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Poder Judiciário

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª


REGIÃO
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5058075-
42.2017.4.04.7100/RS
RELATOR: JUIZ FEDERAL ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA
ÁVILA
APELANTE: GERDAU ACOS ESPECIAIS S.A. (EMBARGANTE)
APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (EMBARGADO)
APELADO: OS MESMOS

VOTO

Inicialmente cumprimento o eminente


Relator pelo seu voto, no qual voltou a mostrar seu
amplo conhecimento na seara tributária. Não
obstante, peço vênia para divergir.

Trata-se de apelações interpostas contra


sentença que acolheu embargos à execução fiscal por
considerar indevida a exigência de débitos inscritos
em dívida ativa relacionados a IRPJ e CSLL (CDAs
n. 00 2 17 000847-57 e 00 6 17 003622-68), apurados
em decorrência da glosa do ágio oriundo de
operações de reorganização societárias ocorridas em
2004 e 2005.

A controvérsia posta nos autos envolve,


entre outros, o sensível tema do planejamento
tributário:

O planejamento tributário instala-se


nos limites do direito: nas difíceis, intrincadas e
quase sempre inexploradas áreas de penumbra na
teoria do direito, entre o direito e o não-direito, entre
a moral-social e a letra da lei - retratando os limites
da forma no direito -, entre a legalidade e a
insegurança, entre a validade e a não-validade dos
atos e negócios jurídicos, entre os interesses privado
e público, entre a incidência e a não-incidência,
entre o lícito e o ilícito. Em razão de tudo isso, não
por acaso, toda terminologia empregada nessa seara
é vaga e imprecisa, não há consenso sobre o sentido
e alcance de termos e expressões como "simulação",
"dissimulação", "negócio jurídico indireto", "fraude
a lei", encobrindo as distinções entre a "evasão" e a
"elisão", entre a "elusão" e a efetiva "economia de
opção".

Não obstante, o problema persiste e


desafia a doutrina, o Estado e a sociedade: algo de
perturbador assombra a idéia de planejamento
tributário. Incomoda, de um lado, a perspectiva da
igualdade (contribuintes que desenvolvem o mesmo
negócio jurídico, com roupagens jurídicas distintas,
assumindo cargas tributárias diversas); de outro, na
perspectiva do mercado, afeta os mecanismos da
livre-concorrência.

Também desafia nossa intuição moral


que se vê afrontada pelos problemas éticos que a
manipulação das formas jurídicas encerra,
entremeada por valores de filosofia política e social
como a solidariedade e outros valores igualmente
relevantes como a segurança jurídica e a certeza do
direito. (SANTI, Eurico Marcos Diniz
de; Planejamento tributário e estado de direito:
Fraude à lei, reconstruindo conceitos, entre metáforas
e “buracos do direito”: Evasão, elusão e elisão. 2012.
FISCOSoft. Disponível em: www.fiscosoft.com.br.
Acesso em: 31 de março de 2021).

Não obstante a relevância e


complexidade dessas questões, a resolução da lide
posta requer a conformação do planejamento
tributário conforme o direito positivado, com o
auxílio da jurisprudência e doutrina existentes.

No ponto, saliente-se que, conforme


bem exposto no voto do relator, as operações
societárias ocorreram entre o final de 2004 e a
primeira metade de 2005. À época, embora ainda não
existissem as Leis nº 11.638/07, complementada pela
Lei nº 11.941/09, a qual promoveu a convergência
entre as normas contábeis nacionais e internacionais),
e a Lei nº 12.973/14, a qual, em seus arts. 20 e 25,
vedou a amortização do ágio quando as operações de
incorporação, fusão ou cisão, ocorrerem entre “partes
dependentes”, é certo que já entrara em vigor o §
único do art. 116, do CTN, acrescentado pela Lei
Complementar nº 104/2001, vigente desde a
publicação, em 11/01/2001:

Parágrafo único. A autoridade


administrativa poderá desconsiderar atos ou
negócios jurídicos praticados com a finalidade de
dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo
ou a natureza dos elementos constitutivos da
obrigação tributária, observados os procedimentos a
serem estabelecidos em lei ordinária.

A exigência de observância de
procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária
abrange apenas critérios de apuração do crédito
tributário. Ter natureza procedimental significa que o
dispositivo legal dispõe sobre o procedimento
administrativo que objetiva verificar a ocorrência do
fato gerador tributário, calcular o montante devido,
identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, aplicar a
multa de ofício (CTN, art. 142), ou seja, promover o
lançamento tributário. Logo, a ressalva de lei
ordinária não afeta a vigência imediata do conteúdo
material da norma geral antiabuso.
Ademais, por já existir, no âmbito
federal, uma extensa regulamentação do processo
administrativo fiscal por meio do Decreto nº
70.235/72 e, subsidiariamente, pela Lei nº 9.784/99, a
desconsideração dos atos e negócios dissimulados
prevista no § único do art. 116 do CTN independe de
novo regramento procedimental.

Como já mencionado, a
desconsideração de atos ou negócios jurídicos
pressupõe a finalidade de dissimular a ocorrência do
fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos
constitutivos da obrigação tributária.

O artigo 149, VII, do CTN, prevê a


possibilidade de lançamento de ofício quando se
comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em
benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou
simulação: O ordenamento jurídico brasileiro já
autorizava a desconsideração de negócios jurídicos
dissimulados, a exemplo do disposto no art. 149, VII,
do CTN. O art. 116, § único, co CTN, veio apenas
ratificar regra existente no sistema em vigor
(CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de Direito
Tributário, 27ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016, p. 282).

No entanto, com a entrada em vigor da


norma geral antielisiva positivada no art. 116, §
único, do CTN, o fisco pode desconsiderar não
somente os atos ou negócios jurídicos dissimulados,
como também identificar a motivação dos atos ou
negócios jurídicos que trazem consequências
tributárias, não mais se limitando apenas à existência
de consequências econômicas.

As empresas têm o direito de assumir


menores custos tributários, mas é também imperativo
que, observadas a capacidade contributiva e a
vedação ao confisco, contribuam devidamente para a
sociedade onde atuam:
O direito ao planejamento tributário
não é absoluto e sem limites, sendo legítima a prática
que se realiza conforme a intenção do legislador ou
quando se aproveita de uma omissão consciente
deste, merecendo a rechaça a redução fiscal que
contrarie princípios ou regras do ordenamento
jurídico-tributário, até porque a fuga ilícita ao
pagamento de tributos, como a evasão e a fraude
fiscais, implica a não concretização do princípio da
igualdade, assim como outras graves consequências
econômicas, dentre as quais, a elevação do nível de
informalidade e a degradação da cidadania, pois,
quando o pagamento de tributos não é assumido
como um dever, é todo o ambiente social que se
avilta (LOTT, Maria Carvalhaes. O alcance e as
limitações do planejamento tributário no Brasil: uma
abordagem conceitual e crítica. Revista Dialética de
Direito Tributário 210/60, março 2013)

O que vale dizer, não basta o respeito a


aspectos formais para a obtenção de ganhos
tributários. Deve ser demonstrada a existência de um
propósito negocial, ou seja, uma substância
econômica, uma realidade econômica em
atendimento às necessidades operacionais
econômicas da empresa, desde a concepção e até a
implementação do planejamento tributário, que
justifique sua realização.

Nesse sentido, confira-se precedente


desta Corte:

TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA


DE DÉBITO FISCAL. ÁGIO INTERNO.
AMORTIZAÇÃO DE IRPJ E CSLL. SIMULAÇÃO.
CONDUTA FRAUDULENTA. MULTA DE OFÍCIO
QUALIFICADA. CABIMENTO. CARÁTER
CONFISCATÓRIO. AUSÊNCIA. CUMULAÇÃO DE
MULTA DE OFÍCIO COM MULTA ISOLADA.
IMPOSSIBILIDADE. 1. A utilização de empresa
veículo vinculada ao grupo econômico em uma
sequência de operações de aquisições e cisões, com
aparência de regulares, mas visando efeito diverso
do demonstrado (qual seja, criação de ágio interno
para amortização com IRPJ e CLSS), denota
simulação. O dolo específico de fraude/simulação na
conduta autoriza a incidência da multa qualificada,
nos termos do art. artigo 44 inciso I, c/c § 1º da Lei
n.º 9.430/96. 2. Nos casos em que houve sonegação,
fraude ou conluio, mostra-se justificada a aplicação
de multa no percentual de 150%. 3. Mantida a
sentença que entendeu pela impossibilidade de
exigência concomitante da multa isolada e da multa
de ofício, uma vez que ambas incidiram sobre a
mesma base de cálculo. (TRF4, AC 5004003-
95.2014.4.04.7202, PRIMEIRA TURMA, Relator
JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos
em 29/05/2015)

Do vto do então Relator destaca-se a


seguinte passagem:

Não restam dúvidas de que são


abusivos os atos e negócios que, baseados em
aparente legalidade, mas destituídos de qualquer
finalidade empresarial ou negocial, visam tão-
somente à redução do pagamento de tributos. Ou
seja, no caso, para que a operação de reestruturação
pudesse ser considerada legítima, seria
imprescindível a existência de propósito negocial.

O planejamento tributário estruturado


sem propósito negocial, no qual os fatos não
correspondem à realidade da negociação, conduzido
apenas com o objetivo de economizar tributos, é
abusivo. E a intenção verdadeira, real, fundamentada
em laudos técnicos, deve conter razões técnicas,
comerciais, societárias e mercadológicas
suficientemente sólidas para justificar a
implementação do planejamento. Em suma, o
planejamento tributário não cria realidades, apenas
aproveita as oportunidades oferecidas.
Necessário, portanto, o exame da causa
jurídica:

Quando alguém promove um negócio


jurídico apenas com a finalidade de obter redução da
carga tributária incidente, salvo o descumprimento
frontal da lei (evasão), das duas, uma: ou age com
liberdade garantida pelos princípios constitucionais
que protegem a autonomia privada, no campo do
planejamento tributário legítimo, visando à
economia de tributos, constituindo negócios válidos e
dotados de causa (elisão), sejam estes típicos ou
atípicos, indiretos ou fiduciários, formais ou não-
formais; ou organiza negócios querendo aparentar
um negócio jurídico legítimo e válido, mas
desprovidos de causa, organizados com pacto de
simular, para retirar os efeitos da causa do negócio
aparente, ou ordenados para evitar a incidência de
lei imperativa, qualificados como fraudulentos,
também estes carentes de "causa" (elusão). Eis como
se diferenciam elisão, simulação e elusão. Ambos os
conceitos decorrem do exercício de autonomia
privada, sendo aquele vinculado às opções legítimas
do ordenamento e este decorrente do uso das
liberdades negociais disponíveis, mas sem uma
causa, uma finalidade que a ampare e permita
funcionalidade suficiente (TORRES, Heleno Taveira.
O ágio fundamentado por rentabilidade futura e suas
repercussões tributárias. FISCOSoft. Disponível em:
www.fiscosoft.com.br. Acesso em: 31 de março de
2021).

Aqui, cumpre ressalvar que não se


defende a interpretação exclusivamente
econômica da norma tributária:

A interpretação da norma tributária há


de ser sempre jurídica, mas a
consideração econômica não pode ser abandonada.
O direito tributário prende-se ao fenômeno
econômico, e este não deve ser desconsiderado em
seu processo interpretativo. Não seria aceitável que o
intérprete ou aplicador da norma ignorasse por
completo as formas jurídicas, saindo em busca do
significado econômico do negócio em análise. Mas
uma relação jurídica sem qualquer objetivo
econômico, cuja única finalidade seja de natureza
tributária, não pode ser considerada como
comportamento lícito. Seria fechar os olhos à
realidade e desconsiderar o fato econômico na
racionalidade da norma tributária. Uma
interpretação jurídica atenta à realidade econômicqa
subjacente ao fato ou negócio jurídico, para efeitos
de tributação, é a resposta justa, equitativa e
pragmática (HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e
elisão: rotas nacionais e internacionais. São Paulo:
Saraiva, 1997, p. 328).

Gize-se que considerações de ordem


econômica podem auxiliar a interpretação da norma
jurídica tanto contra quanto a favor do contribuinte,
como bem lembrado no voto que abriu a divergência
( evento 26, VOTOVISTA1).

Com efeito, se a justificativa para a


teoria da prevalência da substância do negócio
jurídico sobre a sua forma é a necessidade de que a
tributação recaia sobre o verdadeiro fato gerador,
não se pode pretender tributar o verdadeiro fato
gerador quando tributação for maior e se apegar ao
'falso' fato gerador quando este propiciar maior
arrecadação tributária. (...) Por fim, no âmbito dos
princípios tributários, a prevalência da substância
sobre a forma decorre do princípio da verdade
material (TROIANELI, Gabriel Lacerda. Pode a
prevalência da substÂncia sobre a forma ser invocada
pelo contribuinte. Revista Dialética de Direito
Tributário 96/107, setembro de 2003).

Outrossim, não se nega a existência do


direito de o contribuinte se auto-organizar; afirma-
se apenas que o exercício desse direito é dependente
da existência de uma razão extratributária,
(econômica, empresarial, familiar, etc), que o
justifique.

Tampouco sustenta-se poder o Fisco, a


seu talante, desqualificar as operações realizadas. A
atividade administrativa é plenamente vinculada e
deve levar em consideração, na seara do
planejamento tributário, tanto o animus do sujeito
que entende adequado valer-se de intepretação legal
ou mecanismos específicos (formas e desenhos
contratuais ou jurídicos) para reduzir a tributação,
quanto os efeitos jurídicos, sociais e econômicos
emanados da conduta adotada, compreendidos em
sua harmonização ou não com os valores e fins do
ordenamento tributário constitucional. [...] revela-se
como desleal e, por isto, contraria a boa-fé, a
desconsideração de atos ou negócios que impõem ao
agente econômico resultados negativos, nulos ou
pífios, que, se vislumbrados anteriormente, fariam
com que se mantivesse ele inerte, paralisado e,
assim, em nada contribuído para o desenvolvimento
da economia e sociedade nacionais (RODRIGUES,
Ivan Tanil. O princípio jurídico da boa-fé e o
planejamento tributário. O pilar hermenêutico para a
compreensão de negócios estruturados para obter
economia tributária. Revista Dialética de Direito
Tributário 93, junho de 2003).

Ao revés, deve-se presumir a boa-fé do


contribuinte e, na dúvida entre a liberdade negocial e
a incidência da norma antielisiva tributária, a
primeira prevalece:

Nos casos de empate argumentativo


entre a norma de liberdade fiscal e as normas de
antielisão tributária, o princípio do in dubio pro
libertate estrutura a interpretação e a aplicação do
direito ordinário de maneira que a solução a favor
das normas de antielisão tributária dependa de
razões mais fortes em comparação à decisão em
favor da norma da liberdade fiscal. De forma
alguma, esta prioridade serve de obstáculo para a
otimização da norma de liberdade fiscal por meio de
uma norma de antielisão tributária: apenas conduz
para a exigência de razões de grau mais forte para a
solução a favor da norma de antielisão tributária do
que a favor da norma de liberdade fiscal nos casos
difíceis. Além do dever de interpretar o direito
ordinário conforme a norma de direito fundamental
que permite a prática de relações econômicas
neutras na maior medida do possível do ponto de
vista do Direito Tributário, a dimensão objetiva da
liberdade fiscal é desdobrada por meio do dever do
legislador, do administrador e do juiz de proteger os
valores da autonomia e da autodeterminação no
espaço vazio da tributação (GALBINSKI, Diego.
Dimensão objetiva da liberdade fiscal. Revista
Dialética de Direito Tributário 218/41, novembro
2013).

Outrossim, cumpre ao Fisco, ao


promover a desconsideração, demonstrar que o ato ou
negócio foi realizado com a finalidade exclusiva de
ocultar a ocorrência do fato gerador ou reduzir a
carga tributária:

Além da ocorrência do fato gerador, o


parágrafo único do artigo 116 impõe um segundo
ônus a cargo do Fisco, qual seja, demonstrar que o
ato ou negócio jurídico foi praticado com a
finalidade de dissimular. A existência dessa
finalidade é elemento constitutivo da hipótese de
incidência da competência para desconsiderar;
portanto, a esse elemento aplica-se o mesmo critério
de caber ao Fisco o ônus da prova desse ato
constitutivo. Ou seja, a sistemática do CTN como um
todo exige, no caso específico, um duplo ônus da
prova a cargo do Fisco: a) provar a ocorrência do
fato gerador; b) provar que a finalidade do ato ou
negócio jurídico foi dissimulá-lo. Sem esta dupla
prova é inaplicável a desconsideração (GRECO,
Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo:
Editora Dialética, 2011, p. 550).

Firmadas essas premissas, enfrento o


caso concreto.

O voto do eminente Relator resumiu as


operações de reorganização societária do
Grupo Gerdau, ocorridas a partir de dezembro de
2004 a 2005, abrangendo várias empresas do mesmo
grupo, com base em quadro demonstrativo
apresentado pela própria embargante, não contrastado
pela embargada:

Primeiro, a empresa Metal Data


Engenharia e Representações apresentou Laudos de
Avaliação Econômica das particpações societárias
da Gerdau S/A nas sociedades Gerdau Açominas S/A
e Gerdau Internacional Empreendimentos Ltda.
Referidos laudos justificaram a reavaliação do valor
dos investimentos fundamentado em expectativa de
rentabilidade futura.

Segundo, houve o aumento do capital


social da Gerdau S/A, a partir da emissão de ações
ordinárias nominativa, a serem subscritas e
integralizadas pela acionista Gerdau S/A, mediante a
incorporação de participações em ações das
empresas Gerdau Açominas S/A e Gerdau
Internacional Empreendimentos Ltda. Nessa etapa,
houve a participação do Banco Itaú BBA S/A, que
reconheceu a regularidade das operações e passou a
ser acionista da Gerdau Participações S/A.

Terceiro, a Gerdau S/A teve seu


patrimônio aumentado em decorrência dessas
reavaliações, mas não reconheceu ganho de capital
em virtude do diferimento estabelecido pelo artigo 36
da Lei nº 10.637/02.
Quarto, a Gerdau S/A, a Gerdau
Participações S/A e a Gerdau Açominas S/A
firmaram "Protocolo de Intenções" estabelecendo a
futura incoporação da Gerdau Participações S/A
pela Gerdau Açominas S/A.

Quinto, a Gerdau Açominas S/A


incorporou a Gerdau Participações S/A, passando
seu capital a ser aumentado, além de ser constituída
uma Reserva Especial de Ágio.

Sexto, a partir desta incorporação, a


incorporadora Gerdau Açominas S/A passou a
amortizar o ágio que estava registrado na Gerdau
Participações S/A, relativo ao investimento que
detinha na própria Gerdau Açominas (em virtude da
expectativa de rentabilidade futura).

Na sétima e última operação, a Gerdau


Açominas é cindida parcialmente em quatro novas
sociedades: Gerdau Aços Especiais S/A, Gerdau
Aços Longos S/A, Gerdau América do Sul
Participações S/A e Gerdau Comercial de Aços S/A,
permitindo a maior especialização de cada das
empresas em seu ramo de atividades.

Como o Relator igualmente refere, a


reorganização societária em si não é ilícita, mas sim
uma exteriorização da autonomia privada e da
liberdade negocial.

No entanto, examinando-se o
abrangente Relatório Final de Reorganização
Societária (evento 13, PROCADM4, pp. 92/131), no
qual são aobrdados os desafios estratégicos e
operacionais do Grupo Gerdau, seus objetivos, visão,
mercados e modelo de gestão, e apresentado o plano
de reorganização societária, não é feita qualquer
menção à empresa Gerdau Participações S/A (e
tampouco à Siderúrgica Riograndense S.A., sua
antiga denominação).
Como efeito, sobressai dos autos que a
Gerdau Participações (GPAR), na esteira das
operações de reorganização societária descritas nas
etapas 02 a 07 no voto do Relator, originou-se de
reativação da Siderúrgica Riograndense, a qual
encontrava-se praticamente inoperante, com o fito de
servir como 'empresa veículo' para a redução do lucro
tributável da Gerdau Açominas S.A. mediante a
amortização de despesa do ágio supostamente pago
pela Gerdau S.A. quando do aumento de capital
daquela primeira sociedade. Não se verifica, na
reativação da Siderúrgica Riograndense e posterior
mudança de denominação para GPAR, propósito
outro que não fosse obstaculizar o recolhimento de
tributos, mediante a amortização do ágio pago
quando do aumento de capital realizado pela Gerdau
S.A. na Gerdau Participações S.A., utilizando-se de
sua participação na Gerdau Açominas S.A.

O papel da GPAR na reengenharia


societária foi bem delineado no voto da conselheira
Adriana Gomes Rêgo, que relatou o caso, com voto
vencedor, por ocasião do julgamento realizado pela
Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF
(evento 13, PROCADM9, pp. 56/86):

Recapitulando um pouco a operação de


onde surgiu o ágio, verifica-​se:

1 – Siderúrgica Riograndense,
empresa praticamente inativa, com capital social
de R$ 422.360,00 passa a
se chamar Gerdau Participações e a deter um
capital de R$ 15.227.078.630,00.

E a primeira pergunta que surge: como


se deu este aumento de capital?

2- A
Gerdau S.A subscreveu ações que Siderúrgica Riogra
ndense emitiu.
E como subscreveu?

3- Subscreveu com as ações que Gerda


u S.A tinha na Gerdau Açominas, no valor de R$
13.698.283.480,00 (subscreveu com a totalidade
das ações que detinha na
Açominas) e na Gerdau Internacional, no valor de R
$ 1.528.372.790,00 (aqui só usou 22,8% da
participação que detinha).

E como surge a Gerdau Aços Especiais


S.A?

4 – Foi constituída em 15/04/2005,


com capital social de R$ 1.000,00,
subscrito por Gerdau Açominas S/A (R$ 990,00) e Gr
upo Gerdau Empreendimentos Ltda (R$ 10,00).

E como surge o ágio na Gerdau Aços E


speciais S.A?

5- Em 30/07/2005, Gerdau Açominas é


cindida parcialmente, e uma parte do seu
patrimônio vai para a Gerdau Aços Especiais
(de acordo com o laudo, a ora autuada
incorporou R$ 379.203.931,09 dos bens, direitos e ob
rigações da cindida). Portanto houve uma
cisão, seguida de incorporação.

6- Desse valor, R$ 550.488.805,22 corr


esponde, segundo a Fiscalização, ao
ágio herdado pela Gerdau Açominas, quando incorp
orou a Gerdau Participações.
É que, em 2004, o investimento que a Gerdau S.A tin
ha na Gerdau Açominas estava contabilizado
por R$ 4.479.918.909,94. Mediante um Laudo
de Avaliação Econômica na Gerdau Açominas,
esse investimento passou a ser avaliado por R$
4.479.918.909,94,
acrescido de um “goodwill” de R$ 13.698.283.480,0
0.
Quando Gerdau S.A subscreveu o capit
al de Gerdau Participações S.A com a totalidade
das ações da Gerdau Açominas, Gerdau
Açominas passou a ser controlada de Gerdau
Participações, que por sua vez era controlada
de Gerdau S.A, ou seja, o controle de
tudo continuou com Gerdau S.A. Na contabilidade
de Gerdau Participações S.A é registrado o valor
contábil
da Gerdau Açominas, acrescido do ágio decorrente d
a reavaliação.
Quando Gerdau Açominas incorpora Gerdau Partici
pações, passa a amortizar
uma parte desse ágio, e quando é cindida e incorpor
ada pela Gerdau Aços Especiais, o ágio é
transferido.
Logo, quem recebeu este ativo reavaliado, que foi a
Gerdau Participações S. A, nada entregou à
Gerdau S.A, senão suas próprias ações, as quais
apenas permitiram à
suposta alienante manter o controle que já detinha so
bre a Gerdau Açominas. Assim, Gerdau
Participações S.A tem contabilizado um ágio
sem ter tido
qualquer dispêndio para aquisição das ações.

E quando a ora autuada (Gerdau


Aços Especiais S.A) passa a amortizar o ágio?

7 – Quando ela incorpora parte


de Gerdau Açominas (a partir de agosto de
2005).
Isso aconteceu cinco meses após Gerdau Participaçõ
es S.A ter surgido como tal
(conforme item 1 acima). A Recorrida alega que isso
ocorreu em razão de ser um estágio intermediário
do processo de reorganização societária. A
Fiscalização diz que não questiona quais são os
objetivos maiores da reorganização do Grupo
Gerdau, mas aduz que isso não
afasta o fato de Gerdau Participações S.A ter servido
de veículo para transferência de um ágio, porque,
consultando as DIPJs, verificou que essa
empresa até então apresentava resultados
irrisórios, foi alçada à condição de holding,
com expressivo capital, para logo depois ser
extinta.

Marco Aurélio Greco afirma que, "se


formos para a jurisprudência e perguntarmos o que
incomoda o julgador a ponto de levá-lo a negar os
efeitos pretendidos pelo contribuinte", a resposta
transcenderá a questão das patologias e o incontável
debate que estas carregam quando se fala em
planejamento tributário para abordar o fenômeno da
distorção. Assim, tal debate "se desdobra pelo exame
prático, concreto, das condutas efetivamente
realizadas pelo contribuinte", de forma que "a
verdadeira patologia que está por baixo das várias
categorias", dentre as quais desvio de finalidade,
fraude à lei tributária e simulação, "é a distorção, que
pode se referir a vontades, objetivos, forma e
substância, etc" (GRECO, Marco Aurélio.
Planejamento Tributário. 2ª Ed. São Paulo: Dialética,
2008. p. 276).

Como dito anteriormente, o


planejamento tributário não cria realidades, apenas
aproveita as oportunidades oferecidas. A prova dos
autos indica que a embargante artificiosamente valeu-
se de uma das empresas inseridas em sua
reorganização societária com o fito exclusivo de criar
ágio à margem da lei tributária. Essa linha de ação,
muito embora não afete a validade dos atos e
negócios praticados, autoriza o Fisco a desconsiderá-
los para fins tributários:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO


INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE
ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO - DECISÃO
MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO
RECLAMO. INSURGÊNCIA DO AUTOR. 1. "O
negócio jurídico simulado pode ter sido realizado
para não produzir qualquer efeito, isto é, a
declaração de vontade emitida não se destina a
resultado algum; nessa hipótese, visualiza-se a
simulação absoluta. Diversamente, quando o negócio
tem por escopo encobrir outro de natureza diversa,
destinando-se apenas a ocultar a vontade real dos
contraentes e, por conseguinte, a avença de fato
almejada, há simulação relativa, também
denominada de dissimulação. De acordo com a
sistemática adotada pelo novo Código Civil,
notadamente no artigo 167, em se tratando de
simulação relativa - quando o negócio jurídico
pactuado tem por objetivo encobrir outro de natureza
diversa -, subsistirá aquele dissimulado se, em
substância e forma, for válido." (REsp 1102938/SP,
Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA,
julgado em 10/03/2015, DJe 24/03/2015). 2.
Consoante a jurisprudência deste Superior Tribunal
de Justiça, afigura-se admissível o recurso especial
que demanda novo enquadramento jurídico dos
fatos, sem que para isso seja necessário o reexame
de provas contidas nos autos. Nessa hipótese, este
STJ poderá atribuir ao caso consequências jurídicas
diferentes daquelas estatuídas pelo tribunal a quo.
2.1. No caso em tela, a descrição dos fatos contida
nos autos demandou a reforma do acórdão estadual,
para adequar a qualificação jurídica do vício
identificado no negócio jurídico, que tem contornos
de simulação relativa. Não incidência das Súmulas
5/STJ e 7/STJ 3. Agravo interno desprovido. (STJ,
AgInt no AgInt no REsp 1217876/RN, Rel. Ministro
MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em
10/04/2018, DJe 19/04/2018)

Especificamente em relação ao ágio,


peço vênia para adotar como fundamento do voto as
razões expendidas pelo MM Juiz Federal Marcel
Citro de Azevedo ao proferir sentença nos embargos
à execução fiscal nº 5054249-37.2019.4.04.7100,
envolvendo matéria semelhante:
Abstraindo-se a questão do ágio ser
interno ou externo, para fins tributários o ágio é
definido conceitualmente como parte do custo de
aquisição de um investimento societário avaliado
pelo método da equivalência patrimonial, que
sobeje o valor do patrimônio líquido desse
investimento (Decreto-Lei 1.598/77, art. 20, na
redação vigente à época).

O RIR/1999, em seu art. 386, previa a


possibilidade de amortização do valor do ágio pela
pessoa jurídica que absorvesse patrimônio de outra,
mesmo sendo coligada ou controlada, uma vez que
era expresso ao referir "na qual detenha
participação societária adquirida com ágio ou
deságio, em virtude de incorporação, fusão ou
cisão". O requisito era que que o fundamento do ágio
fosse o valor de rentabilidade da coligada ou
controlada, com base em previsão dos resultados nos
exercícios futuros.

O ágio é um valor adicional cobrado


em operações financeiras. Constitui um preço
adicional, quando participações societárias ou ativos
de uma empresa são adquiridas por um custo de
aquisição superior ao valor contábil registrado nas
demonstrações financeiras. O ágio pago por
expectativa de rentabilidade futura, sinônimo
de goodwill, pode ser definido como uma esperança
no incremento do lucro da adquirente ao longo dos
anos: muitas vezes o conjunto de ativos combinados
possuem um valor comercial muito maior do que
separados, e este conjunto, bem sincronizado,
funcionaria como uma garantia de rentabilidade
futura, o que faz com que o investidor aceita
desembolsar o ágio.

Logo, é da natureza do ágio que a


aquisição que o gerou seja onerosa, pois ágio é
sobrepreço, e não há de se falar em sobrepreço sem
preço, medida monetária do valor.
Assim, parece clara a impossibilidade
conceitual e jurídica de existência do ágio em uma
aquisição não onerosa. A própria redação do art.
20 do Decreto-Lei nº 1.598/77, vigente ao tempo dos
fatos, ao determinar o desdobramento do custo de
aquisição (custo relacionado a dispêndio) em valor
do patrimônio líquido ao tempo da aquisição, e ágio
ou deságio na aquisição, assim entendido como a
diferença entre o custo de aquisição do investimento
e o valor de que trata o inciso I, refere-se a uma
expressão monetária).

Eventual inexistência do ágio


impediria, por óbvio, o seu desdobramento em duas
expressões monetárias diversas. Logo, uma análise
sintática e semântica do texto do artigo 20 deixa
assente que o ágio - seja interno, seja externo
- deverá sempre estar correlacionado a um
desembolso, seja por parte dependente, seja por
parte independente.

Ademais, a definição dos conceitos do


Direito Privado (CTN, art. 110), dentre os quais a
figura do ágio, não devem ser alterados pelo
legislador tributário, nem de forma benéfica nem de
forma prejudicial a quaisquer dos polos da relação
fisco-contribuinte. Seus efeitos tributários, todavia, a
teor do artigo 109 do CTN, são definidos pela
legislação tributária, nos exatos termos da redação do
referido artigo 20, conforme sua vigência ao tempo
dos fatos.

Verifica-se, no ponto, que a lei


tributária definiu os efeitos tributários da
amortização do ágio, sem alterar a sua definição,
seguindo a diretriz do artigo 110 do CTN. Em
complemento, saliente-se que a amortização fiscal do
ágio tem natureza de benesse tributária ou favor
fiscal, devendo como tal ser interpretada de uma
forma não extensiva, assim como se interpretam os
limites e o alcance da isenção, forte no artigo 111, II,
do CTN:

" A interpretação a que se refere o art.


111 do CTN, é a literal, que não implica,
necessariamente, diminuição do seu alcance, mas
sim sua exata compreensão pela literalidade da
norma." (REsp 1471576/RS, Rel. Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA,
julgado em 27/10/2015, DJe 09/11/2015)

Portanto, o ordenamento jurídico


tributário não autoriza interpretação que alargue a
autorização legal vigente ao tempo em que se fez a
restruturação com o fim de gerar ágio indevido.

Nesse aspecto, cumpre salientar que o


aporte feito pelo Banco Itaú S.A. no decurso das
operações societárias não representou pagamento de
ágio, mas sim um aumento de capital. O Banco Itaú
S.A. adquiriu participação societária na Gerdau
Participações S.A. sem o pagamento de ágio,
aceitando, portanto, o valor patrimonial apontado na
escrita da GPAR, consoante laudo de avaliação. Não
houve pagamento de sobrepreço.

Ressalte-se, ainda, que o aumento de


capital realizado pelo grupo Itaú na GPAR não
importou qualquer aquisição das ações da Gerdau
Açominas pelo grupo Gerdau que pudesse justificar o
ágio apto a reduir o lucro tributável da embargante.

Esse aumento de capital importou a


aquisição de 3,39% das quotas da GPAR pelo
Banco Itaú, onde essa última empresa figurou como
alienante direta, a GERDAU S/A, em face da sua
inércia, como alienante indireta, e o grupo Itaú como
adquirente. Três dias após tal aumento de capital, a
GERDAU AÇOMINAS incorporou a GERDAU
PARTICIPAÇÕES, e, assim, aquela sociedade passou
a deter os recursos aportados pelo grupo Itaú, e esse
grupo passou a deter ações da sociedade.

Tal participação proporcionou


indiretamente a venda de ações pelo grupo Gerdau, o
que nunca poderia dar ensejo ao registro de um ágio.
O registro do ágio seria possível pelo grupo Itaú, o
que não se discute no presente processo.

Ante o exposto, voto por dar


provimento ao apelo para rejeitar os embargos à
execução. Sem condenação da embargante em
honorários (art. 1º do Decreto- Lei nº 1.025/69).
Invertidos os ônus sucumbenciais em razão da
reforma da sentença, julgo prejudicado o apelo da
embargante.

Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES


LIPPEL, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III,
da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região
nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do
documento está disponível no endereço eletrônico
http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o
preenchimento do código verificador 40002475436v63 e do código
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Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 12/4/2021, às 14:55:59

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