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Lições de Direito
Processual Civil I
2º SEMESTRE/2ª TURMA
2022/2023
PARTE I
O SENTIDO DO PROCESSO CIVIL E OS MEIOS
(JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS)
DE TUTELA PROCESSUAL CÍVEL
1ª Lição
O Sentido, os Fins e a Natureza
do Direito Processual Civil
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No seu sentido literal: Que as armas cedam perante as togas. A expressão «toga»
pode aqui entender-se, em termos gerais, como a veste dos juízes e dos advogados.
Mas, em rigor, nos nossos dias, a palavra «beca» é a adequada para traduzir as ves-
tes solenes de um juiz (cfr. artigo 18º, nº 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais).
Segundo o artigo 74º do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei nº 145/2015, de
9 de Setembro), a «toga» é o traje profissional dos advogados: «O uso da toga ‒
determina-se no nº 1 desta norma ‒ é obrigatório para os advogados e advogados
estagiários quando pleiteiem oralmente.»
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Prosa doutrinal de Autores portugueses (selecção, prefácio e notas de António
Sérgio), Lisboa, Portugália Editora, s/d, pp. 158 e s.
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É certo que não pode haver Justiça sem a força do Estado, ou seja, sem a pos-
sibilidade do recurso à força pública. Mas esta é uma força legítima e querida pelos
cidadãos.
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Os interesses supra-individuais previstos no artigo 53º, nº 3, da C.R.P., como
veremos mais adiante, têm por objecto os bens da comunidade, como, por exem-
plo, a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, o ambiente ou o
património cultural. Como bem explica Mitidiero, Processo civil, São Paulo, Revista
dos Tribunais, 2021, p. 21, «os direitos individuais são aqueles que pertencem a um
indivíduo, que são subjetivamente determinados, ao passo que os transindividu-
ais são aqueles que pertencem à coletividade, que não podem ser subjetivamente
determinados. Exemplo de direito individual: o direito de alguém à obtenção
da reparação de um dano. Exemplo de direito transindividual: o direito ao meio
ambiente.»
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gira o Processo Civil. É fundamental fixar, desde já, esta simples ideia
que pode representar-se através do seguinte esquema:
Esquema 1
Como bem observa Mitidiero, Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribu-
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In www.dgsi.pt/.
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tando, por um lado, que o acidente não ocorrera na via pública e, por
outro lado, que o casal deveria ter vigiado a ave, coisa que não fez.
8
O verbo litigo significa, precisamente, disputar, combater ou lutar. Cfr. Car-
nelutti, Cómo se hace un proceso, p. 15.
9
Istituzioni del processo civile italiano, vol. I, 5ª ed., Roma, Foro Italiano, 1956, p. 6.
10
Ob. cit., p. 7.
11
As disposições doravante citadas, sem menção do diploma a que pertencem,
são do Código de Processo Civil.
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Guasp/Aragoneses, Derecho procesal civil, t. I, p. 33.
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Nas palavras do Ac. da Relação do Porto de 28/02/21 (Carlos Portela), in
www.dgsi.pt, «o processo de maior acompanhado não tem em vista dirimir conflito
algum.»
15
Alexandre Freitas Câmara, «A lide como elemento acidental da jurisdi-
ção», in Civil Procedure Review, jan./apr., 2011, vol. 2, nº 1, pp. 57-64.
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Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil, p. 8.
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Esquema 2
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É nosso o sublinhado.
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Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, p. 2.
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Nas palavras de E. Betti, Diritto processuale civile italiano, Roma, Foro Ita-
liano, 1936, p. 32, a pessoa que age em legítima defesa quer afastar «um perigo
actual de uma ofensa injusta.» A «actualidade» do perigo é, como bem acentua,
fundamental.
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A Relação de Coimbra, no Acórdão de 21/04/21 (Elisa Sales), in www.dgsi.pt,
com fundamento na figura do «estado de necessidade», absolveu dois arguidos
(um casal) da prática do crime de dano. O caso é curioso: os arguidos destruíram
parte de um muro alheio acabado de fazer, a fim de entrarem numa propriedade
que lhes pertencia e de aí alimentarem os animais existentes num barracão. Note-
-se que o referido muro tornava «completamente encravado» o terreno agrícola
dos arguidos. Entendeu a Justiça – e parece-nos que no plano cível o problema
haveria de ter uma solução análoga – que «a necessidade de os animais serem ali-
mentados e cuidados diariamente não se compadecia com os tempos da Justiça»,
legitimando-se, assim, o uso da força em nome de salvaguardar um interesse supe-
rior em relação ao interesse sacrificado.
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Esquema 3
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Cfr. o Preâmbulo do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro.
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Vide Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1º, p. 388.
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Alberto dos Reis, ob. cit., p. 388.
27
A Relação de Guimarães ‒ no Acórdão de 14/6/2004, in www.dgsi.pt/ ‒ deci-
diu manter num processo um juiz que, pelo facto de ser arrendatário e amigo dos
réus, se quis, e bem, afastar do julgamento da causa.
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A lei permite que a reacção seja movida tanto pela parte que pode ser preju-
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dicada, como pela parte que pode ser beneficiada. Vide, neste ponto, Alberto dos
Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1º, p. 424.
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Compreende-se que o parentesco (o parentesco existe entre pessoas que
descendem umas das outras ou entre pessoas que descendem de um progenitor
comum) seja causa de impedimento quanto ao exercício da função jurisdicional.
Ver, sobre este conceito, os artigos 1580º e s. do CC.
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acção física.
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O nosso discurso adequa-se à tutela declarativa e à tutela cautelar, uma vez
que a tutela executiva apresenta especificidades que exigem um estudo próprio em
Disciplina autónoma e mais avançada.
32
«Profilo dei rapporti tra diritto e processo», in Rivista di Diritto Processuale,
1960, p. 543.
33
Cfr. Taruffo, «Juicio: processo, decisión», in Páginas sobre justicia civil,
p. 234.
34
Calamandrei, Il processo come giuoco, in Opere giuridiche, a cura di Cappe-
letti, vol. I, pp. 537 e ss.; Carnelutti, Giuoco e processo, Rivista di Diritto Proces-
suale, 1951, p. 102; Taruffo, «Juicio: processo, decisión», in Páginas sobre justicia
civil, p. 233.
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mais árdua, uma espécie de luta ou duelo que decorria perante o olhar
quase impassível do magistrado (concepção duelística de processo
típica do adversary model seguido nos ordenamentos anglo-saxónicos).
Pois bem, é sabido que nos jogos, em geral, assume papel de pri-
mordial importância a habilidade, a força (física ou mental) e, também
muito, a sorte. Ora, o Processo Civil moderno está nos antípodas desta
visão das coisas e a associação à palavra «jogo» parece-nos hoje ina-
propriada para caracterizar a essência dos processos cíveis. A vitória
do processo deve caber à parte que tem razão à luz dos factos e do
Direito e não à parte dotada de mais astúcia, força ou sorte. O juiz
tem de intervir permanentemente através do diálogo, a fim de alcan-
çar a justa composição do litígio, mas evitando comprometer a sua
necessária imparcialidade. A palavra gestão passou a estar associada
à atividade dos juízes (veja-se o art. 6º), reforçando o dever de estes
intervirem no sentido de se alcançar a «tutela jurisdicional efec-
tiva.» E a ideia da gestão tem transformado, aos poucos, o próprio
«modelo adversarial,» quer em Inglaterra, quer nos Estados Unidos
da América35.
Como bem observou, na Alemanha, Jauernig, «no processo não
pode vencer a parte mais ardilosa ou mais esperta, mas antes a que
tem razão. O processo não é um jogo de futebol e o juiz não se con-
funde com um árbitro que impõe as regras do jogo e, depois, no fim,
entrega o prémio a um dos jogadores»36.
Há que reconhecer, no entanto, que, apesar de certas «válvulas
de segurança» permitirem a superação de erros ou falhas cometidas
pelas partes (o convite à correcção de articulados deficientes ou a
procura oficiosa de prova, por exemplo), o bom conhecimento das
regras processuais e a forma de litigar assumem um papel por vezes
2005, pp. 2 e s.
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Zivilprozessrecht, 29 Auf., München, C.H. Beck, 2007, p. 73.
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Chiovenda, Principii di diritto procesuale civile, p. 68, define o processo civil
como «o complexo de actos coordenados e destinados à finalidade da actuação da
lei, por parte dos órgãos da jurisdição ordinária.»
38
Guasp/Aragoneses, Derecho procesal civil, t. I, p. 35.
39
Redenti, «Atti processuali civili», in Scritti e discorsi giuridici di un mezzo
secolo, vol. I, Milano: Giuffrè, 1962, p. 428, escreve que o processo se traduz num
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Istituzioni del processo civile italiano, vol. I, p. 4.
43
Guasp/Aragoneses, Derecho procesal civil, t. I, p. 43, explicam que o processo
obedece não apenas ao princípio da justiça, mas também ao princípio da segu-
rança.
44
La semplice verità, Editore Laterza, 2009, pp. 117 e ss.
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formar com a derrota que lhe foi infligida por um terceiro imparcial
e que, na esmagadora maioria dos processos, representa o Estado.
O efeito do caso julgado, como veremos mais tarde, ocorre quando
a decisão deixa de ser susceptível de recurso ou de reclamação
(artigo 628º).
Esquema 4
Sobre este regime vide Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol.
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Qualquer um destes terceiros pode, ao abrigo do artigo 326º, constituir-se
assistente, praticando actos que evitem a perda da acção para o réu (devedor desses
terceiros).
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Seguimos, de muito perto, Luso Soares, Processo civil de declaração, pp. 114 e s.
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Consta do Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro, alterado, recente-
mente, pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro.
50
Manual de derecho procesal civil, vol. I, p. 22.
51
Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 7.
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