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JURISPRUDÊNCIA EM TESES DO STJ

Disponibilizado para: JOSE MESQUITA DA SILVA | josemesquita.dir@gmail.com | CPF: 008.666.435-24


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Márcio André Lopes Cavalcante

EDIÇÃO N. 176: DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA,


ECONÔMICA E CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO - IV
Os entendimentos foram extraídos de julgados publicados até 13/08/2021.

1) É cabível, no crime previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, a criminalização da conduta do sócio-gerente
que deixou o quadro societário da empresa antes do lançamento definitivo do crédito tributário, mas que
efetivamente praticou o fato típico antes da sua saída.

Crime de sonegação fiscal


Entre os delitos contra a ordem tributária previstos na Lei nº 8.137/90, destaca-se o crime de sonegação
fiscal, na seguinte modalidade:
Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e
qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
(...)

Em que consiste o delito


- O agente deixa de fornecer uma informação que deveria fazer (omissão)
- ou presta declaração errada (ação)
- às autoridades responsáveis pela arrecadação tributária
- e, por conta disso, ele acaba deixando de pagar o tributo
- ou pagando um valor menor do que seria o devido.

Consumação
Os Incisos I, II, III e IV do art. 1º são crimes materiais, ou seja, exigem a produção do resultado consistente na
supressão ou redução do tributo:
Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 90):
Tese 4: Os delitos tipificados no art. 1º, I a IV, da Lei nº 8.137/90 são materiais, dependendo, para a sua
consumação, da efetiva ocorrência do resultado.

Assim, para que se configurem é indispensável a constituição definitiva do crédito tributário, nos termos da
SV 24-STF:
Súmula vinculante 24-STF: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º,
incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

1
“Jurisprudência em Teses” é um serviço produzido e oferecido pelos servidores da Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça e disponível no endereço eletrônico: http://www.stj.jus.br/SCON/jt/
Minha atividade aqui foi apenas a de organizar as teses condensadas e divulgadas no site do STJ, elaborando ainda um breve resumo
da tese, que está no retângulo destacado. Recomendo a visita ao site do STJ para conhecer este e outros excelentes serviços
produzidos pela Secretaria de Jurisprudência do Tribunal.
Jurisprudência em Teses
EDIÇÃO N. 176:
CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA,
ECONÔMICA E CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO - IV

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No mesmo sentido é o entendimento do STJ, do MPF e do TRF4:
Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 90):
Tese 5: A constituição regular e definitiva do crédito tributário é suficiente à tipificação das condutas
previstas no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/90, conforme a súmula vinculante n. 24/STF.

Enunciado nº 79 da 2ªCCR/MPF. Considerando os efeitos da Súmula Vinculante nº 24 do STF, em regra, o


oferecimento de denúncia por crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/1990, art. 1º, incisos I a IV), de
apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A) ou de sonegação de contribuição previdenciária (CP, art.
337-A) depende do término do procedimento administrativo e da consequente constituição definitiva do
crédito tributário, indispensável condição de procedibilidade.

Súmula nº 78 do TRF4. A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal


concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1ª da Lei nº 8.137/90.

Outro entendimento pertinente ao tema está cristalizado na Súmula 436 do STJ:


Súmula 436-STJ: A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito
tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.

Sujeito ativo
No caso dos crimes contra a ordem tributária praticados por particular, há uma divergência na doutrina se eles se
classificariam como comuns ou próprios. Para compreensão da controvérsia, precisamos reconhecer quem pode
ser sujeito passivo de uma obrigação tributária. Segundo o art. 121, parágrafo único, do CTN considera-se:
Sujeito passivo da obrigação tributária (art. 121, parágrafo único, do CTN)
Contribuinte Aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo
(Inciso I) fato gerador.
Responsável Aquele que, sem ter a condição de contribuinte, se obrigue por disposição expressa
(Inciso II) de lei.

Pois bem. Voltando à divergência, de um lado, autores como Luiz Régis Prado defendem que o sujeito ativo
dos crimes contra a ordem tributária será, em regra, o contribuinte ou o responsável. Bem por isso,
especialmente o art. 1º e seus incisos da Lei nº 8.137/90, seriam definidos como delitos especiais próprios
(op. cit., p. 291).
De outro, Baltazar Jr. sustenta que o agente não precisa ser o contribuinte ou responsável. Isso porque, muitas
vezes, o delito “é cometido por intermédio da pessoa jurídica, sendo esta o contribuinte, e não o administrador,
que responderá pelo delito, uma vez que inexiste possibilidade de responsabilidade penal da pessoa jurídica
em matéria de crimes contra a ordem tributária” (op. cit., p. 799). A título ilustrativo, o autor cita o exemplo do
contador como possível autor do delito, embora não ostente a figura de contribuinte ou responsável.

Pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo


Algumas vezes o delito é praticado por meio da pessoa jurídica. Ocorre que a CF/88 não autoriza a
responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes tributários (isso é possível apenas no caso de crimes
ambientais). Logo, nessa hipótese, quem responderá penalmente é o administrador e outras pessoas físicas
que tenham tomados as decisões pela pessoa jurídica.
Por isso, o procedimento fiscal deve ter como sujeito passivo a pessoa jurídica, na qualidade de contribuinte
ou responsável. Se, ao final do procedimento, se concluir pela sonegação do tributo, o MPF pode oferecer
denúncia contra as pessoas físicas que entender responsáveis pelo ilícito, independentemente da
participação no procedimento fiscal.
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Tendo sido realizado procedimento administrativo fiscal em relação ao crédito tributário que, por meio de
pessoa jurídica, teria ocorrido o delito de sonegação, há lastro para a promoção da ação penal. Não é
necessário que se promova, em relação a cada um dos corréus, na qualidade de pessoas físicas,
procedimento administrativo.
O simples fato de o paciente não pertencer ao quadro societário da pessoa jurídica não inviabiliza a
imputação do crime de sonegação fiscal, dado que o liame causal estaria estabelecido em razão de sua
qualidade de procurador da empresa, tendo inclusive sua participação sido suficientemente descrita na inicial
acusatória.
STJ. 6ª Turma. HC 86.309/MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 08/02/2011.

Ex-sócio-gerente como sujeito ativo e data do fato gerador


Como visto no julgado acima, ainda que não pertença ao quadro societário, o crime tributário pode ser
imputado à pessoa física.
Imagine a seguinte situação hipotética:
João, sócio-gerente da empresa “XX”, omitiu informações em Escriturações Contábeis Fiscais (ECF) entregues
ao Fisco em 2019, referentes ao ano-calendário de 2018, de supostos rendimentos tributáveis representados
por valores creditados em contas bancárias de titularidade da pessoa jurídica. Assim, a empresa X pagou um
valor menor do que seria devido a título de tributos (IRPJ, Cofins, PIS, IPI e CSLL). Em 2020, João saiu da
empresa X. Em 2021, a Receita Federal instaurou processo administrativo-tributário e, ao final, fez a
constituição definitiva do crédito tributário, com o lançamento definitivo do valor a menor dos tributos
devidos.
A omissão das informações na Escrituração Contábil Fiscal (ECF) consubstancia conduta apta a firmar a
tipicidade do crime de sonegação fiscal previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, imputável a João, sócio-
gerente à época dos fatos, ainda que o Fisco tenha concluído a constituição do crédito tributário após a saída
de João da empresa.
Nesse sentido, o STJ decidiu que pode ser responsabilizado pelo crime de sonegação o sócio-gerente que
fazia parte do quadro societário quando foi praticada a conduta típica - o agente deixou de fornecer uma
informação que deveria fazer (omissão) ou prestou declaração errada (ação) -, embora não estivesse mais
na empresa ao tempo do lançamento definitivo do crédito tributário – momento consumativo do crime
material contra a ordem tributária.
Alteração societária feita antes do lançamento definitivo do tributo não é passível de impedir a incidência do
art. 1º da Lei nº 8.137/90 a qualquer ilícito praticado pelo agente ao tempo em que era sócio-gerente.

Para configurar o crime, exige-se: não apresentação + dolo + resultado material


É importante fazer um esclarecimento: nem sempre que a pessoa deixar de apresentar a declaração que a
lei exige haverá a consumação do crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. Isso porque é indispensável que o
Ministério Público também demonstre o dolo do agente, ou seja, é necessário que fique provado que o réu
praticou essa conduta com o objetivo de suprimir ou reduzir tributo.
Além disso, é preciso que o resultado almejado tenha sido efetivamente alcançado porque se trata de crime
material.

2) A autoria e a participação no crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 prescindem de que os agentes
integrem o quadro da pessoa jurídica ou o polo passivo do procedimento administrativo-fiscal, ou ainda,
que sejam responsáveis pelo cumprimento da obrigação tributária, desde que demonstrado o
envolvimento com a prática criminosa (art. 11 da Lei nº 8.137/90).
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Como visto acima, para que seja imputada a conduta do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 não é necessário que o

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sujeito ativo seja integrante do quadro societário da pessoa jurídica. Em outras palavras, a qualidade de sócio
da pessoa jurídica onde houve a sonegação não é elementar do tipo em questão.
A configuração da autoria depende de que seja demonstrada a participação do agente no crime. Ou seja, é
preciso provar que, apesar de não constar como sócio-gestor no contrato constitutivo da sociedade
empresária, o autor do crime esteve envolvido na realização da sonegação, conforme interpretação dada
pelo STJ ao art. 11 da Lei nº 8.137/93:
Art. 11 da Lei nº 8.137/90. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre
para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua
culpabilidade.

Nesse sentido, a autoria pode ser determinada independentemente de quem tenha composto o polo passivo
do procedimento administrativo fiscal, podendo ser determinada, por exemplo, pelo fato de que o sujeito
ativo era administrador (de fato) da empresa, responsável pelas decisões gerenciais e pela condução das
atividades negociais desenvolvidas. Mas o fato de não ser o autor um dos responsáveis pelo cumprimento
da obrigação tributária, não ser sócio da empresa ou não ter figurado no procedimento administrativo fiscal
não o exime da responsabilização criminal.
Ao revés, a mesma lógica se aplica em defesa do sócio:
O simples fato de o acusado ser sócio e administrador da empresa constante da denúncia não pode levar a
crer, necessariamente, que ele tivesse participação nos fatos delituosos, a ponto de se ter dispensado ao
menos uma sinalização de sua conduta, ainda que breve, sob pena de restar configurada a repudiada
responsabilidade criminal objetiva.
STJ. 6ª Turma. HC 224728/PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 10/06/2014 (Info 543).

3) Nos crimes societários cometidos no âmbito de aplicação da Lei nº 8.137/90, admite-se a denúncia geral,
a qual, apesar de não individualizar pormenorizadamente as atuações de cada um dos denunciados,
demonstra, ainda que de maneira sutil, um liame entre o agir dos sócios ou administradores e a suposta
prática delituosa, o que estabelece a plausibilidade da imputação deduzida e permite o exercício da ampla
defesa com todos os recursos a ela inerentes.

Os crimes contra a ordem tributária são comumente praticados mediante o concurso de agentes.
No oferecimento da denúncia de crimes, os Tribunais Superiores têm dispensado a descrição minuciosa das
condutas de cada acusado, já que o detalhamento ocorre ao longo da instrução processual. O fato principal
e as qualificadoras deverão ser narrados de forma a permitir a ampla defesa, sob pena de inépcia da inicial.
Mas permite-se a denúncia geral, ou seja, aquela que não realiza a descrição individualizada da ação de cada
um dos envolvidos, em casos excepcionais
Sobre os crimes societários (ou de gabinete, porque são praticados por pessoas físicas que se aproveitam do
manto protetor de uma pessoa jurídica) e de autoria coletiva, o STJ tem entendido que:
Embora não possa ser de todo genérica, a denúncia é válida quando demonstra um liame entre o agir dos
sócios ou administradores e a suposta prática delituosa, apesar de não individualizar pormenorizadamente
as atuações de cada um deles, o que estabelece a plausibilidade da imputação e possibilita o exercício da
ampla defesa, cumprindo o contido no artigo 41 do Código Penal.
STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 81.346/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 12/2/2019.
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4) Não obstante a hipótese de apenas um dos sócios administradores exercer, rotineiramente, a

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administração financeira empresarial, há possibilidade de os demais serem considerados autores do crime
previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, tendo em vista que todos os sócios administradores possuem o
dever de evitar o resultado (crime comissivo por omissão), na medida em que aquele não poderia proceder
à omissão fraudulenta de recolhimento de tributos e à prestação de informações falsas sem a ciência e o
consentimento dos demais.

Imagine a seguinte situação hipotética:


João e Pedro são sócios administradores da empresa “XX”. João é responsável pela parte técnica e Pedro
cuida das partes administrativa e financeira da empresa. Mesmo com essa divisão de tarefas, a administração
da empresa cabe a ambos os réus, que, em consenso, tomam as decisões relativas ao seu funcionamento e
assinam os documentos em conjunto, inclusive os que são remetidos à Receita Federal.
Se ocorrer crime tributário, apenas Pedro será responsabilizado penalmente ou ambos os sócios? Ambos.
As decisões de natureza tributária da pessoa jurídica são tomadas por aqueles que a administram
efetivamente, devendo se observar a administração de fato da empresa, que pode coincidir ou não com a
previsão do contrato social. O fato de o dirigente/administrador, na estrutura hierárquica, valer-se de
terceiros para a execução dos atos de natureza fiscal não afasta, em princípio, a sua responsabilidade sobre
ilícitos que resultem da decisão final referente ao recolhimento, ou não, de tributos ou sobre as informações
declaradas e lançadas nas declarações tributárias ou nos documentos contábeis. Todos os dirigentes têm o
dever de assegurar a atuação da pessoa jurídica em conformidade com a lei. Por isso, poderão praticar o
crime tributário por ação direta ou por omissão imprópria, nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal.

5) O envio dos dados sigilosos pela Receita Federal à Polícia ou ao Ministério Público, após o esgotamento
da via administrativa, com a constituição definitiva de crédito tributário, decorre de mera obrigação legal
de se comunicar às autoridades competentes a possível prática de ilícito, o que não representa ofensa ao
princípio da reserva de jurisdição.

Obrigação legal de fazer a notícia crime


O envio dos dados sigilosos pela Receita Federal à Polícia ou ao Ministério Público, após a conclusão do
processo administrativo e constituição definitiva de crédito tributário, decorre da obrigação legal que os
órgãos de fiscalização tributária possuem de comunicar às autoridades competentes a existência de possível
ilícito cometido. Nesse sentido, veja o que diz o art. 83 da Lei nº 9.430/96:
Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos
nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social,
previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal),
será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa,
sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Vale ressaltar que a própria LC nº 105/2001 prevê que, diante da possível prática de crime, essa comunicação
não configura violação do dever de sigilo:
Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços
prestados.
(...)
§ 3º Não constitui violação do dever de sigilo:
(...)
IV – a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos,
abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos
provenientes de qualquer prática criminosa;
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Assim, não constitui ofensa ao princípio da reserva de jurisdição o uso pelo Ministério Público, para fins
penais, sem autorização judicial, de dados bancários legitimamente obtidos pela Receita Federal (art. 6º da
LC nº 105/2001) e compartilhados no cumprimento de seu dever legal, por ocasião do esgotamento da via
administrativa fiscalizatória e constatação de possível prática de crime tributário.

Vale destacar os seguintes entendimentos do STF no mesmo sentido:


Os dados do contribuinte que a Receita Federal obteve das instituições bancárias mediante requisição direta
(sem intervenção do Poder Judiciário, com base nos arts. 5º e 6º da LC 105/2001), podem ser compartilhados,
também sem autorização judicial, com o Ministério Público, para serem utilizados como prova emprestada
no processo penal. Isso porque o STF decidiu que são constitucionais os arts. 5º e 6º da LC 105/2001, que
permitem o acesso direto da Receita Federal à movimentação financeira dos contribuintes (RE 601314/SP,
Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/2/2016. Info 815).
Este entendimento do STF deve ser estendido também para a esfera criminal.
É lícito o compartilhamento promovido pela Receita Federal dos dados bancários por ela obtidos a partir de
permissivo legal, com a Polícia e com o Ministério Público, ao término do procedimento administrativo fiscal,
quando verificada a prática, em tese, de infração penal.
STF. 1ª Turma. RE 1043002 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 01/12/2017.
STF. 2ª Turma. RHC 121429/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/4/2016 (Info 822).
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.601.127-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Felix Fischer, julgado em
20/09/2018 (Info 634).
STJ. 6ª Turma. HC 422.473-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/03/2018 (Info 623).

1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do


procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos
de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser
resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior
controle jurisdicional. 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito
unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e
estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
STF. Plenário. RE 1055941/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 4/12/2019 (repercussão geral – Tema 990)
(Info 962).

6) Nos crimes previstos no art. 1º, II e III, da Lei nº 8.137/90, o oferecimento de denúncias tratando de
condutas e fatos distintos, ocorridos sucessivamente, no âmbito de uma mesma empresa sonegadora, não
enseja litispendência nem bis in idem.

Litispendência e proibição do bis in idem


A litispendência guarda relação com a ideia de que ninguém pode ser processado quando está pendente de
julgamento um litígio com as mesmas partes (eadem personae), sobre os mesmos fatos (eadem res) e com a
mesma pretensão (eadem petendi). Trata-se da proibição do bis in idem.

Duas vertentes do bis in idem


Embora o ne bis in idem tenha origem mais ligada à sua vertente processual, é possível identificar duas
vertentes:
a) ne bis in idem material: significa que o acusado tem o direito de não ser punido duas vezes pelo mesmo
fato. Impede que alguém seja, efetivamente, punido em duplicidade ou que tenha o mesmo fato, elemento
ou circunstância considerados mais de uma vez para definir-se a sanção criminal.
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b) ne bis in idem processual: assegura-se ao réu o direito de não ser processado duas vezes pelo mesmo fato.

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Assim, impede a formação, a continuação ou a sobrevivência da relação jurídica processual que esteja em
duplicidade.

O princípio do ne bis in idem é previsto na legislação brasileira?


No Direito Brasileiro, embora ausente sua previsão na Constituição Federal (ao menos de modo explícito),
pode-se identificar a influência do ne bis in idem, em maior ou em menor grau, na legislação ordinária, tal
como ocorre no art. 8º do Código Penal, no art. 110 do CPP e no art. 82, V, da Lei de Migração.
A incorporação do princípio do ne bis in idem ao ordenamento jurídico brasileiro, ainda que sem o caráter de
preceito constitucional, vem complementar o rol dos direitos e das garantias individuais já previsto pela
Constituição Federal de 1988, em razão de que a interpretação constitucional sistemática leva à conclusão
de que se impõe a prevalência do direito do indivíduo à liberdade em detrimento do poder-dever do Estado-
juiz de acusar (STF. Plenário. HC 80.263/SP, Rel. Ministro Ilmar Galvão, DJ 27/6/2003).

Não configuração de litispendência e bis in idem


Vejamos a redação dos tipos penais trazidos nessa tese:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e
qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
(...)
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer
natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento
relativo à operação tributável;

Nos delitos tributários, é comum que ocorram, num mesmo exercício financeiro, sucessivas sonegações
fiscais, praticadas pelos mesmos agentes, na mesma empresa e como mesmo modus operandi.
Por exemplo, se várias notas fiscais são falsificadas, a denúncia dessas condutas não configura bis in idem ou
litispendência. Da mesma forma, se uma ação penal inicia foi extinta por ausência de lançamento definitivo
do crédito tributário de crime material (falta de justa causa), uma vez consumado o crime com a constituição
definitiva do crédito tributário, nada impede que nova denúncia seja oferecida, ainda que pelos mesmos
fatos.

7) Após o lançamento definitivo do crédito tributário, eventual discussão na esfera cível, via de regra, não
obsta o prosseguimento da ação penal que apura a ocorrência de crime contra a ordem tributária, diante
da independência das instâncias de responsabilização cível e penal.

Independência entre as instâncias cível, administrativa e penal


O STJ entende que há independência entre as esferas cível, administrativa e penal.
Assim, a impugnação do débito na seara cível, embora possa gerar consequências sobre o julgamento da lide
penal, não obsta, automaticamente, a persecutio criminis. Logo, é possível que a ação penal tramite, ainda
que pendente ação cível na qual sejam discutidos os aspectos tributários do fato típico.

8) A omissão de receitas e a omissão do dever de prestar informações verdadeiras acerca da empresa são
condutas ínsitas ao tipo penal descrito no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990, não se prestando para negativar
as circunstâncias do crime.

Dosimetria da pena
Estabelece o referido dispositivo da Lei nº 8.137/90:
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I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

Na primeira fase da dosimetria da pena desse crime, ao analisar as circunstâncias do art. 59 do CP, o juiz
elevou a pena base de acordo com os seguintes fundamentos:
“Circunstâncias: a condição de representante e administrador "de fato" possibilitou a conduta omitindo
receitas e negligenciando o dever de declarar a real situação da empresa”

Segundo o STJ, a omissão de receitas e a omissão com o dever de prestar informações verdadeiras acerca da
empresa também são elementares do tipo penal do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990, não se prestando para
negativar as circunstâncias do crime.
Circunstâncias “são elementos acidentais que não participam da estrutura própria de cada tipo, mas que,
embora estranhas à configuração típica, influem sobre a quantidade punitiva para efeito de agravá-la ou
abrandá-la. [...] Entre tais circunstâncias, podem ser incluídos o lugar do crime, o tempo de sua duração, o
relacionamento existente entre o autor e a vítima, a atitude assumida pelo delinquente no decorrer da
realização do fato criminoso etc.” (SILVA FRANCO, Alberto. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial
— Parte Geral. v. I, t. I, São Paulo : RT, 1997, p. 900).
Aqui, o erro do magistrado foi utilizar como circunstância judicial (1ª fase da dosimetria) um elemento que
ele já considerou para enquadrar a conduta no tipo penal. Houve, portanto, bis in idem (dupla punição pelo
mesmo fato).

9) A majorante do grave dano à coletividade, prevista pelo art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, restringe-se a
situações de relevante dano, valendo, analogamente, adotar-se para tributos federais o critério já
administrativamente aceito na definição de créditos prioritários.

Causa de aumento do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90


O art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 prevê que a pena do crime de sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90)
deverá ser aumentada no caso de o delito “ocasionar grave dano à coletividade”.
A jurisprudência entende que se configura a referida causa de aumento quando o agente deixa de recolher
aos cofres públicos uma vultosa quantia. Em outras palavras, se o valor sonegado foi alto, incide a causa de
aumento do art. 12, I.
Nesse cálculo deve-se incluir também os juros e multa:
Para os fins da majorante do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90(grave dano à coletividade), o dano tributário deve
ser valorado considerando seu valor atual e integral, incluindo os acréscimos legais de juros e multa.
A Portaria nº 320, editada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, prevê que os contribuintes que estão
devendo acima de R$ 1 milhão são considerados “grandes devedores” e devem receber tratamento
prioritário na atuação dos Procuradores.
O STJ utiliza, então, essa Portaria como parâmetro para analisar a incidência ou não da causa de aumento do
art. 12, I:
A majorante do grave dano à coletividade, prevista pelo art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, restringe-se a situações
de especialmente relevante dano, valendo, analogamente, adotar-se para tributos federais o critério já
administrativamente aceito na definição de créditos prioritários, fixado em R$ 1.000.000,00 (um milhão de
reais), do art. 14, caput, da Portaria 320/PGFN.

Em outras palavras, para a incidência do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 em tributos federais, é necessário que
o valor da dívida seja igual ou superior a R$ 1 milhão.
E se a sonegação fiscal envolver tributos estaduais ou municipais, como deverá ser o parâmetro nesses casos?
Jurisprudência em Teses
EDIÇÃO N. 176:
CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA,
ECONÔMICA E CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO - IV

Em se tratando de tributos estaduais ou municipais, o critério deve ser, por equivalência, aquele definido

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como prioritário ou de destacados créditos (grandes devedores) para a fazenda local.
Dito de outro modo, em caso de tributos estaduais ou municipais, não se deve utilizar a Portaria 320/PGFN,
mas sim os eventuais atos normativos estaduais e municipais que definam o que sejam “grandes devedores”
para o Fisco local.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.849.120-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/03/2020 (Info 668).

O STF comunga do mesmo entendimento e utiliza como parâmetro esses atos infralegais que definem
“grandes devedores”? Não. Existe julgado do STF no qual foi afastado esse critério:
“Quanto à Portaria 320/2008 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, anoto que essa norma infralegal
apenas dispõe sobre o Projeto Grandes Devedores no âmbito da PGFN, conceituando, para os seus fins, os
“grandes devedores”, com o objetivo de estabelecer, na Secretaria da Receita Federal do Brasil, método de
cobrança prioritário a esses sujeitos passivos de vultosas obrigações tributárias, sem limitar ou definir, no
entanto, o grave dano à coletividade, ao contrário do que afirma o impetrante.” (STF. 2ª Turma. HC
129284/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 17/10/2017. Info 882).

10) É possível o reconhecimento simultâneo das causas de aumento de pena relativas à continuidade
delitiva (art. 71 do CP) e ao grave dano à coletividade (art. 12, I, da Lei nº 8.137/90), sem que se configure
bis in idem.

Nos crimes contra a ordem tributária, não se confundem continuidade delitiva (art. 71 do CP) e causa de
aumento da pena referente a grave dano à coletividade (art. 12, I, da Lei nº 8.137/90).
É possível o cometimento de apenas um crime dessa natureza e causar o grave dano, como também cometer
diversos desses delitos sem atentar contra a coletividade. Assim, não bis in idem pelo reconhecimento das
duas situações na fixação da pena (HC 36.804-RS, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 21/9/2004).

11) É possível o deferimento de medida assecuratória contra pessoa jurídica utilizada para fins de
ocultação de bens provenientes da prática de crimes previstos na Lei nº 8.137/90.

Medidas assecuratórias
O Ministério Público pode utilizar o sequestro de bens previsto no Decreto-Lei nº 3.240/41, quando o crime
contra a ordem tributária resultar prejuízo para a fazenda pública. Para isso, basta que haja “indícios
veementes” da autoria, conforme o dispositivo a seguir:
Art. 3º Para a decretação do sequestro é necessário que haja indícios veementes da responsabilidade,
os quais serão comunicados ao juiz em segredo, por escrito ou por declarações orais reduzidas a
termo, e com indicação dos bens que devam ser objeto da medida.

Assim, mesmo que determinada empresa não faça parte do polo passivo da ação penal, é possível a contrição
de seus bens, se houver indícios de que a empresa foi utilizada para a prática, em tese, de delito contra a
ordem tributária. Com o sequestro de bens, objetiva-se salvaguardar eventual execução promovida pelo ente
que tenha tido seu patrimônio atingido.
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CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA,
ECONÔMICA E CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO - IV

12) Nos crimes do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, é possível a exclusão da culpabilidade por inexigibilidade

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de conduta diversa se ficar comprovada nos autos a crise financeira da empresa.

Dificuldades financeiras. É comum haver a alegação de que o agente deixou de pagar os tributos em razão
de dificuldades financeiras da empresa. Tal circunstância possui relevância penal e poderá servir para
excluir o crime?
SIM. Essa tese tem sido aceita no crime previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90:
Art. 2º Constitui crime da mesma natureza:
(...)
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou
cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

A jurisprudência tem aceitado porque a apropriação indébita tributária não exige a fraude como elementar
do tipo. Assim, excepcionalmente se admite o reconhecimento de crise financeira para excluir a culpabilidade
a título de inexigibilidade de conduta diversa.

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