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3ª Lição

As Acções Declarativas
– A Tutela Processual Declarativa

Bibliografia principal: Andrade, Manuel Domingues de, Noções


elementares de processo civil, reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora,
1993; Castro, Artur Anselmo de, Direito processual civil declarató-
rio, vol. I, Coimbra, Editora Almedina, 1981; Freitas, José Lebre de,
Introdução ao processo civil, 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2017;
Luiso, Francesco Paolo, Diritto processuale civile, I, 3ª ed., Milano, Giu-
ffrè Editore, 2000; Marinoni, Luiz Guilherme, Técnica processual
e tutela dos direitos, 5ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais,
2018; Marinoni, Luiz Guilherme/Arenhart, Sérgio Cruz, Processo
de conhecimento, 9ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2011;
Pisani, Andrea Proto, Lezioni di diritto processuale civile, Napoli, Jovene
Editore, 1999; Reis, José Alberto dos, Código de Processo Civil ano-
tado, 3ª ed., reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1982; Varela,
Antunes/Bezerra, Miguel/Nora, Sampaio e, Manual de processo civil,
2ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985; Zanzucchi, Marco Tullio,
Diritto processuale, I, Milano Giuffrè, 1955.

Sumário: 1 ‒ Natureza tríplice da tutela jurisdicional cível:


distinção entre a tutela declarativa e a tutela executiva; 2 ‒ Os

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pedidos no âmbito da tutela jurisdicional declarativa; 3 ‒ Pedi-


dos de simples ou de mera apreciação: A) Pedido de simples apre-
ciação positiva; B) Pedido de simples apreciação negativa; 4 ‒ Notas
finais sobre a tutela meramente declarativa. 5 ‒ Pedidos de con-
denação: A) Razão de ser: a exigência de uma prestação incum-
prida; B) A importância prática da sentença condenatória; C) O
pedido inibitório (tutela inibitória) e o pedido de condenação para o
futuro (in futurum). 6 ‒ Pedidos constitutivos; 7 ‒ Conclusões finais.

1. Natureza tríplice da tutela processual: distinção entre a


tutela declarativa e a tutela executiva. Quem exerce o direito de
acção pretende alcançar uma determinada tutela para o seu direito
subjectivo regulado pelo Direito Privado (por exemplo, para o seu
direito de crédito, para o seu direito de propriedade ou de persona-
lidade). Pois bem, os ordenamentos jurídicos consagram, universal-
mente, três espécies distintas de tutela processual cível: a tutela declarativa,
a tutela executiva e a tutela cautelar. Esta triplicidade da tutela jurisdi-
cional cível resulta, desde logo, do artigo 2º, nº 2: a acção, enquanto
meio ou instrumento processual, destina-se a reconhecer, prevenir ou
reparar a violação de um direito (tutela declarativa); a realizar coerciva-
mente o direito (tutela executiva); ou, até, a acautelar o efeito útil da
acção ou assegurar provisoriamente o direito (tutela cautelar). Temos,
assim, três vias ou remédios para o restabelecimento ou para a cura
dos nossos direitos: a tutela declarativa consegue-se através da propo-
sição de uma acção declarativa; a tutela executiva exige a proposição de
uma acção executiva e, por fim, a tutela cautelar é obtida por via dos
denominados procedimentos cautelares.
A presente lição destina-se, precisamente, a compreender o sen-
tido das acções declarativas. Que pretende o autor através delas?
A resposta é simples: o autor pretende obter uma sentença que tutele
a sua concreta pretensão.

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AS ACÇÕES DECLARATIVAS ‒ A TUTELA PROCESSUAL DECLARATIVA

É muito importante, desde já, compreender a diferença entre uma


acção declarativa e uma acção executiva: o exequente, ao instaurar
uma acção executiva, quer a realização coerciva do seu direito a uma
prestação positiva ou negativa. Este direito tem de estar já declarado
ou certificado num documento chamado título executivo (artigo 703º):
a existência de um título executivo é, assim, uma «condição neces-
sária da execução»1.
Para além da sentença condenatória, a lei admite que a execução seja
promovida com base em certos títulos extrajudiciais. No fundo, para
o legislador, o direito aqui certificado apresenta «aquele grau de
certeza e segurança necessário para se sujeitar o devedor à respon-
sabilidade executiva, isto é, para que o órgão da execução exproprie
o património do devedor e dê, à custa dele, satisfação ao direito do
credor»2.
Como, de forma clara, se diz no artigo 10º, nº 4, as acções execu-
tivas são aquelas em que «o autor requer as providências adequadas
à reparação efectiva do direito violado.»
A ideia subjacente ao processo executivo facilmente se com-
preende: se o devedor não cumpre a prestação, já certificada num
documento com força executiva, o tribunal, a pedido do credor
(exequente) vai realizar ‒ através de mecanismos previstos na lei ‒ a
prestação por ele e à custa dele. Quer dizer, o tribunal subroga-se ou
substitui-se ao devedor, fazendo uso de uma força estatal e legítima
(exemplificando, se o título executivo certifica o dever de entregar
um imóvel, a execução consistirá na apreensão física da coisa e na
posterior entrega desta ao titular do direito à entrega, podendo a
operação implicar o uso da força contra a coisa ‒ arrombamento de
uma porta ‒ ou mesmo contra o executado).

 Anselmo de Castro, A acção executiva singular, comum e especial, p. 14.


1

 Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. I, p. 24.


2

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Para o cumprimento coercivo das obrigações, o nosso ordena-


mento jurídico prevê e regula três espécies de acções executivas
(artigo 10º, nº 6): 1) A acção executiva para pagamento de quantia certa
(artigo 724º e ss.); 2) A acção executiva para entrega de coisa certa (artigo
859º e ss.); 3) A acção executiva para prestação de facto (artigo 868º e ss.).
A complexidade do processo executivo exige que seja ensinado
numa Disciplina autónoma e, assim sendo, não dedicaremos mais
linhas a esta matéria ao longo destas lições.

Por fim, não devemos confundir as acções com os denominados


procedimentos cautelares3. Para que servem estes últimos meios? Quem
instaura um procedimento cautelar pretende obter uma medida célere
e, em princípio, provisória ‒ uma providência cautelar ‒, medida essa
que proteja o seu direito antes que a ofensa se torne extremamente
gravosa ou insusceptível de reparação. A tutela cautelar, que pode
ser considerada uma tutela «satélite» da tutela declarativa e da tutela
executiva, encontra-se regulada, com pormenor, nos artigos 362º a
409º do Código de Processo Civil e será objecto de análise na pró-
xima lição.

2. Os pedidos no âmbito da tutela processual (jurisdicional)


declarativa. Quem exerce o direito de acção, no domínio do pro-
cesso declarativo, tem de, na petição inicial, deduzir, da forma mais
clara possível, o pedido ou os pedidos (artigo 552º, nº 1, al. e)). Ora,
como explicaremos mais adiante, o juiz fica limitado pelo pedido que
o autor lhe apresenta, não podendo dar mais ou coisa diversa (artigos

 Pode, no entanto, dizer-se que, apesar das diferenças, todos os meios proces-
3

suais cíveis têm, permita-se-nos a expressão, um «património genético comum»,


ou seja, existem pontos de contacto, algumas semelhanças na sua estrutura. Assim,
por exemplo, os procedimentos cautelares assemelham-se em parte ao processo
declarativo e alguns comportam até uma fase executiva. As acções executivas inte-
gram fases que revestem natureza declarativa.

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609º, nº 1 e 615º, nº 1, al. e)). Se, por exemplo, o autor pede o reconhe-
cimento do seu direito de propriedade sobre certa coisa, o juiz não
poderá declarar a existência, na esfera desse sujeito, de um direito
de usufruto; se o autor pede a condenação do réu no pagamento de
€ 1000, o juiz não poderá atribuir-lhe nem mais um cêntimo, e por
aí fora.

Mas que pedidos podem ser deduzidos no âmbito de uma acção declarativa?
O Código de Processo Civil, no artigo 10º, nº 2, autoriza a dedução de
três espécies de pedidos. Alguma doutrina designa por pedido imediato a
providência requerida pelo autor no plano estritamente processual 4.
Vejamos, pois, que pedidos imediatos são esses, sempre originados por
um litígio ou conflito de interesses:

Pedidos de simples ou de mera apreciação, originadores das deno-


a) 
minadas acções de simples ou mera apreciação;
Pedidos condenatórios ou de condenação, que estão na base das
b) 
célebres acções de condenação;
Pedidos constitutivos, que se encontram na génese das chamadas
c) 
acções constitutivas.

Note-se que, na esmagadora maioria das acções, o autor não se


limita a deduzir, única e exclusivamente, um destes pedidos, mas, antes,
formula, em simultâneo, pedidos de diversa natureza. Esta cumulação
de pedidos é, portanto, admissível, a não ser que estejamos perante
pedidos entre si incompatíveis. Não raro é vermos, na mesma acção,
unidos por um fio condutor, pedidos de simples apreciação, de conde-
nação e constitutivos.
E isto porque o Código de Processo Civil, no seu artigo 555º, nº 1,
autoriza o autor a «deduzir cumulativamente contra o mesmo réu,

 Marinoni/Arenhart, Processo de conhecimento, p. 409.


4

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num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se


verificarem as circunstâncias que impedem a coligação.» Vejamos,
já de seguida, mais detalhadamente, qual a essência de um pedido
de mera apreciação, de um pedido condenatório e, por fim, de um pedido
constitutivo.

3. Pedidos de simples ou de mera apreciação: acções de sim-


ples ou de mera apreciação. O Código de Processo Civil de 1939
veio consagrar, no artigo 4º, al. a), a possibilidade de o autor deduzir
pedidos de simples apreciação contra o réu. E essa possibilidade manteve-
-se de pé até hoje (artigo 10º, nº 3, al. a)). Se a lei se refere às acções
de «simples apreciação», isso significa que autoriza o autor a apre-
sentar em juízo, ou seja, perante o juiz, pedidos de mera apreciação.
Como explicou Alberto dos Reis, «na acção de simples aprecia-
ção não se exige do réu prestação alguma, porque não se lhe imputa
a falta de cumprimento de qualquer obrigação. O autor tem simples-
mente em vista pôr termo a uma incerteza que o prejudica: incerteza
sobre a existência dum direito ou dum facto»5. Resta dizer que esta
incerteza terá de assentar, em princípio, numa situação litigiosa vivida
pelo autor.
Em termos genéricos, a doutrina italiana desde há muito ensina
que, nas acções de mera apreciação (azioni di mero accertamento),
pretende-se obter a declaração da existência (azioni di accertamento
positivo) ou da inexistência (azioni di accertamento negativo) de uma
relação jurídica incerta e controversa (di un rapporto giuridico incerto e
controverso)6. Este último aspecto tem de ser destacado, pois, sem
essa «nuvem» de incerteza a pairar sobre a relação jurídica, o tribunal

 Código de Processo Civil anotado, vol. I, p. 22. Proto Pisani, Lezioni di diritto
5

processuale civile, pp. 334 e s., chama a atenção, acerca das «azioni di mero accerta-
mento», para a necessidade de se associar, à afirmação da existência ou inexistên-
cia de uma relação jurídica, um «stato di giuridica incertezza».
6
 Zanzucchi, Diritto processuale, I, Milano Giuffrè, 1955, p. 227.

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deverá terminar com o processo através de uma decisão de absolvição


do réu da instância.

A) Pedido de simples apreciação positiva: é possível pedir ao tri-


bunal, apenas e tão-só, a declaração da existência de um direito (próprio)
ou a declaração da existência de um facto juridicamente relevante. Nestes
casos, a acção de simples apreciação diz-se positiva.

a) Pedir a mera declaração da existência de um direito não é pedir a


criação de um direito ou a condenação do réu a fazer ou a não
fazer algo, pois o autor satisfaz-se, antes e unicamente, com a decla-
ração judicial da existência do seu direito. Exemplificando, o autor
limita-se a pedir a declaração judicial da existência do seu
direito de propriedade sobre certa coisa, de um direito de servidão
de passagem sobre determinado caminho (direito já adquirido
por qualquer forma), ou, ainda, do direito ao encerramento de uma
varanda em certo condomínio7. Outro exemplo traduz-se no
pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho8.
Jamais se esqueça um ponto verdadeiramente essencial e que
é este: o tribunal não julgará o pedido de simples apreciação
positiva se não existir uma comprovada situação litigiosa e um
correspectivo interesse em agir ou interesse processual.

b) É ainda possível pedir a declaração da existência de um facto juri-


dicamente relevante, não propriamente de um direito. Assim,
por exemplo, pede-se a declaração judicial da validade de um
casamento, a declaração judicial da linha divisória que separa
dois prédios rústicos (A e B, proprietários confinantes, estão

7
 Ver, sobre este último caso, o Acórdão da Relação de Lisboa de 4/3/2010
(Gilberto Jorge), in www.dgsi.pt/.
8
 Cfr. Colectânea de Jurisprudência, 2014, t. IV, pp. 58 e 154.

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em litígio quanto à linha divisória que separa as suas proprie-


dades vizinhas: ambos pretendem, para não haver dúvidas,
que o tribunal declare por onde passa a estrema dos prédios),
a declaração de simulação de um contrato ou de falsidade de
um documento.
Escusado será dizer que nenhum tribunal declarará a existên-
cia de um facto juridicamente neutral ou irrelevante (por exemplo,
o facto de o autor pertencer à nobreza). Para além disto, o
tribunal não responde jamais a pretensões que se traduzam,
no fundo, em consultas de natureza jurídica. O tribunal somente
resolve a questão se existir, na base, um litígio relativo a um
concreto direito cuja existência se apresente, de forma objec-
tiva e grave, duvidosa. Assim, por exemplo, não pode propor-
-se, com êxito, um processo de simples apreciação para o único
efeito de determinar a natureza de um contrato de arrenda-
mento celebrado há meio século, concretamente para saber se
o contrato tem duração limitada ou ilimitada.

Fixemos agora a nossa atenção na causa de pedir das acções de sim-


ples apreciação positiva. O autor tem de alegar não apenas factos reve-
ladores da existência do direito ou do facto, mas também de uma situação
de incerteza objectiva e grave. Sem essa incerteza qualificada, o tribunal
não perderá tempo com o caso. Sem incerteza objectiva e grave o
exercício do direito de acção encontra-se desprovido de interesse pro-
cessual ou de interesse em agir, um pressuposto processual não previsto
expressamente na nossa lei, mas que a doutrina tem considerado
especialmente relevante no domínio das acções de mera apreciação.

B) Pedido de simples apreciação negativa: à luz do nosso sistema,


o autor pode pedir ao tribunal a declaração da inexistência de um direito
ou a inexistência de um facto juridicamente relevante e prejudicial para o
autor.

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a) Imaginemos que alguém afirma, falsamente e com alarde, ser


credor de uma pessoa ou ter sobre o prédio de alguém uma
servidão de passagem. Ora, a pessoa prejudicada com estas
falsas e prejudiciais afirmações poderá pedir ao tribunal, sem
mais, a declaração da inexistência do falso direito alheio.

b) Pode também pedir-se ainda a declaração da inexistência de


um facto prejudicial e juridicamente relevante. Imaginemos que
um indivíduo espalha certo facto falso e prejudicial relativa-
mente a certa pessoa. Através de uma acção de simples apre-
ciação negativa, pode pedir-se a declaração de que esse facto
não corresponde à realidade. Concretizando: A lança o boato
de que o seu vizinho B se encontra insolvente. Este poderá
intentar contra A uma acção de simples apreciação negativa,
pedindo apenas a declaração judicial da inexistência desse
estado.

Note-se, agora, o seguinte: sempre que, para além da mera apre-


ciação positiva ou negativa de um direito ou de um facto, for pedida
uma indemnização ou, até, a condenação do demandado a abster-se
de alardear o facto cuja falsidade se pretende ver declarada, o pro-
cesso deixa de ser de mera apreciação e transmuta-se num processo
condenatório.

4. Notas finais sobre a tutela meramente declarativa. Em pri-


meiro lugar, e na linha do princípio do pedido, importa precisar a
seguinte ideia: limitando-se o autor a pedir a declaração da existên-
cia ou da inexistência de um direito, o juiz não pode, na sentença,
condenar o réu a praticar certo facto ou a abster-se de determinados
comportamentos. O juiz tem, pois, de limitar-se, sob pena de a sen-
tença ser nula, a declarar a existência ou a inexistência do direito ou
a existência ou a inexistência de um facto. Nada mais do que isto. Se
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o autor, por exemplo, se limitou a pedir a declaração do seu direito


de propriedade, o tribunal fica impossibilitado de condenar o deman-
dado a não atravessar, no futuro, a propriedade. Na verdade, bem ou
mal, o autor entendeu que a mera declaração judicial era suficiente
para pôr termo a futuras violações.
Certa doutrina estrangeira levanta o curioso problema de saber se
o tribunal deve julgar um processo de mera apreciação quando o autor
podia ter ido mais longe, isto é, podia ter proposto uma acção conde-
natória. Para alguns, a resposta não pode deixar de ser negativa 9. Em
nosso entender, porém, o juiz deverá aceitar o pedido, a não ser que,
no caso, se lhe afigure inútil. Uma ideia de gestão material poderá
conduzir o juiz a questionar o demandante sobre a utilidade, para
este, de um pedido de mera apreciação.

Avancemos, agora, com uma segunda nota relativa ao ónus da prova


no domínio das acções de simples apreciação: a) No âmbito da acção
de simples apreciação positiva, sobre o autor recai o ónus de provar os
factos que fundamentam o seu pedido (artigo 342º, nº 1, do C.C.),
sem esquecer os factos reveladores da situação de incerteza objectiva e grave;

9
 O problema é analisado por Zanzucchi, Diritto processuale I, pp. 230 e ss.
O processualista italiano acentua que o entendimento negativo predomina na dou-
trina alemã, austríaca e inglesa. Mas assinala a diferente posição de Chiovenda,
aderindo a ela. É aceitável que ao autor assista a liberdade de opção entre os dois
caminhos: o caminho da acção de mera apreciação, menos agressivo; ou a via da
acção condenatória. Para Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, pp. 148
e s., é difícil impedir, no plano teórico, o autor de formular pedidos de mera apre-
ciação. Mas defende, apesar de tudo, que o juiz, na «audiência prévia», num plano
prático, pode dar ao autor a possibilidade de alterar o pedido (acrescentando um
pedido condenatório), concretizando-se, assim, a finalidade publicística da eco-
nomia processual («allo scopo di soddisfare le exigenze anche pubblicistiche di economia
dei giudizi»). Parece-nos acertado este entendimento. É de aceitar, entre nós, à luz
do artigo 6º, esta autêntica gestão material do pedido que aparece formulado, de
forma possivelmente incompleta, na petição inicial.

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b) Contrariamente, na acção de simples apreciação negativa, é sobre o


demandado, de acordo com o disposto no artigo 343º, nº 1, do C.C.,
que recai o ónus de provar a existência do direito que afirma ter sobre
o autor ou do facto que se encarregou de alardear10. E se o réu não
convence o juiz? Nessa eventualidade, ao juiz não resta senão decla-
rar a inexistência do direito ou do facto, dando procedência à acção
e condenando o réu no pagamento das custas.

5. Pedido de condenação (ou condenatório). A) Razão de ser:


a exigência de uma prestação incumprida. A lei autoriza a dedução
de pedidos condenatórios que, naturalmente, dão origem às importantíssi-
mas acções de condenação. Previstas no artigo 10º, nº 3, al. b), são, convém
afirmá-lo desde já, as acções que, com mais frequência, dão entrada nos
nossos tribunais. Estas acções também implicam uma apreciação e uma
declaração, sem dúvida alguma. Mas, note-se, esta apreciação é o primeiro
passo para se alcançar a posterior condenação do réu. A declaração, por-
tanto, é um meio para se alcançar esse fim que é a condenação11.
O pedido, no âmbito da acção em análise, é facilmente perceptível:
o autor pede que o juiz condene, intime ou obrigue o réu, através de uma
sentença, a realizar determinada prestação positiva ou negativa. Logo,
o autor não se satisfaz com a mera declaração judicial do seu direito.
Adiante-se que, estando em causa o cumprimento de uma obri-
gação de prestação de facto (positivo ou negativo) infungível, o autor tem
o direito de pedir o decretamento judicial de uma sanção pecuniária
compulsória, meio de coerção previsto no artigo 829º-A, do C.C.
Estando, portanto, em causa um facto infungível – ou seja, um facto
em que o devedor não pode fazer-se substituir –, e a requerimento
do autor, o juiz condenará o demandado no pagamento de uma multa

10
 O autor terá de provar, no entanto, a existência de uma situação de incerteza
objectiva e grave.
11
 Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. I, p. 22.

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(que reverte para o Estado) e de uma indemnização ao autor por cada


dia de atraso no cumprimento da obrigação ou sempre que desres-
peite a ordem judicial. Por exemplo, o réu fica condenado a abster-
-se de fazer ruídos a partir das 22h., e ainda a pagar ao autor uma
determinada quantia, bem como uma multa ao tribunal, sempre que
desrespeite a ordem emanada do juiz.
A sanção pecuniária constitui, portanto, uma medida destinada
a ultrapassar a eventual e quantas vezes previsível indiferença do
réu perante a sentença condenatória. Neste sentido, trata-se de um
reforço fundamental da condenação.
Facilmente se entende que, nas acções declarativas condenatórias,
o autor faz valer o direito a uma prestação positiva ou negativa, ou seja,
um direito de crédito. A este direito corresponde uma obrigação de
pagamento de quantia, de entrega de coisa ou de prestação de facto.
E qual a causa de pedir das acções condenatórias? É constituída pelos
factos essenciais e concretos dos quais emerge o direito creditório.
O direito de crédito pode ter por fonte de um contrato. Quando assim
é, o autor tem de alegar o contrato e a concreta situação de incum-
primento. Por exemplo, o autor alega que comprou ao réu um com-
putador e adianta que este não lhe foi entregue ou lhe foi entregue
com um defeito.
Mas o direito de crédito pode derivar da própria lei, como, por
exemplo, o direito a alimentos (ver artigo 1878º do C.C.).
O direito de crédito tem origem, frequentemente, na violação dos
denominados direitos absolutos. Assim, exemplificando, A, proprietário
de um terreno, pede que B, seu vizinho, proceda ao encerramento
de uma janela que não respeita as restrições previstas no artigo 1360º
do C.C.; D, que vê o seu retrato exposto numa montra de um estúdio
de fotografia pertencente a E, pede a condenação deste a retirar o
retrato, bem como no pagamento de uma indemnização.
Note-se que sobre o autor recai o ónus de provar os factos dos quais
emerge o seu direito de crédito (ver artigo 342º, nº 1, do C.C.).

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AS ACÇÕES DECLARATIVAS ‒ A TUTELA PROCESSUAL DECLARATIVA

B) A importância prática da sentença condenatória. Explique-


mos, agora, a importância prática da sentença condenatória. Importa
frisar que a sentença de condenação, só por si, não permite ao autor
alcançar, de forma imediata ou automática, a prestação em falta ou
em dívida. A procedência de uma acção de condenação origina, dife-
rentemente, uma sentença cuja parte dispositiva ou decisória contém
uma ordem ‒ um autêntico comando ‒ do tribunal dirigida ao réu,
no sentido de este realizar certa prestação ‒ positiva ou negativa ‒ em
benefício do autor. Exemplifiquemos, reproduzindo o excerto final
de uma sentença condenatória. No âmbito de uma acção de conde-
nação, na qual o autor pretendia a restituição de um veículo automó-
vel alugado ao réu, o juiz proferiu, respeitando os pedidos, a seguinte
decisão: 1º) «Condeno o réu a devolver ao autor o veículo automóvel
marca y, modelo x, com a matrícula (...), no estado em que se encon-
trava quando lhe foi entregue, com ressalva das deteriorações ineren-
tes ao uso prudente do mesmo, bem como os documentos que lhe
foram entregues com o veículo12; 2º) Condeno o réu a pagar à autora,
a título de indemnização pela mora, o montante diário de (...), con-
tado desde (...) até à restituição do veículo.»

Mas qual, afinal de contas, a relevância prática destas condenações judi-


ciais? Por um lado, em muitas situações, o devedor, confrontado com
a condenação judicial, decide adoptar o comportamento prescrito na
sentença e, portanto, fazer o que o juiz, solenemente, ordenou (neste
sentido, a sentença condenatória tem uma força constrangedora para
a parte condenada); por outro lado, contra o eventual desrespeito ou
resistência do condenado, a sentença pode vir a ser realizada coer-
civamente através de uma acção executiva (no artigo 703º, as sentenças

12
 Se, no âmbito da execução para entrega de coisa certa, a coisa não aparecer, a
lei prevê a conversão da execução (artigo 931º).

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condenatórias figuram como a 1ª espécie de título executivo) 13. Quer


dizer, qualquer sentença condenatória contém uma cominação ou
ameaça implícita dirigida ao réu e que é a seguinte: «se não cumprires
a ordem do tribunal, vais ter de suportar, se essa for a vontade do credor, a
«espada» da Justiça!»14. Por outras palavras, a sentença de condenação
é uma espécie de «carta verde» que autoriza, a pedido do credor, a
futura (e eventual) aplicação ao devedor da denominada «sanção
executiva». Ora, esta baseia-se na força do Estado.
Note-se a diferença fundamental entre a sentença de condenação
e a sentença de simples apreciação: nesta, o réu não é condenado a
cumprir uma prestação e, portanto, com base nela o autor não pode
instaurar um processo executivo15.

C) O pedido inibitório (tutela inibitória) e o pedido de con-


denação para o futuro (in futurum). Tradicionalmente, associa-se
a condenação (e a correspondente acção) a uma violação efectiva de
um direito perpetrada pelo réu. Por exemplo, este não pagou, den-
tro do prazo, a dívida que tinha para com o autor; ou, noutro exem-
plo, não restituiu, a tempo e horas, uma coisa pertencente a este, ou
causou danos nessa coisa, etc, etc. Mas a acção de condenação pode
também destinar-se a afastar ou a tentar evitar um comportamento
futuro do demandado susceptível de ofender um direito. Por isso, o
artigo 10º, nº 3, al. b), diz-nos que a acção de condenação pressupõe
ou prevê a ofensa de um direito.
Exemplificando, o titular do direito potestativo de constituição de
uma servidão de passagem, para além de pedir o decretamento desta,
requer a condenação do réu ‒ titular do prédio serviente ‒ a abster-se

 Como diz Zanzucchi, Diritto processuale, I, p. 236, «a sentença de condena-


13

ção é, ao contrário da sentença de mera apreciação, título executivo».


14
 Estando em causa a prestação de um facto negativo, vale o regime previsto
no artigo 941º.
15
 Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. I, p. 22.

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AS ACÇÕES DECLARATIVAS ‒ A TUTELA PROCESSUAL DECLARATIVA

de comportamentos que afectem, no futuro, o exercício desse direito


real limitado de gozo.
Outro exemplo: A, dono de uma casa com janelas voltadas para o
terreno do vizinho B, após tomar conhecimento de um projecto de
construção para este terreno, pede, através de uma acção condenató-
ria, que B se abstenha, na futura obra, de erigir uma parede a menos
de metro e meio das referidas janelas, aniquilando, na prática, a ser-
vidão de vistas tutelada pelo artigo 1362º, nº 2, do CC.
É importante perceber que, numa acção de condenação, o autor
pode pedir a condenação do réu a abster-se de praticar certos actos
no futuro ou, até, a praticar futuramente um acto cuja prática seja
necessária e certa (exemplo: a entrega da casa arrendada em determi-
nado dia, após o termo do arrendamento). Quanto à 1ª possibilidade
‒ a condenação do réu a abster-se de praticar actos no futuro ‒, esta-
mos no campo da denominada tutela inibitória e do pedido inibitório16.
Nas palavras do ilustre processualista brasileiro Marinoni, a tutela
inibitória visa «impedir a prática, a repetição ou a continuação do
ilícito»17. E porque tal acção se destina a evitar a «probabilidade» do
ilícito, o autor não tem, na causa de pedir, de alegar qualquer dano
efectivo ou eventual. O que tem de demonstrar, à partida, isso sim,
é a situação de ameaça ao seu direito que pretende tutelar através
dessa condenação (assim, por exemplo, voltando ao exemplo atrás
referido, o titular da servidão alega e prova que o dono do prédio
serviente tem afirmado publicamente que tudo fará para destruir a
servidão de passagem, na eventualidade de esta vir a ser decretada
pelo tribunal).
Concluindo, a acção inibitória, segundo Marinoni, serve «para
impedir a prática de ato contrário ao direito, ainda que ato seme-

16
 Vide Luiz Marinoni, Técnica processual e tutela dos direitos, pp. 174 e ss.
17
 Ob. cit., p. 177.

85
M IGU EL M ESQU I TA

lhante não tenha sido praticado»; mas pode servir também para
«impedir a repetição de ato contrário ao direito» 18.
É claro, diremos nós, que nestas acções condenatórias, o autor
terá de convencer o juiz da existência de interesse processual (interesse
em agir), alegando e provando factos reveladores da efectiva (não
inventada) ameaça.

A acção de condenação pode servir, também, para ordenar ao


demandado a prática, no futuro mais ou menos próximo, de um acto
determinado (pedido de condenação para o futuro). Esta possibilidade
encontra-se consagrada nos artigos 557º e 610º. Assim, por exemplo,
para ilustrar o disposto no nº 1 do artigo 557º, se um arrendatário
deixa de pagar uma renda, o senhorio poderá pedir não apenas a
condenação no pagamento da renda vencida, mas também nas rendas
que se vencerem na pendência do contrato19. O pedido condenató-
rio pode, assim, abranger prestações futuras que ainda nem sequer
foram incumpridas pelo réu (e ainda não se venceram). Estamos no
domínio da condenação para o futuro (in futurum).

 Ob. cit., p. 178.


18

 Exemplo apresentado por Lebre de Freitas/Montalvão Machado,


19

Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 2ª ed., 2008, anotação ao artigo 472º (actual
artigo 557º). O regime previsto no artigo 557º, nº 1, do CPC, não faz sentido
naqueles casos de dívidas a prestações em que o incumprimento de uma prestação,
nos termos do artigo 781º do C.C., acarreta o vencimento das restantes presta-
ções. Eis um singelo exemplo: A vendeu a B, em Dezembro de 2020, um quadro
pelo preço de € 1500, obrigando-se o comprador a pagar em três prestações de
€ 500 (1ª, no dia 1/4/21; 2ª, no dia 1/08/21; 3ª, no dia 1/12/21). Imaginando que B
não procede ao pagamento da 1ª prestação, a A assiste o direito de pedir, na acção
de condenação, não apenas o pagamento da prestação já vencida, mas também
das prestações que, por força do artigo 781º do C.C., passam a considerar-se ven-
cidas (o incumprimento de uma prestação pode conduzir à perda do benefício do
prazo).

86
AS ACÇÕES DECLARATIVAS ‒ A TUTELA PROCESSUAL DECLARATIVA

Haverá diferença entre o pedido inibitório e o pedido de condenação


para o futuro? Segundo Marinoni/Arenhart, «o pedido condenató-
rio para o futuro objetiva permitir o pronto pagamento da prestação
que provavelmente será inadimplida»; diferentemente, o pedido
inibitório «visa inibir a violação (também provável) de um direito».
E concluem os citados Autores agora citados: «o pedido de conde-
nação para o futuro aceita a violação, enquanto o pedido inibitório
quer inibi-la»20.

Para concluir, importa frisar que não devem ser autorizadas, no


nosso ordenamento, as sentenças condenatórias condicionais, e isto por-
que acarretam uma grande dose de indefinição e de insegurança,
podendo perpetuar-se no tempo. Assim por exemplo, é condicional
a sentença que condena o réu a parar certa actividade industrial, mas
somente até ao dia em que realize obras de insonorização da fábrica.
Nesta hipótese, a condenação perde a eficácia no dia em que ocorrer
um facto futuro e incerto, ou seja, a realização de obras pelo deman-
dado. Uma condenação desta índole, sujeita a uma condição resolutiva,
afecta a certeza do direito, deixando «no ar», passe a expressão, a
resolução do litígio.
Outro exemplo: a sentença condena o réu a retirar um toldo de
um logradouro, mas apenas se e quando se verificar a seguinte con-
dição (suspensiva): o autor colocar na sua casa as necessárias caleiras.
A sentença tem de ser certa e não pode condicionar a sua eficácia a
um evento futuro e incerto, ou seja, a uma condição21. Como bem expli-
cam Marinoni/Arenhart, «não é possível que a sentença condi-
cione sua eficácia a evento futuro e incerto por ela mesmo criado»22.

20
 Processo de conhecimento, pp. 83 e s.
21
 Assim se pronuncia, com clareza, Lebre de Freitas/Montalvão
Machado, ob. cit., anotação ao artigo 673º.
22
 Ob. cit., p. 414. Como explicam, a sentença pode regular um negócio jurí-
dico que contenha uma condição (por exemplo, a venda um automóvel fica depen-

87
M IGU EL M ESQU I TA

6. Pedido constitutivo. O sistema processual, em perfeita articu-


lação com os direitos regulados pelo Direito Privado, autoriza, ainda,
a formulação dos pedidos de natureza constitutiva. Tal possibilidade
encontra-se prevista no artigo 10º, nº 3, al. c). Pode dizer-se que as
acções constitutivas visam uma tutela jurisdicional diversa daquela
resultante das acções de simples apreciação ou das acções conde-
natórias. E isto porque, na acção constitutiva, o autor requer que o
juiz decrete, através da sentença, a constituição, a extinção ou a modifi-
cação de uma relação jurídica substantiva23. Ora, para a obtenção do
concreto efeito pretendido, não faz qualquer sentido a condenação
do réu. Na verdade, não é qualquer comportamento do réu que vai
permitir alcançar o efeito desejado pelo autor, mas antes e tão só as
palavras escritas pelo juiz na sentença.
Facilmente se entende que esta acção se encontra associada ao
exercício dos denominados direitos potestativos de exercício judicial:
através destes direitos, e desde que se encontrem verificados os res-
pectivos requisitos, alcança-se, por via da sentença, um efeito que,
de modo fatal ou inelutável, se impõe à contraparte 24.

dente da emigração do vendedor para o estrangeiro): «o que é vedado é a sentença


criar, ela própria, condição para sua eficácia.»
23
 De forma sugestiva, na Alemanha, a acção constitutiva é designada por
«Gestaltungsklage», sendo que o verbo «gestalten» significa formar, conformar,
esculpir.
24
 Existem direitos potestativos de exercício não judicial. É o caso típico do direito
de despedir um trabalhador, não exercitável através de uma acção, mas, antes, atra-
vés da forma prevista nos artigos 351º e 353º, nº 1, do Código do Trabalho. Existem,
por outro lado, direitos potestativos que tanto podem ser exercidos judicialmente,
como extrajudicialmente. Isto acontece, por exemplo, com o direito de constituir
uma servidão predial (ver artigo 1547º, nº 2, do C.C.). Por fim, diga-se que deter-
minados direitos potestativos somente através de um processo podem ser exerci-
dos, como, por exemplo, o direito de divórcio ou o direito de anular um contrato.

88
AS ACÇÕES DECLARATIVAS ‒ A TUTELA PROCESSUAL DECLARATIVA

a) Direitos potestativos constitutivos. A acção constitutiva serve o


exercício judicial dos direitos potestativos constitutivos. Pensemos, por
exemplo, na acção para constituição de uma servidão de passagem ou de
aqueduto (artigos 1547º e 1550º do C.C.); na acção para criação do vínculo
de filiação (artigo 1847º do C.C.); na acção destinada à execução específica
de um contrato-promessa (artigo 830º do C.C.). Nos casos apontados,
encontrando-se verificados (provados) os requisitos essenciais do
direito, o tribunal não pode deixar de decretar a constituição do novo
efeito na esfera jurídica das partes. E, se assim for, a partir da sen-
tença, o autor passa a ser, para todos os efeitos, titular desse direito
que, à partida, não lhe pertencia.
No respeitante à acção para constituição de servidão de passagem,
importa diferenciá-la das situações em que a pessoa já adquiriu o
direito de passar (v.g., por contrato; usucapião), mas vê esta sua «posi-
ção jurídica» posta em causa pelo proprietário do prédio serviente.
Nesta eventualidade, o titular da servidão deve propor, antes, uma
acção de simples apreciação positiva.

b) Direitos potestativos extintivos. A acção constitutiva (rectius, des-


constitutiva, se nos quisermos servir da terminologia brasileira) serve
para o exercício dos direitos potestativos extintivos. A acção de divórcio, de
despejo, de impugnação da perfilhação, de anulação de um negócio, de anula-
ção de uma deliberação, de extinção de uma servidão de passagem, são exem-
plos típicos e frequentes de acções constitutivas (a expressão, na sua
amplitude, abrange, como se vê, a própria destruição de relações jurí-
dicas: a sentença constitui um efeito novo, sendo este destrutivo de
um direito ou de uma relação jurídica).
Eis um exemplo verídico de uma acção declarativa de anulação:
A, viúva, intentou uma acção contra B, alegando que vendeu à ré,
quando se encontrava numa situação de incapacidade acidental (artigo
257º do C.C.) um imóvel que a autora utilizava como casa de habita-
ção. O pedido ‒ «ser anulado o contrato de compra e venda celebrado entre

89
M IGU EL M ESQU I TA

a autora e a ré, com a subsequente destruição dos registos efectuados (...)» ‒


baseou-se no facto de o negócio ter sido celebrado numa fase muito
complicada da vida da autora, com idas a um hospital psiquiátrico e
ingestão de medicamentos muito fortes.

Diferentemente, uma acção na qual o autor peça a declaração da


nulidade de um contrato, com fundamento em simulação ou com
base nas razões constantes do artigo 280º do C.C., por exemplo,
que natureza reveste? Natureza constitutiva ou meramente declarativa?
O autor, numa acção de nulidade, não faz valer nenhum direito potes-
tativo, como na acção de anulação, antes se limitando a pedir que o
tribunal reconheça e declare que o negócio jamais produziu efeitos
jurídicos, precisamente pelo facto de enfermar de uma nulidade.
O pedido principal de declaração de nulidade é, portanto, de mera
apreciação positiva, podendo ser formulados pedidos complemen-
tares condenatórios.
O autor requer que o tribunal declare a existência de uma causa
conducente à nulidade e à consequente invalidade do negócio.

c) Direitos potestativos modificativos. Por último, a acção constitu-


tiva está pensada para o exercício dos direitos potestativos modificativos.
Pensemos, por exemplo, numa acção destinada à mudança do local
de uma servidão de passagem (ver artigo 1568º do C.C.) 25.

Quanto à causa de pedir das acções constitutivas, ela traduz-se


nos factos originadores do direito potestativo, factos, acrescente-se, que
o autor tem de provar se quer alcançar o efeito pretendido. Assim,
por exemplo, numa acção para constituição de uma servidão de pas-

 Note-se que esta mudança tanto pode ser requerida pela pessoa que é titular
25

do direito de servidão, como pela pessoa que se encontra onerada com a servidão.

90
AS ACÇÕES DECLARATIVAS ‒ A TUTELA PROCESSUAL DECLARATIVA

sagem, o autor terá de alegar e provar todos os factos que traduzam


a hipótese normativa constante do artigo 1550º do C.C.

Julgada procedente a acção constitutiva, o tribunal decreta a pro-


dução do novo efeito jurídico, efeito que se impõe por si mesmo, sendo
perfeitamente dispensável, como já se entendeu, a colaboração do
demandado. O efeito representa uma fatalidade para o réu, ou seja, a
sentença constitutiva não precisa de ser executada. O réu pode, por
exemplo, impedir a passagem, mas não pode impedir o nascimento
do direito de servidão de passagem na esfera jurídica do autor.
A sentença tem uma força extraordinária, pois dela brota o efeito
pretendido que se impõe, inelutavelmente, ao réu e a terceiros. Torna-
-se conveniente, tal como fizemos para as acções condenatórias,
ilustrar este ponto através da reprodução de excertos de sentenças
constitutivas.

Exemplificando: no decurso de um processo de investigação de pater-


nidade, instaurado pelo Ministério Público (artigos 1864º, nº 1; 1865º,
nº 5, e 1866º do C.C.) o juiz lavrou uma sentença com a seguinte deci-
são: «Julgo a acção procedente e, em consequência, determina-se que o menor
G., registado na Conservatória do Registo Civil de Coimbra, sob o assento nº
(...), do ano de 2005, e no Diário sob o nº (...), é filho de J. Determina-se que
no registo de nascimento do menor passe a constar esta paternidade, assim
como a respectiva avoenga paterna. Custas pelo réu.»

Atentemos, agora, na parte decisória de uma sentença proveniente


de um processo de impugnação de paternidade, também instaurado pelo
Ministério Público, com fundamento nos artigos 1838º, 1839º, nº 1,
1841º, 1842º, nº 1, al. c), 1846º, nº 1, do C.C.: «Pelo exposto, e decidindo,
julga-se a presente acção procedente por provada: a) Assim se declarando, em
consequência, que o réu F. não é pai da menor A., nascida em 20/9/2005,
filha de M.; b) Mais se ordenando a correspondente rectificação do assento de
91
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nascimento daquela menor, Ana, nº (...) do ano de 2005, da Conservatória


do Registo Civil de Coimbra; c) Eliminando-se, em consequência, a referên-
cia à paternidade do réu F. relativamente àquela menor, bem como dos avós
paternos, no respectivo assento de nascimento.»

Finalizemos com a reprodução da parte decisória de uma sentença


proferida no domínio de uma acção para anulação de uma deliberação
proveniente de uma assembleia de condóminos: «Face ao exposto e
nos termos das disposições legais indicadas, decide-se julgar a presente acção
procedente, porque provada, declarando inválidas e sem produzirem efeitos as
três deliberações em causa.»

Concluindo, diremos que o juiz, ao abrigo de um poder conferido


pelo Estado, tem, no domínio das acções constitutivas, o poder de
alterar ou conformar o mundo dos direitos através de palavras escritas
numa sentença: as palavras do juiz, eivadas de um forte sentido jurí-
dico, criam, extinguem ou modificam direitos, fenómeno que só ocorre
no campo das acções constitutivas.
Já se defendeu, diferentemente, que, nestas acções, não devemos
concluir que «o juiz cria o direito», e isto porque «a modificação que
se opera na ordem jurídica resulta da própria força do direito objec-
tivo e não da vontade do juiz»26.
A verdade, porém, é que o novo efeito nasce com a sentença e
brota das palavras do juiz. É claro que o decretamento do novo efeito
tem de ser sustentado pela lei material, mas é o juiz, insistimos, atra-
vés da sua decisão, que cria, extingue ou modifica as mais diversas
relações jurídicas: o efeito não deriva, só por si da lei abstracta, mas
antes se apoia nela.

26
 Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, vol. I, p. 110.

92
AS ACÇÕES DECLARATIVAS ‒ A TUTELA PROCESSUAL DECLARATIVA

Como bem advertiu Alberto dos Reis, a criação do novo estado,


«que importa uma mudança na ordem jurídica existente, é obra da
sentença que julga procedente a acção»27-28.
Em princípio, a sentença constitutiva produz efeitos «ex nunc»,
ou seja, para o futuro: pensemos numa sentença proferida no âmbito
de uma acção de divórcio ou no âmbito de uma acção destinada à
constituição ou extinção de uma servidão de passagem. Já nas acções
de resolução ou de anulação os efeitos retroagem ao momento da
celebração do negócio29.
Raras são as vezes, porém, em que o processo constitutivo apa-
rece na sua forma pura, pois frequentemente, para além do pedido
assente no direito potestativo, surge um pedido condenatório acessório
ou dependente. A lei autoriza, como é sabido, a cumulação de pedi-
dos (artigo 555º, nºs 1 e 2).
Pede-se, por exemplo, a anulação de um contrato e a condenação
do réu a restituir, com fundamento no artigo 289º, nº 1, do C.C.,
o preço pago; pede-se, noutro exemplo, o divórcio e a condenação
do réu marido no pagamento de uma pensão de alimentos; pede-se
o despejo e a restituição da casa; a execução específica do contrato-
-promessa e a entrega da coisa objecto do contrato prometido.

Em todas as situações agora apontadas, a acção perde o seu carác-


ter puramente constitutivo e transforma-se numa acção mista, simul-
taneamente constitutiva (nuclearmente constitutiva) e condenatória.

27
 Código de Processo Civil anotado, vol. I, p. 23.
28
 Como, aliás, Anselmo de Castro acaba por reconhecer, ob. cit., p. 111,
«a sentença nas acções constitutivas é (...) causa da própria modificação que se
vai operar na ordem jurídica; entra como um facto gerador do direito na própria
ordem material, ao lado dos factos jurídicos voluntários».
29
 Seguimos de muito perto Anselmo de Castro, ob. cit., p. 111.

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M IGU EL M ESQU I TA

7. Conclusão final. Apontadas as linhas essenciais sobre as


acções de mera apreciação, condenatórias e constitutivas, importa dizer
que existe algo que é um «elemento comum» a todas elas: o carácter
declarativo da sentença. Como bem adverte Anselmo de Castro, «em
qualquer destes tipos de acções há sempre a necessidade de verifi-
cação e declaração judicial de uma situação jurídica anteriormente
existente. Nalgumas ‒ típicas são as de simples apreciação ‒ o poder
jurisdicional esgota-se aí; noutras, porém, a referida declaração é
pressuposto de certa providência (...), assumindo, assim, a declara-
ção um sentido meramente instrumental»30.
Com efeito, na acção de condenação, declara-se a existência do
direito à prestação para, de seguida, se condenar o réu a efectuá-la;
na acção constitutiva, declara-se determinada situação (uma situação
de encrave absoluto ou relativo de um prédio, por exemplo) para,
com base nisso, se decretar um efeito novo.

 Ob. cit., p. 110. Em Itália, Zanzucchi, Diritto processuale, I, pp. 227 e s.,
30

explicou, há muito, que «toda as acções declarativas implicam o reconhecimento,


sendo este prejudicial [no sentido de algo que é prévio e condição essencial para
um passo posterior] à condenação ou à constituição de um efeito jurídico.» Proto
Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, p. 143, chama igualmente a nossa atenção
para o «denominador comum» das acções declarativas, sejam elas de simples apre-
ciação, condenatórias ou constitutivas: a «declaração do direito accionado» («accer-
tamento del diritto azionato»).

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