medida de segurança,
ocorre, mas por factos diferentes. 

CASO PRÁTICO 2
Considere estes 5 factos:

(1) A cumpriu uma pena de prisão de 10 anos por violação. 

(2) A cumpriu uma pena de 11 anos de prisão por homicídio;

(3) A pagou uma pena de multa no valor de 2 mil euros por um crime de injúria;

(4) A é conhecido por ameaçar e agredir de forma gratuita.

(5) A praticou no mês passado um crime de burla pelo qual deverá ser lhe aplicada pena
de prisão efetiva de 3 anos. 

1. Refira se há possibilidade de A ser punido com uma PRI. Justifique.


Podemos aplicar uma PRI porque estão cumpridos os requisitos do artigo 83º. Calcula-se
esta pena, nos termos do artigo 83º/2, ou seja, 2/3 da pena completa (2/3 que vai dar 2
anos) e no máximo é a pena concreta mais 6, ou seja, 9 anos. A PRI será de 2 anos a 9
anos. 

2. Considere agora que A foi condenado em todas aquelas 3 primeiras penas, mas ainda
não as cumpriu totalmente por não ter tido tempo útil para tal na medida em que tem
apenas 23 anos. Quid iuris?
Teria que se aplicar o artigo 85º. O agente tem menos de 25 anos. A PRI, será no
mínimo 2/3, ou seja, é igual, e o máximo seria 7 (3 mais 4).

3. Considere agora que pelo crime de burla, A deveria antes ser condenado numa pena
de 1 ano de prisão. Poderá ser aplicada uma PRI ao agente? Justifique.
Não se pode aplicar uma PRI porque não estão reunidos os pressupostos do artigo 83
porque a pena concreta do crime tem de ser superior a 2 anos. 

Maria Branco S. De Freitas 15


8. Distinção: Direito Penal e direito de mera ordenação social
Há vários aspetos nos quais se podem distinguir:

Sanção: no caso do direito penal, a sanção chama-se pena. No que concerne à mera
ordenação social, a sanção chama-se coima. Sendo que a pena tem uma dimensão ético-
jurídica, estando ligada às qualidades desvaliosas do agente; a coima tem uma
neutralidade do ponto de vista dos valores (neutralidade axiológica: reação a um facto que
se considera errado). 

Quem pode aplicar a sanção: no que diz respeito à pena, a sanção só pode ser aplicada
pelos tribunais exclusivamente; atinente à coima, esta pode ser aplicada pelas autoridades
administrativas, mas também pelos tribunais (o tribunal também pode aplicar
contraordenações).

A natureza da própria sanção: no caso da coima, a sanção é puramente pecuniária (o


único interesse que pode ser afetado é o património); já a pena, a sanção não é puramente
pecuniária, mesmo a multa não é uma sanção inteiramente pecuniária (artigo 49º), mesmo
quando o tipo legal de crime só prevê como pena a multa, no caso de não se cumprir a
pena de multa, há uma prisão subsidiaria.

Responsabilidade das pessoas coletivas: No direito de mera ordenação social, a


responsabilidade é praticamente irrestrita, as PC são responsáveis com tudo o que tem
que ver com contraordenações; enquanto a responsabilidade penal das pessoas coletivas,
está limitada aos factos elencados no artigo 11º. 

Punibilidade da tentativa: no caso das contraordenações, até a tentativa da prática da


contraordenação apenas é punível quando o legislador expressamente indique isso; no
caso das penas, temos a possibilidade de o legislador expressamente especificar a
tentativa, mas também temos outra norma (mais geral), na qual ficamos a saber, com base
no artigo 23º/1, que é punível a tentativa sempre que houver um crime com pena de prisão
superior a 3 anos.

Concurso: artigos 77º e ss. - sobre as contraordenações, temos um regime próprio para o


concurso (sendo para 2 tipos de contraordenações: artigo 19º; sendo para um concurso de
um facto que tanto constitui uma contraordenação como constitui um crime: artigo 20º). O
legislador estabelece um regime autónomo em regime de matéria contraordenacional. 

Nota: O concurso e a tentativa são matérias que não interessam muito para penal I. Os
outros são muito importantes, é para saber.

Maria Branco S. De Freitas 16


quarta-feira, 17 de novembro de 2021

9. Princípio da legalidade
  Princípio que tem muitas implicações na prática e teoria. Este princípio é associado
à máxima "nullum crimen, nulla poena sine lege", que quer dizer, não há crime nem pena
sem lei. Contudo, não chega dizer isto sobre este princípio, é incompleto. Este princípio
também é aplicado às medidas de segurança (em vez de penas) e em factos qualificados
pela lei como crimes (em vez de crimes).

  Que lei é essa? Temos as exigências/características impostas por este princípio:


1. Lei tem de ser prévia: associamos esta característica ao princípio da proibição da
retroatividade da lei penal desfavorável ao arguido (in malam partem). Se a lei penal for
favorável, a regra é aplicar retroativamente a lei penal, pois está de acordo com a regra
é não aplicar uma lei retroativa da lei penal desfavorável.
2. Lei tem de ser estrita: significa a proibição do recurso à analogia no direito penal
desfavorável ao arguido (in malam partem - o resto é tudo permitidio), ou seja, pode ser
utilizada a analogia se for favorável ao arguido.
3. Lei tem de ser escrita: princípio da reserva de lei formal, sendo que quem a pode
escrever é a Assembleia da República e o Governo sobre decreto-lei autorizado.
4. Lei tem de ser certa: princípio da determinabilidade da lei penal, para que um comum
cidadão, ao ler a lei, consiga perceber o que pode ou não fazer.

  No artigo 1º do CP está estabelecido o princípio da legalidade, mas só trata de


dois corolários do princípio da legalidade: lei ser prévia e lei ser estrita. Temos de ir aos
artigos 29º CRP e 165º/1/c) CRP para conseguir completar o artigo 1º CP. Mesmo assim,
não vamos conseguir encontrar na lei um artigo que mencione o corolário da lei ter
de ser certa, porque isso é uma construção à volta do princípio da legalidade, que provem
da própria compreensão do direito penal. Pois, se o direito penal não for compreendido,
não pode proteger os bens jurídicos nem conceder a liberdade ao cidadão.
(I) PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA RETROATIVIDADE DA LEI PENAL IN MALAM PARTEM:

  Diz-nos que o agente, quando pratica o facto, está a contar um tipo de sanção, ou
seja, quando decide praticar o facto, assume os riscos da sanção associada. Assim, não
parece justo que se possa aplicar uma sanção mais grave que só aparece após o facto ter
sido praticado ou, ainda pior, não era crime quando o praticou, mas passou a ser quando
foi julgado.

  Com esse pensamento, não permitimos que o cidadão seja livre na sua escolha de
assumir praticar o facto e sofrer as consequências associadas. A liberdade tem de
continuar a ser fundamento para a aplicação de leis criminais. O princípio é exclusivo em
matéria que seja desfavorável ao agente. Se for para beneficiar o agente, podemos aplicar
a lei retroativamente. 
(II) PROIBIÇÃO DO RECURSO À ANALOGIA NO DIREITO PENAL DESFAVORÁVEL AO
ARGUIDO IN MALAM PARTEM:

O legislador prevê isto no artigo 1º/3 CP, estando aí elencado taxativamente


quando é proibido o recurso à analogia (situações únicas):
• Qualificar um facto como crime; • Determinar a pena;
• Definir um estado de perigosidade; • Determinar medida de segurança.

Em todas as restantes situações, não irá estar a fazer mal a ninguém, por isso,
nesses casos o recurso à analogia é permitido, sendo favorável ao agente.

Maria Branco S. De Freitas 17


EXEMPLO:
O artigo 202º CP tem o furto de uso de veículo previsto. O património é protegido pelo
direito penal, indiscutivelmente. Contudo, existem várias formas de violar o bem jurídico,
o direito intervém em algumas, mas não em outras.
Faz parte do crime legal de furto o elemento típico de quem tem ilegítima intenção de
apropriação. Se este elemento não estiver verificado, não está preenchido o tipo legal de
furto.
Contudo, como existem bens jurídicos muito importante, o legislador decidiu que não os
iria proteger apenas quando houvesse ilegítima intenção de apropriação, protegendo a
propriedade das pessoas sobre esses bens quando a pessoa tem uma ilegítima intenção
de fruição do bem. Alguém tira o veículo, não para ficar com ele, é apenas para o utilizar
por algum tempo.
Temos 2 colegas de casa, sendo que uma faltou à primeira aula para ir ao Chá dançante
e ia faltar à segunda aula para ir a um encontro romântico, sendo que já não tinha muito
dinheiro para o encontro. Esta colega quer usar o colar da colega de casa, mas sabe que
a colega não a vai emprestar. Não quer ficar com ele, só o quer usar no encontro.
Contudo, alguém fotografou ela a usar o colar, e a dona viu.
Do ponto de vista ético e social, não é bonito usar as coisas de outra pessoa sem a sua
autorização. Do ponto de vista jurídico-penal, isto é um furto de uso, e sem a tal foto,
ninguém teria notado.
Para resolver isto, temos de recorrer ao artigo 208º CP, por analogia, para perceber se
isto é permitido ou não. Se é permitido, como o colar tem um valor alto, é lhe aplicada a
pena que é aplicada no artigo 202º CP, por analogia.
Já se consideramos que o legislador previu apenas para veículos, e não para colares
(mesmo com elevado valor patrimonial), quem usou o colar sem autorização não tem
nenhuma pena aplicada (mas não significa que não lhe possa acontecer alguma coisa
noutro ponto de vista).
Esta analogia não seria permitida, porque estaria a definir/criar um crime (in malam
partem).

(III) PRINCÍPIO DA RESERVA DE LEI FORMAL:

Só o Governo ou AR podem criar leis penais. Esta exigência existe porque estamos
a ir contra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

  Se estivermos perante uma lei que venha descriminalizar, ou seja, é benéfica para o
cidadão. Mesmo assim, a exigência tem de se manter, porque bastava haver disputas
políticas para que deixassem de ser crime rapidamente. Deixa de ser crime porque deixa
de ser necessário proteger aquele bem jurídico, por isso, é necessário que seja feito por
quem está legitimado para representar o cidadão comum.
(IV) PRINCÍPIO DA DETERMINABILIDADE DA LEI PENAL:

Temos de evitar os conceitos indeterminados, embora, de vez em quando,


estes sejam necessários. No crime de violência doméstica encontramos um conceito
indeterminado (artigo 152º/b) – conceito de namoro), pois se for considerado namoro pode
ser crime (se não for namoro, é injúria). Temos de ver caso a caso se é namoro ou não.
Existem relações que devem ser protegidas, mas não se enquadram em nenhuma outra
alínea do artigo 152º, por isso são enquadradas no conceito de namoro.

Maria Branco S. De Freitas 18


10. Aplicação da lei penal no tempo
  Tanto para a lei no tempo, para a lei no espaço, temos de ir logo ao artigo 3º CP. O
momento da prática do facto é o momento da prática da ação/omissão, não interessando
o momento do resultado.

  A regra é que à pessoa é aplicada a lei em vigor no momento da prática do


facto (artigo 2º/1 CP). Mas, no artigo 2º/2 CP é estabelecido que no caso de
descriminalização, a pessoa deixa de ser julgada, não chega a cumprir a pena ou para de
cumprir a pena. No artigo 2º/4 é determinado que a lei posterior pode ser mais favorável
(mas não descriminaliza, apenas atenuou), aplicamos a lei mais favorável ao agente,
retroativamente.

O problema surge nos casos de comparticipantes, em que 1 fica punido a 10 anos e


ou outro a 15 anos. Com uma nova lei, a pena máxima é 10, sendo que já cumpriram 5
anos. Quem foi condenado a 10, vai continuar a ter de cumprir os 10. O que foi condenado
a 15 só tem de cumprir mais 5 anos, cumprido o mesmo que o outro, quando cometeu
algo mais gravoso.

  Assim, nestes casos, pode ser reapreciada a pena, em função da nova moldura da
nova lei (371º- A CP), mesmo que já transite em julgado.

  Se a nova lei prever que o facto passa a ser uma contraordenação, para o doutor
Caeiro, não o podemos condenar por nada (deixou de ser crime e não era
contraordenação quando cometeu o facto – a jurisprudência pensa o mesmo). O doutor
Figueiredo diz que se deve aplicar a contraordenação, porque continua a ser algo ilícito.

As leis intermédias podem ser aplicadas por serem favoráveis ao agente, mas, em
princípio, não deviam ser aplicadas. São leis que não estavam em vigor no momento da
prática do facto e já não estão em vigor no momento do julgamento. Como é a mais
favorável, pode ser aplicada, por ser posterior.

  No artigo 2º/3 encontramos as leis temporárias ou leis de emergência. São leis que
valem para um período excecional da comunidade, sendo que os factos praticados durante
a vigência delas são sempre puníveis, mesmo após o término da sua vigência. Como são
situações factuais, pontuais, que exigem a criação dessa lei, os factos ocorridos durante a
sua vigência, mesmo que posteriormente surja lei mais favorável, são punidos pela lei
temporária.


Maria Branco S. De Freitas 19


quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Casos Práticos
CASO PRÁTICO 3
A e B, naturais do Porto, foram casados durante 10 anos, tendo em conjunto o filho C,
nascido em 2014. Divorciados desde 2019, A e B chegaram a acordo sobre a regulação do
exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho C, tendo este ficado a
residir com a mãe (A), mas recebendo visitas frequentes do seu pai (B), que acabou por se
mudar para o Algarve, mas vem frequentemente ao Norte. Numa das visitas de B ao seu
filho C, em maio de 2021, tendo ambos saído para passear por Serralves, B acabou por
agredir com violência C, depois de este lhe ter revelado que muito certamente não passaria
de ano. Para o efeito, B usou, entre outras coisas, o seu cinto, o que provocou em C dores
fortes e quimoses variadas. Ao saber do episódio, A apresentou queixa contra B por crime
de violência doméstica relativamente ao filho de ambos, C, mas B acabou acusado apenas
por ofensas à integridade física, na medida em que não se preencheu o elemento típico da
coabitação entre agente e vítima para que se pudesse falar, no caso, em violência
doméstica. Sabendo que, pela Lei 57/2021 de 16 de agosto, se prescindiu daquele
elemento típico quando está em causa a violência praticada sobre descendente, diga se B,
que está hoje a ser julgado, pode ser punido nos termos do art. 152º do CP. Justifique.

Resolução:

Estamos perante um caso de aplicação da lei penal no tempo. Assim sendo, a primeira
coisa a fazer é, nos termos do artigo 3º CP, determinar o momento da prática do facto. In
casu, o momento da prática do facto é maio de 2021. Em maio de 2021 estava em vigor a
lei anterior, na medida em que a nova lei só surge em agosto de 2021.

Em matéria da aplicação da lei penal do tempo, em regra, nos termos do artigo 2º/1 CP,
aplica-se ao agente a lei que está em vigor no momento da prática do facto. Nesta
medida, in casu, em princípio, aplicar-se-ia a B a lei que estava em vigor em maio de 2021,
pelo que este seria, de facto, condenado apenas por ofensas à integridade física.

Surge, em agosto, uma nova lei que é claramente desfavorável a B. Ora, uma lei posterior
ao momento da prática do facto só pode ser aplicada ao agente se lhe for favorável. Como
não é o caso, mantém-se a regra do artigo 2º/1 e a B é aplicada a lei em vigor no momento
da prática do facto. Está aqui em causa, portanto, o princípio da irretroatividade da lei
penal in malem partem – não é permitida a retroatividade penal se esta for desfavorável
ao agente. 

CASO PRÁTICO 4
 A perseguiu B, atriz revelação de uma novela da TVI, de abril de 2013 a fevereiro de 2014,
aparecendo-lhe de surpresa nos estúdios de gravação, dando-lhe presentes,
comparecendo em todos os eventos públicos em que B participava, referindo-se-lhe
exaustivamente em publicações do Facebook e no seu blog, com frases como “B, um
amor para toda a vida”. B, profundamente inquieta com toda esta situação, apresentou
queixa contra A em janeiro de 2014, mas o processo acabou arquivado na medida em que
não foi possível subsumir as condutas de A nem nos crimes contra a honra nem nos crimes
contra a reserva da vida privada. Sabendo que, pela Lei 83/2015 de 5 de agosto, o Código
Penal português passou a prever, no seu art. 154º-A, o crime de perseguição, diga se é
possível condenar A, depois disso, pelos factos cometidos. Justifique.

Resolução:

Estamos perante um caso em que, não havendo enquadramento legal, o processo foi
arquivado por não haver matéria penal a que se pudesse subsumir os factos no momento
em que foram praticados. Porém, posteriormente, surge uma lei que já prevê um crime
justamente para quando se praticam estes factos: o crime de perseguição.

Maria Branco S. De Freitas 20


Sendo que a lei posterior é mais desfavorável ao agente, não se lha pode aplicar. A este
agente (A) não vai acontecer absolutamente nada. Está aqui em causa o princípio da
irretroatividade da lei penal in malem partem – só se pode aplicar retroativamente a lei
penal se ela for favorável ao agente. A preocupação principal do Direito Penal é o agente,
pelo que se diz que o nosso Direito Penal é um Direito Penal garantista para o agente e não
para a vítima.

CASO PRÁTICO 5
Suponha que, em agosto de 2020, A praticou o facto X, que constituía um crime punível
com pena de prisão até 3 anos. Julgado e condenado por esse facto, A começou a cumprir
uma pena de 1 ano de prisão no dia 18 de outubro do mesmo ano. No entanto, uma
alteração ao Código Penal de janeiro de 2021 revogou a norma que previa aquele crime.
Quid Iuris?

Resolução:

Nos termos do artigo 3º CP, o momento da prática do facto é agosto de 2020. Em princípio
e nos termos do artigo 2º/1 CP, a lei que se aplica a A é a lei em vigor em agosto de 2020,
que, in casu, é uma lei que estabelece que o facto X é punível com pena de prisão até 3
anos. Há, porém, uma exceção à regra do artigo 2º/1 no nº2 do mesmo preceito: os casos
de descriminalização.

Nesta medida, A, que está condenado e a cumprir pena de prisão por um facto que,
entretanto, deixou de ser crime e passou a ser neutro do ponto de vista jurídico-penal
(caso de descriminalização), será posto em liberdade, nos termos do art. 2º/2 in fine CP.
Para além disso, cessam todos os efeitos penais, pelo que o facto X deixará de constar do
registo criminal de A.

CASO PRÁTICO 6
Durante um período de grande perturbação nos transportes públicos, por essa
circunstância, foi aprovada uma lei que previa com prisão até 6 meses quem circulasse
naqueles transportes sem bilhete para o efeito. A, indivíduo avesso a regras, decidiu fazer
uma viagem de Coimbra para Lisboa no Intercidades sem comprar bilhete, passando toda
a viagem a tentar esconder-se do responsável pela verificação dos bilhetes (B). Perto de
Vila Franca de Xira, B encontra finalmente A e, depois de se envolverem numa grande
discussão, B faz A sair na estação de Vila Franca de Xira. 6 meses depois, quando a
situação já é mais calma, é aprovada nova lei que vem agora punir com coima quem circula
em transportes públicos sem bilhete para o efeito. Sabendo que, no momento em que A é
levado a julgamento, já está em vigor a lei nova, diga se e como será punido A. Justifique.

Resolução:

Estamos no âmbito de uma lei temporária, que surge para um estado factual de exceção
que, por sua vez, justifica o incremento de normas particulares para esse momento
excecional. Nesta medida, aplica-se ao caso o regime das leis temporárias, consagrado no
artigo 2º/3. Ora, in casu, está em causa uma sucessão de leis, sendo que essa sucessão se
deve a uma alteração das circunstâncias.

Por conseguinte, aplicar-se-á ao agente a lei em vigor no momento da prática do facto


(in casu, a lei que prevê uma pena de prisão até 6 meses para quem circule em transportes
públicos sem bilhete para o efeito), na medida em que, nesse momento da prática do facto,
a situação era excecional. Posteriormente, surgiu uma nova lei apenas porque, embora
continuasse a ser excecional, a situação sofreu alguma alteração (tornou-se menos grave,
pelo que a lei também se tornou menos gravosa).

Maria Branco S. De Freitas 21


CASO PRÁTICO 7
Em virtude de um período de sucessivas greves na CP, foi aprovada uma lei que previa
com pena de prisão até 6 meses quem circulasse naqueles transportes sem bilhete para o
efeito. A decidiu, ainda assim, viajar num comboio para o qual já não existiam bilhetes
disponíveis e fazer de pé a viagem entre Coimbra e Braga. 3 meses depois, foi aprovada
uma nova lei segundo a qual a circulação sem bilhete passou a ser punida com pena de
prisão de 6 meses a um ano. Sabendo que, no momento em que A é levado a julgamento,
está em vigor a lei nova, diga como será punido A. Justifique a sua resposta.

Resolução:

In casu, está em causa uma lei temporária, uma vez que estamos no âmbito do que se
supõe ser um período excecional (greves da CP). O que não sabemos é se a alteração
legislativa produzida com a nova lei se deve a uma alteração das circunstâncias ou a
uma mera alteração da conceção do legislador. A questão que se coloca aqui é a de saber
se isso importa em termos práticos, i.e., se haverá consequências diferentes consoante o
caso. A resposta, in casu, é negativa.

Se se considerar que não há alteração das circunstâncias e que foi o legislador quem
mudou de conceção, a lei aplicável ao agente será a primeira, com fundamento no facto de
ser a mais favorável. Se se considerar que há efetivamente alteração das circunstâncias, a
lei aplicável ao agente será a lei em vigor no momento da prática do facto que, por
coincidência, também é a primeira lei (a mais favorável).

Nota: É importante mencionar que, in casu, caso exista alteração de circunstâncias, a lei
aplicável é a primeira não por ser a mais favorável, mas sim por ser a lei em vigor no
momento da prática do ato.

Assim, este é um caso prático em que, quer exista alteração das circunstâncias quer não
exista alteração das circunstâncias, a lei aplicável será sempre a mesma: a primeira, que,
por coincidência, é também a mais favorável.

CASO PRÁTICO 8
Suponha que, em abril de 2020, tendo em conta a situação de pandemia que se começara
a viver, foi aprovada uma lei segundo a qual passou a ser punido com pena de prisão até 1
ano quem, intencionalmente, tossir sem máscara num espaço fechado. Em julho, por
causa do abrandamento da taxa de contágio, foi aprovada uma nova lei pela qual aquele
comportamento passou a ser punido com uma pena de multa. Em outubro, numa fase de
novo aumento de casos de infetados em Portugal, foi aprovada uma terceira lei, fixando
como pena para aquela conduta uma pena de prisão até 6 meses. Todas as leis fixavam o
seu período de vigência desde a data de publicação até ao final da pandemia. A tossiu,
sem máscara, dentro de uma sala de aula, no dia 8 de maio de 2020 e é julgado em
novembro deste mesmo ano. Qual a lei aplicável ao caso?

Resolução:

A primeira coisa a fazer é identificar se o caso em questão trata de leis temporárias ou de


leis de emergência (nota: isto não é necessário fazer, sendo apenas uma ressalva que a Dra.
Alfaiate faz). In casu, trata-se de leis de emergência, uma vez que não se pode antever
quando será o fim da pandemia. Há uma sucessão de leis que ocorre devido a alterações
das circunstâncias.

Assim sendo, a lei aplicável ao agente é a lei em vigor no momento da prática do facto.
Ora, o momento da prática do facto é 8 de maio de 2020, sendo que a lei em vigor nesse
momento era a lei de abril de 2020, que estabelecia uma pena de prisão até 1 ano. Nesta
medida, a A será aplicada a lei de abril de 2020, pelo que poderá ser condenado a uma
pena de prisão até 1 ano.

Maria Branco S. De Freitas 22


CASO PRÁTICO 9
Em abril de 2018, foi aprovada uma lei segundo a qual passavam a ser punidos com pena
de prisão até 3 anos todos aqueles que ateassem fogueiras ao ar livre e em zona de palha
seca. Em julho, a referida lei foi substituída por outra, passando aquele comportamento a
ser punido com pena de prisão até 2 anos. Em agosto, foi aprovada uma terceira lei
segundo a qual a pena de prisão passou para até quatro anos. Em outubro, porém, outra
lei veio fixar para aquele comportamento, novamente, uma pena de prisão até 3 anos. B
ignorou todos os avisos da proteção civil e resolveu fazer uma queimada no seu quintal
com palha seca no dia 3 de junho de 2018. Supondo que B está, hoje (24 de novembro de
2021), a ser julgado, diga qual a lei aplicável ao caso. Justifique.

Resolução:

Este caso pode levantar mais hipóteses porque, na realidade, não sabemos se isto são leis
temporárias. Nada nos é dito nesse sentido. Assim sendo, temos de resolver este caso
prático segundo três possibilidades:

1. Não são leis temporárias.



Pressupondo que não estamos perante leis temporárias e que está em causa uma
sucessão de leis normais, a lei que se iria aplicar ao agente seria, em regra e nos
termos do artigo 2º/1 CP, a lei em vigor no momento da prática do facto. O momento
da prática do facto é 3 de junho de 2018. Em junho de 2018 estava em vigor a primeira
lei, de abril de 2018, pelo que B poderia ser condenado a uma pena de prisão até 3
anos.

Porém, estamos perante uma exceção – não uma exceção que cabe no nº2 do artigo
2º, porque não estamos perante uma lei de descriminalização, mas uma exceção que
cabe no nº4 do mesmo preceito. Nos termos do artigo 2º/4, é possível aplicar-se ao
agente leis posteriores mais favoráveis. A segunda lei – segundo a qual B seria
condenado com uma pena de prisão até 2 anos –, para além de ser uma lei mais
favorável, é uma lei intermédia – ainda não estava em vigor no momento da prática do
facto e já não está em vigor no momento do julgamento.

Esta segunda lei não é a única lei intermédia: a terceira lei (segundo a qual B seria
condenado com uma pena de prisão até 4 anos) também é uma lei intermédia. Porém,
não é a mais favorável. Assim sendo, a lei que se aplicará ao agente (B) será, nos
termos do artigo 2º/4 CP, a lei posterior que lhe é mais favorável que, por
coincidência, in casu, é uma lei intermédia.

2. São leis temporárias, mas não existe alteração das circunstâncias – as circunstâncias
são sempre as mesmas, simplesmente o legislador vai mudando a sua conceção.

Neste caso, em regra, aplica-se ao agente, de entre as leis temporárias, a que for mais
favorável – que, por coincidência, também é a lei dois.

3. São leis temporárias, sendo que cada vez que surge uma lei nova é porque as
circunstâncias se alteraram.

In casu, a lei que se aplicaria ao agente seria a lei um, porque é a lei que estava em
vigor no momento da prática do facto. Assim, B poderia ser condenado a uma pena de
prisão até 3 anos.

Maria Branco S. De Freitas 23


CASO PRÁTICO 10
Suponha que A praticou determinado facto (X) em setembro de 2020, numa altura em que
este facto era punível com pena de prisão até 1 ano. Entretanto, em janeiro de 2021, entrou
em vigor uma lei que passou a passar o facto X com uma coima. Porém, desde agosto do
mesmo ano, devido à aprovação de uma nova lei, o facto X é punido com multa. A está,
hoje (24 de novembro de 2021) a ser julgado. Qual a lei aplicável? Refira, justificando legal
e doutrinalmente, a sua resposta.

Resolução:

Estamos perante um caso em que o Dr. Caeiro e o Dr. Figueiredo Dias não estão de
acordo. Está em causa uma situação em que o agente pratica o facto durante a vigência
de uma lei que julga o facto como crime, sendo que, posteriormente, surge uma outra lei
que passa a prever o mesmo facto não como crime, mas sim como contraordenação.

Surgem, nesta matéria, duas posições antagónicas:

1) Por um lado, o Dr. Figueiredo Dias considera que esta situação se encaixa no art. 2º/4
e não no nº2 do mesmo preceito, afirmando que isto não é uma descriminalização.
Para o Dr. Figueiredo Dias, uma discriminização significa um comportamento deixar de
ser ilícito e passar a ser neutro. Nesta situação, o comportamento não passa a ser
neutro – há uma diminuição no juízo de ilicitude, mas o comportamento continua a ser
ilícito (apesar de ser uma ilicitude contraordenacional e não penal). Por isto, o Dr.
Figueiredo Dias defende que se aplica ao agente a lei posterior mais favorável que, in
casu, é a lei da contraordenação, punindo-se o agente com uma coima. Note-se, ainda,
que o Dr. Figueiredo Dias afirma existir uma continuidade entre o juízo de ilicitude do
Direito de mera ordenação social e o juízo de ilicitude do Direito Penal (v.g., caso da
condução em estado de embriaguez).

2) Por outro lado, o Dr. Pedro Caeiro, acompanhado por muita doutrina (nomeadamente,
o Dr. Taipa de Carvalho) e pela jurisprudência, considera que esta situação se encaixa
no art. 2º/2 e não no nº4 do mesmo preceito. Em primeiro lugar, para o Dr. Caeiro, o
Direito Penal e o Direito de mera ordenação social são dois ramos do Direito diferentes,
pelo que considera que o legislador, quando se refere a “leis posteriores” no nº4, quer
dizer “leis posteriores penais”. Como tal, o que interessa ao Direito Penal é o facto de o
comportamento ter deixado de ser considerado crime – houve, portanto, uma
descriminalização. Nesta medida, aplica-se o art. 2º/2 CP e o agente já não pode ser
punido pelo crime. Em segundo lugar, o agente também não poderá ser punido por
contraordenação, na medida em que o princípio da legalidade também vale para o
Direito Ordenacional e que, se se aplicar a norma que prevê o facto como
contraordenação, estar-se-á a fazer uma aplicação retroativa desfavorável ao agente.

Nota: Em termos práticos, num caso como este, se falarmos das duas posições, temos a
cotação máxima; se falarmos apenas da posição do Dr. Pedro Caeiro, temos positiva; se
falarmos apenas da posição do Dr. Figueiredo Dias, temos negativa. Conclusão lógica: falar
das duas posições.

Maria Branco S. De Freitas 24


CASO PRÁTICO 11
A, de 25 anos, abusou sexualmente da sua vizinha B, de 5, durante o período em que esta
passou a viver apenas com a avó, na sequência da emigração dos seus pais. Os factos
remontam aos meses de março, abril e maio de 2017. Julgado e condenado em dezembro
de 2018, A cumpre, neste momento, pena de 9 anos de prisão. Supondo que o legislador
português aprovou uma lei, em junho de 2021, segundo a qual o crime em causa seria, no
máximo, a ser punido com pena de prisão até 7 anos, diga em que termos poderá essa
alteração influenciar a situação prisional de A. Justifique.

Resolução:

Em vez de ter de cumprir a sua pena até dezembro de 2027, A cumprirá pena, no máximo,
até dezembro de 2025 – nunca cumprirá, portanto, 9 anos, mas sim 7 anos, que é agora o
máximo previsto para essa pena. É o que decorre do artigo 2º/4 in fine CP.

Porém, note-se que, se A foi condenado a 9 anos de pena de prisão sem que os 9 anos
fossem o máximo da pena aplicável, ele pode alegar que, não tendo sido condenado à
pena máxima possível aquando do seu julgamento, também não é justo que o seja agora,
alegando que não deve cumprir os 7 anos de prisão (que são agora a pena máxima). Nesta
medida, nos termos do artigo 371º-A CP, A pode requerer uma apreciação de pena e o
tribunal pode, reapreciados os factos, chegar à conclusão de que o agente não precisa
sequer de cumprir os 7 anos de prisão.

A redação do artigo 2º/4 in fine CP tem sido alvo de muitas críticas, sobretudo a partir
do momento em que deixou de respeitar, inclusivamente, o caso julgado. Além disso,
apesar de, à primeira vista, ser aliciante por ser mais favorável ao agente, pode originar
alguns casos de injustiça relativa (v.g., caso prático seguinte).

CASO PRÁTICO 12
Quid Iuris se A, B e C, julgados e condenados respetivamente a 6, 12 e 14 anos de prisão
em 2015, veem, hoje (24 de novembro de 2021), o título legal de crime no qual foram
subsumidas as suas condutas ser alterado no sentido de que prevê como pena máxima 6
anos de prisão? Justifique.

Resolução:

Nos termos do artigo 2º/4 CP, A, B e C são os três postos em liberdade hoje. Porém, a
verdade é que A acabou por cumprir a sua pena toda, enquanto B cumpriu metade da sua
e C cumpriu até menos de metade da sua. Isto demonstra que, em termos de justiça
relativa, o facto de se abdicar do limite do caso julgado e se permitir a aplicação da lei
posterior mais favorável em todas as situações pode dar aso a este tipo de injustiça. Este é
um argumento a favor de quem defende a inconstitucionalidade ou, pelo menos, a não
conformidade desta nova redação do artigo 2º/4 CP.

CASO PRÁTICO 13
Em 2014, A e B cometeram, em conjunto, um crime de furto. Suponha que, nessa data, tal
crime era punido com pena de prisão de 2 a 8 anos. Perseguidos pelas autoridades, só A
foi condenado e levado a julgamento, tendo B fugido para o estrangeiro. Em 2016, A foi
condenado a uma pena de prisão de 7 anos, não tendo interposto recurso. Em 2020, a
pena de prisão aplicável ao crime cometido por A e por B passou a ser de 2 a 6 anos. Em
2020, B foi finalmente encontrado, julgado e condenado.

1. Por que lei deve B ser punido?


Nos termos do artigo 2º/4/1ª parte CP, B será julgado pela lei posterior mais favorável: a lei
de 2020.

Maria Branco S. De Freitas 25


2. Poderá A beneficiar do regime mais favorável da nova lei?
A poderá beneficiar do regime mais favorável da nova lei, uma vez que, nos termos do
artigo 2º/4, já não será posto em liberdade apenas em 2023, mas sim, no máximo, em
2022. Ademais, A pode ainda requerer, nos termos do artigo 371º-A CPP, uma reapreciação
da pena, sendo possível, assim, que saia ainda mais cedo do que 2022.

3. Imagine agora B tinha sido encontrado, julgado e condenado em 2019, numa pena de
4 anos de prisão. Poderá B beneficiar, de algum modo, da despenalização que,
entretanto, se verificou?
Ora, 4 anos era metade da moldura penal anterior (2 a 8 anos). Agora, a moldura vai de 2 a
6 anos. Nesta medida, muito provavelmente, se a pena de B fosse reapreciada (art. 371º-A
CPP), ele teria de cumprir menos do que 4 anos. B tem efetivamente vantagem em recorrer
ao art. 371º-A, na medida em que há a possibilidade de poder cumprir menos tempo. Se
não recorrer, terá que cumprir a sua pena pelo menos até 2023.

11. Aplicação da lei no espaço


  É com base no artigo 7º CP que se determina se Portugal é o lugar da prática do
facto ou não, sendo que os critérios são muito amplos: o critério da ação, o critério do
resultado e até, no caso de tentativa, o critério do resultado esperado pelo agente. Em
função disto, só existirão duas possibilidades:

1) O facto ocorreu em Portugal – neste caso, a solução tem que passar pelo artigo 4º
CP, sendo que o agente será julgado segundo a lei penal portuguesa, nos tribunais
portugueses, salvo se houver tratado ou convenção internacional em contrário (única
ressalva feita pelo artigo 4º).

2) O facto não ocorreu em Portugal – neste caso, a solução tem que passar pelos
artigos 5º e 6º CP. O artigo 5º aplica-se aos agentes que praticaram o facto fora do
território português e que, à partida, nunca seriam julgados em Portugal, mas que
podem vir a ser julgados em Portugal, com base em alguns princípios, nomeadamente:

• O princípio da nacionalidade (al. e) do artigo 5º) – pode ser nacionalidade ativa, se o


agente for português, ou nacionalidade passiva, se a vítima for portuguesa; têm de
estar reunidos todos os pressupostos da al. e); tem de se fazer remissão para o art.
33º CRP no âmbito da questão da extradição;

• O princípio da nacionalidade cumulativa ou atípica (al. b) do artigo 5º);

• O princípio da defesa dos interesses nacionais (al. a) do artigo 5º) – apenas para os
casos elencados nesta alínea;

• O princípio da universalidade – para os casos previstos nas alíneas c) e d) do artigo


5º;

• O princípio da administração supletiva da justiça penal (al. f) do artigo 5º) – prevê a


possibilidade de se julgarem, em Portugal, pessoas estrangeiras que praticaram o
facto no estrangeiro.

Maria Branco S. De Freitas 26


  Por sua vez, o artigo 6º tem três números, sendo que cada um deles resolve um
problema diferente:

• Nos termos do nº1, só se vai julgar um agente em Portugal, nos termos do artigo 5º, (1)
se o agente ainda não foi julgado no país onde praticou o facto, (2) se o agente já foi
julgado no país em que praticou o facto e até foi condenado, mas não iniciou o
cumprimento da sua pena porque fugiu ou (3) se o agente já foi julgado, condenado e já
começou a cumprir a sua pena, mas não a cumpriu totalmente (v.g., fugiu da prisão; saiu
em liberdade condicional e fugiu do país). Ora, como o agente pode ser julgado em
Portugal tendo já sido julgado no estrangeiro, ele vai ser julgado em Portugal, mas vai ser
descontado, na pena em que se o condenar em Portugal, o tempo que ele já tiver
cumprido pena no país onde já foi julgado (artigo 82º CP).

• O nº2 estabelece que, não obstante a se estar a julgar o agente em Portugal (e, por
conseguinte, em princípio, aplicar-se-lhe a lei portuguesa), às vezes, pode aplicar-se-lhe
uma lei do país em que esse agente praticou o facto (e não a lei portuguesa, como
sucede em regra) por essa lei lhe ser mais favorável, exceto se se estiver a julgar o
agente ao abrigo das alíneas a) e b) do artigo 5º.

• Nos termos do nº3, se se estiver a julgar um agente em Portugal por um facto praticado
fora do território português ao abrigo das alíneas a) e b) do artigo 5º, mesmo que a lei do
lugar da prática do facto seja mais favorável que a portuguesa, não se pode aplicar a
primeira e tem de se julgar o agente segundo a lei portuguesa.

Maria Branco S. De Freitas 27


segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Casos Práticos
CASO PRÁTICO 14
Durante o mês de Agosto, A casado com B, envenenou a mulher com a intenção de a
matar durante as férias que gozavam no Funchal. Detido imediatamente pelas autoridades,
A foi acusado do crime de homicídio qualificado de forma atentada pois B acabou por
sobreviver.
a)  Sabendo que ambos são alemães, poderá A ser julgado pelos tribunais portugueses?
Isto é um caso da lei penal aplicada no espaço, como todos os problemas deste
tipo temos de olhar para o artigo 7º do CP e verificar se algum dos critérios deste artigo
permitem dizer que o facto foi praticado em Portugal.
In casu, temos no nº1 do artigo 7º o primeiro critério, o critério da ação que nos
permite dizer que o facto foi praticado em território nacional. Tendo em conta que o agente
atuou no Funchal, o facto ocorreu em Portugal.
A partir do momento que há um critério do artigo 7º afirmamos que o facto foi
praticado cá e remetemos para o artigo 4º do CP. Remetendo para este artigo vamos
aplicar a regra que é o Princípio da territorialidade. Aplicamos a lei penal portuguesa aos
factos praticados em território português, com a única ressalva que aparece no início do
artigo 4º que se houver tratado e convenção internacional a encontrar. Como o nosso caso
não indica a existência de tratado e convenção internacional a encontrar aplicamos a regra
através do princípio da territorialidade.
b)  A envia um manuscrito envenenado ainda na Alemanha para o hotel onde se
hospedaria com a mulher e com a indicação de que lhe fosse entregue no segundo dia
de estadia, o que veio acontecer. Tendo B, no entanto, ainda assim sobrevivido devida à
rápida intervenção de um médico que encontrava-se no mesmo Hotel.
Estamos perante um caso de aplicação da lei no espaço em que o agente, olhando
para os vários critérios que podemos mobilizar para a prática do facto do artigo 7º em
termos de ação, esta foi praticada fora de Portugal.
            Em termos de resultado, que é um outro critério do nº1 do artigo 7º, também não
temos na medida em que não existiu resultado. Este pretendia que a mulher morresse, o
que acabou por não acontecer.
Nenhum dos critérios do n.º1 artigo 7º verifica-se, nem a ação porque foi na
Alemanha, nem o resultado porque este ocorreu.
Como nenhum dos critérios do artigo 7º/1 verifica-se, passamos para o n.º2 do
artigo 7º, para casos de tentativa, que é o que encontramos neste caso, às vezes a ligação
a Portugal dá-se pela ação. A ação pode ser tentada em Portugal, como pode ser tentada
fora de Portugal mas analisamos se o agente esperava que o resultado dessa tentativa
ocorre-se em Portugal, e é o que acontece neste caso.
Seguindo o critério do resultado esperado, o agente praticou a ação na Alemanha
mas esperava que a mulher viesse a morrer no Funchal, mas por acaso esta não morreu.
Estamos perante um caso tentativa em que o resultado esperado devia ter ocorrido em
Portugal.
Com base no artigo 7º n.º2 vamos considerar o facto praticado em Portugal,
remetendo assim para o artigo 4º, e deste modo, o agente será julgado pela lei penal
portuguesa pelo princípio da territorialidade, salvo se tratar de Tratado ou Convenção
Internacional.
 

Maria Branco S. De Freitas 28


CASO PRÁTICO 15
A, português, viaja numa aeronave portuguesa com destino a Espanha. Após aterrar em
Madrid, A ainda abordo agride B, espanhol causando ofensas à integridade física graves.
Podem os tribunais portuguesas julgar este facto?
O critério da ação e o critério do resultado nas ofensas à integridade física remetem
para o facto praticado abordo da aeronave portuguesa. Não é propriamente dentro das
quatros linhas do nosso território, mas temos um alargamento do princípio da
territorialidade no meio do critério do pavilhão.
Deste modo, vamos considerar quer pelo critério da ação, quer pelo critério do
resultado que o facto ocorreu em Portugal, não em termos do princípio da territorialidade,
porque em termos literais não se verifica, mas sim pelo critério do pavilhão.
O caso será resolvido pela alínea b) do artigo 4º, que em termos de fundamento
será diferente, mas em termos de resultado irá ser igual. O agente será julgado em Portugal
pela lei penal portuguesa, salvo Tratado ou Convenção Internacional em contrário.
            O princípio da territorialidade pela sua extensão no critério do pavilhão.
 
 

12. Conflito positivo de competências


Espanha vem dizer que foi abordo de uma aeronave portuguesa, mas já estavam no
aeroporto espanhol, e deste modo Espanha é que é competente para julgar este caso.
Na nossa disciplina não estamos a discutir os conflitos positivos de competências,
mas sim quais os critérios que em termos de cooperação internacional vão ser utilizados
para determinar qual vai ser efetivamente o país que vai julgar o caso.
Aquilo que nós temos de ver é se Portugal é um dos países competentes, e se for,
como justifica-se que julgue este caso.
Não nos interessa se para além de nós existem outros países competentes,
nomeadamente Espanha.
É melhor ter dois ou três países a reclamar competência do que nenhum. Mas este
problema que tem de ser resolvido de decidir qual dos vários países que reclamam
competência vai efetivamente julgar o caso não é o problema que discutimos em Direito
Penal.
 
Casos Práticos 
CASO PRÁTICO 16
A, espanhol, e B, portuguesa, comemoravam mais um aniversário de namoro em Paris
quando se envolveram numa violenta discussão tendo B acabado por esbofetear A com
violência. Sabendo que regressaram ambos a Portugal dois dias depois do episódio de
violência, diga em que condições podem os tribunais portugueses ser competentes para
julgar a situação?
Estamos perante um crime contra a integridade física. Quer do ponto de vista da
ação, quer do ponto de vista do resultado, o facto ocorre fora de Portugal porque ocorre
em Paris.
Deste modo, por mais que interpretemos latamente os critérios do artigo 7º não
conseguimos dizer que Portugal é lugar da prática do facto, e portanto não posso aplicar o
artigo 4º, tenho de passar para o artigo 5º mais artigo 6º.

Maria Branco S. De Freitas 29


O artigo 5º importa que princípio complementar irá ser aplicado aqui. Estamos
perante uma portuguesa que agride um espanhol, vamos ter o princípio da nacionalidade
ativa, a agente é portuguesa. Este princípio da nacionalidade ativa está na alínea e) do
artigo 5º, há três requisitos que tem de estar verificados cumulativamente. Além do agente
e da vítima, para podermos partir para alínea e), temos de verificar estes três requisitos:
1. Agente ser encontrado em Portugal, neste caso o requisito verifica-se porque estes
voltaram para Portugal;
2. Requisito da dupla incriminação, o facto tem de ser crime quer no país que foi
praticado, quer em Portugal, também se verifica porque as medidas de ofensa à
integridade física normalmente são puníveis nos vários ordenamentos jurídicos penal
continental.
3. Ser um crime que admite a extradição pela sua natureza, não ser um crime político,
nem um crime militar e esta não possa ser concedida. Neste caso, como estávamos a
falar da possibilidade de extradição de uma portuguesa a solução passa pelo nº3 do
art.º33 da CRP, ele diz que nós somos extraditamos portugueses. Não sendo nem
terrorismo, nem criminalidade internacional organizada, não extraditamos os português.
Deste modo, este requisito também não está verificado. A sua natureza não impediria a
sua extradição, mas nós não extraditamos na medida que as nossas regras de
extradição são muito restritas, e da medida que só permitimos extradição no caso de
terrorismo ou criminalidade internacional organizada, o que significa que não se aplica
nesta situação.
  Quando mobilizo o artigo 4º/e), temos sempre de verificar se os problemas
levantados pelo art.º6 são ultrapassados, quer o artigo 6º/1 ou 2. No artigo 6º/1 o problema
do ne bis in ibem, saber se a pessoa já foi julgada no país onde praticou o facto, porque já
foi temos de ter cuidado para não julgar duas vezes pelo mesmo facto – nada no caso
prático indica-nos disto. Deste modo, o artigo 6º/1 não levanta mais problemas.
Depois temos o problema do artigo 6º/2, que lei vamos aplicar a este agente, este
artigo diz-nos que julgamos o agente cá, nossos tribunais com os magistrados de cá mas
que tem de ser aplicada a lei penal mais favorável, que até pode ser a lei francesa.
Nota: Mobilizamos sempre o artigo 5º com o artigo 6º, tendo de verificar se estão reunidos
todos os pressupostos de uma das alíneas do artigo 5º, podendo estar mais do que uma
alínea, caso esteja mais do que uma escolhemos a que torne mais fácil a aplicação da lei
penal portuguesa. E depois, temos de mobilizar sempre o artigo 6º, verificando os
problemas suscitados pelo o nº1, impedir que uma pessoa seja julgada pelo mesmo facto,
e os problemas do nº2, que são o de escolha de aplicação da lei que se mostrar
concretamente mais favorável ao agente.
 
CASO PRÁTICO 17
A, francês, cometeu três homicídios qualificados em França. A polícia francesa andava à
sua procura para o prender, mas A conseguiu fugir para Portugal. Sabe-se que as vítimas
são de nacionalidade portuguesa e que em França o delinquente seria punido com pena de
prisão perpetua. Uma vez em Portugal, A pode ser julgado pelos tribunais portugueses?
Estamos perante um caso de aplicação de lei penal de espaço. Olhando para o
artigo 7º, quer pelo critério da ação, quer pelo critério do resultado, tem lugar fora de
Portugal, em França, temos assim de ir para o artigo 5º.
Aqui aplicaríamos o artigo 5º/e)   com base no princípio da nacionalidade passiva.
Temos de verificar o primeiro requisito se o agente é encontrado em Portugal, que se
verifica porque o agente encontra-se em Portugal. Quanto ao requisito da dupla
incriminação, o agente seria punido com pena perpetua, ou seja, em França é crime e em
Portugal também.

Maria Branco S. De Freitas 30


A questão da extradição, como estamos a falar de um caso de pena perpetua
temos de ir ao artigo 33º n.º4 da CRP onde afirma-se que admitimos a extradição quando
está em causa um crime que é punido com prisão perpetua, como medida de segurança
de caracter indefinido se nos forem oferecidas garantias que essa pena não será aplicada.
Este caso pode ser julgado pelos tribunais portugueses, mas também pode ser
extraditado para ser julgado em França se esta oferecer-nos garantia de que embora em
termos de pena máxima, a pena seja a pena perpetua, não vão aplicar esta pena no caso
concreto a este agente. Se não nos oferecer a garantia temos de julgar o agente em
Portugal.
Estando verificados todos os requisitos da alínea e) do artigo 5º, ou seja, não nos
ofereceram as garantias de que não vão aplicar a pena de prisão perpetua nós não
podemos extraditar. Verificados estes requisitos passamos para o artigo 6º, o agente ainda
não foi julgado em França, deste modo, o artigo 6º nº1 não levanta problemas. Quanto ao
artigo 6º n.º2, neste caso a lei que teríamos de aplicar ao agente seria a lei portuguesa é a
mais favorável na medida que praticado três homicídios qualificados em Portugal o
máximo de pena é 25 anos.
CASO PRÁTICO 18
Na sequência de uma mega investigação encontraram-se várias provas que A,
português, residente no Líbano decidiu juntar-se a um grupo armado que projetava vários
ataques suicidas na Europa revelando documentos dos serviços secretos portugueses
relativos à salvaguarda da população em território nacional. Refira-se à possibilidade deste
ser punido pela lei penal portuguesa, artigo 316º do CP – violação de segredo de Estado.
Estamos no âmbito da aplicação penal no espaço, o facto é praticado fora de
Portugal na medida que é praticado no Líbano porque é lá que ele revela toda a informação
ao território português.
Temos de passar para os princípios complementares do artigo 5º, aqui chegamos a
um problema porque estamos a falar de um cidadão português o que pode levantar a
questão se devemos aplicar do princípio da nacionalidade ativa. A verdade é que o art.º316
é um dos artigos mencionados na alínea a) do artigo 5º, o que significa que também é
possível mobilizar neste caso prático o princípio da defesa dos interesses nacionais.
Em suma, estamos perante uma situação que tanto permite a aplicação da lei penal
portuguesa com base na alínea e), princípio da nacionalidade ativa, como permite a
aplicação da lei penal portuguesa com base na alínea a) através do princípio da defesa dos
interesses nacionais.
Há um critério para escolher que alínea será mobilizada que é o de escolher o
critério que torne mais fácil Portugal ser competente para julgar o facto. A alínea e) tem três
requisitos cumulativos, enquanto que a alínea a) não tem requisito nenhum, é o agente ter
praticado um daqueles factos.
Nesta situação, embora verifica-se a alínea e), os requisitos da alínea e) tornam
mais difícil a competência da lei penal portuguesa aplicamos a alínea a) – Princípio da
defesa dos interesses nacionais.
O facto de escolhermos aplicar a alínea a) traz-nos depois obrigações, depois
passamos assim para o artigo 6º, não temos problema nenhum no n.º1 do artigo 6º porque
o agente ainda não foi julgado. Mas relativamente ao artigo 6º n.º2, o facto de estarmos a
aplicar o princípio da defesa de interesses nacionais impede-nos de aplicar a lei que for
concretamente mais favorável ao agente porque a al. a é uma das exceções ao n.º2 do
artigo 6º, isto encontra-se positivado no n.º3 do artigo 6º.
Isto diz-nos quando em causa está o princípio da defesa dos interesses nacionais já
não tenho de preocupar-me em aplicar a lei mais favorável ao agente porque
obrigatoriamente aplicarei ao agente a lei penal portuguesa. Os interesses violados são
interesses da soberania portuguesa e, portanto, ainda que a outra lei seja mais favorável o
agente não pode beneficiar dele.

Maria Branco S. De Freitas 31


CASO PRÁTICO 19
A, realizador francês, mas residente em Portugal, viajou para França com o intuito de
concluir uma nova curta-metragem. Nesta usou B, jovem francesa de 14 anos. A voltou
para Portugal sabendo que a curta-metragem em causa era de conteúdo pornográfico e
que a jovem B foi usada como protagonista, diga que em termos podem os tribunais
portugueses julgar A pelo crime previsto e punível nos termos do artigo 176º/1/b) do CP.
Justifique a sua resposta.
Estamos no âmbito de um crime praticado fora de Portugal, em França quer pelo
critério da ação, quer pelo critério do resultado foi lá que a filmagem ocorreu e a menor foi
vítima deste crime de pornografia, deste modo temos de recorrer aos critérios do artigo 5º.
Aqui não sabemos muito mais, mas sabemos que nenhum deles é português,
mesmo que o agente resida em Portugal não temos equiparação de residência a
nacionalidade para efeitos da alínea e), o que não nos permite aplicar esta alínea.  
Mas sabemos que o crime praticado é um crime que insere-se na alínea d) do artigo
5º, ou seja, é um crime que está coberto pelo princípio da universalidade. No caso deste
princípio temos duas alíneas: a alínea c), a idade da vítima não interessa; alínea d), o facto
só é relevante do ponto de vista da competência da lei penal portuguesa se a vítima for
menor.
                      Alguns crimes da alínea d) não indicam a necessidade da vítima ser menor, na
medida que os próprios crimes estão construídos no nosso código penal apenas para
vítimas menores que é o caso do artigo 176º do CP, em que a pornografia só é crime se
forem usados menores.
Há determinados tipos legais que não interessa dizer que a vítima tem de ser menor,
há outros como o artigos 144º, 163º e o 164º que também estão na alínea d) em que o
legislador tem de acrescentar que só lhe interessava esse caso se a vítima fosse menor. Na
medida que estes crimes, por exemplo, artigo 164º que é o crime de violação podem
vitimar quer maiores, quer menores. Se forem maiores as vítimas não as enquadramos
aqui, a pessoa será julgada no país que tiver praticado o facto. Se forem menores temos
interesse em julgar e passa a estar coberto pelo princípio da universalidade.
Neste caso, estamos no âmbito do artigo 5º/d) em que temos três requisitos mas
que são alternativos, ou verificamos que o agente é encontrado em Portugal e não pode
ser extraditado, ou verificamos que o agente é um português ou alguém com residência em
Portugal ou verificamos que a vítima é uma menor com residência em Portugal.
In casu, tanto verifica-se a alínea a), na medida que ele é encontrado em Portugal,
como se verifica o nº1 e 2 da alínea d). Iremos escolher aquele que torna mais acessível a
competência da lei penal portuguesa, neste caso será o nº2 da alínea d) em que basta que
o agente tenha residência habitual em Portugal, não precisa de ter nacionalidade
portuguesa.
Aplicando o artigo 5º temos de ir ao artigo 6º, indo a este artigo primeiro temos de
dizer que o agente ainda não foi julgado em França, deste modo relativamente ao n.º1
deste artigo não há problema nenhum. Como não sabemos que pena que a França aplicará
a um crime desta natureza, será aplicada aquela que será mais favorável tendo em conta o
n.º2 do artigo 6º.
 
 
 
 

Maria Branco S. De Freitas 32


CASO PRÁTICO 20
A, americano, cometeu no seu país um crime punido com pena de morte e refugiou-se em
Portugal. Será a lei penal portuguesa aplicada a este caso?
Estamos no âmbito da aplicação da lei penal no espaço, o facto foi praticado fora
de Portugal, pelo artigo 7º temos de afirmar que o crime foi praticado fora e passar para os
critérios complementares do artigo 5º.
Neste caso não se aplicando nenhum dos outros princípios que dispomos, na
medida que não é princípio da nacionalidade, nem da defesa dos interesses nacionais, da
universalidade sobra-nos o princípio da administração supletiva da justiça penal que está
na alínea f) do artigo 5º.
Relativamente a esta alínea f) e o facto de estarmos perante pena de morte temos
de levantar um problema que é o da diferente redação da nossa constituição do artigo 33º
e a Lei da cooperação judiciária. Na nossa constituição o artigo 33º/6 diz-nos que não é
admitida a extradição quando esteja em causa a aplicação da pena de morte ou de lesão
irreversível da integridade física.
Temos a lei da cooperação judiciária que supera esta impossibilidade de extradição
decorrer da nossa constituição e trata de uma forma muito semelhante os casos de
possibilidade de pena de morte ou lesão irreversível da integridade física e os casos de
possibilidade de aplicação de prisão perpetua.
A lei da cooperação judiciária diz-nos que se forem oferecidas garantias que a pena
de morte não será aplicada admitimos a extradição, cooperamos e enviamos a pessoa.
In casu, se nos fossem oferecidas estas garantias parecendo contrariar a nossa
constituição aplicaríamos a lei da cooperação judiciária artigo 6º e admitiríamos a
extradição. Se não nos fossem dadas essas garantias nós julgávamos o agente cá,
aplicando a alínea f) do artigo 5º do CP, em que era exigência que nos tivessem pedido a
extradição e nós não a pudéssemos ter concedido, e depois o artigo 6º o agente não podia
ter sido julgado fora de Portugal e teríamos de aplicar a lei que fosse mais favorável ao
agente, que não é difícil de perceber tendo em conta que cá não temos pena de morte, no
máximo o agente seria punido com 25 anos.
 
CASO PRÁTICO 21
Abordo de uma aeronave espanhola e na sequência de um desentendimento durante um
voo A, italiano, matou B, português. Assim que a aeronave aterrou em Madrid A foi detido
pelas autoridades, julgado e condenado em Espanha A começou a cumprir a sua pena de
10 anos de prisão em Março de 2012.  No passado mês de Dezembro de 2020, A porém
conseguiu invadir-se da prisão refugiando-se num monte alentejano propriedade de um
amigo alemão ficando por cumprir 1 ano e 3 mês de prisão.
Serão os tribunais portugueses competentes para julgar A? Poderá a lei portuguesa
aplicar-se ao caso?
Estamos perante um caso prático da aplicação da lei penal de espaço, o facto foi
aplicado fora de Portugal. Para termos competência de julgar este facto teríamos de
socorrer-nos de um princípio complementar do artigo 5º, o princípio da nacionalidade
passiva na medida que a vítima era portuguesa e portanto teríamos de ver os requisitos da
alínea e).
A verdade é que este agente já foi julgado em Espanha e já foi condenado neste
mesmo país como também já cumpriu parte da pena lá. Além deste artigo 5º/e) e também
vamos aplicar o artigo 6º/1 que diz-nos que só podemos julgar o agente em Portugal se
este ainda não tivesse sido julgado, e este já o foi, ou se ele tiver subtraído ao
cumprimento total ou parcial da sua condenação.

Maria Branco S. De Freitas 33


E esta é uma das situações em que se verifica uma subtração do agente ao
cumprimento parcial da sua condenação, ele cumpriu uma série de tempo mas ficou para
cumprir um ano e três meses, deste modo podemos julgá-lo em Portugal aplicando a lei
que seja mais favorável ao agente nos termos do artigo 6º/2.
Imaginemos que vamos julgar o agente em Portugal e que chegamos à conclusão
que invés de 10 anos de prisão ele devia ser condenado a 9 anos de prisão. Ele não vai ter
de cumprir 9 anos em Portugal na medida que temos de descontar o tempo de prisão que
ele já cumpriu em Espanha, artigo 82º do CP (remissão do artigo 6º/2) quando falamos de
subtração ou cumprimento parcial da condenação o tempo de cumprimento já efetuado
tem de ser descontado naquela que é condenação que depois vem a ocorrer no nosso
país.
Independentemente da aplicação da lei penal portuguesa ou espanhola, iremos
aplicar aquela que seja mais favorável nos termos do artigo 6º/2 mas sempre teremos de
descontar o tempo de privação da liberdade que a pessoa já teve ao abrigo da
condenação no país da prática do facto.
Para evitarmos a crítica que estamos a julgar o agente pela segunda vez, nós
julgamos, aplicamos a pena que é mais favorável e descontamos o tempo de privação de
liberdade que ele já tenha cumprido. No fundo, o agente nunca fica prejudicado devido à
lei da pena mais favorável.
Em termos literais estamos a violar o nes bis in idem porque estamos a julgar a
pessoa pelo mesmo facto, mas temos de ir ao espírito deste artigo pois este existe entre
nós para impedir que as pessoas cumpram duas penas pelo mesmo facto. O agente aqui
não cumpre porque descontamos o tempo da primeira naquela que é a sua segunda pena.
 

13. Imputação do resultado à conduta


Na construção do facto punível é para um facto punível doloso e estamos a falar de
crimes por ação. Para a construção de facto punível doloso por ação vamos ter a
necessidade de uma ação e esta ação tem de ser típica e ilícita, que o Dr. Figueiredo Dias
junta no ilícito típico ou tipo de ilícito e dentro deste vamos ter uma dimensão objetiva e
uma dimensão subjetiva.

Além de ter de ser uma ação típica ilícita vai ter de ser culposa e punível. Iremos
assim abordar este tipo de ilícito num plano objetivo e num plano subjetivo. Vamos
concentrar-nos em dois aspetos imputação do resultado à conduta e nas três teorias
desta. Na medida que o primeiro aspeto é iminentemente teórico, no fundo é a descrição
dos tipos legais de crime quanto ao autor, conduta e bem jurídico.

Quando nos estamos a referir a crimes no âmbito da sua classificação quanto à


conduta há uma classificação que é a classificação de crimes de mera atividade, em que a
mera atividade do agente é desde logo crime, como é o caso da burla. E crimes de
resultado ou materiais em que é preciso que posteriormente a ação do agente se verifique
uma alteração no mundo dos factos.

Estes crimes de resultado ou materiais levantam um problema do ponto de vista


objetivo que é o problema de saber a quem nós vamos atribuir aquele resultado.

Quando estamos perante crimes de dano, que são também crimes de resultado,
temos de fazer a imputação do resultado à conduta.

Nesta imputação do resultado à conduta nós vamos dizer que aquele indivíduo do
ponto vista objetivo foi quem determinou a produção deste resultado, sem esta pessoa
este resultado não tinha acontecido.

Maria Branco S. De Freitas 34


A primeira ideia que eu tenho para a responsabilização penal é esta do ponto de
vista objetivo, ainda não estamos a analisar os problemas do ponto de vista subjetivo
como os motivos por detrás da prática do facto.
Exemplo: Se A mata B, a morte de B será objetivamente imputada à ação de A. Ainda não
nos interessa saber o porquê de A ter matado B, mas sim quem matou.
Do ponto objetivo, temos de resolver este problema que é o da imputação do
resultado à conduta. Para imputar o resultado à conduta temos três teorias:
Teoria da causalidade, em que associamos a uma ideia de causalidade naturalística,
imediação entre aquilo que é um facto e aquilo que é um resultado. O agente faz qualquer
coisa que desencadeia naturalisticamente a produção de um resultado, em que existe um
nexo casual e que depois evolui-se para uma ideia de conditio sine qua non e concluímos
que aquele resultado nunca teria ocorrido se aquela pessoa não tivesse tido aquela atitude.
Sem a ação do agente o resultado nunca teria tido lugar, por isso aquele resultado é uma
consequência inevitável daquela ação.
Teoria da Causalidade adequada, supera a teoria da causalidade devido às várias
fragilidades desta, sendo a única teoria que está verdadeiramente consagrada legalmente
no artigo 10º do CP e que nos diz que não basta este nexo casual é preciso que o
resultado tenha sido produzido por uma conduta que normal e previsivelmente conduzisse
àquele resultado. Não pode ser um resultado que advém da conduta sem nenhuma razão,
tem de ser um resultado que advém da conduta normal e previsivelmente. Segundo a
normalidade acontecer é normal que quem pratique aqueles factos desencadeie aqueles
resultados. Também isto por vezes desencadeava problemas, embora este já seja um
critério normativo e desenvolvido em que nós atendemos aos especiais conhecimentos do
agente que às vezes pode não ser previsível para o comum cidadão mas ser para o agente
e para o resultado. E aqui entendemos à interrupção do nexo causal pela intervenção de
um terceiro, mas de facto não resolvia todos os problemas.
Teoria da conexão do risco, doutrinal e jurisprudencial não tendo ainda consagração
legal. Vamos dizer que o resultado deve ser imputado à conduta do agente quando o
agente tenha: criado ou potenciado um risco não permitido para o bem jurídico protegido
pelo âmbito de proteção da norma e que se materializou no resultado típico, ou seja, se
estou a analisar um crime de homicídio ele terá de se ter materializado numa morte de uma
pessoa.

 Casos Práticos
CASO PRÁTICO 22
A deu um empurrão a B. Na sequência deste empurrão B teve um enfarte miocárdio e
morreu. Em tribunal descobriu-se que A desconhecia a doença cardíaca de B. Poderá o
resultado ser imputado à conduta de A? Justifique.
Este é um primeiro caso para resolver uma primeira questão em matéria de
imputação à conduta pela segunda teoria. Estas teorias nunca podem ser usadas
individualmente, passamos de uma para as outras numa tentativa de aperfeiçoar a
imputação, estas teorias vão afunilando os casos em que é possível essa imputação.
No ponto de vista da primeira teoria, teoria da causalidade, situando-nos na regra
da conditio sina qua non, teríamos de dizer que este resultado morte de B, deve ser
imputado à conduta de A, na medida que se A não tivesse dado aquele empurrão em B, B
não teria sofrido aquela doença cardíaca logo não teria morrido na sequência dessa
doença.

Maria Branco S. De Freitas 35


Aqui é perceber se isto é justo ou não, aí surge a ideia de adequação e de
previsibilidade a que nós só podemos aceder por uma teoria normativa como a segunda
teoria que é a teoria da causalidade adequada. Nesta iremos dizer que o resultado é
imputado à conduta se for normal e previsível segundo as regras da experiência. Não é
normal e previsível que de um empurrão resulte um enfarte que desencadeie em morte. Se
eu tenho uma doença cardíaca muito grave em que não posso sofrer qualquer oscilação
em termos de ritmo cardíaco, em que qualquer pequeno susto ou disrupção do quotidiano
prejudica altamente o meu desempenho e tem desencadeado internamentos as pessoas
sabem que não podem pregar-me sustos.
Este caso prático serve para mostrar que embora a segunda teoria remeta para uma
causalidade imprevisibilidade, segundo as regras da experiência da normalidade do
acontecer nós também temos de atender aos especiais conhecimentos do agente. Por isso
é que o caso prático diz que esta doença era desconhecida de A. A não sabia que B tinha
esta doença, e como não sabia para ele o que era normal e previsível era que de um
empurrão não resultasse morte nenhuma, e por isso não podemos imputar o resultado à
conduta. Afastamos a imputação do resultado à conduta pela segunda teoria.
Se eu fizer a afirmação de que A sabia que B tinha aquela condição cardíaca e que
qualquer pequeno susto podia desencadear este resultado, embora em termos gerais não
fosse normal e previsível que a pessoa morresse na sequência de um empurrão para
aquele agente era normal e previsível. Quando ele dá o empurrão dá com a normalidade e
previsibilidade da sua cabeça que aquele resultado venha a ocorrer, e na sequência disso
queremos fazer a imputação.
Este caso prático serve para mostrar que a normalidade e a previsibilidade podem
ser aferidas num primeiro momento por aquilo que é a experiência comum da normalidade
do acontecer, mas num segundo momento por aqueles que são os conhecimentos
especiais do agente que podem ser superiores àqueles que a comunidade em geral têm.
Em suma, a solução para este caso será, desde que este desconhecia a condição
cardíaca não há imputação do resultado à conduta, ela é afastada pela segunda teoria, na
medida que não é normal e previsível que de um empurrão venha a resultar a morte de uma
pessoa.

CASO PRÁTICO 23
A dispara contra B com intenção de o matar, moribundo e encontrado na estrada B é
encontrado por C que por compaixão desfere dois tiros certeiros provocando-lhe a morte
imediata. Quid iuris quanto à imputação do resultado morte? Justifique.
Neste caso, mais uma vez perante a primeira teoria teríamos de fazer a imputação
embora não tenha sido o tiro de A que matou B, teríamos de fazer a imputação a A, na
medida que se ele tivesse dado um tiro B não teria ficado moribundo na estrada e não teria
sido encontrada por C, que por sua vez não lhe teria dado os tiros fatais e, portanto, A não
teria morrido.
Pela segunda teoria, para o A não era previsível que, entretanto, aparecesse este
senhor C. é verdade que se ele não lhe tivesse dado aqueles primeiros tiros C não teria
oportunidade de lhes desferir os últimos tiros, mas a verdade é que eles não sabiam de um
e do outro. E, portanto, relativamente a A só lhe vou poder imputar os resultados que se
tenham verificado até ao momento em que há um terceiro que interrompe esse nexo. Os
resultados que se verificam até ao momento da interrupção são os resultados de tentativa
de homicídio.
Logo, a A vou imputar a tentativa de homicídio, não vou imputar um resultado de
homicídio verdadeiramente porque este veio a ocorrer por parte de C. A será imputado de
tudo o que ocorre até ao momento que o terceiro intervém, e ao terceiro, C, vou imputar o
que ocorre a partir da sua intervenção. Vou imputar a C o resultado de morte de A.

Maria Branco S. De Freitas 36


Aqui estamos a analisar objetivamente o tiro que levou à morte de A, e não
subjetivamente a razão por detrás dos tiros.
Diferentemente ocorreria se estes tivessem combinado, nesse caso já poderíamos
imputar o resultado morte aos dois, porque para o A já não seria imprevisível a atuação do
C. A interrupção do nexo casual só é relevante quando ela é imprevisível, se for previsível,
combinada, é irrelevante.

CASO PRÁTICO 24
A circula de automóvel a 80 km/h num local em que a velocidade máxima permitida é 50
km/h. Entretanto, devido ao arrebentamento de um pneu perde o controlo de o carro e
galgando o passeio atropela B, que vem a morrer em virtude do acidente. Poderá o
resultado, morte de B, ser imputado à conduta de A? Justifique.
Neste caso, nós temos uma pessoa que vai em excesso de velocidade, mas não é
o excesso de velocidade que é determinante para provocar aquele resultado, o que é
determinante para causar aquele resultado é o rebentamento daquele pneu.
Este caso serve para mostrar que quando se trata de um evento fortuito, uma coisa
que a pessoa não consegue controlar o resultado também não lhe deve ser imputado na
medida em que é imprevisível para o agente. No ponto de vista objetivo estamos a dizer
que é imprevisível.
Se nós formos advogados da pessoa da família que foi atropelada iremos dizer que
o pneu só rebentou porque este ia em excesso de velocidade num piso que não admitia
aquela velocidade, por exemplo. Aquele piso estava limitado àquela velocidade porque
estava de tal danificado que era muito fácil rebentar os pneus se as pessoas fossem com
uma velocidade superior, e isso até estava assinalado à entrada da via.
Se nada mais for dito, o rebentamento de um pneu, uma pessoa que atropela outra
porque, entretanto, houve um poste que caiu em cima do seu carro e este descontrolou-se,
este é um evento que o condutor não consegue controlar e a partir do qual ele não deve
ver o resultado a ser imputado à sua conduta. Não é um facto que ele objetivamente
pudesse controlar, com todas as ressalvas que acabamos de referir.
Em suma, pela primeira teoria há imputação porque se ele não fosse a conduzir não
teria havido o rebentamento do pneu e ele não teria atropelado ninguém. Pela segunda
teoria, como não é normal e previsível que rebentem pneus então não haveria essa
imputação, tendo em conta toda argumentação paralela que podia ter sido em conta para
o rebentamento do pneu.

CASO PRÁTICO 25
A e B estão a conversar na beira da estrada, a dada altura A distrai-se e não repara num
automóvel que desgovernado vem na sua direção. Nesse mesmo instante, B empurra A e
salva-o da morte certa. Devido ao empurrão A caiu e partiu uma clavícula que lhe causou
30 dias de doença, por isso A apresentou queixa contra B pelo crime de ofensas à
integridade física. Quid Iuris quanto à imputação deste resultado à conduta do agente?
Aqui estamos perante uma situação em que pela primeira teoria há imputação do
resultado à conduta porque se B não tivesse empurrado A este não teria caído e partido a
clavícula. Pela segunda teoria também parece haver imputação do resultado à conduta,
porque é normal e previsível que por um empurrão possa resultar numa parte do corpo
partida.
Mas na terceira teoria, será que este agente criou ou potenciou um risco não
permitido para o bem jurídico protegido pelo âmbito da proteção da norma e que se
materializou no resultado típico? Será que estamos no âmbito daquela fórmula que permite
a imputação pela terceira teoria conforme nós a descrevemos anteriormente?

Maria Branco S. De Freitas 37


Teremos de dizer que não, porque o caso prático diz-nos que ele livrou o amigo da
morte certa, a alternativa a partir a clavícula era ser atropelado pelo carro e ter morrido. Isto
é um caso de escola de diminuição do risco, o agente não queria nem potencia um risco,
este diminui o risco. O risco estava criado a partir do momento em que o carro vinha
desgovernado na direção deste senhor, aliás, só porque esse risco já estava criado, é que
o amigo se atreveu a empurrá-lo, de modo que este caísse desemparado não prestando
atenção à maneira com que este ia cair, para evitar que ele fosse atropelado e morresse na
sequência daquele atropelamento.
Por isso, ele não criou nem potenciou um risco, ele diminuiu um risco que já estava
criado e do qual a vítima não tinha conhecimento ainda.
Em suma, pela primeira teoria haveria imputação, pela segunda também, mas pela
terceira teoria que é a mais exigente recorrendo àquele critério do que será que o agente
criou ou potenciou um risco não permitido para o bem jurídico protegido pelo âmbito da
proteção da norma e que se materializou num resultado típico, nós temos de responder
não porque este falha logo o primeiro requisito, o que fez foi diminuir um risco que já
estava criado pelo carro e, portanto, não há imputação do resultado à conduta.
  Em suma,
  Passamos da segunda teoria para a terceira teoria quando chegamos a um
resultado na segunda que parece injusto. Quando estamos a resolver um problema da
imputação do resultado à conduta começamos pela primeira teoria, nesta, a partir do
momento que exista nexo causal há imputação.
Temos de ir para a segundo teoria, nesta nós só não teremos imputação do
resultado à conduta se não for normal e previsível que aquele resultado advenha daquela
conduta. Os casos em que normalmente não vamos fazer essa imputação são dois: caso
os especiais conhecimentos do agente não lhe permitiram antever essa previsibilidade do
resultado e os casos em que a interrupção do nexo causal, no fundo, é uma interrupção
que é imprevisível, não conseguia prever que um terceiro ou um evento fortuito fosse
alterar o curso dos acontecimentos.
E, portanto, eu não imputo o resultado à conduta quando o agente não tem
especiais conhecimentos, não é normal e previsível que o resultado ocorresse. E quando a
interrupção do nexo causal é uma interrupção imprevisível, e eu já não poder imputar o
resultado ao primeiro agente vou ter de imputar ao segundo e ao terceiro.
Se eu faço a imputação do resultado à conduta pela segunda teoria, passo para a
terceira, na terceira teoria os requisitos como o agente ter criado ou potenciado um risco
não permitido para o bem jurídico protegido pelo âmbito da proteção da norma e que se
materializou no resultado típico, são cumulativos. Basta que um destes requisitos não se
verifique para que eu já não possa imputar o resultado, tendo de ser imputado a outra
pessoa.

CASO PRÁTICO 26
Numa estrada em que se podia conduzir a 100 km/h, A ia a conduzir a 80 km/h cumprindo
todas as regras de condução. Inesperadamente o peão B atravessa-se à frente de A,
batendo no automóvel de A este acaba por morrer.
Pode a morte de B ser imputada a A? Justifique.
Pela primeira teoria, a morte de B pode ser imputada a A, porque no fundo,
podemos afirmar que se ele não fosse a atravessar a estrada com o seu carro não teria
atropelado aquela pessoa.
Pela segunda teoria já depende, porque podemos dizer que este peão é uma
intervenção inesperada, não é normal e previsível os peões andarem a atravessar estradas.

Maria Branco S. De Freitas 38


E como não é normal, nem previsível eles andarem a atravessar estradas à partida
não poderíamos imputar este resultado, seria uma auto colocação em risco do próprio
peão.
Mas, imaginemos, que aquele era um sítio onde os peões facilmente atravessam e
não tem muita visibilidade sendo necessária mais atenção por parte dos condutores, tendo
até um sinal que dizia que era possível o atravessamento de peões.
Supondo que era normal e previsível que esta pessoa atravesse, é normal e
previsível que sendo atropelada no limite possa morrer quando seja a uma velocidade
como 80 km/h.
Mas na terceira teoria, ainda que o problema passasse o crivo da segunda, que era
difícil, nesta nunca passava. Nesta teoria seríamos obrigados a dizer que a verdade é que
ele vai a conduzir dentro de aquilo que são as regras de segurança. O caso prático é muito
claro a afirmar que ele vai a conduzir a 80 km/h, e numa estrada que se permita que
conduza a 100 km/h, e para além cumpre as demais regras de condução. Não há nada que
lhe possa ser objetivamente apontado do ponto de vista da sua imputação do resultado à
sua conduta.
E em função disso, pela terceira teoria há também a possibilidade de nós dizermos
que não se cumpre os dois requisitos, é verdade que o agente criou ou potenciou um risco,
conduzir é sempre um risco mas é um risco que é tolerado pela sociedade dentro de
determinados limites, e no âmbito do tráfico rodoviário esses limites são nos oferecidos
pelo código da estrada.
Se podia conduzir até 100 km/h e ali ia conduzir até a 80 km/h, corria um risco mas
foi um risco permitido. Sendo um risco permitido falha um dos pressupostos da terceira
teoria e já não pode haver imputação do resultado à conduta.
 
CASO PRÁTICO 27
A encontrava-se em casa quando sofreu um enfarte maciço do miocárdio, foi chamada
uma ambulância para o transportar para o hospital. B, condutor da ambulância, realizou
uma manobra perigosa e provoca um acidente que adveio a morte de A. Pode a morte de
A ser imputada à conduta de B?
Pela primeira teoria, diríamos que sim porque se ele não tivesse conduzido a
ambulância não teria sofrido aquele despiste e, portanto, ele não teria morrido.
Pela segunda teoria, também porque é normal e previsível que de uma manobra
perigosa possa surgir um acidente que advenha a morte de uma pessoa.
Pela terceira teoria, devem dizer que o risco para esta pessoa está criado a partir do
momento em que ela tem um enfarte miocárdio, não é normal as pessoas serem
transportadas de ambulância, só o são quando estão em risco. Não foi propriamente o
condutor da ambulância que criou o risco, o risco já estava criado a partir do momento em
que um evento determinou que a pessoa tivesse tido aquele enfarte massivo do miocárdio.
Mas este agente que é o B que conduz a ambulância, ao fazer manobras perigosas,
e ao realizar isto numa ambulância este deve ter assegurada a segurança daqueles que
estão a ser transportados, quer daqueles com os quais a ambulância se cruza.
É permitido fazer manobras aparentemente ilícitas conduzindo uma ambulância mas
apenas quantos estas são apenas aparentemente ilícitas porque depois são justificadas
por uma situação de necessidade e, além disso estão acauteladas pela verificação em
concreto por parte de quem manuseia aquela ambulância, de que não está a por em risco
as pessoas e nem aquelas com que se cruza.

Maria Branco S. De Freitas 39


In casu, o agente está a exceder os seus poderes enquanto condutor da
ambulância e por isso, embora ele não tenha criado o risco esta manobra perigosa
potenciou o risco.
Ele aumentou drasticamente e decisivamente o risco para o bem jurídico daquela
pessoa, o que significa que o resultado morte desta pessoa pode ser imputado à conduta
deste condutor porque potenciou o risco que estava previamente criado.

CASO PRÁTICO 28
No âmbito de uma cirurgia A, o anestesista de serviço, engana-se na dosagem do produto
anestésico vindo o paciente B a morrer. Analisado o relatório de autópsia prova-se que a
morte de B ocorreria igualmente caso a anestesia tivesse sido corretamente efetuada.
Na verdade, em virtude de uma raríssima enfermidade congénita, desconhecida até do
próprio B, a mais pequena quantidade de anestésico era absolutamente incompatível com
o organismo de B. Deve ou não imputar-se o resultado da morte de B à conduta de A?
Justifique.
Estamos perante a matéria de comportamento lícito alternativo que é
frequentemente confundido com a causalidade virtual porque em ambas situações, ainda
que o agente não tivesse atuado como atuou, o resultado típico ter-se-ia produzido na
mesma.
A grande diferença de um caso de causalidade para um caso de comportamento
lícito alternativo, é que no caso do segundo sempre se teria produzido mas dependente da
conduta do próprio agente. No caso de comportamento lícito alternativo o resultado ocorre
porque o agente atua ilicitamente, neste caso errou na dose de anestesia, não é suposto
que os anestesistas errem na dose de anestesia que irão aplicar.
Mas ainda que o próprio agente tivesse acertado na dose rigorosamente na dose de
anestesia, em virtude da sua ação enquanto agente o resultado teria sido exatamente o
mesmo.
Deste modo, um caso de comportamento lícito alternativo é um caso em que o
agente desencadeia o resultado por atuar ilicitamente, mas mais tarde venha a provar-se
que o mesmo agente teria desencadeado exatamente o mesmo resultado se
alternativamente tivesse atuado licitamente.
Se no momento que ele atuou praticou a coisa errada invés da certa isso é
irrelevante porque o desfecho da sua atuação enquanto agente iria ser sempre o mesmo.
É sempre a sua atuação que leva ao resultado.
Em termos de consequência, não há imputação do resultado à conduta porque se o
próprio direito não consegue proteger o bem jurídico não tem sentido que seja o agente a
pagar por essa incapacidade do direito de prever que aquele bem jurídico seria posto em
causa. Ainda que o agente tivesse tudo que o direito manda-lhe fazer o resultado teria sido
mesmo, ou seja, o bem jurídico tinha sido posto em causa de qualquer das maneiras.
          

Maria Branco S. De Freitas 40


CASO PRÁTICO 29
A disparou um tiro certeiro no coração de B quando este preparava-se num cruzeiro
transatlântico. O navio em que B teria viajado sofreu um naufrágio, não tendo havido
qualquer. B teria hoje morrido mesmo que A não o tivesse matado, poderá a morte de B
imputar-se à conduta de A? Justifique.
Esta situação confunde-se com a matéria de comportamento lícito alternativo
porque em ambas situações, ainda que o agente não tivesse atuado como atuou, o
resultado típico ter-se-ia produzido na mesma.
Na causalidade virtual o resultado sempre ocorreria por uma circunstância estranha
ao agente. Algo que não tem nada a ver com o agente, aquela que em alternativa teria
causado o resultado.
In casu, o que provoca a morte é o tiro, e se não tivesse sido o tiro teria sido o
naufrágio do navio, que nada tem a ver com o agente.
Em termos de consequência na causalidade virtual, há imputação do resultado à
conduta na medida que é verdade que o resultado se produziria. Mas não se produziria por
conta do agente, então ele não pode beneficiar de uma circunstância que lhe é
completamente estranha e que só por acaso desencadearia um resultado semelhante
àquele que ele provocou.

CASO PRÁTICO 30
A provoca um acidente de viação em que B, condutor do outro veículo, fratura uma perna.
Transportado para o hospital B é submetido a uma intervenção cirúrgica. Por um lapso do
anestesista C, ocorreu uma troca de anestesia o que provocou a morte de B. Poderá o
resultado morte de B ser imputado à conduta de A? Ou à conduta de C? Sendo certo que
logo a seguir à operação flagrou um incêndio na enfermaria para que B seria levado se a
intervenção cirúrgica tivesse sido bem-sucedida, incêndio esse que provocou a morte de
todos os pacientes que lá se encontravam. Justifique.
Pela primeira teoria, há imputação do resultado à conduta do A, porque se ele não
tivesse sido atropelado, não teria fraturado a perna, não teria chamado a ambulância, não
teria sido submetido à intervenção cirúrgica, não teria sido administrado com a anestesia
errada e morrido.
Pela segunda teoria, é normal e previsível que quando eu provoque um acidente
que desencadeie uma fratura na perna de uma pessoa esta pessoa seja transportada para
o hospital. Mas não é normal e previsível que no Hospital troquem as anestesias às
pessoas, e portanto, já não posso imputar o resultado à conduta do A, na medida, em que
houve uma interrupção do nexo casual imprevisível. É tudo previsível até ele chegar ao
hospital, o que não é previsível é que ele tenha uma troca de anestesia, e essa interrupção
do nexo causal pela intervenção do terceiro imprevisível é que afasta a imputação do
resultado à conduta do A.

O que significa que ao A só vou poder imputar o resultado que se verifiquem até à
interrupção. Os resultados que se verificarão até à interrupção serão imputados ao A que
será a responsabilização por ofensas à integridade física.
Este resultado morte é desencadeado por esta troca de anestesia, mas mesmo que
isto não tivesse acontecido o paciente teria morrido porque teria sido transportado para
uma determinada enfermaria onde houve um incêndio e não deu tempo de tirar os
pacientes resultando na mortes destes, deste modo B morreria de qualquer maneira.
Estamos perante um caso de causalidade virtual, deste modo estamos perante um
caso de causalidade virtual que não aproveita ao agente. Na sequência disso vamos
imputar o resultado da conduta a C. Diferente ocorreria se B fosse alérgico àquela
anestesia ou a qualquer tipo de anestesia, mesmo que C tivesse dado a anestesia certa B
teria morrido, aqui estaríamos perante um comportamento lícito alternativo.

Maria Branco S. De Freitas 41


Na segunda teoria, teríamos um juízo de prognose póstuma, o agente está no
momento do resultado e desloca-se mentalmente no momento da produção e vê-se no
momento em que o agente estava a atuar era normal e previsível para ele que o resultado
se viesse a produzir. Enquanto no caso da terceira teoria, o agente já teria o domínio de
toda a situação, já sabendo que poderia haver causalidade virtual.
Nota: Causalidade virtual e comportamento lícito alternativo são sempre abordados na
terceira teoria.


Maria Branco S. De Freitas 42


quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

14. O problema do erro


Até agora, estivemos a falar do tipo objetivo de ilícito. Todavia, como já vimos, o
tipo de ilícito comporta também uma dimensão subjetiva, que tem a ver com as
classificações do dolo (e da negligência). Para o Dr. Figueiredo Dias, uma vez que ele
defende o ilícito pessoal, o dolo (e a negligência) manifesta-se logo no tipo de ilícito, i.e.,
numa dimensão subjetiva deste último. Portanto, há elementos do dolo (e elementos da
negligência) que estão no tipo de ilícito e outros que ficam na culpa – i.e., para o Dr.
Figueiredo Dias, o dolo e a negligência não são meras formas de culpa, manifestando-se
também no tipo de ilícito.

Aqueles elementos do dolo que estão no tipo subjetivo de ilícito são:

• O elemento intelectual do dolo, que remete para o problema do erro – o agente


representa mal aquilo que está a fazer, i.e., o agente não sabia exatamente aquilo que
estava a fazer;

• O elemento volitivo do dolo – o agente não queria exatamente fazer aquilo que fez.

Nestes dois elementos, temos dois problemas diferentes, respetivamente:

1) O primeiro problema é o problema do erro do domínio intelectual do dolo, i.e., do


conhecimento do tipo objetivo de ilícito – o agente não sabia o tipo objetivo de ilícito
que estava a cometer (é aqui que nos vamos concentrar nas aulas práticas).

2) O segundo problema é o problema do elemento volitivo, que tem a ver com a


vontade ou intenção de praticar o tipo objetivo de ilícito. Este problema remete para a
distinção consagrada no artigo 14º CP: dolo direto de 1º grau, dolo necessário e dolo
eventual. Estas são três formas de dolo quanto à intenção ou vontade do agente (não
vamos falar disto nas aulas práticas, mas a Dra. refere que a matéria mais complicada,
neste âmbito, é a distinção entre dolo eventual e negligência consciente).

Assim, dentro do tipo subjetivo de ilícito doloso, quanto ao elemento intelectual


do dolo (artigo 16º/1 e 3 CP), em que está em causa o conhecimento do tipo objetivo
de ilícito, existem vários tipos de erro de conhecimento:

Maria Branco S. De Freitas 43


Nota: Nós vamos, aqui, resolver um caso prático de cada um dos erros que estão nesta
tabela. No entanto, ter em atenção se saem mesmo todos no exame, porque o Dr. Caeiro
pode não ter conseguido dar todos estes erros da tabela nas aulas teóricas (se não deu
algum destes erros, o que ele não deu não sai, apesar de termos dado aqui).

Note-se que o elemento intelectual do dolo e o elemento volitivo do dolo são os


dois elementos que compõem o tipo subjetivo de ilícito doloso. Para além destes dois
elementos, existe ainda o elemento emocional do dolo, que releva no plano da culpa.
Como estes três elementos têm de estar verificados para que o agente possa ser punido a
título doloso, basta que haja problema em um destes elementos para que o agente já não
possa ser punido a título doloso. Ora, se o agente já não puder ser punido a título doloso, o
que sobra para o punir é a negligência.

Isto significa que o erro de que vamos falar surge num dos elementos do dolo e vai
impedir que o agente seja punido a título doloso, quando esse erro seja relevante, e
que, no limite, só possa ser punido a título negligente. Este é um problema que surge no
domínio intelectual do dolo, i.e., é um problema de conhecimento relativamente ao tipo de
ilícito – o agente não sabe que aquilo que está a fazer corresponde a uma coisa proibida/a
uma coisa que é um tipo de ilícito.

O erro de conhecimento é um erro quanto ao elemento intelectual do dolo (artigo 16º/


1/1ª parte CP), sendo que esse erro de conhecimento tem como consequência excluir
o dolo (artigo 16º/1 in fine). Note-se, porém, que o dolo que estamos aqui a excluir é o
dolo que se manifesta no tipo de ilícito – justamente porque estamos no domínio
intelectual do dolo, que é uma parte do dolo no tipo de ilícito e não na culpa. Não
obstante a excluir-se a punibilidade por dolo, ressalva-se a punibilidade do agente por
negligência (artigo 16º/3 CP).

Os erros de conhecimento (artigo 16º/1/1a parte) podem dividir-se em duas


grandes categorias:

1)   O erro sobre a factualidade típica propriamente dito – o verdadeiro erro sobre a


factualidade típica, em que a grande característica é o facto de o agente não saber que
está a praticar um facto típico ilícito, i.e., o agente não sabe que aquilo que está a fazer é
proibido/ilícito/desvalioso. O caso de escola é o caso da pessoa que anda a caçar
legalmente e, sem querer, mata uma pessoa – este é um caso sobre a factualidade típica
propriamente dita porque o agente não quer cometer crime nenhum, nem sabe que aquilo
que está a fazer é passível de desencadear a prática de um facto típico ilícito. O agente
está a fazer uma coisa que, na sua cabeça, aquilo que representa é lícito, mas, depois, ao
concretizar a sua ação, acaba por verificar que desencadeou um resultado ilícito. Aqui,
exclui-se o dolo e ressalva-se a punibilidade da negligência.

2)   Os casos especiais de erro sobre a factualidade típica – nestes casos, há um


elemento comum a todos eles que os distinguem do erro sobre a factualidade típica
propriamente dito: aqui, o agente sabe que estava a praticar o facto típico ilícito, mas
pratica-o de uma maneira que não era aquela que ele projetava. O agente projeta realizar
um facto típico ilícito e realiza-o mesmo – pode não ser exatamente como projetou, mas
projetou e realizou. São quatro os tipos de erros especiais sobre a factualidade típica –
dois deles são mais comuns e os dois outros são construções mais complexas
(normalmente, no exame saem os mais comuns e os mais complexos são mais perguntados
em melhoria):

Maria Branco S. De Freitas 44


a) O erro sobre a pessoa ou o objeto (ou erro na formação da vontade) – o agente só
executa o facto porque, no momento em que decide atuar, já está em erro. O agente está
em erro desde o momento em que forma a sua vontade de desencadear o resultado, sendo
que é só porque já está em erro nesse momento que ele inicia efetivamente aquele facto –
se não estivesse, não o teria iniciado.

Exemplos: (1) A queria matar B e acaba por matar C, porque se confunde; (2) D queria
destruir o carro de E e acaba por destruir o carro de F; (3) G queria bater em H e acaba por
bater em I.

Nestes casos, temos de distinguir se existe identidade típica ou se não existe


identidade típica. A identidade típica não tem a ver com o facto de as vítimas (aquela que
se projeta atingir e aquela que se atinge efetivamente) serem parecidas fisicamente. A
identidade típica afere-se do seguinte modo: saber se existe coincidência entre o tipo legal
de crime que se projetou cometer e o tipo legal de crime que efetivamente se concretizou.
Há identidade típica se o crime que se projeta for igual ao tipo legal de crime que
efetivamente se pratica (v.g., A projetou bater em B e bateu em C; D projetou matar E e
matou F). Todavia, pode não existir identidade típica, incorrendo o agente num crime
qualificado (v.g., A projetou bater em B, mas bateu num polícia; C projetou bater em D, mas
bateu no Presidente da República) – i.e., o agente pode querer praticar um crime simples e
acabar por praticar um crime qualificado ou vice-versa.

Ora, para o direito, o que releva é proteger o bem jurídico, independentemente do seu
titular. Nessa medida, se existir identidade típica, o erro é irrelevante (não se exclui o dolo
e o agente é punido pelo crime doloso consumado); se não existir identidade típica,
então, o agente vai ser punido numa solução próxima do concurso (i.e., relativamente ao
que o agente queria fazer, só existe o desvalor da ação porque ele queria fazer, pelo que
temos uma tentativa; relativamente ao que o agente fez, existe um desvalor de resultado
porque ele não queria atingir aquela pessoa – só atingiu porque se confundiu, mas a
verdade é que atingiu –, pelo que temos uma negligência). Assim, nos casos em que não
existe identidade típica, a solução é tentativa quanto ao crime projetado + negligência
quanto ao crime efetivamente consumado (desde que a tentativa e a negligência estejam
previstas para os respetivos crimes).

b)  O erro na execução – o agente erra ao executar o facto (v.g., B quer atingir A com um
tiro, só que tem tão fraca pontaria que atinge o caixote do lixo ao lado de A). Neste caso, o
agente é punido com tentativa quanto ao tipo legal de crime projetado + negligência
quanto ao crime efetivamente consumado, desde que a tentativa e a negligência estejam
previstas para os respetivos crimes (v.g., tentativa de homicídio é punível, mas disparar
sobre um caixote do lixo é um crime de dano e, por acaso, não existe crime negligente de
dano – o dano só é punível a título doloso, pelo que B seria punido apenas pela tentativa de
homicídio). Há casos em que, em abstrato, a solução é o agente ser punido pela tentativa
ou negligência, mas, em concreto, o crime praticado pelo agente não é punível pela
tentativa ou pela negligência – se o crime não for punível pela tentativa ou negligência, não
se pode punir o agente a nível penal (não obstante, o agente pode ser depois
responsabilizado a nível civil).

c)   O erro sobre o processo causal – o agente pretende atingir um resultado e atinge


precisamente esse resultado, mas atinge-o de uma maneira diferente daquela que
pretendeu (v.g., A quer matar B e mata-o, mas queria matar B afogado, pelo que o atirou de
uma ponte, mas B morreu de traumatismo craniano ao bater num pilar da ponte antes de
cair à água). Nestes erros, estando em causa um crime de execução livre quanto à conduta
(v.g., o crime de homicídio, que pode ser executado da maneira que o agente escolher) e
sabendo que ao legislador interessa apenas o resultado e não o modo de execução,
precisamente porque a execução é livre – e, por conseguinte, irrelevante –, um erro nessa
execução também é irrelevante. Então, no erro sobre o processo causal nos crimes de
execução livre, o erro é irrelevante, pelo que não se afasta o dolo e o agente é punido pelo
crime doloso.

Maria Branco S. De Freitas 45


d)  O dolus generalis – é o único tipo de erro intelectual em que o agente tem de praticar
duas ações (em todos os outros, o agente pratica uma só ação). Aqui, o agente pratica
uma primeira ação e convence-se que atingiu o resultado que pretendia, sendo que, a
seguir, pratica uma segunda ação com intenção de encobrir esse resultado. Porém,
entretanto, verifica-se que, afinal, o agente não tinha alcançado o resultado com a primeira
ação – o resultado que ele pretendia alcançar com a primeira ação só consegue alcançar
com a segunda, sem querer.

Exemplo: A quer matar B, pelo que A dá um tiro a B. Convencido que B está morto (i.e.,
que já atingiu o resultado), A quer desfazer-se do cadáver e enterra B. Descoberto o
cadáver de B, vem a comprovar-se que aquilo não era um cadáver quando foi enterrado,
mas sim uma pessoa viva, descobrindo-se que, afinal, B morreu por asfixia. Assim, aquilo
que seria uma ocultação de cadáver enquanto encobrimento do crime de homicídio foi o
que efetivamente provocou o resultado de morte que é suposto nos homicídios. A segunda
ação do agente é aquela através da qual o agente concretiza o resultado que ele pretendia
atingir com a primeira ação.

Neste caso, em que a segunda ação do agente lhe permite atingir o resultado que ele
pretendia com a primeira ação, o que nós fazemos é juntar o desvalor de ação da primeira
ação com o desvalor de resultado da segunda ação – isto forma um crime doloso
consumado. Assim, o agente é punido pelo crime doloso consumado. O agente sairia
muito beneficiado se fosse punido apenas por tentativa de homicídio + homicídio
negligente (estas duas situações têm penas muito baixas).

Casos Práticos
CASO PRÁTICO 31

Durante uma festa de Carnaval em que está fantasiado de polícia, Duarte dispara sobre o
pé de Eduardo, seu amigo, convicto de que a arma que trazia consigo estava
descarregada. A arma usada por Duarte pertence ao seu pai, que é efetivamente polícia,
mas que, estando de folga, se encontrava a dormir quando o filho se fantasiou e saiu de
casa. A intenção de Duarte era somente tornar a sua fantasia mais realista, mas a verdade
é que a arma estava carregada e a bala atingiu o pé de Eduardo, que teve de ser operado e
ficou sem poder andar durante vários meses. Quid iuris? Justifique a sua resposta legal e
doutrinalmente.

Estamos perante um erro sobre a factualidade típica propriamente dito, i.e., um


verdadeiro erro sobre a factualidade típica, precisamente porque o agente não pretendia
atingir nenhum resultado típico. Mais do que isso, o agente não sabia que estava a praticar
um facto típico ilícito. Nessa medida, neste caso, a consequência vai ser a exclusão do
dolo, nos termos do art. 16o/1, ficando ressalvada a punibilidade da negligência (e aqui,
parece estar mais do que justificada a condenação por esta via), nos termos do no3 do
mesmo preceito. Sabendo que o pai é polícia e que a sua arma é verdadeira, Duarte
deveria ter tido o cuidado de verificar se a arma estava efetivamente descarregada e, não
estando, devia ter tido o cuidado de nem sequer pegar nela – assim, Duarte deve ser
punido por negligência.

Maria Branco S. De Freitas 46


CASO PRÁTICO 32

Certa noite, Carlos e Daniel fazem uma espera a Eduardo à saída de um bar para lhe dar
uma lição, vingando-se assim de Eduardo por este ter posto a circular certas histórias
sobre eles. Quando a vítima sai do bar, Carlos enfia-lhe um saco de pano preto na cabeça
e ambos o agridem violentamente com socos e pontapés, preenchendo, dessa forma, o
tipo objetivo do crime previsto no artigo 144º do CP. Porém, ao retirar o saco da cabeça da
vítima, Carlos e Daniel apercebem-se que se trata de alguém que não conhecem, com uma
estatura e aspeto semelhantes ao de Eduardo. Pronuncie-se sobre a responsabilidade
criminal de Carlos e Daniel, mobilizando os elementos legais e doutrinais necessários.

Estamos perante um caso de erro sobre a pessoa/erro na formação da vontade –


Carlos e Daniel só enfiaram um saco preto na cabeça da vítima porque já estavam
convencidos de que era o Eduardo, senão, nem sequer lhe tinham enfiado o saco na
cabeça e muito menos começado a dar murros e pontapés.

Sendo um erro na formação da vontade, temos de verificar se existe ou não existe


identidade típica. A identidade típica não se afere por existir, como diz o enunciado do caso
prático, uma semelhança entre o aspeto da vítima e o aspeto de Eduardo. A identidade
típica afere-se recorrendo à apreciação sobre se o tipo legal de crime projetado é igual ao
tipo legal de crime efetivamente consumado. In casu, Carlos e Daniel projetavam cometer
um crime de ofensas à integridade física e o crime que efetivamente cometeram/praticaram
foi o crime de ofensas à integridade física – então, é o mesmo tipo legal de crime.

Para o direito, é irrelevante se o atingido foi o corpo do Eduardo ou o corpo de outra


pessoa qualquer. Em função disso, se o erro é irrelevante, não se exclui o dolo e o agente
será punido pelo crime doloso consumado. Nesta medida, in casu, Carlos e Daniel seriam
punidos pelo crime de ofensas à integridade física.

CASO PRÁTICO 33

B arremessa um pedaço de Madeira contra o carro de C, com intenção de lhe danificar a


pintura. O projétil falhou, contudo, o seu alvo e atingiu não o carro, mas uma criança que
passava por ali, ferindo-a gravemente na cabeça. Pronuncie-se fundamentadamente sobre
a responsabilidade penal de B.

Estamos perante um caso de erro na execução – o agente não erra na formação da


vontade, mas sim ao executar o facto, por falta de habilidade, capacidade ou por um
atabalhoamento. O agente (B) pretendia atingir um carro e acabou por atingir uma criança.
Sendo um erro na execução, a solução é punir o agente por tentativa quanto ao tipo legal
de crime projetado (in casu, tentativa de dano, que é punível) e por ofensas à integridade
física negligentes, que também são puníveis.

CASO PRÁTICO 34

A, inimigo de B, pretende acabar com a vida deste.

a) A dispara sobre B. Convicto que o tinha morto, resolveu depois desfazer-se do cadáver,
atirando-o de uma ravina. Sabendo que o resultado da autópsia veio a revelar que a morte
de B ficou a dever-se não ao disparo de A, mas a pluritraumatismos provocados pela queda
da ravina, diga qual a responsabilidade penal de A pela morte de B.

Estamos perante um caso de dolus generalis – A pratica duas ações e está convicto de que
atingiu o resultado pretendido com a primeira ação quando, na realidade, esse resultado
que pretendia atingir é efetivamente atingido por ele, mas só através da segunda ação.
Como o resultado que o agente atinge com a segunda ação é aquele que ele pretendia
atingir com a primeira, A vai ser punido por homicídio doloso consumado – vamos juntar o
desvalor de ação da primeira ação com o desvalor de resultado da segunda ação e
formamos o tipo legal de crime de homicídio doloso consumado.

Maria Branco S. De Freitas 47


b) Suponha agora que A decidiu encenar um acidente a propósito da morte de B,
aliciando- o para perto da ravina e atirando-o daí com o intuito de, matando-o com os
traumatismos provocados pela queda, fazer crer que B, um amante de fotografia,
pudesse ter caído durante uma das suas caminhadas para fotografar. Suponha ainda
que, encontrado o corpo de B, resulta da autópsia que a sua morte ficou a dever-se a
um enfarte de miocárdio certamente desencadeado por uma situação extrema de
tensão. Quid iuris?

Estamos perante um caso de erro sobre o processo causal – o agente atinge o


resultado que pretende atingir, mas não da maneira que imaginou atingi-lo, através de uma
única ação (a única ação de A foi atirar B da ravina). Sendo o homicídio um crime de
execução livre, em que não interessa muito como se atinge o resultado, também não
interessa muito que o agente tenha projetado o crime de uma maneira e o tenha atingido
de outra – o que importa, para o direito, é que o agente atingiu o resultado. Sendo
irrelevante o processo causal, o erro sobre o processo causal também é irrelevante e, por
isso, não se exclui o dolo e o agente pode ser punido pelo crime de homicídio doloso
consumado.

Nota: O erro na formação da vontade e o erro na execução são os dois casos mais
comuns que saem mais frequentemente em caso prático.

Nota 2: Ver a questão dos tipos tipicidade, designadamente, quanto ao autor, quanto à
conduta e quanto ao bem jurídico (aulas teóricas) e, caso o Dr. Caeiro chegue a essa
matéria, ver também a questão do artigo 14º CP (elemento volitivo do dolo).

Estrutura usual do exame: 1 pergunta de desenvolvimento (relativo) e 3 casos práticos


(cada um sobre um tema muito específico; os casos práticos não misturam as matérias).

Maria Branco S. De Freitas 48


1. A função do Direito Penal 1
2. O que é o Direito Penal 2
3. Inserção sistemática do Direito Penal no conjunto das ciências
jurídicas 4
4. Fins das penas 5
5. Teorias absolutas ou retributivas 6
6. Teorias de prevenção 6
7. Monismo e Dualismo 12
Casos duvidosos de aparente fuga à “regra” monista 12

Casos Práticos 15
Caso prático 1 15

Caso prático 2 15

8. Distinção: Direito Penal e direito de mera ordenação social 16


9. Princípio da legalidade 17
(I) Princípio da proibição da retroatividade da lei penal in malam
partem: 17

(II) proibição do recurso à analogia no direito penal desfavorável ao


arguido in malam partem: 17

(III) Princípio da reserva de lei formal: 18

(IV) Princípio da determinabilidade da lei penal: 18

10. Aplicação da lei penal no tempo 19


Casos Práticos 20
Caso Prático 3 20

Caso Prático 4 20

Caso Prático 5 21

Caso Prático 6 21

Caso Prático 7 22

Caso Prático 8 22

Caso Prático 9 23

Maria Branco S. De Freitas 49


Caso Prático 10 24

Caso Prático 11 25

Caso Prático 12 25

Caso Prático 13 25

11. Aplicação da lei no espaço 26


Casos Práticos 28
Caso Prático 14 28

Caso Prático 15 29

12. Conflito positivo de competências 29


Casos Práticos 29
Caso Prático 16 29

Caso Prático 17 30

Caso Prático 18 31

Caso Prático 19 32

Caso Prático 20 33

Caso Prático 21 33

13. Imputação do resultado à conduta 34


Casos Práticos 35
Caso Prático 22 35

Caso prático 23 36

Caso Prático 24 37

Caso Prático 25 37

Caso Prático 26 38

Caso prático 27 39

Caso prático 28 40

Caso Prático 29 41

Caso Prático 30 41

14. O problema do erro 43

Maria Branco S. De Freitas 50


Casos Práticos 46
Caso Prático 31 46

Caso Prático 32 47

Caso Prático 33 47

Caso Prático 34 47

Maria Branco S. De Freitas 51

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