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Superior Tribunal de Justiça

AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.104.109 - RJ (2008/0249490-4)

RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON


AGRAVANTE : MARIA IGNEZ PEREIRA
ADVOGADO : LEO PERES KRAFT E OUTRO(S)
AGRAVADO : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

DECISÃO

PROCESSO CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - RECONSIDERAÇÃO -


EVOLUÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL- PRESUNÇÃO DE CERTEZA
E LIQUIDEZ DE TERCEIRO CORRESPONSÁVEL - NECESSIDADE DE
COMPROVAÇÃO DE CAUSA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA EM
PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL - INEXISTÊNCIA - ÔNUS PROBATÓRIO DO
FISCO.

Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão que, no regime do art.


543-C do CPC, deu provimento ao recurso especial, nos seguintes termos:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL -


REDIRECIONAMENTO - NOME NA CDA - ÔNUS DA PROVA DA PRÁTICA DE ATO
ILEGAL OU COM EXCESSO DE PODERES: SÓCIO - ENTENDIMENTO REAFIRMADO
POR ESTA CORTE NO JULGAMENTO RESP 1.104.900/ES, SUBMETIDO AO REGIME
DO ART. 543-C DO CPC.
(fl. 234)

Sustenta a agravante que para que seja possível a indicação na CDA do


administrador como responsável tributário, faz-se necessário que lhe seja imputada, no processo
administrativo fiscal, uma conduta ilícita decorrente de excesso de poderes ou infração à lei,
contrato social ou estatuto, devendo ainda tal imputação ser devidamente comprovada.
Alega que, como o acórdão do Tribunal de origem firmou a premissa de que no
processo administrativo fiscal 10665.00158/87-99 não houve qualquer demonstração da qualidade
de administradora da agravante nem da prática de atos ilícitos de sua parte, a sua submissão à
condição de responsável tributário pelo ato de inscrição iria de encontro ao apurado no
procedimento que o precedeu.
Aduz, em conclusão, que se desincumbiu do ônus que lhe cabia, afastando a
presunção de certeza da CDA, não se aplicando ao caso, portanto, o entendimento adotado pelo
REsp 1.104.900/ES.
É o relatório.

DECIDO:

Quanto à matéria de fato, o acórdão recorrido assim se pronunciou:

Com efeito, pela documentação acostada, cópia do Processo


Administrativo 10665.00158/87-99, às fls. 57/145, o que se verifica é que, em nenhum
momento, a Fazenda Nacional logrou comprovar a qualidade de administradora da sócia, a
quem pretende responsabilizar, pessoalmente, pelas dívidas fiscais da empresa, ou que
tenha havido, de sua parte, a prática de atos com excesso de poderes, infração à lei,
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contrato social ou estatuto, ou ainda, que esses atos tenham, efetivamente, dado origem
ao crédito tributário. (fl. 186)

Tenho a ponderar que a jurisprudência desta Corte depois de muitas discussões e


desencontros firmou entendimento quanto a interpretação do art. 135 do CTN, evitando assim a
adoção de uma execrável responsabilidade objetiva dos sócios e administradores, pelo
inadimplemento da pessoas jurídica, de tal forma que passavam a responder, independentemente
de dolo ou culpa pelos débitos da sociedade, inclusive com o seu patrimônio.
Sedimentado o entendimento de que para o redirecionamento da responsabilidade
do sócio era preciso provar o dolo ou culpa do sócio ou administrador, veio à Primeira Seção um
novo entendimento, o qual nada tem a ver com o art. 135 do CTN de forma direta. O
entendimento veio por voto do Ministro Castro Meira no EREsp 702.232/RS, que trouxe à Corte
o entendimento de que, se o nome do sócio estivesse constando da CDA já se considerava, por
presunção, sua a responsabilidade pelo não pagamento, de tal forma que só se livraria do encargo
provando que não se houve com culpa.
Na oportunidade, lembro-me bem, disse que considerava a tese perigosa, pelos
reflexos que pudesse ter quanto a interpretação do art. 135, com entendimento já sedimentado.
O pensamento de todos que acompanharam o relator foi no sentido de que o fisco
só incluía o nome do sócio na CDA depois de realizar apuração na esfera administrativa, dando
ao sócio a oportunidade de defesa. Enfim, foi com base nesse pressuposto que se votou a nova
tese que em princípio se harmonizava com o art. 135 do CTN.
A prova maior da assertiva é que, na hipótese dos autos o relator, ao aplicar a
nova tese disse com todas as letras o que foi discutido na sessão de julgamento, quando se aderiu
ao entendimento.
Entretanto, na hipótese dos autos a aplicação da jurisprudência vulnera, sem
dúvida alguma o disposto no art. 135 CTN, adotando portanto a responsabilidade objetiva dos
sócios de sociedade por quota de responsabilidade limitada, o que é um absurdo, alem de
atropelar a técnica do recurso especial. Sim porque o novo entendimento, ou seja, ao inverter o
ônus da prova, é obrigatório que se garanta ao sócio oportunidade de defesa, provando que não
se houve com dolo ou culpa, para só então ser possível a aceitação do redirecionamento.
O problema atualmente é que o processo administrativo fiscal é cada vez mais
raro. As Turmas da 1ª. Seção possuem entendimento tranqüilo de que quando o contribuinte
declara os fatos jurídicos tributários e o Fisco concorda com a declaração efetuada não há
necessidade de processo administrativo (cf. REsp 859.855/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 19/02/2009 AgRg no REsp 671.018/RS, Rel.
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2009,
DJe 06/08/2009). Mas esta declaração é suficiente para impor responsabilidade tributária a
terceiro? Inclusive, quando este terceiro estaria formulando prova contra si de um possível ilícito
comercial, civil, trabalhista, penal etc?
Por conseguinte, esta interpretação que o STJ vem conferindo aos arts. 3º,
parágrafo único, da LEF e arts. 135 e 204, parágrafo único, do CTN, relativa à presunção de
legitimidade da CDA e atribuição de ônus probatório ao responsável, é compatível com a
Constituição Federal, em especial com o devido processo legal?
Chegou o momento da jurisprudência da Corte evoluir no estudo da presunção de
certeza e de legitimidade da CDA com relação ao terceiro, responsável tributário, em todas as
modalidades de responsabilidade previstas no CTN.
No atual estágio do entendimento jurisprudencial do tema, devemos verificar qual
o fundamento normativo dessa presunção de legitimidade da CDA e sua amplitude.
Segundo Jaime Marins ela decorre da autotutela do Estado e funda-se na
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participação do devedor (contribuinte ou responsável) no processo administrativo de constituição
do crédito fiscal:

De plano, note-se que esse título não se origina em sentença


condenatória - não existe execução de caráter tributário fundada em título judicial - e ao
contrário de outros títulos executivos extrajudiciais que se formam ou bilateralmente ou
por iniciativa do devedor (como os contratos ou títulos de crédito), a formação da Certidão
de Dívida Ativa (CDA) se dá através de iniciativa exclusiva da Fazenda Pública, que é
credora. Ao contrário dos outros títulos executivos onde se manifesta a vontade do
devedor (títulos extrajudiciais civis ou comerciais) ou o pronunciamento condenatório do
Poder Judiciário (títulos judiciais), a Certidão de Dívida Ativa é manifestação da autotutela
do Estado em matéria exatorial.
(...)
Submete-se a execução à prévia inscrição do débito em dívida ativa, que
está a cargo da Fazenda Pública, que tem o dever de realizá-la. Então, observadas as
formalidades necessárias para o reconhecimento pleno do crédit ao ser executado no
âmbito administrativo, pode ter início a execução fiscal. É portanto limitada a execução ao
que foi aferido no procedimento administrativo que ampara o ato de lançamento e onde
dá-se o acertamento do crédito plasmado no título que instrumentaliza a execução.
A CDA deve refletir de forma idônea o que se apurou no procedimento
administrativo. Semelhante detalhe por vezes escapa à autoridade fiscal. É o que ocorre,
por exemplo, quando sem se fazer referência expressa no título busca o Fisco cobrar a
dívida de suposto responsável cujo nome é estranho à execução ou proceder alterações
no título executivo que não foram legitimadas por anterior acertamento. (in Direito
processual tributário (administrativo e judicial). São Paulo: Dialética, 2001, pp. 535-6)

Com efeito, somente aquilo que resultou do processo administrativo fiscal possui
presunção de certeza e de legitimidade. Somente o resultado da atuação das partes em
contraditório na formação do título executivo confere-lhe a presunção de legitimidade própria dos
atos administrativos. A participação do devedor na formação do título executivo é uma constante
em nosso sistema processual.
O ato de lançamento não é um ato administrativo como o resultante do poder de
polícia, que é autoexecutável. O Estado precisa obter o título executivo para alcançar o
patrimônio privado. E para que esse título seja válido deve passar por rígido controle de legalidade
através de processo administrativo, chancelado finalmente pelo ato de inscrição em dívida ativa,
que se constitui na última instância do controle de legalidade da persecução tributária.
Nesse sentido, correta a jurisprudência quando entende prescindível a formação
do processo administrativo se a Administração concorda com a declaração do contribuinte ou do
responsável porque a declaração expressa sua responsabilidade e a ocorrência do fato gerador.
Porém, nessa declaração não há elementos que configurem a responsabilidade tributária de
terceiro, principalmente por ato ilícito ou contrário ao estatuto ou contrato social.
Disso deflui que a presunção da CDA só deve ser aplicada no que estiver
legitimada por declaração do contribuinte ou pelo processo administrativo de constituição da
dívida. Se o Fisco pretende estender a responsabilidade tributária ao substituto cuja
responsabilidade decorre da lei, basta comprovar na CDA a declaração do responsável
assumindo o dever de recolhimento do tributo e a própria materialização fática da hipótese
normativa; se o Fisco pretende alcançar o responsável por transferência deve comprovar o
evento fático que desencadeia a sucessão passiva; em outras palavras, a CDA deve expressar o
evento fático contido em declaração ou em processo administrativo tributário como condição para
a aplicação da presunção de certeza, liquidez e legitimidade do título executivo.
Esta a exegese que se deve atribuir ao art. 2º, § 5º, I e III, da LEF.
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Na doutrina, defendendo o mesmo entendimento, colho a lição de Leandro
Paulsen:
A responsabilidade tributária depende da concorrência de dois
pressupostos de fato: o fato gerador do tributo e aquele próprio da responsabilidade. Essa
circunstância de a obrigação do terceiro de responder pelo inadimplemento do
contribuinte ter seu pressuposto de fato específico, torna imperativo que tal seja apurado
e declarado.
Do fato gerador do tributo só decorre a obrigação de contribuinte, de
modo que o lançamento que se limita a verificar a sua ocorrência, apontar o montante
devido e identificar o contribuinte notificando-o para pagar, não se presta senão para
formalizar a obrigação deste. Do mesmo modo, a declaração do contribuinte em que
reconhece seu débito tributário não vincula senão ele próprio ao Fisco.
Para que o terceiro tenha sua eventual obrigação de responder pelo
tributo formalizada, faz-se indispensável a verificação também do pressuposto específico
de tal obrigação, a indicação do seu objeto próprio (nem sempre coincidente com o da
obrigação do contribuinte) e a identificação do seu particular sujeito passivo.
Não há dúvida de que não se exige do Fisco que vá a Juízo para, em ação
de conhecimento, ver reconhecida tal obrigação do terceiro. Mas também não pode haver
dúvida quanto à necessidade de o Fisco apurar administrativamente tal responsabilidade,
assegurando ao suposto responsável o devido processo legal, o que pressupõe a
possibildiade oferecer defesa administrativa.
(...)
Não cabendo inovações por ocasião da inscrição em dívida ou de sua
certificação, a presença do nome do terceiro responsável no termo de inscrição e na
certidão, pois, também pressupõe prévias verificação e declaração administrativas de
responsabilidade. Note-se que "quem não foi notificado para o procedimento do
lançamento, não poderá juridicamente figurar no Termo de Inscrição em Dívida Ativa, que
decorre daquele procedimento, e nem na CDA, que reproduz os dados desse mesmo termo.
Assim, a Certidão de Dívida Ativa, para constituir título idôneo e
suficiente ao redirecionamento da execução contra o responsável deve apontar não
apenas o seu nome, mas também o fundamento legal da responsabilidade e o número do
processo administrativo em que apurado o seu pressuposto de fato específico e ensejada
a defesa do responsável. (in Responsabilidade tributária: seu pressuposto de fato
específico e as exigências para o redirecionamento da execução fiscal. Revista de
Estudos Tributário, v. 11, n. 68 - jul/ago 2009. São Paulo: IOB, pp. 7-20.

Portanto, da análise da jurisprudência desta Corte, da doutrina e da própria prática


fiscal pode-se chegar às seguintes conclusões:
a) a presunção de legitimidade da CDA é eficaz contra o contribuinte que realiza
a declaração tributária (DCTF, GFIP, GIA etc), sendo desnecessária a formação de processo
administrativo em tais casos; por conseguinte, é ônus do contribuinte desconstituir esta presunção,
o qual pode fazê-lo pela via da exceção de pré-executividade - se não demandar dilação
probatória -, ou pela via dos embargos de devedor;
b) haverá presunção de legitimidade da CDA quanto ao corresponsável se o Fisco
fundamentar no título a existência de processo administrativo prévio no qual se debateu a
responsabilidade do terceiro, ou quando realizar declaração tributária atestando sua
responsabilidade, quando se aplicará a mesma distribuição do ônus probatório discriminada acima;
c) inexistirá a presunção de legitimidade da CDA quanto ao sócio quando este
não formular declaração tributária ou quando não houver prévio processo tributário de
formalização da dívida, decorrendo a necessidade do Fisco comprovar o suporte fático que
autoriza a eficácia do título em relação ao terceiro, seja em juízo em procedimento incidental ou
através de processo administrativo fiscal; e
d) sempre que o sócio não constar do título executivo, é necessário o Fisco abrir
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incidente processual (questão incidental) para demonstrar em juízo (ou até mesmo fora dele
quando por iniciativa própria instaura procedimento de lançamento contra o(s) sócio(s)) a causa
jurídica da responsabilidade (dependente das circunstâncias de fato que originam as diversas
modalidades de responsabilidade tributária).
Aliás, nesse sentido - quando o sócio não está arrolado no título executivo -, a
jurisprudência é pacífica em se atribuir o ônus da prova ao Fisco, justamente porque sequer há
como atribuir presunção de legitimidade e certeza ao título executivo em relação ao sócio que às
escâncaras não participou do processo administrativo de constituição da dívida (cf. EREsp
635.858/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/03/2007, DJ 02/04/2007 p. 217).
Com estas considerações, RECONSIDERO a decisão agravada para negar
seguimento ao recurso especial, nos termos do art. 557 do CPC.
Brasília (DF), 03 de setembro de 2009.

MINISTRA ELIANA CALMON


Relatora

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