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Aplicação da lei penal no espaço

Em princípio as leis valem dentro do Estado que as produziu, podendo valer no


território de outros Estados se esses outros Estados consentirem; o Estado aplica as
suas leis dentro do seu território. A validez da lei penal limita-se ao espaço territorial
que lhe reconhece a comunidade internacional e onde se dará o exercício da
soberania.

A lei penal é feita para exercer a sua eficácia sobre uma determinada região. Mas,
como coexistem soberanias de vários Estados, e considerando que cada Estado tem a
sua própria legislação penal torna-se necessário delimitar territorialmente a eficácia das
respectivas legislações, em relação ao facto delituoso, ou seja, de se saber, em face de
um facto cujos elementos se verificam em diferentes Estados, qual desses Estados é
competente para o julgar. Em suma, o objectivo é saber qual é o limite de aplicação da
lei penal de um determinado Estado.

Sobre esta questão, importa abordar os seguintes princípios:

Princípio da territorialidade, este cinge-se ao território do país. Os crimes neles


cometidos são regulados por suas leis, qualquer que seja a nacionalidade do réu e da
vítima, ou seja, a lei penal só tem aplicação no território do estado que a editou,
independentemente da nacionalidade do sujeito activo e passivo.

Noção de Território

O Território compreende o espaço físico delimitado onde o povo exerce o seu poder
político.

Porém, juridicamente, o território de um Estado não compreende só a parte sólida ou


física. Abrange também as águas, o espaço aéreo, os locais onde se situam as
representações diplomáticas de cada Estado noutros países e meios de transporte do
Estado.

O nº1 do artigo 6 da CRM estipula que o território da República de Moçambique


abrange «(...) toda a superfície terrestre, a zona marítima e o espaço aéreo delimitados
pelas fronteiras nacionais».

O n° 1 do art. 56 do CP estabelece que a lei penal moçambicana aplica-se a todos os


factos praticados no território moçambicano independentemente da nacionalidade dos
infractores, não havendo tratado em contrário. O fundamento ou a justificação deste
princípio reside por um lado na manifestação da soberania do Estado, ou seja, o
Estado moçambicano aplica a sua lei a todos os factos ocorridos no seu território, por
outro lado, visa garantir uma boa administração da justiça pois possibilita a realização

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de diligências processuais, pois é no território do Estado onde foi cometido o acto onde
se pode recolher facilmente os elementos de prova e descobrir os infractores.

Princípio do pavilhão ou da bandeira

Este princípio e decorrente da teoria do territoire flottant) território flutuante e se vincula


ao princípio da territorialidade. Por ele, consideram-se as embarcações e aeronaves
extensão do território do país em que se acham matriculadas.

O nº 2 deste artigo conjugado com o artigo 48 do CPP prevêem que a lei penal
moçambicana é aplicável a bordo de embarcações e aeronaves moçambicanas de
natureza pública ou ao serviço do Estado onde quer que se encontrem pois estes
assimilam-se/consideram-se territórios do Estado Moçambicano.

No mar territorial, naturalmente, domina a lei da nação a que ele pertence. Todavia, o
Direito Internacional abre excepções relativamente aos navios. Estes dividem-se em
públicos ou privados. Os primeiros são os navios de guerra, os empregados em
serviços militares, em serviços públicos (alfandega, polícia marítima, etc.), e os que
transportam chefes de Estado e ou representantes diplomáticos. Tais navios quer em
alto mar, quer no territorial, ficam sujeitos a sua lei. Os crimes praticados são da
competência da justiça do país a que pertencem.

O alto-mar não esta sujeito a soberania de qualquer Estado. Regem-se os navios que
lá navegam pelas leis nacionais do pavilhão que os cobre, no tocante aos actos civis ou
criminais a bordo deles ocorridos. No tocante ao espaço aéreo, sobre a camada
atmosférica da imensidão do alto-mar e dos territórios terrestres não sujeitos a
qualquer soberania, também não existe o império da ordem jurídica de Estado algum,
salvo o pavilhão da aeronave, para actos neles verificados, quando cruzam esse
espaço tão amplo. Assim, cometido um crime a bordo de navio pátrio em alto mar, ou
de aeronave moçambicana no espaço livre, vigoram as regras sobre a territorialidade,
os delitos assim cometidos se consideram como praticados em território nacional.

O n°3 deste artigo estabelece que a lei penal moçambicana aplica-se a crimes
praticados a bordo de aeronaves estrangeiras de propriedade privada desde que se
encontrem em território Moçambicano. Importa referir que tratando-se de Aeronaves
estrangeiras de natureza pública, regra geral a lei penal moçambicana não se aplica.
Os navios privados (mercantis, de recreio, etc.), em alto mar, estão sujeitos a lei do
pavilhão que ostentam.

O princípio da territorialidade é o princípio fundamental, os restantes são subsidiários


ou complementares. A lei penal moçambicana consagra o princípio da territorialidade e

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o seu corolário, o princípio do pavilhão, que é por excelência um princípio dos estados
soberanos, pois no interior das suas fronteiras os Estados são competentes para
aplicar a sua lei penal a toda infracção praticada independentemente de ter sido
cometida por um cidadão estrangeiro ou nacional.

Sede do delito

O sistema jurídico moçambicano, a semelhança do sistema jurídico português e


francês, baseia-se essencialmente no princípio da territorialidade, o lugar da prática do
facto é decisivo para a questão da aplicação da lei penal moçambicana. A aplicação do
princípio da territorialidade pode dar lugar a várias dificuldades. Assim, há crimes cuja
consumação se protela por mais ou menos tempo, como por exemplo o cárcere
privado, podendo a consumação protelada ter lugar em vários países. É possível
também suceder que várias actividades do mesmo crime ou actos de comparticipação
da mesma infracção se espalhem por diversos Estados. Nestes e em outros casos
coloca-se o problema de saber onde deve considerar-se a sede do delito. A lei
substantiva não resolve expressamente o problema. A solução é encontrada na
doutrina que oferece soluções unilaterais e plurilaterais.

a) Soluções unilaterais
Recorrendo a estas soluções, os autores costumam considerar realizado o delito no
lugar onde se levou a cabo a actividade do agente (actos de execução), ou seja, onde
se cometeu a acção ou omissão (teoria da actividade). Outros consideram como lugar
do crime aquele onde se produzem os resultados, ou o evento criminoso (teoria do
resultado). Finalmente, outro grupo considera como lugar do crime, aquele onde foi
ofendido o interesse protegido pela lei. Estas soluções são muito criticadas pois
revelam conflitos de competência negativa.

b) Solução plurilateral
Tendo em conta esta solução, considera-se local do facto o lugar onde se verificou
qualquer dos elementos indicados. Na verdade, o artigo 46 do CPP, resolvendo a
questão da competência territorial supõe uma solução plurilateral. Em outras palavras,
o ordenamento jurídico moçambicano adopta as teorias plurilaterais ou da ubiquidade
que resulta da teoria da actividade ou da acção (em que o lugar do crime é aquele em
que se cometeu a acção ou omissão) e da teoria do resultado (em que o lugar do crime
é aquele em que se produziu o resultado). Em outras palavras, a teoria da unidade,
ubiquidade ou mista tem por lugar do delito aquele em que for realizado qualquer um
de seus elementos integrantes, seja o da execução, seja o do momento consumativo.

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 Princípio da Nacionalidade, também chamado da personalidade, determina
que a lei a ser aplicada é sempre a do país de origem do delinquente, onde quer
que ele se encontre. Este princípio desdobra-se em activo e passivo, ou seja,
princípio da nacionalidade activa e princípio da nacionalidade passiva. O
primeiro aplica-se a lei do país a que pertence o agente, sem se levar em
consideração o bem jurídico. O segundo, a lei aplica-se somente quando o bem
jurídico ofendido pertença a pessoas da mesma nação.

Este princípio defende que a lei penal moçambicana aplica-se aos seus cidadãos onde
quer que pratiquem os factos criminais, desde que se encontrem em território
moçambicano (vide os nº 6 e 7 do art. 56 do CP). A aplicação deste princípio exige a
verificação dos seguintes requisitos:

a) Que o infractor se encontre em Moçambique;


b) Que o facto constitua crime no país onde foi praticado; e
c) Não tendo o agente sido julgado no país em que cometeu o crime.
A razão de ser deste princípio reside na ideia de que os nacionais de um certo Estado
permanecem ligados/vinculados a sua nação, onde quer que se encontrem. Visa
garantir que os moçambicanos que tenham cometido crimes em território estrangeiro
sejam responsabilizados; visa prestar solidariedade ao Estado estrangeiro em que a
ordem pública foi violada pelo nacional que regressou a Moçambique e não pode ser
extraditado em decorrência do princípio da não-extradição de nacionais. Este princípio
(da não extradição dos nacionais) encontra-se previsto no n°4 do artigo 67 CRM.

 Princípio da defesa dos interesses nacionais


Estabelece que a lei penal moçambicana aplica-se a todos os actos praticados no
estrangeiro, que violem os interesses superiores do Estado, sejam eles praticados por
nacionais ou estrangeiros. A base legal deste princípio está consagrada nos nºs 4 e 5
do art. 56 do CP. A lei exige, nos casos em que o crime é praticado por moçambicano,
a não violação da regra non bis in idem (ninguém deve ser punido duas vezes pela
pratica do mesmo facto n°3 do art. 59 da CRM). Sendo praticado por estrangeiro exige-
se a sua comparência em território moçambicano.

Este princípio justifica-se pelo facto de se violar interesses superiores do Estado tais
como a segurança interior e exterior do Estado, a falsificação de selos públicos, da
moeda moçambicana, de papéis de crédito público ou de notas de banco nacional, cuja
intenção do Estado é protegê-los.

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 Princípio da aplicação universal da lei penal
Este advoga que os Estados modernos devem proteger certos interesses considerados
como fundamentais pela comunidade internacional, independentemente de quem seja
o agente do crime ou o lugar onde o facto ocorra. Este princípio encontra-se previsto no
n°9 do artigo 56 do CP. A aplicação universal da lei penal moçambicana resulta de
tratado ou convenção internacional que o Estado tenha ratificado.

O valor das decisões estrangeiras em matéria criminal

As sentenças proferidas por tribunais estrangeiros não têm valor jurídico em território
moçambicano. A razão de ser deste facto encontra-se no n° 8 do artigo 56 do CP “ se
nos casos dos n°s 5 e 6 do presente artigo, o infractor havendo sido condenado no
lugar do crime, se tiver subtraído ao cumprimento de toda a pena ou de parte dela,
formar-se-á novo processo perante os tribunais moçambicanos que, se julgarem
provado o crime, aplicarão a pena correspondente prevista na legislação
moçambicana, descontando-se o tempo cumprido”. Isto significa que não se executam
sentenças estrangeiras, todavia apenas toma-se em conta, como mero facto a pena já
sofrida.

A outra disposição que faz referência a este problema é o n° 5 do artigo 38 do CP


segundo o qual não são computadas para a reincidência por crimes previstos no CP,
as condenações proferidas por tribunais estrangeiros. Com isto depreende-se que não
se atende, para efeitos de reincidência, às sentenças pronunciadas no estrangeiro. Isto
porque não se lhe quis atribuir efeitos jurídicos.

Extradição é o acto pelo qual um governo remete um individuo que se refugiou no seu
território ao governo de um outro Estado para que ele aí seja julgado pelos respectivos
tribunais, ou, quando aí já tenha sido julgado, para cumprir a pena que lhe foi aplicada.
Em outras palavras, a extradição é o acto pelo qual uma nação entrega a outra um
criminoso para ser julgado ou punido.

A extradição justifica-se pois ela convém aos dois Estados, ao que extradita porque se
vê livre de um criminoso e ao que pede a extradição pois pode punir o autor de um
delito. Inicialmente, a extradição fazia-se por acordos particulares, mais tarde, à partir
do século XVII, começou a ser regulada por acordos internacionais.

As fontes que regulam a extradição são de Direito internacional e de direito interno.


Promana de tratados, convenções e acordos entre os Estados, assentando-se no
princípio da reciprocidade, e adoptados e completados por leis internas.

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Quem pode pedir a extradição? A extradição pode ser pedida por todo o Estado que,
segundo as leis de competência internacional, deve punir um determinado facto. Assim
sendo, pode surgir uma acumulação ou concurso de pedidos de vários Estados. Daí
surge o problema de se saber em favor de qual Estado decidir.

A solução aceite em direito moçambicano é o de dar prevalência àquele Estado que


pedir a extradição, para aplicação da sua lei com base no princípio a que o nosso
direito atribua a maior eficácia. Portanto o Estado que pedir a extradição com base no
princípio da territorialidade (n˚1 do art.8 do CP), depois no da defesa dos interesses
nacionais e, finalmente no da nacionalidade.

Mas pode acontecer que vários Estados venham pedir a extradição do mesmo
criminoso com base no mesmo princípio da territorialidade. Será o caso de o mesmo
criminoso praticar factos diferentes, nomeadamente o furto, o homicídio e ofensas
corporais nos respectivos países. Qual é a solução?

Segundo Beleza dos Santos, a solução está em aplicar por analogia, a lei interna
reguladora dos conflitos de competência territorial que se encontra prevista no artigo 55
do CPP. Por consequência deve dar-se preferência ao Estado em que se praticou o
facto mais grave segundo a lei moçambicana (al. a) do n 2 do art.8 da lei da
extradição).

Sendo os crimes de igual gravidade? Qual é a solução?

Deve atender-se o pedido do país que em primeiro lugar houver solicitado a entrega do
extraditando.

Tratando-se de pedidos simultâneos, deve atender-se o pedido do Estado de origem do


extraditando ou, na sua falta, o do estado domiciliar.

Condições da extradição:

1ª A extradição só pode ter lugar mediante decisão judicial;

2ª Relativamente ao delito ou crime, conceder-se-á a extradição quando o crime seja


punível pela lei moçambicana e pelo Estado requerente com pena ou medida privativa
de liberdade de duração mínima não inferior a um ano.

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Causas excludentes da extradição

1ª A extradição não se aplica a nacionais. Veja-se o n° 6 do artigo 56 do CP e n°4 do


art. 67);

2ª Não se extradita com base em crimes políticos (n° 2 do art. 67 da CRM) e crimes
militares;

3ª Não se admite a extradição de cidadão para países em que a punição da infracção


corresponda a pena de morte ou a prisão perpétua;

4ª Havendo fundado receio de que o pedido de extradição foi apresentado tem em vista
a punição da pessoa em razão da sua raça, religião, nacionalidade, origem étnica, sexo
ou estatuto;

5ª Havendo fundadas razões de que o extraditando possa vir a ser sujeito a tortura,
tratamento desumano, degradante ou cruel;

6ª A extradição não tem lugar relativamente a indivíduos também autores de crimes no


Estado a quem se pede a extradição, se existir em tribunal nacional processo criminal
em recurso ou estiver a cumprir penas privativas de liberdade por infracções diversas
das que fundamentaram o pedido, podendo esta ser diferida para um outro momento.

Processo de extradição:

Distinguem-se duas fases no processo de extradição: administrativa e judicial. Cf os


artigos 22 e 23 da lei da extradição

Uma vez verificado que o criminoso se refugiou num país estrangeiro, o Ministério
público fará uma exposição em que apresentará o assunto devidamente instruído com
as provas justificativas, que será transmitido ao Ministério dos Negócios estrangeiros
do país onde o criminoso se refugiou.

Efeitos da extradição: Esta tem como efeito a entrega do indivíduo ao governo que
pede a extradição.

Limites da extradição

A extradição é dominada pelo princípio da especialidade segundo o qual o


extraditando não pode ser punido por uma infracção anterior à entrega, que seja
diferente daquela que motivou a extradição (v. art. 6 da lei n˚ 17/2011 de 10 de
Agosto). O fundamento deste princípio resulta do facto que o Estado requerente

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poderia pedir a extradição tendo em vista a punição de outros factos diferentes dos que
motivaram a extradição, como é o caso de crimes políticos que não são admitidos
como fundamento da extradição.

Reextradição - ocorre quando o Estado beneficiário entrega o extraditando a um outro


Estado, seja ele o que lhe entregou o agente, seja ele um terceiro. Nestes casos,
segundo Eduardo Correia é necessária a autorização do Estado que extraditou o
criminoso.

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