Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Lições de Direito
Processual Civil I
(TEORIA GERAL DO PROCESSO CIVIL DECLARATIVO)
2º SEMESTRE/2ª TURMA
2020/2021
PARTE I
O SENTIDO DO PROCESSO CIVIL E OS MEIOS
(JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS)
DE TUTELA PROCESSUAL CÍVEL
1ª Lição
O Sentido, os Fins e a Natureza
do Direito Processual Civil
7
M IGU EL M ESQU I TA
1
No seu sentido literal: Que as armas cedam perante as togas. A expressão «toga»
pode aqui entender-se, em termos gerais, como a veste dos juízes e dos advogados.
Mas, em rigor, nos nossos dias, a palavra «beca» é a adequada para traduzir as ves-
tes solenes de um juiz (cfr. artigo 18º, nº 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais).
Segundo o artigo 74º do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei nº 145/2015, de
9 de Setembro), a «toga» é o traje profissional dos advogados: «O uso da toga ‒
determina-se no nº 1 desta norma ‒ é obrigatório para os advogados e advogados
estagiários quando pleiteiem oralmente.»
2
Prosa doutrinal de Autores portugueses (selecção, prefácio e notas de António
Sérgio), Lisboa, Portugália Editora, s/d, pp. 158 e s.
8
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
3
É certo que não pode haver Justiça sem a força do Estado, ou seja, sem a pos-
sibilidade do recurso à força pública. Mas esta é uma força legítima e querida pelos
cidadãos.
4
Os interesses supra-individuais previstos no artigo 53º, nº 3, da C.R.P., como
veremos mais adiante, têm por objecto os bens da comunidade, como, por exem-
plo, a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, o ambiente ou o
património cultural.
9
M IGU EL M ESQU I TA
çados ou violados por quem quer que seja. Neste sentido, o Direito
é, diríamos, respeitado, de forma espontânea e voluntária, por parte
dos indivíduos e a paz transparece nas relações humanas. Existem
sempre, em boa verdade, diariamente, ofensas esporádicas que,
por serem irrelevantes, acabam por desculpar-se ou esquecer-se,
cumprindo-se o instinto de sobrevivência e o espírito elevado que
caracteriza os homens razoáveis.
Por vezes, porém, as pessoas (singulares ou colectivas) vêem os
seus direitos ameaçados ou violados de uma forma gritante, nascendo
graves litígios ou conflitos relacionados com as suas «posições jurídi-
cas substantivas» reguladas pelo Direito Privado.
Importa frisar que muitos destes conflitos, apesar do atrito que
geram, resolvem-se amigavelmente, fora dos tribunais, com ou sem
a presença de um terceiro mediador5. Exemplificando, o vizinho rui-
doso, uma vez intimado a fazer menos ruído, torna-se silencioso; o
plagiador, uma vez confrontado com o flagrante plágio constante
da sua obra escrita ou musical, retira esta do mercado ou paga uma
indemnização ao autor ofendido; o condómino devedor, intimado
a saldar uma dívida do condomínio, acaba por transferir o dinheiro
para a conta da administração.
Mas os conflitos agravam-se quando não se resolvem amigavel-
mente.
Exemplos não faltam e podem apresentar-se até ao infinito. Sendo
a vida tão rica e complexa, muitos litígios, originadores de «batalhas
judiciais», apresentam contornos que nem a imaginação mais fértil
poderia, algum dia, supor e descrever.
Eis um 1º exemplo verídico que deu origem ao interessante Acór-
dão da Relação de Coimbra de 18/11/2008 (Arlindo Oliveira)6: o con-
dutor de um veículo ligeiro, ao proceder a uma manobra, atropelou
5
O conceito de mediação será analisado numa lição autónoma.
6
In www.dgsi.pt/.
10
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
11
M IGU EL M ESQU I TA
7
O verbo litigo significa, precisamente, disputar, combater ou lutar. Cfr. Car-
nelutti, Cómo se hace un proceso, p. 15.
8
Istituzioni del processo civile italiano, vol. I, 5ª ed., Roma, Foro Italiano, 1956, p. 6.
9
Ob. cit., p. 7.
10
As disposições doravante citadas, sem menção do diploma a que pertencem,
são do Código de Processo Civil.
12
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
11
Guasp/Aragoneses, Derecho procesal civil, t. I, p. 33.
12
Ver o Acórdão da Relação do Porto de 28/09/2010, Ana Lucinda Cabral
(interesse em agir/aquisição de nacionalidade/união de facto). Eis o caso exposto
no aresto: um cidadão búlgaro intentou uma acção contra o Estado português,
a fim de que o tribunal declarasse que vivia em união de facto, há mais de três
anos, com certa pessoa de nacionalidade portuguesa. O Estado não contestou.
O juiz proferiu um despacho a julgar procedente a excepção dilatória da falta de
interesse em agir, absolvendo o réu da instância. Interposto recurso pelo autor,
a Relação do Porto revogou a decisão recorrida. Se, em princípio, o exercício do
direito de acção exige uma lesão de direitos, a verdade é que, neste caso, à luz do
regime legal, o autor, para adquirir a nacionalidade portuguesa, necessita de uma
sentença meramente declarativa.
13
M IGU EL M ESQU I TA
13
Alexandre Freitas Câmara, «A lide como elemento acidental da jurisdi-
ção», in Civil Procedure Review, jan./apr., 2011, vol. 2, nº 1, pp. 57-64.
14
Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil, p. 8.
15
É nosso o sublinhado.
14
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
16
Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, p. 2.
15
M IGU EL M ESQU I TA
16
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
18
Responsabilidade civil, Lisboa, 1959, p. 69.
19
Nas palavras de E. Betti, Diritto processuale civile italiano, Roma, Foro Italiano,
1936, p. 32, a pessoa que age em legítima defesa quer afastar «um perigo actual
de uma ofensa injusta.» A «actualidade» do perigo é, como bem acentua, funda-
mental.
17
M IGU EL M ESQU I TA
18
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
20
A. Wach, Manual de derecho procesal civil, vol. I, p. 22.
19
M IGU EL M ESQU I TA
21
Cfr. o Preâmbulo do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro.
20
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
22
Vide Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1º, p. 388.
23
Alberto dos Reis, ob. cit., p. 388.
24
A Relação de Guimarães ‒ no Acórdão de 14/6/2004, in www.dgsi.pt/ ‒ deci-
diu manter num processo um juiz que, pelo facto de ser arrendatário e amigo dos
réus, se quis, e bem, afastar do julgamento da causa.
21
M IGU EL M ESQU I TA
25
A lei permite que a reacção seja movida tanto pela parte que pode ser preju-
dicada, como pela parte que pode ser beneficiada. Vide, neste ponto, Alberto dos
Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1º, p. 424.
26
Compreende-se que o parentesco (o parentesco existe entre pessoas que
descendem umas das outras ou entre pessoas que descendem de um progenitor
comum) seja causa de impedimento quanto ao exercício da função jurisdicional.
Ver, sobre este conceito, os artigos 1580º e s. do Código Civil.
22
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
23
M IGU EL M ESQU I TA
acção física.
28
O nosso discurso adequa-se à tutela declarativa e à tutela cautelar, uma vez
que a tutela executiva apresenta especificidades que exigem um estudo próprio em
Disciplina autónoma e mais avançada.
24
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
29
«Profilo dei rapporti tra diritto e processo», in Rivista di Diritto Processuale,
1960, p. 543.
30
Cfr. Taruffo, «Juicio: processo, decisión», in Páginas sobre justicia civil,
p. 234.
31
Calamandrei, Il processo come giuoco, in Opere giuridiche, a cura di Cappe-
letti, vol. I, pp. 537 e ss.; Carnelutti, Giuoco e processo, Rivista di Diritto Proces-
suale, 1951, p. 102; Taruffo, «Juicio: processo, decisión», in Páginas sobre justicia
civil, p. 233.
25
M IGU EL M ESQU I TA
32
Zivilprozessrecht, 29 Auf., München, C.H. Beck, 2007, p. 73.
33
Chiovenda, Principii di diritto procesuale civile, p. 68, define o processo civil
como «o complexo de actos coordenados e destinados à finalidade da actuação da
lei, por parte dos órgãos da jurisdição ordinária.»
26
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
34
Guasp/Aragoneses, Derecho procesal civil, t. I, p. 35.
35
Redenti, «Atti processuali civili», in Scritti e discorsi giuridici di un mezzo
secolo, vol. I, Milano: Giuffrè, 1962, p. 428, escreve que o processo se traduz num
conjunto de actos legalmente previstos que se combinam entre si de forma pro-
gressiva. O processo é uma sequência de actos (sequela di atti). A palavra processo
deriva da conjugação do prefixo «pro» (para diante) com o verbo «cedere» (cami-
nhar).
36
Cfr. Guasp/Aragoneses, Derecho procesal civil, t. I, p. 39.
27
M IGU EL M ESQU I TA
dos articulados (artigo 552º e ss.); 2ª) Fase da audiência prévia (artigos
590º e ss.); 3ª) Fase da audiência final, comportando a fase da instrução
ou da produção de prova (artigo 599º e ss.); 4ª) Fase do julgamento
(da matéria de facto e da matéria de direito) ou da sentença (artigo
607º e ss.).
Materialmente, o processo traduz-se num conjunto de papéis
escritos (petições, requerimentos, contestações, despachos e docu-
mentos da mais variada espécie). Refira-se, no entanto, que os proces-
sos judiciais são hoje norteados por uma ideia de desmaterialização37.
Nos processos cíveis, as partes praticam os actos por via electrónica,
mas tanto os juízes como os advogados preferem trabalhar em pro-
cessos de papel e não em processos que somente aparecem nos ecrãs
de um computador.
37
Ver a Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto.
38
Istituzioni del processo civile italiano, vol. I, p. 4.
39
Guasp/Aragoneses, Derecho procesal civil, t. I, p. 43, explicam que o processo
obedece não apenas ao princípio da justiça, mas também ao princípio da segu-
rança.
40
La semplice verità, Editore Laterza, 2009, pp. 117 e ss.
28
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
41
Sobre este regime vide Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol.
V, pp. 100 e ss.
29
M IGU EL M ESQU I TA
42
Qualquer um destes terceiros pode, ao abrigo do artigo 326º, constituir-se
assistente, praticando actos que evitem a perda da acção para o réu (devedor desses
terceiros).
30
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
43
Seguimos, de muito perto, Luso Soares, Processo civil de declaração, pp. 114
e s.
Consta do Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro, alterado, recente-
44
31
M IGU EL M ESQU I TA
45
Manual de derecho procesal civil, vol. I, p. 22.
46
Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 7.
47
Cfr. Guasp/Aragoneses, Derecho procesal civil, t. I, p. 51.
32
O SEN T I DO, OS F I NS E A NAT U R EZ A DO DI R EI TO PROCESSUA L CI V I L
48
Cfr. Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, p. 12.
49
Seguimos, de muito perto, Guasp/Aragoneses, ob. cit., p. 52.
33
M IGU EL M ESQU I TA
34